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Universidade Católica de Goiás Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

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Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

Criança Traída:

Da Cólera Histérica ao Gozo Perverso

Leandra Carrer

Goiânia Março de 2006

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Universidade Católica de Goiás Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

Criança Traída:

Da Cólera Histérica ao Gozo Perverso

Leandra Carrer

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Área de concentração: Psicologia Clínica. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Denise Teles Freire Campos.

Goiânia Março de 2006

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Agradecimentos

Aos meus pais Ana e Renato, pelo amor e confiança.

Ao meu marido Cristiano, que muito me incentivou, compreendendo minhas ausências e proporcionando-me condições emocionais para o envolvimento neste estudo.

À minha orientadora Denise Teles Freire Campos, que acolheu-me com muito carinho e dedicação, proporcionando a construção de um espaço produtivo para edificação deste trabalho. Mesmo atravessando momentos difíceis o apoio esteve presente.

Ao prof° Pedro Humberto, que muito contribuiu com suas idéias, ajudando-me a elaborar e organizar ajudando-meus pensaajudando-mentos.

Às amigas do mestrado, Gilmara e Silvia, sempre atenciosas em momentos de dificuldades e auxílios.

Ao prof° Mário Eduardo Costa Pereira, que se dispôs a estar presente e fazer parte deste momento tão importante em minha vida, meus sinceros agradecimentos.

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Resumo

O estudo traz uma reflexão em relação às manifestações sintomáticas e os traços estruturais da personalidade. Os sintomas são representações do inconsciente, mas, muitas vezes, não indicam a estrutura psíquica constitutiva do sujeito, sendo a mesma representada pelos traços estruturais. Dessa forma, não se deve fazer uma relação direta entre sintoma e estrutura de personalidade sem antes analisar com profundidade a subjetividade em questão. Foi realizada uma análise de um caso clínico, uma subjetividade feminina adulta, na área da Psicopatologia, a partir da teoria Psicanalítica, que apresenta manifestações sintomáticas caracterizadas como histéricas. No entanto, alguns indícios apontam para algo mais, referente a sua estrutura de personalidade. Para refletir sobre esta questão o trabalho possui uma parte teórica, abarcando três capítulos. O primeiro capítulo retrata o desenvolvimento psicossexual da criança, especificamente o desenvolvimento psicossexual feminino. O segundo traz uma reflexão a respeito da dinâmica perversa, bem como sobre a construção de traços perversos na mulher. Finalmente, no terceiro capítulo a dinâmica histérica é abordada. Após o referencial teórico segue-se o Estudo do caso clínico, no qual o material é apresentado a partir da reconstrução das sessões clínicas. Posteriormente, a Discussão articula a teoria exposta e o estudo de caso. Pode-se perceber que o discurso da paciente mostra a presença de traços estruturais perversos, e não traços estruturais histéricos. Se o psicanalista não escuta o mais além presente no discurso facilmente poderá provocar sérios entraves no processo clínico.

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Abstract

The present study aims to reflect about the symptomatic manifestations and the structural traits of the personality. The symptoms are unconscient representations but, many times do not indicate the psychic structure which constitutes the subject, the later being represented by the structural traits. Thus, a straight correlation between the symptom and the structure of the personality shouldn’t be done before analyzing deeply the subjectivity of the issue. The present study analyses a clinical case in the area of Psychopathology from the scope of Psychoanalytic Theory, where the subject, an adult female, presents symptomatic manifestations classified as hysteric. Some evidences however, point to something deeper, concerning the structure of her personality. To further reflect upon the issue, the paper brings a theoretic part of three chapters. The first chapter deals with the psychosexual development of children and specifically the female psychosexual development. The second chapter brings a reflexion over the dynamic of perversion as well as the construction of the perverse traits in women. At last, in the third chapter, the dynamic of hysteria is approached. Following the theoretical referential, there’s the case study itself, in which the material from the reconstruction of the clinical sections is presented. Afterwards, the Discussion articulates the theory presented and the case study. The subject’s speech presents perverse structural traits rather than hysteric ones. If the psychoanalyst does not perceive what is beyond the discourse, he/she may provoke serious hindrances to the clinical process.

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Sumário

Resumo ... iv

Abstract ... v

Introdução ... 01

Capítulo 1 – Processos psíquicos da construção emocional da criança ... 05

1.1 – A Castração Simbólica na Teoria Lacaniana ... 10

1.2 – Desenvolvimento Psicossexual Feminino... 17

Capítulo 2 – O Gozo Perverso ... 25

2.1 – Manifestações Sintomáticas e Traços Estruturais ... 32

2.2 – Sintomas e Traços Estruturais Perversos ... 34

2.3 – Traços Estruturais Perversos na Mulher ... 36

Capítulo 3 – A Cólera Histérica ... 40

3.1 – Gozo e Cólera: aproximações ... 46

Estudo do Caso Clínico... 49

1 – Dispositivo Clínico e Pesquisa ... 49

2 – Reconstrução do Caso Clínico ... 51

Discussão ... 60

Conclusão... 75

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Introdução

O trabalho em questão consiste em uma pesquisa realizada na área de Psicopatologia, mais precisamente na clínica Psicanalítica. A partir da prática, vários questionamentos surgem durante o processo clínico e o profissional possui três pilares nos quais busca apoio para conduzir estas questões. Tais pilares consistem na teoria, supervisão e a própria análise. O interesse em pesquisar a clínica surgiu dos atendimentos, os quais contribuíram para o desencadeamento de muitos questionamentos.

O tema do trabalho refere-se a uma reflexão sobre a escuta do analista em relação às manifestações sintomáticas e os traços estruturais da personalidade. Os sintomas são manifestações através das quais o inconsciente e o desejo se mostram. De acordo com Del Volgo (1998), na formação do sintoma ocorre a elaboração de “uma nova realidade borrada, deformada” (p. 73). Sendo assim, de uma maneira disfarçada a lembrança recalcada, o desejo inconsciente, encontram expressão no sintoma como uma “figuração enganosa” (Del Volgo, 1998, p. 76). Os sintomas podem ou não indicar a estrutura de personalidade do sujeito.

O que se observa na prática clínica é que uma manifestação sintomática pode se expressar nas diferentes estruturas, o que pode contribuir para velar a caracterização dessa estrutura. Segundo Bergeret (1998), quando se fala de estrutura em psicopatologia, este conceito remete a elementos de base da personalidade, ou seja, a sua organização em plano profundo. Dessa forma, “... definitivamente, o sintoma não nos permite jamais, por si só, pré-julgar acerca de um diagnóstico da organização estrutural profunda da personalidade” (Bergeret, 1998, p. 48). Os traços estruturais são diferenciados dos sintomas justamente pelos mesmos representarem a estrutura da personalidade.

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O caso clínico desse estudo, uma paciente adulta, mostra como as manifestações sintomáticas podem constituir fator de confusão no momento de uma delimitação em termos de estrutura de personalidade. Fazendo uma reflexão sobre os sintomas que se mostram nesta subjetividade, observamos que muitos deles podem ser caracterizados como histéricos. Se a escuta permanecesse apenas nas manifestações sintomáticas, o clínico poderia tirar conclusões apressadas, pois estabeleceria uma relação direta entre sintoma e estrutura, concluindo que tratar-se-ia de uma dinâmica histérica. No entanto, o que se observa neste caso clínico é a presença de traços estruturais perversos.

Diante desses apontamentos, os objetivos do trabalho consistem em: investigar a diferenciação entre manifestações sintomáticas e traços estruturais perversos; compreender como são construídas as dinâmicas histéricas e perversas da personalidade e refletir sobre a edificação de traços estruturais perversos na subjetividade feminina.

O trabalho é constituído de uma primeira parte teórica, subdividida em três capítulos. O primeiro capítulo traz todo o processo do desenvolvimento psicossexual da criança, iniciando com as concepções freudianas sobre Narcisismo, Complexo de Édipo e Complexo de Castração. Posteriormente, as concepções lacanianas sobre estes processos são retratadas. Finalizando, temos o desenvolvimento psicossexual feminino, visto que o estudo refere-se a uma subjetividade feminina.

O segundo capítulo aborda a dinâmica perversa, enfatizando sua edificação na dialética edípica, bem como as formas de sua manifestação na personalidade. Uma diferenciação mais precisa sobre as manifestações sintomáticas e traços estruturais também compõem este capítulo, além de um estudo sobre os traços perversos na mulher. A dinâmica histérica é estudada no terceiro capítulo, também dando ênfase

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em sua construção a partir de dialética edípica. Este capítulo é finalizado com a concepção de alguns autores sobre as semelhanças e diferenças em relação à histeria e a perversão.

