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PROSTITUIÇÃO, CRIMES PASSIONAIS E PROFILAXIA VENÉREA NO MUNICIPIO DE PARANAGUÁ ( )

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PROSTITUIÇÃO, CRIMES PASSIONAIS E PROFILAXIA VENÉREA NO MUNICIPIO DE PARANAGUÁ (1926-1936)

Wellington do Rosário de Oliveira

UFPR – Universidade Federal do Paraná Resumo: A prostituição, enquanto pratica e abordagem, sempre foi tratada com descaso e preconceito, na tendência de longa duração na história. Dessa forma, como em grandes centros urbanos brasileiros, no início do século passado, o município de Paranaguá, no litoral do Paraná, teve seu cotidiano povoado por representações do feminino que, de modo sistemático, desafiaram as autoridades policiais, através de práticas e condutas desviantes. Embora se trate de uma cidade histórica, os caminhos trilhados no embate historiográfico sobre narrativas que levam a repensar a história social de grupos marginalizados são poucas, ou quase inexploradas. Dessa forma, este artigo busca examinar a relação entre criminalidade, prostituição e de práticas médicas no combate à sífilis em Paranaguá, por estar situada em uma região portuária, com ênfase entre os anos de 1926-1936. Através do quadro teórico-metodológico, busca-se compreender o fenômeno da criminalidade e da prostituição, através do uso de periódicos como fonte historiográfica e de relatórios oficiais, referentes à vida daquelas que exerceram a prostituição na cidade.

Palavras-chave: Criminalidade; Paranaguá; Prostituição; Profilaxia Venérea.

Financiamento: CAPES – DS

Introdução:

No Brasil, durante o começo do século XX, à medida que as grandes cidades cresciam, o espaço urbano se tornou cada vez mais restrito e disputado por diferentes grupos “alternativos”. Esses grupos “absorviam” os efeitos contrários de uma noção de progresso e modernidade. Em cidades litorâneas que concentravam atividades portuárias, como é o caso, a circulação de mercadoria abria espaço para a circulação de homens e mulheres de outros Estados, impulsionando a renda e o comercio local dessas cidades.

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Dessa forma, conforme a população urbana aumentava, modificando as estruturas dos valores socioculturais do espaço urbano, havia também a necessidade de um esforço e planejamento policial capaz de acompanhar o vertiginoso crescimento desenfreado das cidades. Em meio a um período de “incessante progresso”, marcado durante a primeira República, uma série de problemas relativos à ordem urbana como a pobreza, o desemprego, a violência, a insalubridade e a proliferação de doenças epidêmicas se tornaram palco de diversas manifestações por via da ordem pena, segundo (MORAES, 1994, p.15).

No município de Paranaguá, localizado no litoral do Estado do Paraná, foi possível identificar, através da análise das fontes reunidas, outras narrativas que fizeram parte do cotidiano da cidade. Através do discurso da imprensa, a presença das “borboletas1”, era vista como uma “ameaça” à integridade social e moral da sociedade2. As investidas policiais aconteciam de acordo com o crescente número de denúncias de desordem e aos crimes que envolviam prostituição na cidade. Através dessas medidas, ocorreu o processo de identificação, localização e distribuição de serviços médicos contra moléstias venéreas, em especial a sífilis, foram sendo executados na cidade a partir dos anos de 1920.

O progresso das cidades paranaenses do início do século trazia consigo não apenas a reformulação dos hábitos das camadas privilegiadas. Ele impunha um novo ritmo as relações familiares, redimensionava os papeis de homens e mulheres e trazia à cena grupos que estavam à sombra no sistema capitalista, mostrando a face escura da modernização. (ETELVINA, 1999, p. 66).

Apesar das experiências de planejamento urbano no século XIX, o centro de Paranaguá se desenvolveu de maneira “desordenada e tumultuada”, como menciona o periódico O Dia, em 1926, referente a situação sanitária da

1 Termo associado as mulheres meretrizes 2 O Dia. 20/05/1931.

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cidade3. Mas, à medida em que o centro urbano foi sendo modificado, os espaços de libertinagem e sociabilidades também foram se “adaptando”, alinhando-se as turvas silhuetas que redesenhava os espaços destinados ao comércio da cidade. Essas modificações trouxeram impacto também a denominada “geografia do prazer”.

