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VEM VER A BANDA! 1 Georgiana Neves Moreno Silva 2

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Academic year: 2021

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─ VEM VER A BANDA!

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Georgiana Neves Moreno Silva2 Eis a convocatória. Agora peço passagem para neste breve espaço fazermos uma reflexão sobre a Cidade e o Teatro, tendo como pano de fundo a composição A Banda, de Chico Buarque de Holanda. Alguns podem objetar que uma banda não representa um espetáculo teatral, porém, conforme Carreira,

“... a noção de teatro de rua englobaria todos os espetáculos ao ar livre fora de um espaço teatral convencional, apropriado temporariamente para o acontecimento teatral, e permeável a um público acidental. Esta modalidade teatral pode ou não ter formas estéticas e/ou conteúdos ideológicos próprios da cultura popular, mas essencialmente se vincula com a necessidade de um contato direto com um amplo espectro de público que não frequenta as salas teatrais.” (CARREIRA, pág.17, Reflexões sobre Teatro de Rua.)

O objetivo deste texto, portanto, é tentar caracterizar o teatro na cidade, na condição da cidade como teatralidade e das possibilidades transformadoras do teatro na silhueta urbana.

No primeiro trecho da música A Banda, podemos ver como o indivíduo é retirado de sua rotina para um novo lugar; é perpassado pela intervenção teatral.

“Estava à toa na vida O meu amor me chamou

Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida Despediu-se da dor Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor”

O teatro na rua configura-se essencialmente marginal, transgressor da ordem, invasor. Invadir a rua também significa ser invadido por ela, por sua dramaturgia, ser parte integrante do fluxo vital da cidade. O teatro na rua rompe os modos de uso cotidianos, pois inverte a ordem constituinte do ambiente, dos usos e dos sentidos. Não está à toa, pois nada é neutro, há sempre um significante.

“A concretização desta transgressão se faz evidente em diferentes ordens. Em primeiro lugar, o teatro de rua transgredi o caótico deslocamento de 1 Este texto foi escrito como pré-requisito avaliativo do Curso de Teatro: Conexões Contemporâneas, Módulo 1: Cidade e Teatro - A cidade como dramaturgia e o conceito de teatro ambiental. Espaço e significação. Modelos de trabalho atorial relacionados com o espaço, ministrado pelo Professor André Carreira, na Escola Pública de Teatro da Vila das Artes, Fortaleza – Ce.

2 Pedagoga e Arte-educadora da Escola Professor Francisco Uchôa de Albuquerque, Coordenadora do Grupo de Teatro Artesperança e do Coral Canto da Esperança.

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rua, pois ao romper - ainda que seja momentaneamente - com o uso cotidiano da rua, recria o espaço da rua e inventa uma nova ordem. Ao mesmo tempo impõe um câmbio aos cidadãos que caminham pela rua: de simples pedestres passam a exercer o papel de espectadores.” (CARREIRA, p.11, Reflexões sobre o conceito de teatro de rua.)

O teatro não deve preocupar-se em apenas ocupar um espaço, mesmo que seja a invasão de um espaço que usualmente não se deflagra ações culturais para a promoção da arte. Este deve produzir rupturas e transgredir o cotidiano da cidade através da arte é, sobretudo, invadir os espaços de reflexão e crítica dos transeuntes, por um momento esquecer o sofrimento individual e compartilhar a sua dor, cantar coisas de amor.

O espectador do teatro de rua é basicamente acidental, está presente no espetáculo porque se encontra casualmente com este acontecimento. O espectador rompe com a funcionalidade espacial cotidiana para ver a banda passar, este modifica seus repertórios de uso. O acontecimento teatral provoca essas rupturas quando passa a ter a magnitude da cidade, quando se constitui em um fato artístico surpreendente, além do entretenimento.

Seguindo o verso da Banda, encontramos o espectador, o significador da obra teatral com seus múltiplos olhares, elemento fundamental na construção de um novo espaço na cidade.

“O homem sério que contava dinheiro parou O faroleiro que contava vantagem parou A namorada que contava as estrelas parou

Para ver, ouvir e dar passagem...”

O público do teatro na rua é essencialmente flutuante o que implica na multiplicação dos olhares através dos diferentes planos de atenção dos espectadores, desde aqueles que param para ver, param para ouvir, ou apenas para dar passagem com uma simples atitude de curiosidade ou juízo, o que consequentemente amplia o significado do espaço cênico.

“O espetáculo na rua é sempre reescrito pelas interferências das dinâmicas da cidade. O público flutuante – que caracteriza a recepção da cidade – impõe processos fragmentados e empilhamentos caóticos que são de fato uma das riquezas do espetáculo de rua. Este público é um elemento fundamental na própria definição do ambiente que se concretiza na construção social do espaço da cidade.” (CARREIRA, pág.5,2009.) A busca por lugares não convencionais urbanos propõe uma aproximação com o público de forma a torná-lo coautor do espetáculo, abordando o espectador em seus espaços cotidianos. O espetáculo desta forma não é feito para o público, é feito com o público, Estabelece-se assim, uma mudança de paradigma de se fazer teatro para o outro entender, pois se o público faz parte do jogo, abrem-se novas

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oportunidades de percepção. O teatro passa a ser lugar de participação, dúvida, imaginação e emoção. De ver e contar estrelas.

