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PARECER DO NÚCLEO ESPECIALIZADO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS SOBRE O PROJETO DE LEI 5.655/2009

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Rua Boa Vista nº 103, 11º andar. Centro, São Paulo/SP. CEP 01014-001 Tel. 11-3107-5080

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5.655/2009

Considerando a relevância do Projeto de Lei nº 5.655 para o Brasil no atual contexto internacional, o qual exige mudanças na política migratória nacional, tanto em função da nova realidade econômica, social e cultural do país, quanto pela ratificação de instrumentos internacionais;

Considerando que a atual redação do Projeto de Lei nº 5.655, o qual dispõe sobre o ingresso, permanência e saída de estrangeiros no território nacional, dentre outros assuntos correlatos, deixa de observar disposições da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados1, além de outros tratados internacionais, o que dá ensejo à violação de direitos fundamentais;

Considerando que incumbe ao Núcleo de Cidadania e de Direitos Humanos, nos termos do que dispõe o artigo 2º da Deliberação CSDP nº 69/2008, “elaborar parecer e opinar em projetos de Lei que estejam em tramitação no Poder Legislativo que tratem da temática de Direitos Humanos”, além de “promover investigações e estudos para a eficácia das normas asseguradoras dos Direitos Humanos, consagrados na Constituição Federal, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (1969)2, bem como demais tratados e convenções ratificadas pelo Brasil”;

O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos resolve apresentar às Câmaras Legislativas, com o objetivo de adequar o Projeto de Lei nº 5.655 à orientação

1 Diploma ratificado pelo Brasil em 15.11.1960 e incorporado ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto Nº 50.215, de 28 de janeiro de 1961.

2

Diploma ratificado pelo Brasil em 25.09.1992 e incorporado ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto Nº 678, de 6 de novembro de 1992.

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da Corte Interamericana de Direitos Humanos e de diplomas internacionais ratificados pelo Brasil, as seguintes recomendações:

Art. 3º A política nacional de migraçãoimigratória nacional contemplará a adoção de medidas para regular os fluxos migratórios de forma a proteger os direitos humanos dos migrantes, especialmente em razão de práticas abusivas advindas de situação migratória irregular.

Comentário: a mudança recomendada visa à uniformização do termo “política imigratória”, para que não haja diferenciação entre ele e a expressão “política de migração”, já que ambos têm o mesmo significado.

Art. 6º O estrangeiro deverá comprovar sua estada regular no território nacional sempre que exigido por autoridade policial ou seu agente.

Parágrafo único. Para os fins do presente artigo, é considerado agente da autoridade policial, todo indivíduo que, vinculado à Polícia Federal, estiver no exercício de suas atividades laborativas habituais.

Comentário: o termo “agente” é demasiado vago, não estabelecendo quais indivíduos podem exigir aos estrangeiros que apresentem seus documentos. Tendo em mente a competência da Polícia Federal para questões relativas ao controle migratório, conforme determina a Constituição Federal no artigo 144, §1º, III (“A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;”), recomenda-se a inclusão do Parágrafo único acima.

Art. 7º É vedado ao estrangeiro, ressalvado o disposto em legislação específica:

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IX - ser proprietário, ou sócio ou empregado de empresa de segurança privada e de formação de vigilantes;

Comentário: o emprego de trabalhadores estrangeiros no ramo da segurança privada não coloca a segurança nacional em risco. Assim sendo, a limitação imposta ao estrangeiro pela inclusão do termo “empregado”, constante do texto original do PL 5.655/2009, é excessiva, violando o caput do art. 5º e o seu inciso XIII:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: é livre o exercício de

qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

qualificações profissionais que a lei estabelecer;” (grifou-se)

Além disso, deve-se ressaltar que o art. 6º, §1º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais3, em interpretação combinada com o art. 2º, §2º do mesmo diploma, atesta a ilegalidade da discriminação em função da nacionalidade no que diz respeito ao exercício da profissão:

“Os Estados Partes do Presente Pacto reconhecem o

direito ao trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão

medidas apropriadas para salvaguarda esse direito”

3

Diploma ratificado pelo Brasil em 24.01.1992 e incorporado ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992.

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“Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem

discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo,

língua, religião, opinião política ou de outra natureza,

origem nacional ou social, situação econômica,

nascimento ou qualquer outra situação” (grifou-se)

O direito ao trabalho e à escolha da profissão é, portanto, preponderante, devendo prevalecer sobre a limitação excessiva imposta pela redação original do art. 7º, IX do PL 5.655.