Meretrício em Paranaguá

Embora boa parte da historiografia sobre Paranaguá, tenha se debruçado sobre aspectos políticos e econômicos, foi possível reunir fontes que permitissem explorar narrativas vinculadas ao cotidiano da cidade sobre uma outra perspectiva. O historiador (DOLINSKI, 2013, p.20), lembra que não existe uma historiografia capaz de constituir discussões a respeito da relação entre saúde pública em Paranaguá, acarretando ainda na ausência de escritas em torno de políticas de contenção.

Com a construção de uma “mitologia” da prostituição, muitas vezes associada a criminalidade, a prática passou a ser vinculada como uma “atividade imoral”, devido as manifestações impostas pela sociedade. A forma como os discursos foram sendo construídos, com maior vigor ao longo dos anos, acabou colocando tanto o meretrício quanto o lenocínio, na mira de diferentes meios de repressão. Nos registros de ocorrências, surge por repetidas vezes, denúncias que relatavam as necessidades de medidas contra os “indivíduos que promoviam a desordem e praticavam a ofensa a moral e os bons costumes”4.

No começo do século XX, nas cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, as reformas urbanas introduziram discursos morais contra sujeitos “indesejáveis” que se estendiam as margens do progresso e da modernidade, como lembra (RAGO, 1989, p. 54). No Litoral do Paraná, essas medidas começaram a ser impostas devido aos problemas sanitários como a insalubridade e s falta de saneamento básico, trazendo resultados negativos

3 O Dia. 09/08/1926.

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como o surgimento de doenças e epidemias como a tuberculose, a varíola, a febre amarela e mais tarde, a sífilis.

Diferente de Curitiba, onde o meretrício se desenvolvia à medida com que a cidade se modernizava e progredia industrialmente, em Paranaguá os caminhos que sustentavam o meretrício na cidade aconteceram em razão da modernização e locomoção da região portuária. Analisando os relatórios de Chefe de Polícia do Estado, o discurso sobre a prostituição aparece como uma “constante ameaça” e contravenção de perturbação à tranquilidade nas ruas e bairros da região central5.

A localização do meretrício é uma outra discussão que aparece de forma unanime nas denúncias e relatórios do período. Nesses espaços anexos ao porto, foi possível localizar um breve mapeamento das ruas e bairros onde se concentrava os “rendez-vous6”. No mais pitoresco das tentativas, as autoridades

policiais atendiam as reclamações de moradores e comerciantes, ordenando que as meretrizes abandonassem as ruas centrais da cidade e se constituíssem em uma outra zona determinada por eles, longe das famílias.

No relatório do Chefe de Polícia do Estado referente ao ano de 1926, as autoridades acusavam que havia uma certa “dificuldade” em localizar o meretrício na cidade. Esse obstáculo impôs, anos depois, uma certa dificuldade no processo de identificação e acompanhamento médico das meretrizes, em decorrência dos casos sífilis.. No mesmo relatório, ainda consta que, diferente

das demais cidades do Estado, o meretrício em Paranaguá ficava sob responsabilidade da Polícia Marítima, seguido dos esforços da guarda cívica.

Para se ter uma noção, apenas no ano de 1926, aproximadamente 55 inquéritos policiais foram procedidos em conjunto da polícia marítima com outras autoridades. Dentre eles, casos como estupro, defloramento, ferimentos graves, ferimentos leves, tentativa de morte, homicídio, furtos e espancamentos ilustravam passo a passo os crimes que emergiam na cidade. No âmbito das

5 Relatório de Polícia do Estado. Curitiba, 31 de dezembro de 1926, p. 97. 6 Termo que se refere ao local de encontro das mulheres com os clientes.

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políticas públicas em torno do saneamento urbano, a cidade presenciava ainda uma preocupação devido a peste bubônica, que em surto epidêmico, “ceifava a vida de populares”7.

