1) Introdução/Princípios Básicos 1) O impulso elétrico cardíaco a) Despolarização e Repolarização
• O eletrocardiograma é um registro da atividade elétrica do coração.
• As células cardíacas, quando em estado de repouso são eletricamente polarizadas. o O meio externo é negativo enquanto o externo é relativamente positivo.
o A polaridade iônica é mantida através das bombas de membrana (potássio, cloro, sódio e cálcio) • A despolarização é o evento através do qual as células cardíacas perdem sua polaridade e é o principal evento elétrico do coração. Esse fenômeno difunde-se entre todas as células cardíacas, gerando uma corrente elétrica, a qual pode ser mensurada por eletrodos colocados na superfície corporal.
• O processo seguinte é a repolarização, mediada pelas bombas iônicas, que restauram o gradiente elétrico inicial da célula cardíaca.
• A despolarização e a repolarização são os eventos principais mensurados pelo ECG. b) Células Cardíacas
• Resumidamente, o coração consiste em três principais tipos celulares:
o Marca-passo: são aquelas células que, em condições fisiológicas, são a fonte normal de eletricidade cardíaca.
§ São capazes de se despolarizar espontaneamente de forma repetida e espontânea § Cada despolarização serve como fonte de uma onda elétrica, que inicia um ciclo cardíaco
completo de contração e relaxamento.
§ Com cada “ciclo elétrico” é gerado um potencial de ação
Repouso - Exterior negativo - Interior positivo Despolarização - Exterior positivo - Interior negativo Repolarização - Exterior negativo - Interior positivo
§ Essas células NÃO apresentam um potencial de repouso bem definido (despolarização lenta até atingir o limiar de excitabilidade)
§ Essas células estão localizadas no nó sinoatrial, localizado no átrio direito. Células nesse local podem apresentar sua frequência regulada (para mais ou para menos) com base em estímulos neuro-hormonais (SNA).
§ TODAS as células apresentam potencial de se tornarem células marca-passo, principalmente em situações patológicas, nas quais o nodo sinusal não é capaz de exercer sua função de forma regular.
o Condução elétrica: “fios do coração”
§ São as células que transportam a corrente de forma eficaz para regiões distintas no coração. § Dividem-se anatomicamente em: condução
atrial (feixe de Bachman levam para o AE) e sistema de Purkinge (ventrículo)
o Células miocárdicas: são as células contráteis do coração § São a maioria das células cardíacas
§ Apresentam a função de contração e relaxamento repetido
§ Quando a onda de despolarização atinge uma célula miocárdica, o cálcio é liberado para o interior da célula, motivando a sua contração. Esse processo é denominado de acoplamento excitação-contração
§ Conseguem também disseminar o potencial de ação, contudo, realizam esse fenômeno de forma lenta.
2) O eletrocardiograma a) Ondas do ECG
• As ondas que aparecem em um ECG refletem a atividade elétrica das células miocárdicas. • Como quaisquer ondas, apresentam três características principais:
o Duração (s) o Amplitude (mV)
o Configuração (“forma”)
• O papel do ECG consiste em vários “quadradinhos” de 1x1 mm, os quais se agrupam em “quadradões” maiores, de 5x5 mm.
o Tempo:
§ Quadrado pequeno = 0,04 segundos § Quadrado grande = 0,2 segundos o Voltagem
§ Quadrado pequeno = 0,1 mV § Quadrado grande = 0,5 mV
• Onda P: representa a despolarização que percorre o miocárdio atrial. Devido a localização do nodo SA, o átrio direito começa a se despolarizar antes do esquerdo. Logo, é possível dividir essa onda em dois componentes, em que o primeiro representa predominantemente a despolarização do átrio direito e a segunda representa a despolarização do átrio esquerdo.
• ATENÇÃO! Após a onda P, ocorre uma “pausa” no ECG, que corresponde ao isolamento elétrico presente entre os átrios e os ventrículos, causada pelo nó atrioventricular, o qual consegue reduzir a velocidade de condução por uma fração de segundo. Esse é um fenômeno essencial, pois permite que os átrios terminem a sua contração antes que os ventrículos comecem a se contrair.
o Essa estrutura TAMBÉM sofre ação do SNA, A estimulação vagal “aumenta” o efeito redutor, enquanto a simpática acelera a corrente.