O Estudo do caso clínico constitui a segunda parte do trabalho, na qual o método de construção e análise do material clínico de pesquisa são descritos. O material da pesquisa foi construído a partir da reconstrução das sessões clínicas realizadas, demonstrando os elementos significativos que contribuíram para a análise dos processos emocionais fundamentais da paciente. O método de análise é o Psicanalítico, utilizando a escuta, a transferência, contratransferência e interpretação enquanto instrumentos que possibilitam o desenvolvimento do trabalho analítico, permitindo que conteúdos expressos na relação paciente-analista possam ser nomeados, incorporando uma significação.

A terceira parte do trabalho refere-se à Discussão, na qual foi desenvolvida uma reflexão sobre a teoria e o material clínico da pesquisa, ou seja, constitui o momento em que se estabeleceu uma ligação entre o percebido e o que pôde ser pensado. Nesta análise, observa-se que a subjetividade histérica e a perversa possuem, superficialmente, algumas características semelhantes que podem configurar-se em elementos confusionais para o clínico. Ambas possuem a sexualidade no âmago do problema e mostram a necessidade de ocupar a posição de objeto único desejado. Entretanto, aspectos relacionados ao gozo, ao desejo, a castração e a representação do outro no psiquismo, são elementos que apresentam suas diferenças em cada uma dessas dinâmicas. Através dessas diferenças percebe-se traços perversos na subjetividade em questão, sendo a sintomatologia histérica um elemento de proteção do aparelho psíquico da paciente.

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Além dos objetivos citados acima, o trabalho também visa contribuir para o enriquecimento teórico e a formação clínica, não através de respostas, mas, principalmente, pelos questionamentos que o mesmo possa suscitar.

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Capítulo 1

Processos psíquicos da construção emocional da criança

A parte teórica desse trabalho trará, inicialmente, a teoria psicanalítica do desenvolvimento psicossexual do sujeito. Tendo como objetivo mostrar as manifestações perversas na mulher, este capítulo constituiu o alicerce da discussão proposta.

Alguns processos psíquicos são extremamente importantes na construção emocional do indivíduo. Referem-se ao Narcisismo, Complexo de Édipo e Complexo de Castração. Deve-se reportar primeiramente ao Narcisismo, visto que é a partir dele que se alcança o Complexo de Édipo. Através da ferida narcísica e da angústia de castração que o Édipo adquire sua importância processual.

Sobre o Narcisismo, Freud (1914/1996), postula a existência de um narcisismo primário em todos, bem como a progressão do mesmo para o narcisismo secundário, sendo que não se pode afirmar a presença deste último em todas as pessoas. O narcisismo primário caracteriza-se como o primeiro modo de satisfação da libido, sendo este auto-erótico, ou seja, os objetos investidos pelas pulsões são as próprias partes do corpo. Não existe diferenciação entre sujeito e objeto, o sujeito se realiza sobre si mesmo. De acordo com Martins (2002), “trata-se da imagem auto-erótica de um lábio beijar o próprio lábio” (p. 118).

Além dessa caracterização do narcisismo primário, observa-se como os pais mostram-se, muitas vezes, tomados pelo bebê, ou seja, a vida dos pais gira em torno da criança. “Sua majestade o bebê” (Freud, 1914/1996, p. 98), caracteriza como o narcisismo primário representa “uma espécie de onipotência que se cria no encontro entre o narcisismo nascente do bebê e o narcisismo renascente dos pais” (Nasio,

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1995, p. 49). Neste momento em que o bebê ocupa o centro da vida dos pais, os mesmos acabam revivendo seu narcisismo há muito tempo recalcado. De acordo com Freud, o amor dos pais pelos filhos equivale a seus narcisismos recém-renascidos. Isso se manifesta quando, por exemplo, os pais delegam aos filhos todas as perfeições, projetando nos mesmos todos seus sonhos e ocultando todas as deficiências. A criança terá tudo aquilo que seus pais não tiveram oportunidade de possuir, ou seja, as necessidades saciadas, mais divertimentos e não farão parte de sua vida a doença, restrições, limites e frustrações.

A progressão para o narcisismo secundário ocorre quando o investimento libidinal retorna para o ego, abandonando a modalidade auto-erótica. Isso se processa quando a criança é confrontada com um ideal que se formou fora dela, que também é caracterizado pela perfeição, tendo como veículo as identificações. Aos poucos, o filho percebe que a mãe busca outras pessoas, que deseja fora dele. Ocorre a diferenciação entre sujeito e objeto. Neste momento se instala a ferida ao narcisismo primário, pois a criança percebe que não é tudo para a mãe. O sujeito se vê em falta. Segundo Nasio (1995), “a partir daí, o objetivo consistirá em fazer-se amar pelo outro, em agradá-lo para reconquistar seu amor; mas isso só pode ser feito através da satisfação de certas exigências, as do ideal do eu” (p.51).

De acordo com Freud (1914/1996), o ideal do eu, ou ideal do ego, é o substituto do narcisismo primário perdido, no qual ele era seu próprio ideal. É formado através da linguagem, no qual acham-se presentes os ideais e os construtos valorativos dos pais, somando-se, posteriormente, aos das outras pessoas presentes nos ambientes de convivência. O ideal do ego impõe condições à satisfação da libido por meio de objetos. Possui uma importância na compreensão do aspecto social do sujeito, pois carrega não só o ideal familiar, mas o da sociedade, da cultura e da

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nação. A não realização desse ideal mobiliza sentimentos de frustração, culpa e temor de perder o amor dos pais, sendo que estes serão, progressivamente, substituídos por outras pessoas.

Para Freud, o desenvolvimento do eu consiste na entrada do indivíduo no narcisismo secundário, o que ocorre, principalmente, pelo complexo de castração. A partir de então, só será possível experimentar-se através do outro. Instala-se o reconhecimento de uma incompletude que desperta o desejo de recuperar a perfeição narcísica. De acordo com Nasio (1995), “o narcisismo secundário se define como o investimento libidinal (sexual) da imagem do eu, sendo essa imagem constituída pelas identificações do eu com as imagens dos objetos” (p.55). Pode-se falar em investimentos narcísicos (eu) e investimentos objetais (objeto) a partir da clivagem que se processa no narcisismo entre ser e ter o objeto.

Na teoria psicanalítica o conceito de castração refere-se a uma experiência psíquica inconsciente decisiva para a construção da identidade sexual do indivíduo. Esta experiência é constantemente renovada ao longo da vida. Através dela, a criança é introduzida no universo do simbólico, na sociedade dos homens. Segundo Nasio (1995), a castração é colocada em jogo no trabalho analítico no sentido de reativar, na vida adulta, essa experiência que atravessamos na infância e “admitir com dor que os limites do corpo são mais estreitos do que os limites do desejo” (p.13).

Na concepção freudiana, o Complexo de Castração e o Complexo de Édipo são diferentes no menino e na menina. “Enquanto no menino, o Complexo de Édipo é destruído pelo Complexo de Castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do Complexo de Castração” (Freud, 1925/1996, p. 285).

Ambos complexos desenrolam-se na fase fálica. Freud (1923/1996), refere-se à fase pré-genital fálica como fase genital infantil pelo fato dos genitais

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encontrarem-se em lugar de destaque. Contudo, enfatiza a principal diferença da faencontrarem-se genital adulta, ou seja, na organização infantil somente o órgão masculino está em evidência, seria possuir ou não o pênis. Nas palavras de Freud (1923/1996), “o que está presente, portanto não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo” (p. 158). Na organização adulta existe masculino e feminino.

A fase fálica é caracterizada pela descoberta e interesse pelos genitais. Muitas vezes, as crianças demonstram esse interesse pela masturbação, pela curiosidade em ver os genitais dos colegas, em exibir os seus para outras pessoas, etc. No início, todas as crianças possuem uma idéia comum de que o pênis é universal. De acordo com Freud (1905/1996), “a suposição de uma genitália idêntica (masculina) em todos os seres humanos é a primeira das notáveis e momentosas teorias sexuais infantis” (p. 184). No entanto, a criança descobre, em suas pesquisas, que nem todos possuem pênis.

Os meninos e as meninas, como dito anteriormente, compartilham uma crença universal de que todos possuem pênis. Em um segundo momento, o menino, quando se depara com a realidade de que as mulheres, inclusive a mãe, não possuem o pênis, pode, primeiramente, recusar essa percepção, ou seja, a mãe continua possuindo um pênis. Posteriormente, a criança começa a elaborar essa percepção indesejada, criando explicações para a mesma, como por exemplo: o pênis dela é pequeno, mas ficará maior; o pênis está escondido; o pai arrancou o pênis da mãe, etc. Aos poucos estas explicações são abandonadas e conclui-se que a mãe é castrada.