Entre os anos de 1925 e 1936, as autoridades prosseguiram tomando medidas contra o meretrício, buscando reunir em um só lugar as mulheres “da vida fácil”, afastando-as para longe do seio da população. Essa medida facilitaria que a polícia mantivesse uma certa vigilância sobre esses corpos em movimento. Segundo ainda o mesmo relatório, facilmente as meretrizes eram vistas a olho nu, pois viviam em “prédios que se conservam de portas serradas e janelas com cortinas”. Havia também uma determinação de que as meretrizes não poderiam sair às ruas senão depois da meia noite.

Tais providencias muito agradam a população que confia na ação da minha autoridade, que honro-me reconhecendo, não ser mais que reflexo da atitude negativa e ponderada do ilustre e infatigável espírito que dirige os serviços de polícia no nosso Estado8.

Já em 1929, outro periódico noticiava que em dezembro daquele ano, a Delegacia Regional de Polícia teria iniciado um serviço “higiênico-policial” para combater a circulação de meretrizes na cidade, coordenado pelo Dr. Paulo de Oliveira Filho. Essa medida tratava do processo de identificação das meretrizes, atividade até então recorrente em outros centros urbanos, como aconteceu em Curitiba. O objetivo era registrar individualmente as meretrizes, fornecendo um documento médico onde seria possível acompanhar as avaliações médicas e o estado de saúde das meretrizes9.

Outras medidas em Paranaguá, como a regulamentação de um horário especifico para o funcionamento do meretrício foi demonstrado no relatório do

7 O Dia. 02/08/1926.

8 Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado pelo Chefe de Polícia do Estado. Ibidem. 9 A República. 08/12/1929.

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Chefe de Polícia de 1926. Segundo o delegado, essa medida acabou “agradando” a população da cidade, o que fez gerar confiança no seu modo de governar. Segundo o delegado, capitão José Róis Sampaio de Almeida, a resposta positiva que a sociedade demonstrava era reflexo de “medidas enérgicas” do “ilustre e infatigável espirito que dirigia os serviços de polícia sobre esses “corpos subalternos”10.

Já em 1931, as “borboletas” continuavam preocupando as autoridades em razão dos estabelecimentos clandestinos que gerenciavam as “infelizes meretrizes”, residentes nos alcouces11 aos arredores do Porto D. Pedro II.

Segundo o jornal O Dia, dia e noite essas mulheres transitavam pela região central, percorrendo quase sempre em “trajes paradisíacos”, de chinelinho arrastando, com quimonos cobrindo a pele. As meretrizes eram conhecidas na região por desferir adjetivos de baixo escalão como forma de provocar os homens transeuntes. Essas atitudes, segundo a imprensa, promoviam “cenas desastrosas que aconteciam em plena luz do dia”, e tirava o sossego das famílias12.

Dos crimes passionais

Os crimes de sangue se tornaram comuns nos grandes centros urbanos, sempre impulsionados por agressões que ocorriam por qualquer motivo e que necessitava de uma resposta imediata das autoridades policiais. Segundo (SOUZA, 2009, p. 342), ao analisar processos criminais por crimes de sangue em São Paulo, o autor lembra que esses delitos preocupavam o cotidiano, pois era um “labiríntico caminho da ação penal”. Isso porque os crimes de sangue estavam entre os mais noticiados pela imprensa de todo o país no começo do século XX.

Em Paranaguá, a imprensa da capital cobria as tentativas de homicídio e os assassinatos cometidos no município. Em desses casos, o periódico O Dia

10Ibidem. 1926.

11 Lugares associados ao meretrício. 12 O Dia. 20/05/1931.

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apurou que em meio a muitos bordeis instalados pelas redondezas do porto D. Pedro II, uma mulher identificada como Jahyr Campos, apresentava um breve histórico de relações amorosas com o estivador Alcides Pinto dos Santos, conhecido pelo apelido de “Pará”. A tentativa de homicídio teria acontecido em uma madrugada de domingo, as três horas da manhã, quando Pará, dominado por uma onda de “fúria e ciúmes”, teria se dirigido até o bordel onde Jahyr vivia, arrombando a porta do estabelecimento13.