• Após o retardo no nó AV, o processo de despolarização segue para os ventrículos, onde se propaga de forma rápida, devido a ação de três conjuntos elétricos: feixe de HIS, ramos do feixe de HIS e fibras de Purkinje.
o ATENÇÃO! O feixe de His se divide em dois ramos: o ramo direito e o esquerdo § Ramo direito: leva corrente para o lado direito do septo IV até o ápice do VD § Ramo esquerdo: divide-se em fascículo septal, anterior e posterior.
• Septal: despolariza o septo interventricular • Anterior: corre pela superfície anterior do
VE
• Fascículo posterior: cobre a superfície posterior do VE
• Complexo QRS: é uma grande deflexão do ECG, que indica a despolarização e contração ventricular. Esse complexo é extremamente variável em forma e estrutura. A maior parte do que é observado no ECG representa a ativação ventricular esquerda, devido a massa muscular muito maior dessa porção.
o Primeira deflexão: despolarização do septo IV pelo fascículo septal do ramo esquerdo § Se, para baixo: onda Q
§ Se, para cima: onda R
§ Se houver uma segunda deflexão para cima: onda R’
§ Se, deflexão para baixo após uma deflexão para cima (onda R): onda S § Toda a configuração é uma deflexão para baixo: onda QS
• Onda T: corresponde a repolarização ventricular, processo em que a eletronegatividade presente em seu interior é restaurada. Costuma ser mais larga e mais arredondada, por ser um processo mais demorado do que a despolarização.
b) Intervalos e segmentos do ECG
• Um segmento é uma linha reta que conecta duas condas
• Intervalo PR: engloba a onda P e o segmento que a conecta ao complexo QRS.
o ATENÇÃO! Esse intervalo mede o tempo desde o início da despolarização atrial até o início da despolarização ventricular.
• Segmento PR: linha reta que vai do final da onda P até o início do complexo QRS.
o ATENÇÃO! Esse segmento mede o tempo do final da onda de despolarização atrial até o início da despolarização ventricular.
• Intervalo QT: vai do início do QRS até o final da onda T
o ATENÇÃO! Esse intervalo mede a duração do início da despolarização ventricular até o final da repolarização.
• Segmento ST: conecta o final do complexo QRS com o começo da onda T
o ATENÇÃO! Esse segmento mede o tempo do final da despolarização ventricular até o início da repolarização ventricular.
• Intervalo QRS: descreve a duração do segmento QRS
c) Formação de ondas
• ATENÇÃO: o princípio básico da formação de ondas pelo ECG é o seguinte:
o Ondas de despolarização que se movem em direção ao eletrodo positivo causam uma deflexão positiva no ECG
o Ondas de despolarização que se movem para longe do eletrodo positivo causam uma deflexão negativa no ECG
o Portanto, a visualização de uma onda que se move penperdicularmente ao eletrodo positivo é uma onda bifásica (primeiro aproxima e depois afasta)
o Ondas de repolarização que se movem em direção ao eletrodo positivo causam uma deflexão negativa no ECG
o Ondas de repolarização que se movem para longe do eletrodo positivo causam uma deflexão positiva no ECG
o “TUDO o que é negativo, vai para o que é positivo, e o ângulo de visão É SEMPRE POSTIVO.”
d) As derivações do ECG
• Atualmente, o ECG padrão consiste em 12 derivações, as quais podem ser entendidas como “formas de ver o coração”. O coração é um órgão tridimensional, e, portanto, sua atividade elétrica também deve ser
percebida com tal princípio em mente. Cada derivação “vê” uma região cardíaca de forma mais eficaz do que outras (sensibilidade”).
• O paciente é preparado da seguinte forma: o Dois eletrodos nos braços
o Dois eletrodos nas pernas
o Seis eletrodos na região precordial • As derivações dividem-se em três:
o Três derivações-padrão o Três derivações aumentadas o Seis derivações precordiais
• As derivações dos membros (padrão e aumentadas) vêm o coração em um plano vertical, denominado de plano frontal. Esse pode ser compreendido como um grande círculo sobreposto ao corpo do paciente, o
qual é então graduado em ângulos, a partir dos quais os eletrodos observam as forças elétricas se movendo.
o Derivações-padrão: Cada derivação tem o seu ângulo de orientação, o qual pode ser compreendido como sua visão específica do coração. Esse pode ser determinado desenhando-se uma linha do eletrodo negativo ao eletrodo positivo. O ângulo resultante é expresso em graus pela sua sobreposição no círculo do plano frontal.
