FORMAÇÃO EM SERVIÇO: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SABERES DOCENTES NA ÓTICA DE ALUNOS/PROFESSORES
Marcia Betania de Oliveira Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
RESUMO: Este artigo apresenta dados de uma pesquisa que tem como objeto de estudo uma proposta formativa de professores em exercício. Trata-se do Programa Especial de Formação Profissional para a Educação Básica (PROFORMAÇÃO), ofertado no curso de Pedagogia, desenvolvido pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, no período de 1999 a 2009. Questiona quais as contribuições desse programa formativo, de que forma os saberes construídos e reconstruídos durante o curso contribuem para a melhoria das práticas pedagógicas docentes. Identifica quais saberes são privilegiados pelo referido programa formativo e possibilitam aos professores em exercício articulações com suas práticas cotidianas. Os princípios norteadores da investigação definem uma abordagem qualitativa, na modalidade estudo de caso, de caráter exploratório. É de abordagem interpretativista, cujo percurso metodológico adotado possibilitou estudar o fenômeno a partir da análise da proposta formativa em pauta, permitindo a elaboração de questões a posteriori, que melhor definiram a formação docente sob a ótica dos alunos/professores. Considera que os professores avaliam o curso de forma satisfatória, como norteador na (re) construção de saberes diversos, os quais, por sua vez, possibilitam o desenvolvimento de habilidades como a de analisar situações de sala de aula à luz de teorias pedagógicas e desenvolver práticas investigativas no seu cotidiano.
Palavras-chave: Práticas pedagógicas/Saberes docentes. Formação docente em exercício. Proformação/Pedagogia/UERN.
Introdução
Neste trabalho apresento dados de uma pesquisai (Oliveira, 2010) que tem como objeto de estudo uma proposta formativa de professores em exercício. Trata-se do Programa Especial de Formação Profissional para a Educação Básica (PROFORMAÇÃO), o qual foi desenvolvido pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, no período de 1999 a 2009 onde, dentre outros cursos, escolhemos o de Pedagogia como objeto de nossa análise.
O Proformação/Pedagogia, como proposta formativa especial, diferenciou-se do chamado curso regular de Pedagogia, pois permitiu aos alunos-professores melhores perspectivas de relacionarem conhecimentos propostos nas atividades presenciais da universidade, vivenciando-lhes numa perspectiva de ação reflexiva nas escolas em que atuavam/atuam. Nesse sentido, o intercâmbio de teorias e práticas se entrecruzam e se
complementam com vistas a melhorar a prática de sala de aula, num percurso que favorece também o processo da formação contínua dos professores. Retroalimenta, assim, o ensino de graduação e a extensão universitária, concretizando o vínculo universidade/escola/educação básica.
Investigo como professores, então alunos desse programa avaliam os saberes privilegiados por esta formação universitária em serviço bem como a relação entre esses e as práticas pedagógicas por eles vividas em sala de aula enquanto professores. Questiono de que forma os saberes construídos e reconstruídos durante o curso contribuem para a melhoria das práticas pedagógicas docentes. Identifico quais saberes são então privilegiados e possibilitam aos professores em exercício articulações com suas práticas cotidianas. Destaco entre tais saberes aqueles relacionados ao processo de alfabetização de crianças e ao conhecimento matemático.
Considero que os alunos/professores avaliam o curso de forma satisfatória, como norteador na (re) construção de saberes diversos, os quais, por sua vez, possibilitam o desenvolvimento de habilidades como a de analisar situações de sala de aula à luz de teorias pedagógicas e desenvolver práticas investigativas no seu cotidiano.
Dos processos da pesquisa
Os princípios norteadores da investigação definem uma abordagem qualitativa, na modalidade estudo de caso, de caráter exploratório. O encaminhamento teórico-metodológico está organizado a partir dos estudos de Ardoino (1998); Bardin (2009); Laville e Dione (1999); Bogdan e Biklen (1994); Hernández Sampieri, Hernández Collado e Baptista Lúcio (2006); dentre outros.
É de abordagem interpretativista, cujo percurso metodológico adotado possibilitou estudar o fenômeno a partir da análise da proposta formativa em questão, permitindo a elaboração de questões a posteriori, que melhor definiram a formação docente sob a ótica dos alunos/professores. As categorias de análise foram elaboradas após leitura e análise do projeto pedagógico do Proformação/Pedagogia (UERN, 1999), onde foram especificados os paradigmas formativos que o caracterizam. Nesse caso, destaco que as alternativas metodológicas predominantes no Projeto formativo do Proformação/Pedagogia/UERN se aproximam do ponto de vista paradigmático do prático-reflexivo as quais propõem um crescimento em todo o percurso formativo em
nível de aprofundamento empírico e teórico que se sobrepõe ao clássico curso apenas teórico.