Art. 33. O visto para tratamento de saúde poderá ser excepcionalmente concedido por até um ano, ouvido o Ministério da Saúde, extensivo a um acompanhante, admitindo-se a prorrogação enquanto durar o tratamento. §1º A concessão de que trata o caput é exclusiva para tratamento de caráter privado, sendo vedada a utilização de recursos do Sistema Único de Saúde.

§ 2º A restrição do parágrafo anterior não se aplica ao tratamento de estrangeiro que tenha solicitado a transformação de visto de outra natureza em visto para tratamento de saúde no Brasil, após a manifestação de enfermidade em território nacional.

Comentário: o direito à saúde, de titularidade tanto de nacionais, quanto de estrangeiros, está previsto no art. 12, §§1º e 2º, “d” do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o qual deve ser interpretado com base no art. 2º, §2º do mesmo diploma:

“Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. As medidas que os

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Estados partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a

criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade“

“Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem

discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo,

língua, religião, opinião política ou de outra natureza,

origem nacional ou social, situação econômica,

nascimento ou qualquer outra situação” (grifou-se)

A limitação imposta pelo art. 33, §1º do PL 5.655 só é justificável se o estrangeiro intenciona vir ao Brasil unicamente para tratar de enfermidade anterior à sua vinda ao país, buscando beneficiar-se do Sistema Único de Saúde e, com isso, poupar os seus recursos. Desta forma, recomenda-se a inclusão do §2º, de modo a possibilitar o tratamento, no país, de estrangeiros que venham ao Brasil com outra finalidade e que descubram, uma vez em território nacional, que sofrem de grave enfermidade.

Art. 41. Além dos casos previstos no art. 21, a residência temporária poderá ser concedida nas seguintes hipóteses:

I - ao estrangeiro que possua cônjuge brasileiro ou cônjuge estrangeiro residente, do qual não esteja separado de fato ou de direito, ou que comprove união estável com brasileiro ou estrangeiro residente, sem distinção de sexo ou de orientação sexual dos companheiros;

Art. 113. Não se procederá à expulsão:

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II - quando o estrangeiro tiver:

a) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda ou dele dependa economicamente;

b) cônjuge ou companheiro brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, sem distinção de sexo ou de orientação sexual dos companheiros, e desde que o casamento tenha sido celebrado ou a união estável reconhecida antes do fato gerador da medida expulsória; ou c) ingressado no Brasil nos cinco primeiros anos de vida, residindo regular e continuamente no País desde então.

Comentário referente aos arts. 41, I e 113, II, “b”: o reconhecimento da união homoafetiva, por parte do Supremo Tribunal Federal, no julgamento por unanimidade da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 123, no dia 5 de maio de 2011, deve ter seus efeitos estendidos à situação descrita pelo art. 41, I do PL 5.655/2009. O voto apresentado pelo relator das ações, ministro Ayres Britto, interpreta o artigo 1.723 do Código Civil (“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”) conforme o artigo 3º, IV da Constituição Federal (“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”), concluindo no sentido de que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide com dispositivo constitucional supramencionado.

Ainda que a expressão “união estável”, constante do art. 41, I do PL 5.655/2009, deva ser interpretada nos termos do referido julgamento do STF, a simples inclusão da expressão “e de orientação sexual dos companheiros” garante às uniões homoafetivas estabelecidas entre brasileiro e estrangeiro e entre estrangeiro residente com estrangeiro, a mesma proteção dispensada às demais uniões estáveis. Com esta simples modificação,

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pode-se evitar que indivíduos do mesmo sexo que tenham firmado um núcleo familiar no Brasil venham a ter os seus direitos violados, ainda que temporariamente, antes de controle judicial.

Art. 41. Além dos casos previstos no art. 21, a residência temporária poderá ser concedida nas seguintes hipóteses:

[...]

II - ao ascendente ou descendente de estrangeiro temporário, desde que demonstrada a necessidade efetiva de amparo por parte deste; ou

III - ao irmão, neto ou bisneto quando órfão, solteiro, menor de dezoito anos ou, de qualquer idade, quando comprovada a impossibilidade de provimento do próprio sustento e a necessidade de amparo por estrangeiro temporário.; ou

IV - ao estrangeiro que solicitar refúgio em aeroporto, porto ou fronteira.

§ 1º No caso previsto no inciso I, será concedida residência temporária de três anos, permitido o trabalho remunerado, findos os quais poderá ser transformada em permanente caso persistam as condições que autorizaram a concessão da residência temporária no País.

