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O MEL E A SUA UTILIZAÇÃO NO TRATAMENTO DE FERIDAS

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Academic year: 2021

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O MEL E A SUA UTILIZAÇÃO NO TRATAMENTO DE FERIDAS

João C. Gouveia

(Centro de Saúde da Pampilhosa da Serra)

INTRODUÇÃO

O tratamento de feridas tem vindo a assistir a uma evolução cada vez maior, quer em termos de sofisticação, quer em termos de velocidade a que surgem estas novidades terapêuticas. No entanto, nem só no futuro está a solução. Explicando melhor, existem agora evidências científicas que nos permitem acreditar que produtos anteriormente utilizados com resultados positivos, mas sem explicação plausível, que não empírica, possam agora ser utilizados de forma efectiva. O mel, entre outros, é um deles.

O mel tem sido utilizado pelo Homem, à mais de 2000 anos, nas mais variadas formas de aplicação e com os mais diferentes objectivos inerentes à sua utilização. O tratamento de feridas não foge à regra e existem descrições da sua “prescrição” por xamãs nas mais variadas tipos de tribos1. A sua utilização nunca deixou de existir, mas nos anos mais recentes assistiu-se a um renascer do interesse pela utilização do mel no tratamento de feridas, assim como pelo interesse na terapia larvar.

A primeira referência da utilização do mel como elemento no tratamento de feridas surge em 2000 AC, no Egipto (Gelbart, 1999, citado por Dunford et al, 2000). Também Naylor (1999), citado por Dunford et al (2000), refere que existe um documento datado de 1392, sobre procedimentos no tratamento de feridas, nos quais se inclui a utilização de mel. Cavanagh et al (1970) confirmou as propriedades positivas da utilização do mel no tratamento de feridas, em 12 casos de pacientes sujeitas a vulvectomia, referindo fundamentalmente as propriedades não irritantes e o facto de ser muito mais efectivo do que os antibióticos tópicos2.

Mais recentemente, estudos realizados por Efem (1988, 1993) e Subrahmanyam (1991, 2004) confirmaram as propriedades particulares do mel, com repercussão positiva na cicatrização de feridas e úlceras não cicatrizantes3,6, na velocidade de cicatrização em feridas resultantes de gangrenas de Fournier4 e comparativamente à utilização da sulfadiazina de prata em queimaduras, revelou ser duas vezes mais rápido o aparecimento de tecido de granulação revelar menor dor5.

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Todavia, a ênfase principal do recrudescimento da utilização do mel no tratamento de feridas reside nas suas propriedades antimicrobianas, sendo cada vez mais o número de publicações que comprovam a sua eficácia7,8,9. De facto, tem-se verificado que o mel apresenta bons resultados no tratamento de feridas infectadas e queimaduras, que se atribui a propriedades específicas do mel, contribuindo decisivamente para inibir o crescimento bacteriano e promover a cicatrização de feridas10. As propriedades que falamos que são:

- Elevada viscosidade - Ph ácido

- Factor de inibição - Elevada osmolaridade - Conteúdo nutritivo

Também deve ser tido em conta as vantagens no processo cicatricial da ferida e em termos económicos da utilização do mel no tratamento de feridas11, que segundo Molan (1999) são:

Vantagens na ferida

- Fornece uma barreira protectora para prevenir infecções cruzadas - Cria um ambiente antibacteriano de cicatrização em ambiente húmido

- Elimina rapidamente bactérias infecciosas, incluindo estirpes antibiótico-resistentes - Tem um efeito de desbridamento, e a sua acção osmótica causa drenagem de linfa, libertando detritos do leito da ferida

- Remove rapidamente o mau odor

- Acelera a cicatrização através da estimulação do tecido de regeneração - Previne a formação de uma má cicatriz e hipertrofias cutâneas

- Minimiza a necessidade de enxertos cutâneos

- É não aderente e desta forma minimiza o trauma e dor entre durante as mudanças de pensos

- A sua acção anti-inflamatória reduz o edema - Não tem efeitos adversos nos tecidos da ferida

Vantagens económicas

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- Cicatrização mais rápida;

- Evitar o desbridamento cirúrgico; - Evitar enxertos cutâneos;

- A facilidade de utilização permite aos pacientes tratar a sua ferida em casa, reduzindo assim os custos com a enfermagem.