§ Derivação I: 0 § Derivação II: 60 § Derivação III: 120
o Derivações aumentadas: são formadas através da escolha de uma derivação (I, II ou III) como positivas e as restantes são tomadas como negativas. Cada eletrodo pode variar entre negativo e positivo. Derivações dos membros A orientação do eletrodo sempre se dá do polo negativo para o positivo
§ aVL: toma-se o braço esquerdo como positivo (“left”). Seu ângulo de orientação é -30. § aVR: toma-se o braço direito como positivo (“right”). Seu ângulo de orientação é -150 § aVF: toma-se as pernas como positivas (“foot”). Seu ângulo de orientação é 90
o Na figura abaixo, observam-se todas as seis derivações do plano frontal e seus respectivos ângulos de orientação.
o Com base na imagem acima, é possível perceber que cada derivação consegue observar melhor algum lado do coração, com isso, as derivações frontais são agrupadas em: inferiores, laterais esquerdas e lateral direita.
Derivações Ângulo Derivações inferiores Derivação II Derivação III Derivação aVF 60 120 90 Derivações laterais esquerdas
Derivação I Derivação aVL
0 -30 Derivação lateral direita
• As derivações precordiais, também conhecidas como derivações torácicas, observam o coração em um plano horizontal, portanto, registram forças elétricas se movendo anterior e posteriormente, enquanto as frontais conseguem apenas registrar forças que se movem para cima, para baixo, para esquerda e para direita.
o V1: colocado no quarto espaço intercostal à direita do esterno o V2: colocado no quarto espaço intercostal à esquerda do esterno o V3: colocado entre v2 e v4
o V4: colocado no quinto espaço intercostal, na linha hemiclavicular esquerda
o V5: colocado entre V4 e V6
o V6: colocado no quinto espaço intercostal, na linha axilar média
o Assim como as derivações frontais, cada derivação torácica consegue observar o coração em um ângulo específico de forma mais eficaz.
e) Os vetores do ECG
• O ECG consegue apenas registrar o fluxo médio de corrente em determinado momento. • O ângulo de orientação do vetor é a direção desse fluxo
• O comprimento do vetor equivale a voltagem (amplitude) desse fluxo. f) O ECG normal de 12 derivações
• Onda P: o fluxo elétrico resultante é um vetor que aponta da direita para a esquerda e discretamente para baixo. Ao traçar a roda dos ventos, devemos verificar quais as derivações que observam a onda de despolarização se movendo em sua direção, visto que essa irão registrar uma deflexão positiva no ECG. Ao contrário, as que observam as ondas se afastando, observa-se-à o contrário.
Anterior Lateral esquerda
Lateral direita
o Positiva: derivações lateral esquerda e inferior § I, II, aVL
§ V5 e V6
o Negativa: derivações do VD § aVR
o ATENÇÃO! A derivação III se posiciona de forma aproximadamente perpendicular a onda de despolarização, e, como já explicitado anteriormente, tal fenômeno gera dois momentos: um de aproximação e outro de afastamento. Isso leva a formação de uma onda P bifásica.
o ATENÇÃO! Devido a fatores pessoais (variações anatômicas e angulação do impulso), é possível encontrar variações nas características supracitadas. A variação da faixa normal do vetor da onda P é de 0 a 70.
• Complexo QRS: como nosso amigo Jack costuma dizer: “vamos por partes”
o Onda Q septal: o septo interventricular é a primeira parte do coração a se despolarizar, e seu vetor é gerado da esquerda para a direita. Essa nem sempre é visível no ECG, contudo, apresenta-se como negativa nas derivações esquerdas (I, aVL, V5 e V6)
o O restante do complexo: o ventrículo esquerdo, devido a sua grande massa, domina o restante do complexo QRS, portanto, o vetor resultante é para baixo e para a esquerda
§ Ondas R (deflexões positivas): presentes nas derivações laterais esquerdas e inferiores
§ Onda S (deflexão negativa): derivação direita – aVR
§ Derivação V1: registra onda S, visto que a onda se afasta do VD
§ Derivação V3 e V4: apresentam um padrão bifásico, pois registram uma onda R e uma onda S de amplitude quase igual.
§ Derivação V5 e V6: registram ondas R positivas altas.
§ ATENÇÃO! Como explicitado
anteriormente, é possível observar uma progressão da onda R nas derivações de V1 a V6, visto que essa se torna progressivamente positiva com o aumentar das derivações. A transição geralmente ocorre entre V3 e V4. Quando desviadas, pode ser uma zona de progressão lenta ou uma zona de progressão precoce.