§ 2º Nos casos dos incisos II e III a residência temporária ficará vinculada ao visto do titular.

§ 3º A concessão da residência temporária para trabalho dependerá de prévia manifestação do Ministério do Trabalho e Emprego.

§ 4º No caso do inciso IV, a autorização de residência temporária será concedida até o encerramento do processo de reconhecimento da condição de refugiado, regulado pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997.

Art. 105. A deportação e a repatriação serão feitas para o país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo, ressalvadas as hipóteses previstas em acordos internacionais dos quais o Brasil seja parte.

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§1º Ao estrangeiro que se encontrar em aeroporto, porto ou fronteira e desejar adentrar o território nacional, deverá ser concedida a oportunidade de solicitar refúgio, nos termos do art. 1º do Decreto nº 50.215, de 28 de janeiro de 1961, e dos arts. 7º e seguintes da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997.

§2º Caso o estrangeiro solicite refúgio nas circunstâncias descritas pelo parágrafo anterior, deverá receber autorização temporária de residência, nos termos do art. 21 da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, e do art. 41, inciso IV da presente lei, tendo a sua entrada e estadia permitidas em território nacional até o encerramento do processo de reconhecimento da condição de refugiado.

§3º Mesmo nos casos em que não for cabível, manifestamente, a concessão de refúgio, o estrangeiro não poderá ser enviado a outro país, seja ou não o de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.

Art. 113. Não se procederá à expulsão:

I - se implicar extradição não admitida pela lei brasileira; ou II - quando o estrangeiro tiver:

[...]

III - nos casos em que o direito à vida e/ou à liberdade pessoal do estrangeiro estiver em risco, no país de origem ou de residência habitual, em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.

Art. 149. Constitui infração administrativa: [...]

VI - transportar para o Brasil estrangeiro que esteja sem a documentação exigida para ingresso no território nacional, salvo nos casos em que ele solicitar refúgio em território nacional:

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Comentário relativo aos arts. 41, IV, §4º, 105, §§1º a 3º, 113, III, 149, VI: as alterações propostas têm por objetivo a adequação dos dispositivos em análise aos tratados ratificados pelo Brasil e aos princípios do direito internacional. Dentre os referidos diplomas, destacam-se a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 19674 relativos ao Estatuto dos Refugiados, os quais determinam que os Estados signatários devem conceder proteção a pessoa que, “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”, não possa retornar ao seu país de origem ou de residência habitual (artigo 1º). Com a intenção de regular a concessão de refúgio no Brasil, foi promulgada a Lei Federal nº 9.474 de 22 de julho de 1997, a qual estabelece que será concedida autorização de residência provisória ao solicitante de refúgio “até a decisão final do processo” (art. 21).

Importa destacar que, em função dos tratados internacionais supramencionados, as autoridades presentes em aeroporto, porto ou fronteira, deverão permitir a entrada, em território nacional, de estrangeiros que venham a solicitar refúgio, nos termos do artigo 1A da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados e do art. 1º da Lei nº 9.474, os quais definem o termo refugiado:

Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados

“Artigo 1º. Definição do termo "refugiado"

A. Para fins da presente Convenção, o termo "refugiado" se aplicará a qualquer pessoa:

1) Que foi considerada refugiada nos termos dos Ajustes de 12 de maio de 1926 e de 30 de junho de 1928, ou das Convenções de 28 de outubro de 1933 e de 10 de fevereiro

4 Diploma ao qual o Brasil aderiu em 07.04.1972 e incorporado ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto Nº 70.946, de 7 de agosto de 1972. A reserva geográfica e aos arts. 15 e 17 foi derrubada por meio do Decreto Nº 99.757 em 3 de dezembro de 1990.

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de 1938 e do Protocolo de 14 de setembro de 1939, ou ainda da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados;

As decisões de inabilitação tomadas pela Organização Internacional dos Refugiados durante o período do seu mandato não constituem obstáculo a que a qualidade de refugiado seja reconhecida a pessoas que preencham as condições previstas no parágrafo 2º da presente seção; 2) Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade encontra-se fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

No caso de uma pessoa que tem mais de uma nacionalidade, a expressão "do país de sua nacionalidade" se refere a cada um dos países dos quais ela é nacional. Uma pessoa que, sem razão válida fundada sobre um temor justificado, não se houver valido da proteção de um dos países de que é nacional, não será considerada privada da proteção do país de sua nacionalidade”

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Lei Federal nº 9.474 de 22 de julho de 1997

“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.”