A mãe deixa de ser um objeto idealizado. A relação carrega, a partir de então, algo inquietante e angustiante, bloqueando a via do desejo, pois o menino teme um dia ser castrado como a mãe. A ameaça de castração, muitas vezes representada pelas

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palavras proibitivas dos pais em relação à masturbação, aliada a representação de alguém que teve e não tem mais, incidem sobre a fantasia incestuosa. É sob o efeito da angústia de castração que o menino aceita a lei e renuncia a mãe.

Depara-se com o término do complexo de castração e do complexo de Édipo, tornando possível a afirmação da identidade masculina. O menino foi capaz de assumir sua falta e produzir seu próprio limite. Segundo Freud (1924/1996), “as catexias de objeto são abandonadas e substituídas por identificações. A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí forma o núcleo do superego” (p. 196). Ainda segundo Freud (1924/1996), ao entrar em processo de dissolução, todo o investimento sexual característico do complexo de Édipo é dessexualizado, sublimado e transformado em impulsos de afeição, caracterizando o início do período de latência.

O complexo de castração na menina possui dois elementos comuns com o do menino: a crença na universalidade do pênis e a ligação com a mãe como primeiro objeto de amor. No entanto, este segundo elemento desenvolve-se de maneira diferente para meninos e meninas. Os meninos, no processo edípico, mantém a mãe como objeto privilegiado, enquanto que as meninas necessitam afastar-se da mesma para eleger o pai a ocupar esta posição, além de conceber a mãe enquanto objeto edípico rival. Posteriormente, a menina renuncia ao pai.

Inicialmente a menina acredita que possui pênis (clitóris). No entanto, observando seu colega que possui um pênis e ela não, sente-se injustiçada e tenta consolar-se pensando que seu clitóris seja um pênis pequeno e que ainda irá crescer. Com o passar do tempo ela percebe que realmente é castrada, mas permanece um desejo de possuir um pênis. Concomitantemente, toma consciência que a mãe e outras mulheres são castradas. A menina despreza e rejeita a mãe, com ódio,

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hostilidade e rancor por ela tê-la feito assim, sentindo-se inferior aos meninos. Existe a separação da mãe e a escolha do pai como objeto de amor. O complexo de castração na menina marca sua entrada no complexo de Édipo, no qual ela volta-se para o pai, pois ele pode lhe responder positivamente ao seu desejo de ter um pênis, sendo este representado por um filho. O desenvolvimento da sexualidade feminina será estudado, ainda neste capítulo, de maneira mais verticalizada, visto ser de extrema importância para o trabalho em voga.

1.1 - A Castração Simbólica na Teoria Lacaniana

Lacan retoma todos esses processos postulados por Freud propondo significações diferentes. Para ele, o núcleo pelo qual gira toda a organização do desenvolvimento sexual humano não é o pênis enquanto órgão genital masculino, mas a representação construída a partir dele. Freud nos diz sobre a primazia do pênis, enquanto Lacan diz sobre a primazia do falo, ou seja, representação da presença ou ausência do falo nos indivíduos. O pênis deve ser concebido enquanto órgão real e o falo como função imaginária. Nas palavras de Lacan (1995) “... toda a dialética do desenvolvimento individual, como também toda a dialética de uma análise, gira em torno de um objeto principal que é o falo” (p. 30).

Para Lacan, a castração vai além de ameaças verbais que mobilizam angústia no menino e da inveja do pênis na menina. O que fundamenta tal complexo é a separação entre mãe e criança. Seria interessante reportar as etapas de estruturação edípica, segundo este mesmo autor, que se estende dos seis aos dezoito meses de vida.

A fase inicial é denominada estágio do espelho, no qual o bebê encontra-se fusionado com a mãe. Nesta primeira etapa da relação mãe-criança, caracterizada

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pela indiferenciação entre ambas, a criança vive uma experiência extremamente importante, a de trazer prazer à mãe, a de trazer uma satisfação de amor, “...o ser amado é fundamental para a criança” (Lacan, 1995, p. 229).

Nesta fusão, a criança começa a construir uma imagem de si e, concomitantemente, a mãe oferece a ela o lugar de falo imaginário. Visto que o desejo de toda mulher é possuir o falo, a criança acaba por acreditar ser aquilo que a mãe lhe transmite, como se o seu olhar fosse o espelho da criança. Pode-se dizer de uma identificação fálica, pois se refere ao falo materno. Essa dinâmica leva a criança a se perceber como o único objeto do desejo da mãe. Ela se identifica com algo que não é, ou seja, o falo.

O bebê investe esta energia no outro (mãe ou substituta) e esta volta para ele de forma narcísica, como se suprisse todas as necessidades. A mãe, no imaginário da criança, é um ser onipotente, que garante a satisfação das necessidades, além de proporcionar um gozo que supera estas necessidades, um gozo que ocorre sem solicitação. Todos esses aspectos fazem com que a mãe ocupe o lugar do grande Outro.

Essa ilusão não resiste muito tempo ao embate da realidade, através do qual a criança pressente que ela não constitui o único objeto de desejo materno. De acordo com Lacan (1995), quando a mãe começa a responder, na sua relação com a criança, segundo sua própria demanda, ela inicia sua configuração enquanto objeto real. Conseqüentemente, deixa resquícios de sua potência e anuncia sua falta. A posição inicial da relação da mãe com a criança inverteu. Neste momento a mãe torna-se real, e o objeto simbólico. Objeto este que carrega a potência e a satisfação. Essa potência diz respeito à onipotência que a criança delegava a mãe antes da mesma tornar-se

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real. As carências e as decepções afetam a onipotência materna, surgindo o sentimento de impotência na criança.

De início, a tendência da criança é negar que a mãe possua um desejo que não corresponda à própria criança. Seria uma negação de que a mãe seja faltosa. Em contrapartida, a criança cria uma ilusão de que ela é o objeto que satisfaz essa falta. O bebê busca, então, ocupar o lugar do desejo insatisfeito da mãe, sendo este o falo materno. Nas palavras de Lacan (1998), “se o desejo da mãe é o falo, a criança quer ser o falo para satisfazê-la” (p. 700). Dessa forma, a mãe acredita na ilusão de possuir o falo e a criança na ilusão de ser o falo.

No entanto, a realidade não deixará de se fazer presente, colocando a prova essa identificação fálica da criança. O falo falta à mãe, por esse motivo ela o deseja. O questionamento dessa ilusão será proporcionado pela entrada da figura paterna. O pai irá realizar o corte da díade, pois o mesmo representa a lei, a proibição do incesto. Esse corte apresenta para a criança, segundo Dor (1991a), um universo de gozo novo, estranho e proibido, do qual ela se encontra excluída. A partir de então, haverá a construção de um novo saber sobre o desejo do Outro e de seu próprio desejo. A criança encontra-se nos registros da castração, alicerçada pelo pai enquanto mediador do desejo. É importante remeter às colocações de Lacan a respeito do pai real, do pai imaginário e do pai simbólico nesta edificação edípica, pois a função paterna que instaura e dimensiona o Complexo de Édipo.

O pai simbólico é a instância que representa a Lei da proibição do incesto. O pai imaginário é a instância mediadora através da qual o pai real seria investido pelo simbolismo da Lei. Dessa forma, o pai real não é detentor dessa função simbólica. A mesma é construída na relação mãe-criança-pai-falo, dependendo da maneira como os quatro elementos irão negociar entre si. A partir do momento em que o pai real se

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aproxima dessa díade a criança sentirá sua presença e, principalmente, conotações diferentes na dimensão desejosa da mãe, o que irá refletir em sua própria dimensão desejosa. Em outras palavras, a criança não está mais segura quanto sua identificação imaginária com o falo materno, ela coloca em dúvida esta posição. Inicia-se, neste momento, a castração pela função paterna.

Cada vez mais o pai se mostra como o único regulador do desejo da mãe, como o único que possui algo que ninguém possui, mesmo não possuindo, o falo. Instala-se uma rivalidade fálica entre pai e criança. A criança começa a perceber o desejo da mãe em relação ao desejo do pai. Nesse momento, o bebê se dá conta de que o Outro materno investe sua energia em outros objetos, anunciando sua falha e sua busca da satisfação do que lhe falta. Este objeto “completo” não é perfeito, ele desvia seu desejo para outro lugar que não o próprio bebê. Inicialmente, a criança tenta ocultar a percepção de que a mãe deseja o pai se colocando como rival ao lado do pai. No entanto, vai se deparando e aceitando aos poucos a realidade.