Esse caso interessa do ponto de vista criminalístico, porque demonstra que como em muitos outros casos de violência contra as mulheres, os autores demonstravam confiança na impunidade de seus crimes. Segundo (BESSE, 1989, p. 182), ao analisar processos criminais de crimes passionais no Rio de Janeiro, lembra que o termo “crimes de paixão”, se referia a homicídios resultantes de conflitos e desavenças que tinham como fio condutor relações amorosas ou sexuais. A autora lembra ainda que, apenas na década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas, é que campanhas e estudos contra o assassinato de mulheres começaram a ganhar uma certa notoriedade no país.

O alerta crescente em relação aos crimes da paixão deveria ser entendido como um aspecto da preocupação mais ampla do público de classe média brasileiro com o aparente colapso da ordem social. Em outras palavras, a percepção de que o Brasil havia sido atingido por uma “epidemia” incontrolável de crimes da paixão baseava-se menos numa realidade demonstrável do que em temores provocados pela transformação das relações entre os sexos, segundo (BESSE, 1989, p. 187).

Em Curitiba, por exemplo, a historiadora (TRINDADE, 1996, p. 227), lembra que os homens agrediam suas esposas, feriam as amantes meretrizes e as perseguiam com armas brancas em meio a frustração e os temores da perda

13 O Dia. 08/07/1931.

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da virilidade masculina. Segundo a teoria dos criminologistas do começo do século XX, os criminosos passionais eram agentes conduzidos por uma “impulsão mais forte”, onde se obliterava o pensamento irracional e a pressão indomável da masculinidade do homem.

São também os ciúmes ou a defesa da honra que fazem explodir a violência masculina contra a mulher, em suas formas mais rudes. Silenciosa e oculta, a agressão existe em todas as categorias sociais, relevando uma face criminosa quando a tensão acumulada entre os sexos ultrapassa os limites toleráveis. Um desses momentos máximos se configura, no início do século, como os “crimes da paixão”, segundo (TRINDADE, 1996, p. 227)

No caso a seguir, o exemplo é ainda mais ilustrativo no que tange aos crimes passionais em Paranaguá. O crime ocorreu em 1931, e um inquérito policial foi aberto após as autoridades terem sido acionadas para averiguar um suposto assassinato em um bordel nas redondezas do porto Dom Pedro II. Na cena do crime, o então cabo da polícia, Arseniro Lessa Monteiro, acompanhado ainda do Dr. Daló Junior, encontraram a vítima já sem vida no local, “atirada aos pés da cama em uma imensa poça de sangue”. Na delegacia, enquanto outras autoridades examinavam o local do crime e recolhiam o corpo para o cumprimento de exames médicos, o suposto assassino teria se apresentado, admitindo ter sido o autor do crime14.

Não se tratava apenas de um crime por “excesso de amor”, como afirmava o delegado, mas sim de um crime hediondo, conforme relatado pelo laudo médico. A vítima, que já exercia o meretrício desde os 14 anos de idade, teria sofrido diversas agressões físicas antes de ter sido brutalmente assassinada com dois tiros. O delegado relatou que o acusado, identificado como João Gomes de Oliveira, era marinheiro, e estava sobre fortes efeitos de

14 O Dia. 04/11/1931.

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bebidas alcoólicas no momento do depoimento, apresentando ainda “olhares desvairados”. Em sua defesa, o acusado afirmou que teria cometido o crime devido a “fúria irracional” ao ver a amante se relacionando com outros homens.

De acordo com os pensamentos de Lombroso e Ferri, os passionalistas afirmavam que a forte emoção ocasiona a perda da racionalidade sendo passíveis de sofrer responsabilidade penal, segundo (PRIORE, 2005, P. 262). No século XIX, a classificação dos delinquentes se mostrou um importante passo até a distinção clinica dos criminosos em categorias de temibilidade diferentes. Todavia, essas classificações estiveram fundadas sobre a observação das características distintivas mais aparentes. E é neste grupo que os delinquentes passionais foram definidos enquanto “elementos de caráter social ou antissocial” e que faziam das paixões, as armas do seu crime.

