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Conflito ambiental e seus impactos socioambientais sobre uma comunidade quilombola em Pompéu/MG

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Academic year: 2021

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Conflito ambiental e seus impactos socioambientais sobre uma

comunidade quilombola em Pompéu/MG

Resumo

O presente estudo analisa o conflito ambiental localizado no município de Pompéu/MG entre a Comunidade Quilombola Saco Barreiro e uma empresa sucroalcooleira. Seu principal objetivo é apresentar os impactos socioambientais decorrentes da presença e modus operandi da empresa sobre a comunidade e seu território, isto é, como a ocupação do espaço e as atividades praticadas pela companhia (aplicação de agroquímicos e utilização de recursos naturais, por exemplo) têm alterado os modos de vida das famílias quilombolas, afetando seus meios de consumo, sua saúde e as relações históricas do grupo com seu território historicamente ocupado e que aguarda demarcação oficial pelo INCRA desde 2009. Como forma de alcançar esse objetivo, foram realizados levantamentos de dados primários e secundários, através de trabalhos de campo, pesquisa documental de relatórios técnicos e estudos acadêmicos. Os resultados indicam que os efeitos da atividade sucroalcooleira sobre a comunidade são extremamente graves, ao ponto de alterar completamente as tradições das famílias quilombolas, ao mesmo tempo que podem estar colocando em risco a vida – tanto biológica como enquanto grupo étnico diferenciado – da comunidade. Entende-se a necessidade de se pensar uma demarcação territorial que afaste o quilombo da empresa para que o território reivindicado e historicamente utilizado possa ser plenamente utilizado, garantindo o retorno das tradições e saúde das famílias.

Palavras-chave: conflito ambiental; território; comunidades tradicionais; comunidades quilombolas; agrotóxicos.

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Introdução

A comunidade Quilombola Saco Barreiro está localizada na área rural do Município de Pompéu, Mesorregião Central do estado de Minas Gerais, à pouco mais de 22 km do centro da cidade. Vivendo em aproximadamente dez hectares e ocupando majoritariamente Área de Preservação Permanente (APP1), à beira

do Córrego Pari – principal abastecedor de água do quilombo – a comunidade se encontra ilhada em meio às monoculturas de cana-de-açúcar, que ultrapassam 20 mil hectares e está em expansão.

Apesar da localização atual da comunidade em APP e em apenas dez hectares, nem sempre essa foi a realidade do grupo. Pelo contrário, antigamente ocupavam um território consideravelmente maior, no qual viviam consumindo aquilo que produziam e explorando as riquezas naturais do cerrado e dos córregos que o circundavam, como o Córrego Pari e Curralinho2.

No entanto, devido a um longo processo histórico que envolve a presença de fazendeiros, a não existência da titulação das terras tradicionalmente ocupadas, e, sobretudo, a chegada da empresa sucroalcooleira Agroindustrial de Pompéu S/A, ou apenas Agropéu, em 1981 - resultado do importante incentivo federal para a produção da cana-de-açúcar no país entre 1979-1986 como parte da segunda fase do Proálcool (MICHELLON, SANTOS E RODRIGUES, 2008) - que gerou a expansão da produção de cana-de-açúcar na região, a comunidade acabou sendo encurralada nesta pequena área onde atualmente se encontra. Além do menor território hoje ocupado que gera inúmeras implicações na vida dessas pessoas - ponto explorado na versão completa deste trabalho - os quilombolas alegam estarem sofrendo uma série de problemas vinculados ao modus operandi da empresa, cuja captação de recursos naturais e aplicação de produtos agroquímicos nos canaviais estariam não apenas impossibilitando-os de explorarem o território atual, como estariam afetando também a própria saúde

1 Área de Preservação Permanente – APP é, de acordo com a Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012: “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

2 Ambos eram muito utilizados para pesca, porém, seu uso também se expandia para banhos e outras atividades domésticas, como lavar louça e roupa. Além disso, também foram historicamente utilizados para recreação.

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deles e de suas criações. Novamente, este é um ponto bastante explorado na versão completa e conta com o apoio de alguns estudos de caso sobre os impactos dos agroquímicos sobre comunidades que vivem ao redor dos campos de aplicação (CARNEIRO et al, 2012; PIGNATI E MACHADO, 2011; KOIFMAN, KOIFMAN E MEYER, 2002; VEIGA et al, 2006; MIRANDA, MONTEIRO E MEYER, 2012; entre outros)

Diante a atual realidade da comunidade, o objetivo deste estudo é apresentar os impactos socioambientais decorrentes desse processo histórico de ocupação e do modus operandi da empresa sobre a comunidade quilombola e seu território, isto é, como a ocupação do espaço e as atividades praticadas pela companhia têm alterado os modos de vida das famílias quilombolas, afetando seus meios de consumo, sua saúde e as relações históricas do grupo com seu território historicamente ocupado e que aguarda demarcação oficial pelo INCRA desde 2009. Essa relação entre a comunidade e a empresa é trabalhada dentro do contexto dos “conflitos ambientais”, determinados por Acselrad (2004) como sendo,

Aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis... decorrentes do exercício das práticas de outros grupos (p.26).

A Comunidade Saco Barreiro atualmente é composta por 49 indivíduos (acredita-se que existam muito mais espalhados pelos municípios ao redor de Pompéu), segundo relato do líder da comunidade. Por falta de espaço no território atualmente ocupado e devido à distância e a dificuldade em acessar o centro do município - onde se situa, por exemplo, a escola frequentada pelas crianças do quilombo – apenas 17 vivem na comunidade, distribuídos em 16 residências.