A partir de então, o pai imaginário se expressa, sendo aquele que detém o falo, que priva e interdita a criança desta posição de único objeto de desejo da mãe. Tendo realizado este reconhecimento, a criança se depara com a Lei do pai e percebe que também a mãe reconhece esta Lei como aquela que conduz seu desejo. A mãe se significa para a criança como faltosa, mostrando que a mesma não a satisfaz plenamente.

A criança atribui a função fálica ao pai imaginário, ou seja, é aquele que tem o que a mãe supostamente deseja, instituindo assim o pai simbólico: aquele que representa a Lei. Quando o pai mobiliza o desejo da criança para deixar a posição de ser o falo materno, a mesma é conduzida para o registro da castração. A criança se percebe não sendo e não tendo o falo. Configura-se, assim, a função de pai

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simbólico. O bebê é frustrado em sua tentativa de se identificar com o falo materno pela percepção de que o pai é quem ocupa este lugar. A imagem do Outro perfeito e completo é perdida para sempre. Vale ressaltar que a base da castração é a perda do Outro perfeito. É o corte do vínculo narcísico entre a mãe e o bebê.

De acordo com Lacan (1995),

O pai simbólico é o nome do pai. Este é o elemento mediador essencial do mundo simbólico e de sua estruturação. Ele é necessário a este desmame, mais essencial que o desmame primitivo, pelo qual a criança sai de seu puro e simples acoplamento com a onipotência materna (p. 374).

Quando a função paterna se faz presente, desencadeia a decepção fundamental da criança, ou seja, ela reconhece que não é o único objeto da mãe e que o objeto de interesse da mãe é o falo, então, conseqüentemente, ela é faltosa.

A presença ou não do pai real não possui importância significativa no processo edípico. A função de pai simbólico pode existir na ausência do pai real. Basta que um terceiro faça a mediação entre o desejo da mãe e do filho, possuindo a atribuição fálica imaginária, significada no discurso materno como o regulador de seu desejo. Deve configurar-se como elemento perturbador da certeza da identificação fálica do filho. A função do pai no complexo de Édipo é de ser um significante que substitui o significante primário, ou seja, o significante materno. Lacan nomeia este processo de metáfora do Nome-do-Pai. Segundo Nasio (1988), “... nós, os seres falantes, somos apenas seres de vento, mensageiros que se desvanecem entre o gozo que aspira as palavras e o nome do pai que as ordena” (p. 47).

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Retomando, a castração incide não somente na criança, mas na mãe. De acordo com Zimerman (1999), a mãe é castrada na crença de ter o falo (filho), evitando a utilização do filho como uma extensão narcisística dela própria, e o filho é castrado na crença de ser o falo. A aceitação da castração, ou seja, a perda do paraíso simbiótico, constitui o ingresso no triângulo edípico. Para Zimerman (1999), a castração “representa o grande desafio às ilusões narcisistas que foram forjadas no registro imaginário da etapa do espelho” (p.400), podendo estas ser atenuadas ou modificadas, dependendo da situação.

Com a representação da lei paterna o indivíduo se instaura como sujeito em falta. Esta falta é insuportável, existindo uma única maneira de suportá-la: simbolizando, ou seja, buscando símbolos substitutos, significantes que representem o falo. Pela simbolização quaisquer objetos podem ser sexualmente equivalentes. De acordo com Nasio (1995), “é na proporção de uma certa renuncia ao falo que o sujeito entra em posse da pluralidade de objetos que caracterizam o mundo humano” (p.41).

Vale ressaltar a distinção que existe entre falo imaginário e falo simbólico. O falo imaginário seria o objeto que alguns possuem e outros não, que também sofre as ameaças de ser perdido. O falo simbólico seria representações psíquicas substitutas, referentes ao falo, dos quais a criança lança mão para conservar seu desejo sexual, elegendo outros equivalentes ao falo, ao mesmo tempo em que se afasta da mãe enquanto objeto incestuoso.

De acordo com Dor (1991c),

A primeira designação, inaugural, que testemunha o seu estatuto de sujeito, é a do Nome-do-Pai, seguindo-se daí que o sujeito seguindo-se produz nesta designação como

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sujeito desejante, já que só fará, sempre, continuar a significar, na linguagem, o objeto primordial de seu desejo (p. 54).

A busca do sujeito configurará sempre em tentativas de reencontrar o objeto perdido das primeiras satisfações enquanto criança. Como esse reencontro é algo impossível, os objetos substitutos serão marcados pelas características do objeto primitivo perdido.

Pode-se perceber como a castração constitui o núcleo estruturante da subjetividade, pois desencadeia um processo em que o individuo se percebe imperfeito, incompleto, que precisa do outro, ou seja, busca no outro aquilo que lhe falta, pois seu desejo é submetido à lei do desejo do outro. Para ser sujeito o indivíduo tem que reconhecer a falta.

O reconhecimento e a aceitação da falta no Outro não é um processo fácil para a criança. Renunciar a mãe fálica imaginária é renunciar sua posição de falo e encarar a diferença dos sexos e com isso sua própria falta. A angústia mobilizada muitas vezes desencadeia mecanismos defensivos para conseguir lidar com toda a situação. Nos capítulos seguintes esta questão será abordada, ou seja, os mecanismos defensivos, construídos pela criança, que caracterizam a dinâmica histérica, e os mecanismos que caracterizam a dinâmica perversa. No entanto, antes de nos atermos a discussão da histeria e da perversão, uma reflexão sobre a construção da sexualidade feminina constitui um momento importante para a discussão da proposta do presente trabalho.

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1.2 - Desenvolvimento Psicossexual Feminino

O desenvolvimento da sexualidade feminina é um campo de estudo ainda em construção. A impressão que se tem é que pouco foi edificado pelo fato dos autores não se permitirem falar e aprofundar sobre o feminino. A tradição freudiana de não investigar este tema parece que foi passada pelas gerações, salvo algumas exceções.

Em relação a Freud, até 1920 ele analisava a construção da sexualidade masculina e feminina de forma paralela, dedicando-se quase que exclusivamente ao estudo do processo no menino, deixando em aberto o que dizia respeito à menina. A partir de 1920, Freud apresenta apontamentos da construção da sexualidade feminina. Em 1926/1996, a denominou como continente negro, sendo que posteriormente referiu-se como algo enigmático, enfatizando como as vias para a feminilidade, ou seja, ser e se tornar mulher, são bem mais sinuosas que para construção da masculinidade. Seus apontamentos transformaram-se no ponto de ancoragem para estudos posteriores de diversos autores.

Em seu artigo “Sexualidade Feminina” (1931/1996), Freud inicia sua escrita com questionamentos sobre o processo edípico feminino. Em estudos anteriores a este, Freud não havia enfatizado, no processo edípico da menina, a importância da ligação com a mãe. Focalizava apenas a ligação com o pai. Esta ligação com a mãe é caracterizada pela intensa paixão na qual o pai é um intruso. A natureza dos afetos presentes na relação com a mãe constituiu a herança que alicerça a ligação com o pai, e posteriormente com o parceiro.

Como foi visto anteriormente, o complexo de castração na menina inaugura sua entrada no Complexo de Édipo, momento em que Freud (1931/1996), postula que a menina se ressente e censura a mãe por não ter lhe dado um pênis, por tê-la concebido com “defeito”. Ela reconhece a superioridade do homem e sua própria

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inferioridade, sendo que, a partir de então, ela pode trilhar por três caminhos. O primeiro seria uma repulsa da sexualidade, pois mergulharia na comparação com os meninos, validando sua inferioridade perante os mesmos. Caracterizaria pela neurose, inibição sexual.

O segundo caminho caracteriza-se pela inveja peniana e por uma busca incessante em possuir um pênis, o que pode se manifestar por um complexo de masculinidade. Segundo Freud (1933/1996), isso ocorre pela recusa em reconhecer o fato indesejado de ser castrada, mantendo uma identificação com a mãe fálica ou com o pai.

Por fim, o terceiro caminho, no qual o pai é tomado como objeto e a menina constrói sua feminilidade dita normal. A menina volta-se para o pai pelo desejo de possuir um pênis, o qual a mãe não lhe ofereceu. A feminilidade normal se configura quando o desejo de possuir um pênis for substituído pelo desejo de possuir um bebê. A mãe é vista como rival porque ela recebe do pai tudo o que deseja. De acordo com Nasio (1995), “a feminilidade é um constante devir, tecido por uma multiplicidade de trocas, todas destinadas a encontrar para o pênis o melhor equivalente” (p. 21).