É embalado neste tipo de crime, que segundo a imprensa daquele período, cenas como de sangue se tornaram comuns no bairro portuário Dom Pedro II. De acordo com as narrativas de crimes envolvendo o meretrício em Paranaguá, essa região costumava hospedar dezenas de mulheres, que “entre sedas e champanhes, entre trapos e cachaças”, seguiam satisfazendo a “degenerescência” carnal através da histeria. No mercado do amor da cidade, as meretrizes não morriam apenas por crimes de sangue, morriam também por conta da proliferação de doenças venéreas, como a sífilis, morriam por conta do vício em bebida e drogas ilícitas e até mesmo pela tuberculose15.

Profilaxia Venérea

Apesar de toda expansão e evolução das cidades de Curitiba e Paranaguá, o crescimento urbano foi marcado por uma série de contradições, apresentando um lado perverso e caótico que culminava em intermináveis problemas de caráter sanitário. A situação em bairros pobres e a falta de saneamento preocupava, pois era considerado principal foco para o surgimento de uma série de doenças epidêmicas. Em sua distribuição espacial, até a última

15 Última Hora. 08/12/1929.

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década do século XIX, as cidades litorâneas do Estado eram “insalubres, mórbidas e despidas de infraestrutura, segundo (TRINDADE, 1999 P. 61).

É nesse contexto que surge o serviço de Profilaxia Rural no Estado, e o primeiro laboratório de análises químicas e microscópicas, e posteriormente o primeiro dispensário de Repartição de Higiene de Curitiba. Esse recurso tinha o objetivo de reorganizar o serviço de profilaxia e ampliar a vacinação preventiva de doenças como a varíola e a malária na capital, e posteriormente para as demais cidades do Estado. Outras doenças como a sífilis, a lepra, helmintoses e a tuberculose também orbitaram em torno das ações do governo em serviço da higiene pública no período16.

De acordo com o relatório de Secretaria do Estado de 1926, das 285 pessoas matriculadas no Dispensário Antivenéreo de Paranaguá, 238 eram de sífilis, 20 de gonorreia e 27 de cancro venéreo. Desse total, a maioria dos casos era entre os homens, depois entre as mulheres, restando poucos casos envolvendo crianças portadoras da sífilis congênita. Os medicamentos mais precisos contra as manifestações da sífilis tratadas na cidade eram a

Bismuthiodina, Mercurio, Lodeto, Neosalvarsan, Antigonococcica e outras.

Estima-se ainda que 2.087 pessoas, entre homens, mulheres e crianças teriam passado pelo Dispensário para consultas e exames até o final de 192917.

Esses números elevados levam em conta que, segundo (ROSS, 2017, p.130), a cidade portuária de Paranaguá era considerada “um dos maiores focos de meretrício do interior do Estado do Paraná”. Além disso, a instalação de uma unidade antivenérea na cidade teria como o público alvo, a Sociedade de Estivadores e a Escola de Aprendizes Marinheiros, com a intenção de preservar a saúde daqueles que ficavam “encarregados de defender o Brasil”.

16 Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado pelo Chefe de Polícia do Estado. Curitiba,

31 de dezembro de 1926-1926, P. 254.

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Figura 1- Sede do Posto e Dispensário de Paranaguá. Fonte: Archivos Paranaenses de Medicina, dez.1922.

Na seção “Notícias de Paranaguá”, o jornal A Republica trazia informações de que a Delegacia Regional da cidade, teria iniciado uma campanha “higiênico-policial” entre as meretrizes da cidade, comandado pelo Dr. Paulo de Oliveira Filho. Essa campanha marcou o registro individual do meretrício na cidade, onde as “borboletas” deveriam transitar providas de uma espécie de caderneta. Nesse documento ficava constatado as inspeções médicas realizadas semanalmente, uma forma de conter a sífilis na região, apresentando ainda outras observações sobre o estado de saúde das meretrizes18.