Assim, conclui-se que o instituto da repatriação, da forma como se encontra regulado pelo art. 102 e seguintes do PL 5.655, viola normas do direito internacional dos refugiados, posto que impossibilita ao refugiado, a solicitação de refúgio antes do reenvio ao seu país de origem ou residência habitual.

É importante mencionar que a possibilidade de solicitar refúgio é desdobramento da garantia de acesso à justiça, visto que a repatriação sumária viola o direito subjetivo do estrangeiro de ter o seu status de refugiado reconhecido pelas autoridades brasileiras. Nesse sentido, cumpre assinalar a Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de Setembro de 2003, apresentada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a qual define que:

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“los Estados pueden establecer mecanismos de control de ingresos y salidas de migrantes indocumentados a su território, los cuales deben siempre aplicarse con apego estricto a las garantias del debido proceso y al respeto de la dignidad humana.”

Uma vez que a repatriação consiste em procedimento administrativo, entende-se que ao estrangeiro deve ser garantido, no âmbito do referido procedimento, o devido processo legal e os seus desdobramentos, quais sejam, a ampla defesa e o contraditório, nos termos do art. 5º, LV da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (grifei)

Em linhas gerais, o estrangeiro, independentemente de sua situação migratória, deve ter condições adequadas para defender seus direitos frente a qualquer ato do Estado que possa afetá-lo, seja no âmbito de um processo administrativo ou judicial5.

A Corte Interamericana acrescenta, ademais, que essa garantia de acesso à justiça é constantemente violada, tendo em vista a frequente expulsão ou deportação de estrangeiros sem qualquer oportunidade de defesa técnica. Cabe ao Estado, assim, assegurar esse acesso à justiça, colocando à disposição do estrangeiro, serviço público gratuito de defesa legal a seu favor6.

A possibilidade de solicitar refúgio deve integrar, nesse contexto, o devido processo legal da repatriação. Caso contrário, o estrangeiro teria a sua defesa cerceada no âmbito do procedimento administrativo em questão, o que afronta o dispositivo

5 C

ORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Opinión Consultiva OC-18/03 de 17 de Septiembre

de 2003, Solicitada por los Estados Unidos Mexicanos, pg. 122-123.

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constitucional mencionado acima e a orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Ademais, cabe ressaltar que a redação original do PL 5.655 viola não apenas a concessão de refúgio, mas também o princípio do non-refoulement, considerado uma norma cogente do direito internacional. O princípio em questão foi consagrado pelo artigo 33, §1º da Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados, o qual estabelece que:

“[n]enhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de forma alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que sua vida ou liberdade seja ameaçada em decorrência da sua raça, religião, nacionalidade, grupo social a que pertença ou opiniões políticas.”

Também nesse sentido, deve-se mencionar o artigo 3º, §1º da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes7, dispositivo que associa o non-refoulement à prática de tortura:

“[n]enhum Estado parte procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura.”

No âmbito interamericano, cabe destacar o artigo 22, §8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o qual determina que:

7

Diploma ratificado pelo Brasil em 28.09.1989 e incorporado ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto Nº 40, de 15 de fevereiro de 1991.

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“[e]m nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.”

Para que o PL 5.655 se adeque às exigências dos tratados acima, já ratificados pelo Brasil, integrando, portanto, o ordenamento jurídico nacional, deverá, além de conceder ao estrangeiro a possibilidade de solicitar refúgio, abster-se de enviá-lo a país em que tenha a sua vida ou liberdade ameaçadas. Ademais, ressalta-se que mesmo nos casos em que o estrangeiro não puder receber a proteção regulada pela Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados por não se enquadrar na definição de seu art. 1A, ele não pode ser repatriado sumariamente.

Essa situação peculiar é regulada de forma específica em outros países. Na França, por exemplo, os indivíduos que solicitam proteção, mas não se enquadram na definição da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, nem na definição do asilo constitucional8, recebem “proteção subsidiária”9. Na qualidade de beneficiados por esta forma de proteção, os estrangeiros recebem permissão para residir em território francês por pelo menos um ano, sendo possível a renovação dessa permissão pelo tempo em que o risco à vida ou liberdade, no país de origem ou de residência habitual, persistir.

8 O asilo constitucional está previsto no art. 53-1 da Constituição Francesa. Com base nele, deve ser concedido asilo a qualquer estrangeiro que for perseguido em razão de seu engajamento na luta pela liberdade.