Tomar o pai enquanto objeto amoroso não constitui uma simples troca de objeto. É um processo doloroso que, de acordo com Freud (1933/1996), “o afastar-se da mãe, na menina, é um passo que se acompanha de hostilidade; a vinculação à mãe termina em ódio” (p. 122). O destino desse ódio vai depender da natureza afetiva da relação primária com a mãe.

Ocorre o afastamento da mãe, mas a identificação com a mesma permanece. Freud (1940/1996), diz que quando existe a perda de um objeto amoroso “a reação mais óbvia é identificar-se com ele, substituí-lo dentro de si próprio mediante a identificação” (p. 206). Esta identificação se sustenta, primeiro pela vinculação

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afetiva pré-edípica com a mãe, e segundo porque esta é tomada como modelo no Complexo de Édipo, pois o objetivo da menina é estar no lugar da mãe junto ao pai, é adquirir aquilo que exerceria a atração masculina.

Percebe-se que a hostilidade da filha em relação à mãe, juntamente com a inveja do pênis, constitui alguns dos elementos do desenvolvimento da feminilidade. Somando-se a isso, paradoxalmente falando, temos a ligação primária como aspecto igualmente importante nesse processo.

Vale ressaltar que a inveja do pênis diz respeito a um pênis fantasiado, representando algo que não se tem. Esse ódio mobilizado seria, de acordo com Stein (1988), “... o substituto da onipotência supostamente perdida” (p. 63), onipotência que remete ao período arcaico.

Segundo Lacan (1995), o que é amado no sujeito é o que ele não tem. O “dom de amor” envolve o dar algo, mas por trás desta doação existe tudo o que lhe falta. É pela fantasia de não possuir o falo que a menina entra na dialética simbólica do dom. Ela entra no Complexo de Édipo por não ter e por querer encontrá-lo. É somente o pai, portador do falo, que pode dar à criança o objeto de sua satisfação. No entanto, a decepção de não receber o filho do pai constitui a mola propulsora para fazer com que a menina faça o caminho de volta à mãe. “A partir daí, só é preciso que ela tenha um pouco de paciência para que o pai venha enfim ser substituído por aquele que irá preencher exatamente o mesmo papel, o papel do pai, dando-lhe, efetivamente, uma criança” (Lacan, 1995, p. 207). Vale lembrar que o desejo da mulher, e também do homem, visa ao falo, sendo que este deve ser recebido como um dom, em um processo de troca.

De acordo com Calligaris (2005), a menina, ao distanciar-se da mãe e voltar-se para o pai, encontra uma dificuldade, visto que o pai pode oferecer somente a

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identificação ao falo. Então a menina busca na mãe todas as estratégias para obter o amor paterno. Dor (1991a), ressalta que a mulher constrói sua feminilidade somente através do outro, a partir do “consentimento de um homem, cujo único desejo basta para lhe expressar se ela o possui ou não” (p. 186). A menina, para se tornar mulher, espera encontrar no pai um olhar desejante.

Freud (1933/1996), aponta que a menina esforça-se por tornar-se o ideal narcisista do pai, e diz ainda: “atribuímos à feminilidade maior quantidade de narcisismo, que também afeta a escolha objetal da mulher, de modo que para ela, ser amada é uma necessidade mais forte que amar” (p. 131).

De acordo com as concepções de Aulagnier (1990), a mulher se coloca dentro desse enigma através de um véu que encobre sua feminilidade, numa tentativa de velar seu desejo. O amor seria o véu, pois ela somente se permite desejar quando se sente amada, só se mostra ao outro como objeto de amor e não como objeto de desejo. O que é velado consiste no desejo da mulher pelo desejo do homem, isto porque ela não se permite mostrar que pode ser carente do desejo masculino. Mostrar isso seria ver-se privada daquilo que acreditava ter.

Através do amor a mulher se cobrirá de um desejo que não é o seu, para assim mostrar-se ao olhar do homem. A feminilidade só pode ser reconhecida por um outro. Com a castração, a menina percebe que o desejo da mãe está diretamente sustentado por outro desejo, o do pai. Então, segundo Aulagnier (1990), a menina deve renunciar a ser para parecer o que não é e o que não tem, pois percebe que a feminilidade materna constitui-se o que irá enganar o pai para captar seu desejo. Enquanto isso, o menino se tranqüiliza, pois ele possui o que falta na menina.

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Birman (1997), observa que não se concebe mais a feminilidade como algo enigmático e misterioso. Tal concepção esteve muito presente no imaginário sobre essa construção, como se vê nos artigos de Freud. Nas palavras do autor:

Com efeito, a idéia de que a figura da feminilidade seria algo da ordem do enigma apenas se colocou durante séculos na história ocidental, à medida que se acreditava que a figura da masculinidade seria uma coisa translúcida e da ordem da obviedade. Entretanto, nada menos evidente do que o ser homem e a incorporação pelo sujeito dos atributos masculinos (Birman, 1997, p. 99).

A questão que se coloca é que tanto o tornar-se homem, como o tornar-se mulher, são instâncias que possuem seus obstáculos. Não existe obviedade e evidência em nenhum dos casos. Birman (1997), ressalta que nos tempos atuais, o que realmente poderia ser considerado como enigmático não seria a feminilidade ou a masculinidade, mas a diferença sexual. O embasamento do estabelecimento da diferença sexual que deve ser tido como enigmático, ressaltando que este é um processo que se impõe igualmente para homens e mulheres.

Ao longo da obra de Freud, percebe-se que a construção da masculinidade consiste em um processo definido e conhecido, ao contrário da feminilidade que se mostra tortuoso. Talvez possamos questionar estas concepções e perceber que ambos são construções realizadas ao longo da história do sujeito. Outro questionamento que se coloca refere-se aos apontamentos freudianos sobre o fato da figura feminina ser construída sob o alicerce da maternidade, ou seja, para ser mulher deve-se trilhar o caminho da maternidade. Não basta apenas o reconhecimento da castração. “O que

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está em pauta é a positividade do puro desejo na mulher, que pode se desdobrar ou não no ser da maternidade. Com isso, ser mãe não é a condição sine qua non para ser uma verdadeira mulher...” (Birman, 1997, p. 118).

De acordo com Brun (1989), a forma pela qual a criança renunciou, ou não, ser o ideal fálico parece constituir a evolução da feminilidade na mulher e a descoberta de aspectos femininos no homem. “A instauração da feminilidade implicaria numa certa aptidão para a renuncia, compreenderia uma parte de luto” (Brun, 1989, p. 109). Além disso, para esta autora a feminilidade constitui uma busca da mulher na mãe. Seria a busca da mulher que a mãe foi antes de ser mãe, ou seja, uma mulher que se encontra velada aos olhos da filha. Para haver este reconhecimento da mulher na mãe é necessário ocorrer a “destruição da mãe familiar, cotidiana, mas, não obstante, onipresente” (Brun, 1989, p. 34). No processo de tornar-se mulher, a menina precisaria, então, cometer o matricídio.

De acordo com Campos (2000), definir o feminino como um não-lugar, ou como uma inexistência de traços identificatórios, constitui uma concepção vaga da feminilidade, assim como igualar o tornar-se mulher ao tornar-se mãe. Ser mãe não responde a questão da constituição da identidade feminina. Ainda segundo esta autora (2004), o processo que ocorre com a menina, referente à identificação e ao investimento de objeto, não se encontra satisfatoriamente estudado e teorizado.

O processo de identificação da mulher à sua mãe tem como embasamento o período pré-edipiano. Campos (2004), defende a concepção de que a feminilidade não se constitui somente a partir da inveja do pênis. A construção da feminilidade envolve dois momentos relacionados à identificação: a identificação à mãe-falo (no período pré-edipiano) e o ódio à mãe-mulher (aquela que possui o falo paterno).

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Ao falar sobre a identificação primária à mãe, Campos (2002) a caracteriza como uma identificação que transita entre aquela do recalcamento original (narcísica, sem objeto) e a identificação objetal. A identificação primária seria anterior ao complexo de Édipo. Nas palavras da autora:

Podemos pensar assim, numa identificação primária com a mãe como forma de ser mulher. Desta forma, uma identificação posterior com o pai seria somente como uma via de alcance da mãe, posto que a mãe busca no pai aquilo que ela, enquanto mulher, não tem. Stein (1987) diz: “não saberíamos, então, nos identificar ao falo sem se fazer falo de alguém” (p. 227) (Campos, 2004, p. 19).