Mais recentemente, Dunford et al (2000), enumerou as desvantagens da utilização do mel no tratamento de feridas, tendo considerado para tal as seguintes12: - Torna-se mais fluido a elevadas temperaturas, pode liquefazer-se à temperatura ambiente da ferida;

- O risco de liquefação limita-se ao leito da ferida, possível necessidade de prevenção de extravasamento;

- Preparação de pensos impregnados é difícil e não estéril;

- Risco remoto de botulismo relacionado com mel não esterilizado; - Em alguns pacientes, uma sensação de picada pode causar desconforto.

Parece-nos que, das desvantagens enumeradas por Dunford et al (2000), e tendo em consideração o espaço temporal que decorreu desde então, os actuais penso impregnados com mel, apresentam-se estéreis e conseguiram suprir essa desvantagem apontada.

APLICAÇÃO PRÁTICA

Em termos de aplicabilidade prática, torna-se importante avaliar a sua efectividade, quer em termos de evolução do processo cicatricial, quer em termos de ganhos em saúde para o doente. Assim, realizaram-se 3 estudos de caso com um produto à base de mel, na apresentação de uma compressa não aderente impregnada em mel.

O caso nº 1 reporta-se a um utente do sexo feminino, 70 anos, reformada, apresentava uma úlcera de origem venosa na região supramaleolar do membro inferior esquerdo, com uma duração de 1 ano, multitratada com outras opções de tratamento sem sucesso. Iniciou tratamento com compressa não aderente impregnada com mel a 20/6/06 (foto nº 1), apresentando como dimensões (CxL) igual a 0,25 cm2, bordos com sinais inflamatórios, presença de fibrina sob a forma sólida, tendo-se colocado a hipótese de se encontrar criticamente colonizada. Após realização de IPTB, verificou-se que a úlcera era de origem venosa, tendo sido associada terapia compressiva de curta tracção. A realização dos pensos foi agendada inicialmente de 3/3 dias, e na 1ª mudança

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de penso (23/6/2006), a ferida já não apresentava bordos com sinais inflamatórios, assim como os mesmos se apresentavam de forma mais uniforme, embora mantendo as dimensões da ferida (foto nº 2), após o que se espaçou a realização de penso semanal. A 21/7/2006, a ferida apresentava-se totalmente cicatrizada (foto nº 3), tendo nunca tendo a paciente de alterar a suas rotinas de vida devido ao facto da úlcera de perna lhe doer ou provocar algum tipo de constrangimento, tendo inclusivamente referido após o 2º penso uma diminuição substancial da dor que apresentava no inicio do tratamento.

O caso nº 2 refere-se a um utente do sexo feminino, 54 anos, auxiliar de acção médica, apresentava uma úlcera de perna de origem venosa na face interna do 1/3 médio do membro inferior com 2 semanas de duração. No início do tratamento (28/6/2006) a ferida apresentava como dimensões (CxL) uma área de 3 cm2, bordos não uniformes, com presença de fibrina no leito da ferida firmemente aderente, apresentando um rubor em expansão às 5 horas (foto nº 4). A dor referida pela utente era classificada como importante (Esc. Numérica- 8). O tratamento escolhido foi uma compressa não aderente impregnada com mel como penso primário, sendo o penso secundário constituído por gaze tecido não tecido A este tratamento foi associada terapia compressiva de curta tracção. A troca de pensos foi estabelecida de 3/3 dias. No dia 8/7/2006, a ferida apresentava melhorias muito substanciais (foto nº 5), com dimensões de 1,5 cm2, ausência de rubor em qualquer direcção, 100% de tecido de granulação e ausência de dor referida pela paciente. O penso foi espaçado para uma frequência semanal e a 7/8/2006 (foto nº 6), a ferida apresentava-se cicatrizada.

O caso nº 3 reporta-se a uma utente de 74 anos, diabética tipo 2 à 3 anos, reformada, apresentando uma úlcera de perna de origem traumática, com uma duração de 2 semanas, resultante de um ferimento com um animal doméstico (grande probabilidade de se encontrar infectada), sendo que os pensos eram realizados pela própria no seu domicilio, sem evolução positiva. No início do tratamento (26/9/2006), a ferida apresentava-se com o leito da ferida limpo em cerca de 80%, apresentando zonas de deposição de detritos orgânicos na zona central da ferida (foto nº 7). A dor referida pela utente era classificada como 6 (Esc. Numérica). A frequência inicial dos tratamentos foi de 3/3 dias, tendo sido aplicado uma compressa não aderente impregnada com mel como penso primário, sendo o penso secundário constituído por gaze tecido não tecido. Não foi implementada qualquer tipo de terapia compressiva.