“O espaço teatral não é mais um dado, ele é uma proposta, em que podem ser lidas uma poética e uma estética, mas também uma crítica da representação; com isso, a leitura pelo espectador desses espaços-criações o remete a uma nova leitura do seu espaço sócio-cultural e da sua relação com o mundo. Em todo o caso, o espaço teatral desempenha um papel de mediação entre o texto e a representação, entre os diversos códigos da representação, entre os momentos da cena, enfim, entre espectadores e atores.”(UBERSFELD,2011.)

O público que vê A Banda passar, é instigante ao fazer teatral, enche a cena de significados. A música que a Banda vem entoando é capaz de retirar lágrimas, assanhar a meninada, transformar a própria natureza.

“A moça triste que vivia calada sorriu A rosa triste que vivia fechada se abriu

E a meninada toda se assanhou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor”

O sorriso, a lágrima, o grito da meninada, o cachorro, o bêbado, o equilibrista..., não é o caso, mas em todo caso, o show tem que continuar. É a existência de múltiplas interferências acidentais que condicionam o tempo teatral na cidade, o que traz risco e riqueza, pois essa polivalência de significados é que faz do teatro na rua ser uma espécie de síntese expressiva que se articula com um espaço cênico repleto de possibilidades.

O co-real é sempre uma ameaça, a proximidade de real e teatral dá-se numa linha tênue, controlada, é óbvio por quem vê. É o público que desloca o objeto do real para o ficcional, é este que vê a teatralidade, é este que se emociona, que se assanha, que sorri, que chora, que sonha. A rua é lugar mais democrático da arte.

A Banda torna-se mais que um acontecimento quando passa a criar links

com a vida particular dos ouvintes, gerando espaço para reflexão e pensamento.

“O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou

A moça feia debruçou na janela Pensando que a banda tocava pra ela...”

Um espetáculo que vai além da notícia, que interage com espectador, que não procura na cidade apenas mais um palco, mas que é permeável a esta. Este é o teatro que responde à contemporaneidade, pois atinge as pessoas.

A cidade é, sobretudo, um espaço de construção sócio cultural e como tal está impregnada pelos usos recorrentes e significados sociais e subjetivos. Na cidade as vivencias são expandidas pelas lembranças, pelas experiências, pelo registro das

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vidas particulares. Impregnar um espetáculo com esse universo simbólico é construir a ficção a partir das narrativas dos sujeitos diametralmente articulados com as infinitas diversidades.

Assim, a música pode se tornar mais bela, pois falará diretamente às pessoas. Sair bailando, voltar a ser criança, ser tocado por lembranças. Esta ruptura que a arte faz, vai dividindo a juntura dos ossos e permeando a consciência do expectador, inscrevendo neste um espaço diferente do cotidiano.

A cidade e a Banda passam a existir paralelamente. A cidade se transforma, se enfeita, dá passagem enquanto A Banda vai espalhando alegria e vida. É um verdadeiro espetáculo de vida!

“A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu A lua cheia que vivia escondida surgiu

Minha cidade toda se enfeitou

Pra ver a banda passar cantando coisas de amor...”

A cidade já é um espetáculo, mas não um espetáculo em si mesma e sim porque é intensificada pelos sujeitos que a re-significam criando ambientes e expandido os repertórios. A rua é permeada pelas tensões do dia a dia, por vidas e histórias que se intercruzam com seus saberes e construções.

“O espaço da rua está povoado de signos que interferem no quadro visual e sonoro de uma encenação. Transparência significa, neste caso, que a grande variedade de acontecimentos que penetram no espaço de significação do espetáculo possibilitam a criação de significados alheios ao projeto cênico primário.” (CARREIRA, p.14, Reflexões sobre Teatro de Rua.)

O espaço cênico do teatro de rua na esfera urbana pode ser resignificado quando este se apropria da silhueta urbana, criando infinitas possibilidades expressivas. A cidade e o espetáculo coexistem. O teatro não é uma imposição à cidade, nem apenas um pretexto de busca de diferentes plateias. A cidade se inscreve no espetáculo, deforma-o. A cidade veste o espetáculo, não como um enfeite, pois a cidade não é cenografia, é ambiente, a cidade já está escrita e é nessa transparência espacial que ocorre o fato teatral.

E assim, A Banda passa...

“Mas para meu desencanto O que era doce acabou

Tudo tomou seu lugar Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto Em cada canto uma dor Depois da banda passar Cantando coisas de amor

Depois da banda passar Cantando coisas de amor...”

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O teatro que ocupa a cidade, invade e é invadido, que não passa, pede passagem, não acaba, fica no ideário das pessoas, mescla as culturas, fala de amor, se compromete, radicalmente até. Deixa em cada canto uma história, em cada espaço uma nova forma de estar, um canto que não desencanta, traz sentido, politiza, rompe os ritmos, dialoga com a cidade, compartilha suas dores. A cidade é a dramaturgia, é o tecido que permite essas trocas. Estar na rua na contemporaneidade é para quem é atraído não apenas por um público diferente daquele que esta numa sala, mas, sobretudo compartilhar um lugar no mundo, na busca da construção de algo com o outro.

BIBLIOGRAFIA

CARREIRA, André. Ambiente, Fluxo e Dramaturgias da cidade – materiais do teatro de invasão. O Percevejo, Rio de Janeiro, n. 13, artigo 2, 2009.

___. Reflexões sobre o conceito de teatro de rua. Revista Arte e Cultura Universidade Federal de Uberlândia.

HOLLANDA, Francisco Buarque. A Banda.1966.

UBERSFELD, Anne. Espaço e Teatro. Disponível em:

Referências

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