Nesta concepção, a menina, ao sofrer a desilusão de não ser o objeto único e preferido da mãe, ou seja, ao ser submetida à castração simbólica, não se desligaria da mãe, não a abandonaria enquanto objeto de amor. Através da identificação a mãe-falo a menina aprende como é ser mulher. Mesmo que o ódio à mãe-mulher se mostre presente posteriormente, qualquer caminho tomado pela menina a partir desse ódio, seja pela acusação ou pela demanda de amor, será caracterizado pelo retorno a mãe.

Para Lacan, a castração é igual para meninos e meninas. Ambos perdem o mais importante: o Outro. A dor e a falta que experienciam é decorrente de não serem mais exclusivos. Ambos são castrados nessa ilusão. A partir de então, irão buscar esse objeto perdido, irão buscar reconquistar esta posição primitiva de ser único e exclusivo. Dessa forma, o menino se identifica com o pai para ter a mãe. A menina não se desliga da mãe, ela fica nesta relação e se identifica com a mesma, e

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por essa identificação ela elege o pai enquanto objeto de amor. Menino e menina buscam o falo. A menina não busca um pênis, ou um filho, ela busca o falo, ou o retorno à posição de ser falo de alguém.

Pommier (1991), desenvolve a idéia de que a mulher manteria um gozo duplo, ou seja, o gozo fálico e o gozo do Outro, sendo este último o representante do retorno ao grande Outro, do retorno à mãe. “Se não se contenta em ser amada, mas ama também, aquilo que ela ama se dirige à mãe impessoal que o ato do amor busca reconquistar. Quando um homem é amado por uma mulher, ele lhe abre um acesso enviesado à sua mãe” (Pommier, 1991, p. 53).

De acordo com Lacan (1985), “a mulher só entra em função na relação sexual enquanto mãe” (p. 49). Para a mulher, existe um outro gozo, um gozo suplementar, que não o fálico, sobre o qual ela nada sabe, mas o experiencia. O gozo feminino não se ocuparia totalmente com o homem. Colocar-se no lugar da fantasia do homem é um modo de reencontar o gozo materno, o gozo do Outro. “A fantasia de ser o objeto de uma fantasia recupera, por esse desvio que passa pelo logro, o gozo perdido do corpo” (Pommier, 1991, p. 54).

Para este autor, ativo e passivo não são aportes referentes a masculino e feminino. A via passiva caracteriza-se por se fazer objeto do desejo (identificação em ser o falo) e a via ativa em procurar o Outro (identificação pelo movimento de ter o falo). Existiria no início a passividade do gozo do Outro (para ambos os sexos), posteriormente uma posição ativa no gozo fálico (também para ambos os sexos), e por fim, um retorno à passividade do Outro gozo. Este último momento definiria a feminilidade. Quando a mulher se coloca no lugar da fantasia do homem, ela permite o gozo fálico dele (ativo) e retoma (ativamente) a posição de passividade do gozo materno.

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Capítulo 2 O Gozo Perverso

No capítulo anterior pode-se refletir sobre o desenvolvimento psicossexual que se processa no sujeito, proporcionando a base para a continuidade da estruturação da personalidade. Baseados nestes conhecimentos expostos serão analisados, neste capítulo, alguns dos destinos possíveis que ocorrem neste processo e que colaboram para a edificação de defesas caracterizadas pela sintomatologia e por traços estruturais perversos.

A perversão sempre foi associada a aberrações, ao anormal e ao patológico. A classificação psiquiátrica auxiliou a manutenção dessa associação da perversão a tudo o que é desviante, sendo sempre caracterizada pelo aspecto sexual. Os construtos morais da sociedade contribuíram para haver uma separação, cada vez maior, das condutas sexuais normais, de acordo com as normas, e as condutas sexuais desviantes.

Freud (1905/1996), ao desenvolver suas idéias sobre a perversão, inicia concebendo-as como aberrações sexuais, subdividindo-as em transgressões anatômicas quanto às regiões do corpo destinadas a união sexual e fixações de alvo sexual provisório. Seria ocasionada por fixações nas fases pré-genitais do desenvolvimento psicossexual em que, ao contrário das neuroses, as fantasias são atuadas e não recalcadas. “A neurose é o negativo das perversões” (1905/1996, p.157), dizia Freud para significar a questão de que as fantasias pré-genitais existem tanto no neurótico quanto no perverso, a diferença é que o perverso as atua e o neurótico as recalca.

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O primeiro dos grupos das perversões citado por Freud engloba algumas categorias de desvios, como: supervalorização do objeto sexual, uso sexual da mucosa dos lábios e da boca, uso sexual do objeto anal, significação de outras partes do corpo e substituição imprópria do orifício sexual (fetichismo). No segundo grupo, Freud salienta o tocar e o olhar, o sadismo e o masoquismo.

Em relação ao fetichismo, ainda neste trabalho de 1905/1996, Freud postula que o substituto do objeto sexual seria uma parte do corpo ou um objeto, e constitui-se patológico porque o fetiche ocupa o lugar do alvo constitui-sexual normal, tornando o único objeto sexual. A escolha do fetiche orientar-se-ia por experiências vividas na primeira infância, geralmente impressões sexuais que permanecem encobertas.

Em 1917/1996, Freud postula de maneira diferente a constituição das perversões. Não remete-se às categorias de aberrações sexuais. O que torna-se importante é a “exclusividade com a qual se efetuam esses desvios e em conseqüência dos quais o ato sexual a serviço do objetivo de reprodução é posto de lado” (Freud, 1917/1996, p. 327).

A criança é concebida como ser perverso-polimorfa em sua constituição, o que revela as raízes da pulsão sexual. Isto devido ao fato das correntes pré-genitais da sexualidade circularem sem haver ordenação. Essa ordenação seria realizada, mais tarde, pela corrente genital na puberdade. O que ocorre com o perverso é uma fixação na fase pré-genital, sendo que a corrente genital fica impedida de ordenar as outras correntes. Dessa forma, uma corrente pré-genital fálica constituiria o núcleo organizador da sexualidade.

De acordo com Freud (1917/1996), não é raro perceber que manifestações da perversão encontram-se presentes na sexualidade de pessoas normais, sendo estas caracterizadas como preparatórias e intensificadoras do ato sexual. Esta maneira de

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conceber a perversão foi importante para combater o estigma de aberrações, pois mostra que as mesmas estão presentes em todos os seres humanos, só que de forma velada.

Posteriormente, Freud tenta proporcionar contornos mais precisos à perversão buscando no complexo de Édipo o núcleo de sua estruturação. Diante da angústia de castração o indivíduo edifica processos defensivos com o intuito de neutralizá-la. Tais processos defensivos indicam a orientação pela qual os traços da personalidade irão se estruturar. A saída do Complexo de Édipo no perverso teria uma conotação diferente do recalcamento no neurótico. Seria uma defesa de recusa à realidade penosa da castração. O artigo “Fetichismo” (1927/1996) representa um momento de extrema importância na compreensão do processo perverso, no qual a recusa da castração é associada à clivagem egóica.

O mecanismo da recusa presente nas perversões foi primeiramente conceituado como um mecanismo de defesa utilizado pela criança no momento em que se deparava com o fato de que a mãe era castrada. No primeiro impacto a criança nega essa percepção. Freud também relacionou o mecanismo da recusa à psicose. Seria a recusa de toda a realidade exterior, e posterior substituição delirante.

Nas perversões, a recusa, ou denegação, se faz presente juntamente com a clivagem do ego. Remetendo ao momento em que a criança está diante da realidade de que as mulheres (mãe) não possuem pênis, uma intensa angústia é mobilizada porque esta realidade representa um grande risco para o menino, pois se a mulher foi castrada ele também pode ser. A criança não renuncia tranqüilamente a mãe fálica e sua ilusão de ser o único objeto de desejo materno. Esta renuncia, conseqüentemente a depararia com o real da diferença dos sexos. Para neutralizar este risco, o

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mecanismo da denegação é utilizado, ou seja, ocorre a recusa da percepção de que a mulher não tem pênis.

O perverso mantém em seu psiquismo duas concepções antagônicas sobre a castração, uma que diz respeito a percepção da realidade de que a mulher não possui pênis e outra que seria uma afirmação inconsciente de que a mulher possui um pênis (recusa). O que se processa no psiquismo do perverso seria o reconhecimento e, ao mesmo tempo, a negação da ameaça de castração. Estas instâncias opostas existem sem anular ou influenciar uma a outra porque no ego ocorre essa clivagem. Os lacanianos concebem estes postulados como a essência da perversão.