A análise dos dados obtidos se deu a partir da categorização temática extraída dos discursos dos sujeitos investigados e, posteriormente, foi possível diagnosticar a avaliação dos professores investigados quanto às contribuições do curso em pauta para a melhoria de práticas pedagógicas por eles desenvolvidas no interior de suas salas de aula. Tal análise foi subsidiada por discussões, dentre outras, de autores como Sacristán e Pérez Gómez (1998), Nóvoa (1997), Perrenoud (s.d), Zabala (1998).
Algumas considerações
Os resultados da pesquisa apontam que a proposta formativa evidencia o predomínio da relação teoria-prática, consubstanciada pela distribuição da carga horária formativa que permite aos alunos/professores investigados um processo de alternância, de ir e vir constante entre os saberes curriculares, disciplinares e da formação profissional, e os saberes de suas práticas diárias. As teorias ali estudadas, em especial as que tratam do processo da aprendizagem, foram essenciais durante a formação em exercício, principalmente quando diagnosticado que mais da metade dos professores investigados não teve acesso a uma formação pedagógica no início da docência.
Quanto aos saberes relacionados ao processo de alfabetização de crianças o estudo mostrou que tal processo recebeu um novo olhar e, por isso mesmo, uma nova dimensão a partir das situações vivenciadas pelos professores investigados durante a formação em exercício. As discussões e o contato com a maior variedade possível de situações problematizadoras, de interações comunicativas, do pensar e raciocinar, vividas no ir e vir constante entre a escola e a universidade, permitiu-lhes, dentre outras coisas, conhecer algumas questões próprias do ato de alfabetizar, como o nível de desenvolvimento da escrita, por exemplo, e entender a necessidade de mudanças na prática da alfabetização a partir desses conhecimentos.
O proformação/pedagogia possibilitou aos alunos/professores investigados mais conhecimentos sobre o “como ensinar”, como alfabetizar, imprescindível às aprendizagens básicas dos alunos. Certamente tais conhecimentos não respondem por si só à melhoria significativa das práticas dos professores, mas podem fazer com que eles entendam e/ou superem as dificuldades que geralmente apresentam em lidar com alunos que não conseguem ou apresentam dificuldades em aprender a ler e a escrever.
No que se refere ao conhecimento matemático, constatamos que essa área de conhecimento é um forte indicador de possibilidades de mudanças significativas nas práticas dos professores investigados, permitindo entender de forma mais lógica muitos obstáculos envolvidos no processo de construção de conceitos específicos dessa área, o que, de certa forma, lhes permitiu compreender melhor alguns aspectos da aprendizagem dos alunos. O contato com várias situações didático-metodológicas possibilitou uma espécie de desmistificação entre os próprios professores de que é muito difícil ensinar matemática. E por isso mesmo, permitiu pensar reflexivamente sobre as várias abordagens que podem ser dadas ao ensino dessa área, no sentido de melhorar as condições de aprendizagem.
Frente a tantos pontos positivos nem tudo é só satisfação. Os professores, na condição de alunos, enfrentaram muitos sacrifícios durante os três anos de curso. Abdicaram de suas férias escolares, de sábados e feriados. Assistiram, nesse período, a oito horas diárias de aula, em condições por vezes desconfortáveis e em situações adversas. Algumas, na qualidade de mulheres e responsáveis pelo cuidado com o lar, respondiam por uma tripla jornada de trabalho. Pode-se afirmar que “refletir sobre a prática”, com tantos afazeres para além dos de suas salas de aula, chegava a ser doloroso para algumas. Nesse ínterim, entendemos que ficaram também muitas lacunas conceituais frente a conteúdos diversos. Certamente, a conquista de uma certificação de nível superior, para esses professores, representa muito mais que um simples diploma, ou uma mudança de nível na progressão funcional de suas carreiras. Significa a possibilidade de desvelamento de saberes construídos durante anos ao sabor das experiências que lhes fizeram “ser professores”.
Considero por fim, a necessária articulação entre teorias e práticas na formação de professores (não apenas em serviço, mas também na formação de futuros profissionais da educação), para além da alternância justapositiva. Não basta aos processos formativos iniciais docentes proporem, nas práticas de ensino e nos estágios supervisionados, o ir e vir constante dos alunos, com perspectiva de promoção dessa articulação. A formação “prática” dos futuros professores, na prática e para a prática, precisa transversalizar todas as disciplinas propostas na estrutura curricular dos cursos de formação. É preciso investir em propostas investigativas dessa e sobre essa prática. É necessário minimizar o distanciamento entre universidades e escolas.
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Dissertação de Mestrado, defendida em 2010 junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGEd/UFRN).