Um dos objetivos, além da identificação das meretrizes, foi assegurar a saúde da população, afastando dos rendez-vous as meretrizes diagnosticadas com alguma enfermidade, como a sífilis e a tuberculose pulmonar. Segundo a imprensa, essa campanha beneficiaria estes a cidade contra “terríveis veículos transmissores da peste branca postos à margem”. Não se sabe exatamente a localização exata do dispensário antivenéreo em Paranaguá, mas de acordo com informações do Instituto Histórico e Geográfico da cidade, era comum as “meninas da rua Pecêgo” irem se consultar, buscar medicamentos e tomarem vacinas para a sua proteção. Inclusive, a própria imprensa classificava a rua

18 A República. 08/12/1929

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Pecêgo como sendo um dos principais bas-fonds19 da cidade, devido ao número de bares e os casos de criminalidade recorrente.

Conclusão

O meretrício em Paranaguá, como nas demais cidades do Estados, apresentava diversas facetas que trilhavam os caminhos turvos da “transgressão e da imoralidade” segundo o discurso da imprensa. Uma das causas determinantes da prevenção policial contra o meretrício no município até o ano de 1936, era relativo à “ameaça” que a postura das mulheres meretrizes poderia exercer espaço urbano. Essa preocupação, como examinado nos relatórios oficiais, reafirma que as medidas policias deveriam ser compreendidas e praticadas com prudência, com o objetivo de “frear” novos possíveis conflitos entre o “moral e imoral”, além de prevenir crimes de sangue.

O ritmo geral das transformações em Paranaguá, a difusão cultural e a possibilidade de novas realidade, fez emergir diferentes discursos que pretendiam fragmentar essas manifestações alternativas. Dessa forma, as narrativas de marginalidade e criminalidade que estiveram estampadas nas sessões da imprensa curitibana, eram resultados de práticas e comportamentos desiguais associados a prostituição. Em grande escala, as campanhas em prol do controle e vigilância do meretrício, até a criação de um dispensário antivenéreo contra a sífilis e outras doenças, estiveram intrinsicamente vinculados a importância que o porto regrava sobre a cidade naquele período.

Referências

DEL PRIORE, Mary. História do amor no Brasil. 2ª ed – São Paulo: Contexto, 2006.

DOLINSKI, João Pedro. Espaços de cura, práticas médicas e epidemias: febre amarela e saúde pública na cidade de Paranaguá (1852-1878). (Dissertação de

19 Termo de origem francesa, cujo significado determina a realidade de certos grupos socialmente

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mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz). Rio de Janeiro, 2013.

RAGO, Margareth. Prazeres da noite. Prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

BESSE, Susan K., "Crimes passionais: a campanha contra os assassinatos de mulheres no Brasil: 1910-1940", Revista Brasileira de História, Vol. 9, São Paulo, ago./set.1989.

ROSS, De Silva. Sífilis, o mal de todos: tema médico-cientifico nacional. discussões e práticas educativas no Paraná na primeira metade do século XX. (Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação pela UFPR), Curitiba, 2017.

SOUZA, Luís Antônio. Lei, cotidiano e cidade: polícia civil e práticas policias na São Paulo republicana (1889-1930). São Paulo, editora IBCCRIM, 2009.

MORAES, José Geraldo V. Cidade e cultura urbana na primeira República. São Paulo, Editora: Atual, 1994.

TRINDADE, Etelvina Maria. Espaço urbano e cidadania feminina no paraná na virada do século XIX. In História: Questões e debates, ed. 30. 1999.

Fontes:

O Dia: 02/08/1926; 09/08/1926; 04/11/1931; 20/05/1931.

Última Hora: 08/12/1929.

Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado pelo Chefe de Polícia do Estado. Curitiba, 31 de dezembro de 1926, p. 97.

Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado referente aos serviços do Exercício financeiro. Curitiba, 31 de dezembro de 1926, p. 254.

Sede do Posto e Dispensário de Paranaguá. In: Archivos Paranaenses de Medicina, dez.1922.

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