A lacuna deixada por essa denegação é preenchida com uma formação substituta, constituindo o objeto fetiche. De acordo com Freud (1927/1996), “o fetiche é o substituto do pênis da mulher (mãe)” (p. 155). Em 1905/1996 Freud apresenta indícios desta concepção quando diz “as formações substitutivas desse pênis perdido das mulheres desempenham um grande papel na forma assumida pelas diversas perversões” (p. 184). O fetiche seria o triunfo sobre a ameaça de castração, pois representa o falo materno que entra no lugar da falta.

A partir desses aportes teóricos desenvolvidos por Freud, a perversão começa a ser concebida enquanto estrutura de personalidade. Alguns autores aprofundaram o mecanismo de formação da perversão, contribuindo para a sua delimitação enquanto instancia diagnóstica ao lado das neuroses e psicoses. As idéias de alguns desses autores serão expostas com o intuito de compreender todo o processo de formação da perversão.

Lacan, ao retomar as concepções freudianas sobre o tema, contribuiu para delimitá-la, de maneira mais consistente, enquanto uma estrutura psicopatológica. Ele não trabalhou especificamente a perversão em seus seminários. Encontram-se

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referências ao longo de sua obra. Destaca enquanto mecanismo principal a denegação e a lógica fálica. Diz que a perversão deve ser abordada a partir do complexo de Édipo, enfatizando a relação primitiva com a mãe, na qual a criança experiencia o falo como sendo o objeto de desejo da mãe. Uma falha na metáfora do Nome-do-pai é um aspecto que também possui responsabilidade significativa. A lei e a aceitação da castração não são instituídas.

O cenário edípico constitui o núcleo desta reflexão, principalmente as características das relações entre os quatro protagonistas que o compõe: criança-mãe-pai-falo. As características dessa relação serão enfatizadas, visto que embasam a construção de traços estruturais perversos.

No mundo psíquico do filho a mãe ocupa um lugar idealizado. Possui somente qualidades e talentos. Totalmente perfeita no desempenho de sua função. A criança se enxerga nos olhos da mãe como também idealizada, ocupando o centro do mundo da mãe, ou seja, sente-se como se fosse seu falo. Existe uma cumplicidade e sedução que permeia a relação mãe-criança. Observa-se uma mãe sedutora, que expressa essa sedução pelas solicitações eróticas da criança. De acordo com Dor (1991b), “... a resposta materna é um verdadeiro chamado para o gozo, na medida em que mantém a atividade libidinal do filho junto à mãe” (p. 51). No discurso materno a função fálica paterna torna-se pulverizada. De acordo com Lacan, a mãe do perverso é uma mãe fálica.

Aliado a esta relação materna sedutora existe um pai omisso que não faz valer sua função, deixando-a a cargo da mãe. É no discurso da mãe que a Lei será dita, abarcando toda a ambigüidade deste significado. O pai encontra-se denegrido na fantasia da criança, impossibilitado de desempenhar a função paterna. Sua

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importância no psiquismo do filho é consideravelmente diminuída, o que o torna objeto excluído enquanto modelo identificatório. É uma figura ausente.

Em algum momento dessa perfeição que circula entre mãe e criança a desilusão ocorre, ou seja, a criança percebe que não é o único objeto de desejo da mãe. Mesmo que exista a cumplicidade entre criança e mãe a mensagem materna sobre a Lei paterna é ambígua, então a decepção é inevitável. A partir de então, não saberá mais o que significa para ela e o que poderia satisfazê-la, infligindo um desmoronamento em seu sentimento de identidade: quem sou eu, já que não sou o falo? A criança começa a imaginar que deve existir um falo ideal ao qual a mãe deseja. O pai é descartado como detentor desse falo, visto não ser reconhecido como objeto do desejo sexual da mãe, o que impedirá a identificação com o mesmo.

Diante desse conflito e da impossibilidade de se voltar para o pai, a criança cria mecanismos para contornar o problema da castração e a angústia a ela inerente. Ocorre uma falha na capacidade simbólica, um vazio no mundo interno impossibilitado de ser simbolizável, o qual busca-se preencher com objetos e situações exteriores. O perverso não consegue assumir essa parte perdedora.

O perverso renega o desejo da mãe pelo pai. Não aceita a mãe ser faltosa, muito menos sua busca de encontrar no pai aquilo que lhe falta. A saída que encontra é a clivagem egóica. Através desse mecanismo ele imagina-se possuidor do falo e mantem a situação como estava, ou seja, permanecendo na posição de único objeto de desejo ao mesmo tempo em que reconhece a castração. De acordo com Lacan (1995), para satisfazer o desejo da mãe, a criança empenha-se, independentemente de que maneira, em se constituir como objeto enganador. Se não se pode satisfazer o desejo, então a solução é enganá-lo. Esforça-se por mostrar à sua mãe aquilo que não

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é. A criança pode tapear o desejo da mãe apresentando a ela como sendo o falo, como sendo portadora do falo.

Para isso, compactua com a imagem de um pai insignificante na promoção de algum corte e com a imagem de uma mãe sem furos. O que se percebe é uma negação da realidade e criação de algo novo e ilusório. Aproxima-se do mecanismo psicótico, a diferença é que aquele que foi recusado no psicótico é restaurado sob o delírio, diferentemente do perverso que cria e atua uma ilusão.

O pai simbólico é justamente a instância que o perverso não quer reconhecer. Isto implicaria abandonar a dimensão de ser o falo para adotar a de ter o falo, ou seja, seria perceber a falta do outro e, conseqüentemente, a sua própria falta.

A perversão não é edificada somente sobre a desilusão de não ser o falo e sobre o ódio por não satisfazer esse desejo, visto estes constituírem sentimentos universais. O alicerce deste desenrolar edipiano é construído pelas mensagens que circulam de desejos e conflitos dos pais, bem como a forma como a criança capta e interpreta.

A dinâmica familiar colabora para tais construções imaginárias. Pai e mãe deixam ambíguo o questionamento da criança a respeito da identificação fálica. No que diz respeito a mãe percebe-se, de acordo com Dor (1991a), uma cumplicidade libidinal com a criança, caracterizada pela sedução e pelas respostas a todas as solicitações eróticas do filho. Aliado a isto, a mãe ainda se cala sobre o significado do pai na economia de seu desejo, sendo que a mesma apresenta uma interdição que soa ao fingimento. O pai seria uma figura intrusa, porém silenciosa, delegando a mãe sua função.

Para manter a ilusão de ser o único objeto de desejo da mãe a criança fará de tudo, mesmo que para isso ela submeta sua sexualidade a um jogo. Esse jogo visa

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alguns fins, como: conter explosões de ira e impulsos assassinos ou suicidas diante da mínima ameaça de perda narcísica; controlar a angústia de castração, tentando reafirmar a todo o momento de que a mesma não traz sofrimento; permanecer com a ilusão de ser o falo materno; controle e domínio do objeto.

Independente da maneira como o perverso configura sua sexualidade, o objetivo principal será sempre o mesmo: reafirmar o tempo todo que a castração não traz dor e que é reparável. Para tanto, a transforma na condição de sua vida sexual. Quando a angústia surge é imediatamente erotizada, e o comportamento sexual torna-se um meio pelo qual se controla essa angústia de castração. Seu sofrimento é convertido em gozo. Dessa forma, o sujeito torna-se servo de seu desejo.

Alguns autores destacam características da dinâmica perversa. McDougall (1987), observa que o equilíbrio narcísico do perverso é muito frágil, de forma que sua reação a qualquer decepção ou contrariedade advindas do cotidiano desperta-lhe uma tensão que necessita ser contida, e isso ocorre por um ato sexual mágico.

2.1 - Manifestações Sintomáticas e Traços Estruturais

Para dar continuidade a reflexão sobre o presente estudo faz-se necessário estabelecer uma distinção entre manifestações sintomáticas e traços estruturais, bem como a relação de ambos com a estrutura de personalidade e com uma avaliação diagnóstica.

O que se observa na clínica psicanalítica é a não existência de relação direta entre causalidade e sintoma. Não seria prudente o analista escutar seu paciente estabelecendo esta relação entre sintoma que se manifesta e estrutura de personalidade. Bergeret (1998), postula que um sintoma caracterizado como neurótico, por exemplo, poderia servir para “camuflar” uma organização estrutural

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psicótica, e vice-versa. O autor sinaliza a precaução que o clínico deve possuir ao fazer qualificações de sintomas e estruturas de forma apressada. Ao qualificar um sintoma, deve-se ter em mente que o mesmo pode “não explicar, de modo algum, um juízo acerca da natureza da estruturação profunda do sujeito” (Bergeret, 1998, p. 48). Isto porque, existe uma instancia mediadora entre ambos: o inconsciente. É a partir de processos psíquicos inconscientes que indícios se mostram em relação à estrutura de personalidade. Na fala do paciente, no dito e no não dito, que tais processos são desvelados.