A 20/10/2006, a ferida tinha aumentado as suas dimensões (área = 1,3 cm2), mas todo o leito se apresentava com tecido de granulação e a paciente não referia já qualquer

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dor (foto nº 8). A partir deste dia, iniciou trocas de penso a cada 5 dias. A 16/11/2006, a ferida apresentava-se cicatrizada (foto nº 9).

CONCLUSÃO

Como podemos assistir, em todos os casos apresentados verificou-se uma evolução positiva, permitindo confirmar as propriedades do mel, sob a forma de compressa não aderente impregnada com mel. Assim, foi possível verificar que as propriedades atribuídas ao mel por White e tal (2005), como sejam as propriedades anti-inflamatórias, o combate à infecção, o controle do odor intenso, a função barreira, a facultação de um ambiente de cicatrização óptimo, a função de desbridante, a estimulação da cicatrização assim como a segurança na utilização, se encontram presentes neste tipo de material de penso13.

Desta forma, através da aplicação de um produto, podemos actuar em várias vertentes, permitindo obter ganhos importantes em saúde, mas que não deve ser utilizado como algo “milagroso”. De facto, este produto, como outros, deve obedecer a critérios de utilização e torna-se essencial avaliar as características da ferida que se quer tratar, assim como os objectivos que se pretendem atingir, seja a cicatrização total, ou numa situação paliativa, a diminuição da dor ou do risco de a ferida infectar.

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Foto nº 2

Foto nº 3

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Foto nº 5

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Foto nº 7

Foto nº 8

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O autor agradece à JMV-Produtos Hospitalares, a cedência das amostras.

BIBLIOGRAFIA

1 Ransome, HM- The Sacred Bee in the Ancient Times and Folklore, Londres, George Allen and Unwin.

2 Cavanagh D., Beazley J., Ostapowicz F.- Radial operation for carcinoma of the vulva. A new approach to wound healing. J. Obstet. Gynaecol. Br. Commonw.,1970, nº 77 (11), p. 1037-1040.

3 Efem S.- Clinical observations on the wound healing properties of honey, Br. Journal

of Surgery, 1988, nº 75, p. 679-681.

4 Efem S.- Recent Advances in the management of Fournier´s gangrene: Preliminary observations, Surgery, 1993, nº 113 (2), p. 200-204.

5 Subrahmanyam M.- Topical application of honey in treatment of burns, Br. J. Burns, 1991, nº 78 (4), p. 497-498.

6 Subrahmanyam M, Ugane SP. Honey dressing beneficial in treatment of Fournier's gangrene. Indian J Surg, 2004, nº 66, p.75-77

7 Karayil S, Deshpande SD, Koppikar GV. Effect of honey on multidrug resistant organisms and its synergistic action with three common antibiotics. J Postgrad Med 1998, nº44, p.93-6

8 Subrahmanyam M., Hemmady A.R., Pawar S.G.- Multidrug-resistant Staphylococcus aureus isolated from infected burns sensitive to honey, Annals of Burns and Fire

Disasters - vol. XVI, nº 4, Dezembro 2003

9 Nzeako, B. C., Hamdi, J- Antimicrobial potential of honey in some microbial isolates,

Medical Science, nº 2, 2000, p. 75-79.

10 Subrahmanyam M., Sahapure A.G., Nagane N.S., Bhagwat V.R., Ganu J.V.- Effects of topical application of honey on burn wound healing, Annals of Burns and Fire

Disasters, vol. XIV, nº 3, Setembro 2001

11 Molan, P. C.- The role of honey in the management of wounds: a review of the evidence on the advantages of using honey as a topical wound treatment together with practical recommendations for it’s clinical use, Journal of Wound Care, Vol. 8, Setembro 2000.

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12 Dunford et al- The use of honey in wound management, Nursing Standard, Vol 15, nº 11, 2000, p. 63-68.

13 White et al- Honey: A modern wound management product, Wounds UK Publishing, 2005, ISBN 0-9549193-0-0.

Referências

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