• Onda T: representa a repolarização ventricular o Não apresenta um padrão bem definido, por ser suscetível a diversas influências (hormonais, neurológicas...)
o No coração normal, geralmente a repolarização começa da última área a ser despolarizada e viaja em uma direção OPOSTA à onda de despolarização.
§ ATENÇÃO! Lembre-se que ondas de repolarização que se
afastam também inserem uma deflexão positiva no ECG! Portanto é normal encontrar ondas T positivas nas derivações com onaas R positivas.
g) Determinação do eixo cardíaco
• O eixo cardíaco equivale a direção do vetor médio de atividade cardíaca, sendo esse equivalente a soma de todos os vetores instantâneos. Pode ser definido apenas no plano frontal.
• É possível determinar a normalidade do eixo olhando APENAS para DI e aVF. Caso o complexo QRS seja positivo nessas duas derivações, o eixo QRS é normal!
o Isso se deve a posição em 0 de DI, logo, caso o vetor médio de QRS esteja direcionado em qualquer lugar entre -90 e +90, QRS irá registrar um complexo predominantemente positivo.
o A derivação aVF é orientada a +90, portanto, qualquer eixo entre 180 e 0 irá se apresentar como positivo nessa derivação.
o Por lógica, caso ambos as derivações sejam positivas, o vetor pode estar apenas no local onde ambas o são, ou seja, entre 0 e +90!
o Portanto, caso o QRS esteja negativo em DI ou aVF, o eixo cardíaco é anormal!
• Para determinar o eixo de forma mais precisa, devemos
identificar a derivação em que o complexo QRS se apresenta de forma bifásica, e orientar o eixo perpendicularmente a derivação (lembre dos princípios básicos).
• Quando anormal, o eixo pode estar:
o Desviado para direita: 90 < x < 120 (aVF positivo, negativo em DI) o Desviado para a esquerda: 0 < x < - 90 (aVF negativo, positivo em DI o Desvio extremo para direita: - 90 < x < 180 (aVF e DI negativos)
3) Sistematização da leitura do ECG • Mnemônico “SOFRIDO”
o S - segmentos
o O – orientação do eixo (para onde o coração aponta sua atividade elétrica) o F – frequência cardíaca o R - ritmo o I - intervalos o D – derivações o O – ondas § Forma
§ Onda
§ Comprimento § Amplitude
• Sempre conferir a identidade do paciente, checar a calibração do aparelho... a) Ondas
• P: despolarização atrial
o Forma: em geral é uma onde positiva, em exceção da derivação aVR. o Comprimento: pode ir até 3mm (3 quadradinhos)
o Amplitude: pode ir até 2,5 mm (2,5 quadradinhos) • QRS: despolarização ventricular
o Forma: variada, de acordo com a derivação. Geralmente é estreito o Comprimento: geralmente menor do que 3mm
o Amplitude: é variável • T: repolarização ventricular
o Forma: costuma ser assimétrica
o Comprimento: costuma ser comparado com o comprimento do intervalo QT o Amplitude: avaliada apenas em alterações eletrolíticas do potássio
b) Intervalos
• Intervalo PR: dura de 120 a 200 ms (3 a 5 quadradinhos)
o Mede o atraso de duração do estímulo durante passagem no nó AV
o Mais bem medido nas derivações em que o intervalo é mais longo e P e QRS apareçam bem definidos.
• Intervalo RR: medido entre as ondas R
o Observar se as distâncias são uniformes (ritmo regular) o Útil para o cálculo de frequência cardíaca.
• Intervalo QT: o normal é que seja menor que 50% do intervalo RR o Duração total da atividade elétrica ventricular
o É inversamente proporcional a frequência cardíaca • Segmento ST: deve estar nivelado com o intervalo PR
o Importante para definição de isquemia coronariana (IAM) c) Derivações
• Observar as 6 precordiais e as 6 frontais o Precordiais: progressão da onda R
o Frontais: d) Frequência
• Vai de 60 a 120 bpm fisiologicamente • Determinada pelo nó sinusal
• ATENÇÃO! Calcula-se dividindo 1500 pelo número de quadradinhos no intervalo RR ou dividir 300 pelo número de quadradões no intervalo RR.
• ATENÇÃO! Para ritmos irregulares, contar o número de QRS e multiplicar por 10 (30 quadrados grandes) e) Ritmo cardíaco
• Observar regularidade do RR.
• Observar presença de onda P (ritmo atrial ou ventricular) f) Eixo cardíaco
• Geralmente utiliza-se as derivações frontais! • O eixo normal varia entre -30 e 90 (aVL e aVF).
o Pode estar desviado para esquarda ou para direita!