Dor (1991a), denomina tais processos inconscientes que aparecem na fala do paciente como traços estruturais. São elementos que caracterizam a estrutura de personalidade e representam a dinâmica do desejo. “A especificidade da estrutura de um sujeito é predeterminada pela economia de seu desejo” (Dor, 1991a, p. 30). A economia do desejo é caracterizada por trajetórias estereotipadas. “São semelhantes trajetórias, estabilizadas, que chamarei, por assim dizer, traços estruturais” (Dor, 1991b, p. 22).

No entanto, para que se possa identificar os traços estruturais deve-se ter o cuidado de diferenciá-los das manifestações sintomáticas. As manifestações sintomáticas são construções psíquicas inconscientes nas quais as lembranças recalcadas e o desejo inconsciente são expressos de maneira disfarçada. Contudo, pode ou não trazer indícios da estrutura psíquica, ou talvez funcione como vetor de confusão na identificação de traços estruturais.

Lacan (1998), diz que o sintoma seria uma metáfora, ou seja, uma substituição significante. O que se manifesta encobre o significante latente do desejo, ou seja, o que está recalcado. O desejo, por sua vez, constitui-se em um processo metonímico. A metonímia é um processo que envolve a configuração de novos

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significantes em contigüidade com significantes já existentes. De acordo com Dor (2003), a partir da metáfora Nome-do-pai o desejo é direcionado para o terreno dos objetos substitutos do grande Outro perdido. Uma cadeia de significantes irá se constituir, na qual estes significantes simbolizam os objetos substitutos. Lembrando que as trajetórias do desejo são denominadas pelos traços estruturais, os mesmos são da ordem do processo metonímico.

A maneira como o sujeito estabelece sua relação com a função fálica será o alicerce da sua estruturação psíquica. “A ordem da estrutura é instituída pela ordem fálica” (Dor, 1991a, p. 59). Como foi visto no capítulo anterior, a dialética edipiana abarca momentos importantes nos quais o desejo articula sua relação com o falo, e as caracterizações dessa relação constituem fatores mobilizadores da organização da estrutura de personalidade.

Uma avaliação diagnóstica na clínica psicanalítica não pode ser instituída antes de uma análise profunda do caso clínico. Algumas vezes tal diagnóstico só pode ser concebido após a finalização do trabalho de análise. Ao analisar o caso clínico do presente trabalho, serão enfatizados os traços estruturais e as manifestações sintomáticas. Por constituir um caso que ainda permanece em atendimento, referir-se a uma estrutura enquanto um diagnóstico finalizado não seria prudente.

2.2 - Sintomas e Traços Estruturais Perversos

Dor (1991a), diz que o desafio e a transgressão são traços estruturais presentes na perversão. A única lei do desejo que existe e que o perverso reconhece é exclusivamente a sua própria lei. Dessa forma, esforça-se para desafiar a Lei-do-Pai, pois assim rechaça que a lei de seu desejo seja submetida à lei do desejo do outro. É

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como se ele reconhecesse o limite da Lei-do-Pai, mas se esforça para desafiá-la e ultrapassá-la, mostrando que não é um limite. Com isso, faz do outro instrumento de suas fantasias. A única lei que o perverso reconhece é a sua, sendo que a impõe ao outro.

Diante da ambigüidade que a mãe demonstra à criança em relação ao seu desejo pelo pai e a falsidade de sua interdição, a criança irá desenvolver o alicerce dos traços estruturais do desafio e da transgressão. O desafio seria caracterizado pela tentativa da criança de seduzir cada vez mais a mãe para ter certeza de sua prevalência em seu desejo. A transgressão partiria da percepção que a criança possui da falsidade que permeia o corte feito pela mãe, como se ela fosse a primeira a transgredir a lei paterna. De acordo com Dor (1991b), diante de toda essa estratégia o perverso necessita de um cúmplice, sendo a mãe a figura privilegiada. Para certificar-se de que a lei existe o perverso a desafia e a transgride.

Outra característica seria o grande interesse que demonstra em manipular o prazer sexual do outro. Torna-se operador da castração. A sexualidade é vivida sempre, e invariavelmente, da mesma forma. Mostram comportamentos, muitas vezes compulsivos e ritualísticos, de domínio, controle, humilhação e desconfiança. Se por algum motivo existe a ameaça da perda dessa ilusão de controle, sentimentos de aniquilamento são mobilizados. Renunciar ao jogo que criou seria admitir sua castração, o que poderia comprometer a coesão egóica, visto que tais defesas encobrem temores ligados a separação com ameaça de despedaçamento e perda da identidade.

O discurso do perverso, de acordo com Queiroz (2004), é caracterizado por uma fala sem limites, que mostra mais que significa. Esta autora considera enquanto

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características principais do perverso “... a dificuldade de colocar limite ao gozo, o desmentido, e a perturbação na relação com o outro” (Queiroz, 2004, p. 30).

Aulagnier (1990), percebe que existe na perversão um narcisismo ao contrário e que “... faz resplandecer a coroa de mártir e justifica a existência de um discurso carregado de dor e de conteúdo de degradação” (Queiroz, 2004, p. 64)

Diante de todo exposto sobre a construção de sintomas e traços estruturais perversos, deve-se ressaltar que todos estas concepções dizem respeito a manifestações dos mesmos na personalidade masculina. Como o caso que será discutido posteriormente refere-se a uma análise de traços estruturais perversos em uma mulher, faz-se importante levantar alguns apontamentos sobre o assunto.

2.3 - Traços Estruturais Perversos na Mulher

Dor (1991a), relata que durante muito tempo, no campo da psicanálise, falar de perversões sexuais na mulher foi visto como algo inconseqüente, além de parecer arriscado. Sendo o ponto nodal da perversão a recusa da criança em aceitar a castração, e utilização da denegação e a clivagem egóica, o menino é o único que pode configurar-se nesta recusa, visto que a menina já é castrada. Sendo castrada, como ela pode enveredar-se nesta recusa? Inicialmente esse era o argumento da inexistência de perversão na mulher.

Posteriormente, em 1991b, Dor diz que a estrutura perversa feminina é uma instância muito problemática entre os estudiosos, mas “é incontestável que possamos observar manifestações perversas nos comportamentos femininos” (p 36). Este autor admite que as mulheres possam manter uma certa relação com a perversão, mas longe de conceber uma construção de uma estrutura perversa. O que pode ocorrer é uma perversão da libido, ou da forma do narcisismo, ou da maternagem.

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Ao falar sobre o fetichismo e a perversão nas mulheres, Roudinesco e Plon (1998), apontam que a tese da inexistência do fetichismo e da perversão feminina era bem aceita no início do século XX. Melanie Klein e seus sucessores, bem como a escola francesa, que juntamente com Lacan e colaboradores iniciaram o questionamento dessa tese.

Roudinesco e Plon (1998), consideram que uma das melhores teorizações sobre o tema foi a obra de Wladimir Granoff e François Perrier. Tais autores publicaram em 1964 o texto de uma conferência no qual relatavam que o fetichismo não se configurava na mulher através do objeto-fetiche. Ela poderia se conceber como seu próprio fetiche “... numa relação erotomaníaca com o filho. Na condição de mãe, ela se constrói então como um ídolo onipotente e, portanto, como um fetiche” (Roudinesco e Plon, 1998, p. 237).

Campos (2002), desenvolveu em seu trabalho uma análise de um caso clínico em que constata a construção do fetichismo na mulher a partir de sua relação com o filho. Neste caso, o bebê se tornou para a mãe um objeto-fetiche.

A perversão é designada nos estudos de Piera Aulagnier (1990) como um dos destinos possíveis da feminilidade. A autora mostra como a libido pode perverter-se na mulher, sendo que o prazer torna-se senhor do desejo. Ela diz que toda perversão é uma paixão, entendendo a paixão como um vínculo caracterizado por ser indispensavelmente vital, algo que nunca pode faltar. Ser objeto da paixão de um homem constitui um fantasma que habita o psiquismo feminino. A mulher possui esse ideal de ser indispensável para o outro. No entanto, a via da paixão seria o caminho pelo qual o desejo pode perverter-se. Quando a mulher necessita tornar-se o objeto exclusivo e indispensável ao outro, que lhe garante que tudo estará bem se ela estiver ao seu lado, mas se não estiver, o caos pode se instalar. Ela pode oferecer um

Referências

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