9Artigo 2º, caput e §2º da Lei n° 2003-1176 de 10 dezembro de 2003 (Loi n° 2003-1176 du décembre 2003 modifiant la loi n° 52-893 du 25 juillet 1952 relative au droit d'asile); University of Ottawa, France’s Asylum System, disponível em: <http://www.cdp-hrc.uottawa.ca/projects/refugee-forum/projects/systems/Intl-France1.php#FN4> [08.08.2011].

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Na Alemanha, da mesma forma, o ordenamento jurídico prevê a “proteção subsidiária”10

, a ser concedida a estrangeiros que não possam se valer do refúgio, nos termos da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, nem do asilo constitucional, previsto no art. 16a da Constituição Alemã. Nessa situação, os estrangeiros em questão não podem ser enviados de volta ao país de origem ou de residência habitual, recebendo permissão para permanecer na Alemanha até que o perigo cesse.

Há de se concluir, assim, que o Brasil, para cumprir as determinações de tratados internacionais que ratificou e respeitar o princípio do non-refoulement – norma cogente do direito internacional – deverá prever a impossibilidade de repatriação, em texto de lei, para os casos em que o direito à vida ou à liberdade pessoal do estrangeiro esteja em risco.

Art. 87. São condições para a concessão da naturalização ordinária: [...]

VII - não estar respondendo a processo criminal, nem ter sido condenado penalmente por crime doloso, no Brasil e no exterior.

§ 1º [...]

§ 5º Se o estrangeiro estiver respondendo a processo criminal nos termos do inciso VII deste artigo, o procedimento de concessão da naturalização ficará suspenso até o trânsito em julgado da sentença que colocar fim ao processo.

Art. 90. O titular do certificado de naturalização provisória poderá requerer ao Ministério da Justiça a naturalização definitiva, em até dois anos após atingir a maioridade.

10

§60, (2) a (7) da Lei sobre a Estadia, a Ocupação e a Integração de Estrangeiros em Território Nacional de 2004 (“Aufenthaltsgesetz”).

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§ 1º Para a concessão da naturalização definitiva o requerente não poderá ter se ausentado do território nacional por mais de sessenta dias ao ano, salvo por motivo justo ou força maior, devidamente comprovado, nem estar respondendo a processo penal, situação em que o procedimento de naturalização ficará suspenso.

§ 2º Caso o naturalizado provisoriamente não requeira a naturalização definitiva no prazo previsto no caput, poderá ter o registro permanente restabelecido desde que comprove a inexistência de antecedentes penais.

Comentário relativo aos arts. 87 e 90: o princípio da presunção de inocência, consagrado pelo art. 5º, LVII da Constituição Federal, assevera que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Assim, para que o referido princípio não seja maculado pela redação original do artigo 87, inciso VII do PL 5.655, a concessão de naturalização não pode ser indeferida antes do encerramento do processo ao qual está respondendo o estrangeiro. Desta forma, o processo de naturalização deve ser suspenso até o trânsito em julgado da sentença que colocar fim ao processo em questão.

Art. 111. A expulsão consiste na retirada compulsória de estrangeiro que cometer crime no Brasil ou, de qualquer forma, atentar contra os interesses nacionais.

Parágrafo único. Para os fins do presente artigo, considera-se atentado ao interesse nacional, qualquer conduta que coloque em risco concreto a ordem política ou social, a economia popular ou a segurança nacional.

Comentário: a redação original do art. 111 é demasiado vaga, concedendo ampla discricionariedade às autoridades para que elas procedam à expulsão de estrangeiros, o que dá margem a decisões arbitrárias. Assim, sugere-se a inclusão de parágrafo único, o qual defina o termo “interesse nacional”, com o objetivo de determinar o alcance semântico da referida expressão.

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O art.71 da Lei nº 6.815 de 1980, introduzido pela Lei nº 6.964 de 1981, define os casos em que o inquérito instaurado para investigar a conduta do estrangeiro será sumário. As hipóteses elencadas no artigo em questão podem ser interpretadas como as condutas mais lesivas ao interesse nacional, justificando a expulsão do estrangeiro, ainda que ele não tenha praticado crime. Como o referido dispositivo legal será revogado pelo PL 5.655, sugere-se a inclusão de seu conteúdo no parágrafo único do art. 111, de modo a listar os casos que ensejariam a expulsão por atentado ao interesse nacional.

CARLOS WEIS

Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Defensor Público – Coordenador

THIAGO DIAS OLIVA

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