Métodos

Este trabalho é fruto de alguns anos de pesquisa. Iniciou-se em 2013, como produto final de minha graduação, passa pela minha participação e trabalhos realizados enquanto bolsista de apoio técnico (2014) e o mestrado (2015, 2016). Durante esses anos de pesquisa, foram realizadas seis visitas à comunidade, uma à Prefeitura (2013), duas ao museu da cidade (2014 e 2015), e duas à

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Agropéu (2013 e 2015). Entre os dados levantados, foram feitas entrevistas focalizadas, ou seja, entrevistas livres, porém com foco nos objetivos dos trabalhos (GIL, 2008). Dentre os entrevistados, foram ouvidos o líder da comunidade e outros moradores do quilombo; quilombolas de Saco Barreiro que vivem nos arredores; o líder e moradores do Assentamento Paulista (grupo de assentados que também se situa nas proximidades dos canaviais); o então prefeito de Pompéu, Joaquim Campos Reis, que deixou o cargo em 2016; e funcionários da Agropéu. Além das entrevistas, na comunidade foram produzidas as cartografias sociais (2014, 2015), com as construções dos mapas mentais do passado, presente e de um futuro “desejável” da comunidade.

Para além das visitas a campo, a pesquisa contou com levantamentos de dados secundários, como publicações de instituições acadêmicas, legislações e documentos de instituições governamentais. Os dados secundários abarcaram publicações especializadas sobre as externalidades negativas advindas da produção em monoculturas no Brasil, em especial a atividade canavieira; dados sobre os perigos dos agrotóxicos e afins, incluindo estudos de caso que indicam graves problemas gerados por tais produtos; dados socioeconômicos sobre o município de Pompéu e sobre a conformação do território do município, que culminaram no atual cenário; entre outros.

Resultados

O que os resultados deste estudo mostram, de forma sucinta, é uma grave interferência da presença e modus operandi da Agropéu sobre as formas tradicionais de vida da comunidade Saco Barreiro e sobre o território explorado e ocupado pela comunidade. Além de interferir nas formas históricas de consumo e apropriação deste, podendo resultar em um etnocídio do grupo caso o atual cenário se mantenha, existem importantes indícios de que esse convívio tão próximo entre a comunidade e os canaviais (a fronteira entre os dois não ultrapassa 10 metros) está afetando gravemente a saúde de seus habitantes, dado o intensivo uso de agroquímicos por parte da empresa.

Neste sentido, como forma de amenizar uma tragédia que pode ser ainda maior, é proposto que a demarcação territorial a ser realizada pelo INCRA acabe com a fronteira entre a comunidade e a Agropéu, criando uma “zona de

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amortecimento”3 entre ambos. A aplicação do Princípio da Precaução4 é o

princípio norteador que motiva a medida acima. Referências

ACSELRAD, H. As Práticas Espaciais e o Campo dos Conflitos Ambientais, in: Henri Acselrad. (ed.): Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro. Relume- Dumará. 2004, p. 13 - 35.

CARNEIRO, F F; PIGNATI, W; RIGOTTO, R M; AUGUSTO, L G S. RIZOLLO, A; MULLER, N M; ALEXANDRE, V P. FRIEDRICH, K; MELLO, M S C. Dossiê ABRASCO

– Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro,

ABRASCO, 1ª Parte, 2012.

GIL, A.C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6 edição. SP: Ed. Atlas, 2008, p. 198.

GOLDIM, J. R. O Princípio da Precaução. 2002. Disponível em https://www.ufrgs.br/bioetica/precau.htm. Acesso em: 16 dez. 2016.

KOIFMAN, S.; KOIFMAN, R. J. & MEYER, A. Human reproductive disturbances and

pesticide exposure in Brazil. Cadernos de Saúde Pública, 18(2): 435-45, mar.- abr.

2002. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2002000200008>. Acesso em 25 mai. 2016.

MICHELLON, E.; SANTOS, A.A.L; RODRIGUES, J.R. Breve descrição do Proálcool e perspectivas futuras para o etanol produzido no Brasil. In: Sociedade Brasileira de

Economia, Administração e Sociologia Rural. Rio Branco/2008. Disponível em

http://www.sober.org.br/palestra/9/574.pdf. Acesso em 26 out. 2016.

MIRANDA-FILHO, A; MONTEIRO, G.T & MEYER, A. “Brain cancer mortality among farm workers of the State of Rio de Janeiro, Brazil: A population-based case-control study”, 1996-2005. Int J of Hygiene and Environ Health, v. 215, p. 496- 501, 2012. PIGNATI, W.A; MACHADO, J.M.H. O agronegócio e seus impactos na saúde dos trabalhadores e da população do estado de Mato Grosso. In: GOMEZ, MACHADO e PENA (Orgs.). Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2011, p. 245-272.

VEIGA, M. M; SILVA, D. M; VEIGA, L. B. E; FARIA, M. V. DE C. Análise da

contaminação dos sistemas hídricos por agrotóxicos numa pequena comunidade rural do Sudeste do Brasil. Cad. Saúde Pública, 2006, vol.22, no.11, p.2391-2399. <

http://www.scielo.br/pdf/csp/v22n11/13.pdf>. Acesso em 25 mai. 2016.

3 Zona de amortecimento é um conceito utilizado e criado pela lei° 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Naturezas (SNUC), e significa, a partir da definição descrita no artigo 2°, inciso XVIII, que “é o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”.

4 O Princípio da Precaução significa que a ausência da certeza científica formal e a existência de um risco de dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas necessárias que possam prever este dano (GOLDIM, 2002)

Referências

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