AVALIAÇÃO HELMINTOLÓGICA DE CAMUNDONGOS (MUS
MUSCULUS) CRIADOS EM BIOTÉRIO EXPERIMENTAL
HELMINTOLOGIC EVALUATION OF MICE (MUS MUSCULUS)
RAISED IN AN EXPERIMENTAL MOUSE HOUSE.
Rovaina Laureano Doyle1, Sílvia González Monteiro2, Dominguita Lühers Graça², Jânio Moraes Santurio², Aleksandro Schafer da Silva3, Kalyne Bertolin³
RESUMO
Animais de laboratório são de grande importância à experimentação biológica e biomédica, entretanto, a debilidade nas condições sanitárias do plantel pode interferir nos resultados esperados. Algumas parasitoses, mesmo sem apresentarem sinais clínicos aparentes, podem causar alterações comportamentais e de desenvolvimento em seus hospedeiros. Neste estudo, foi avaliada a taxa de infecção helmintológica em Mus musculus, através da necropsia de 40 animais mantidos em um biotério experimental da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Nas necropsias, foi detectada a presença de Syphacia
obvelata em 80% dos camundongos, Aspiculuris tetraptera em 25%, Hymenolepis nana em
27,5% e Hymenolepis diminuta em 25%, com intensidade parcial de 1 a 375 parasitas por hospedeiro. Sabe-se que alguns destes parasitas podem ser transmitidos ao homem e não sendo possível detectar clinicamente uma infecção na criação, deve-se intensificar o diagnóstico laboratorial a fim de controlar a disseminação destas doenças.
Palavras-chave: Syphacia obvelata, Aspiculuris tetraptera, Hymenolepis nana, Hymenolepis
diminuta, Mus musculus, biotério.
ABSTRACT
Laboratory animals are of great importance to the biological and biomedical experimentation, however, the weakness in the sanitary conditions of the mouse house can interfere in the expected results. Some parasitosis, even without they present apparent clinical signs, can cause behavioural alterations and low development in their hosts. In this study, the
1 Méd. Vet. Pós Graduação em Medicina Veterinária da UFSM, E-mail: rovainadoyle@yahoo.com.br. 2 Méd. Vet. Dr. Prof. Adj. UFSM
Revista da FZVA.
rate of helminthologic infection was evaluated in Mus musculus, through the necropsy of 40 animals maintained in an experimental mouse house at Santa Maria Federal University (UFSM), in which the presence of Syphacia obvelata was detected in 80% of the mice,
Aspiculuris tetraptera in 25%, Hymenolepis nana in 27.5% and Hymenolepis diminuta in
25%, with partial intensity of 1 to 375 parasites for host. It is known that some of these parasites can be transmitted to the man and for not being possible to detect clinically an infection in the creation, it is necessary to intensify the laboratorial diagnosis in order to control the dissemination of these diseases.
Key words: Syphacia obvelata, Aspiculuris tetraptera, Hymenolepis nana, Hymenolepis
diminuta, mouse house, Mus musculus.
INTRODUÇÂO
A incidência de parasitos em colônias convencionais de animais de laboratório é muito freqüente o que pode acarretar problemas na criação e experimentação, ao interferir no desenvolvimento dos animais e alterando os resultados de testes biológicos e de pesquisa biomédica. Alguns endoparasitas comumente encontrados nas colônias de animais de laboratório são considerados pouco patogênicos e as infecções apresentam-se assintomáticas. Fatores como alterações ambientais, alto índice populacional e estresse podem favorecer o aumento do grau de parasitismo acarretando o aparecimento de prolapso retal, enterite mucóide, intussuscepção e retardo no desenvolvimento corpóreo (LUCA et al., 1996).
O nematóide oxiurídeo, Syphacia
obvelata (Rudolphi, 1802) parasita o ceco e
cólon principalmente de camundongos, podendo também acometer rato, hamster, gerbil e roedores silvestres. Geralmente não é patogênico, mas em infecções maiores pode ser detectada perda de peso, pêlos ásperos, redução da taxa de crescimento, enterite e prolapso retal. A infecção por S.
obvelata em camundongos causa significante redução da atividade em estudos comportamentais. Seu ovos são facilmente identificados em exames de flutuação fecal, pois são alongados e encurvados em forma de ‘D’ (fig. 1-F), medindo entre 72 a 82 por 25 a 36 micrômetros, com uma massa embrionária homogênea ocupando todo o espaço interno. A fêmea deposita os ovos no cólon ou na região perianal onde se tornam infectantes seis horas após a postura e sobrevivem por várias semanas no ambiente e podem ser propagados como aerossóis devido ao seu pequeno peso. Os vermes adultos apresentam dilatação cuticular
cefálica. Os machos edem 1 a 1,5 mm de comprimento e possuem três dilatações mamelonadas, chamadas mamelões na face ventral terço posterior do corpo e apresentam um espículo e um gubernáculo. As fêmeas medem 3,4 a 5,8 mm de comprimento, apresentam a vulva proeminente na extremidade anterior (fig.
1-E) e no terço médio do corpo das grávidas pode ser observado o útero repleto de ovos. Este oxyurídeo pode ser transmitido para humanos, no entanto não são observados sintomas significantes (SCAINI, 2003; Animal Care & Use, 2005; LUCA et al., 1996; ANDERSON, 2000; PINTO, 1994).
FIGURA 1 - A- ovo de A. tetraptera (400x); B - extremidade anterior de A. tetraptera (100x); C - Coroa de ganchos de H. nana (400x); D- ovo de H. nana (400x); E- extremidade anterior de s. obvelata (100x); F- ovo de S. obvelata (100x).
Outro oxiurídeo encontrado parasitando o ceco e cólon de camundongos é o Aspiculuris tetraptera (Nitzsch, 1821), que também pode parasitar hamsters e ratos, tendo a patogenia bastante semelhante à do gênero Syphacia, no entanto, as fêmeas põem seus ovos no cólon do hospedeiro, os quais chegam ao exterior junto com as cíbalas de fezes e tornam-se infectivos em seis a sete dias em
tetraptera são elipsóides, medem 89 a 93
por 36 a 42 micrômetros e contêm uma massa de blastômeros visíveis, mas incontáveis no centro do ovo (Fig. 1-A). Os vermes adultos apresentam asa cuticular cervical (Fig. 1-B), os machos possuem 12 papilas caudais sem espículo e gubernáculo, medindo 2,0 a 4,0 mm de comprimento. As fêmeas medem de 3,0 a 4,0mm de comprimento e apresentam a abertura
Revista da FZVA.
anterior. No terço médio pode ser observado o útero repleto de ovos (PINTO, 1994; LUCA et al., 1996; Animal Care & Use, 2005).
Na porção final do íleo de roedores e humanos, podemos encontrar o cestoda
Hymenolepis nana (Stiles, 1906), conhecido como ‘tênia anã’, pois mede de 2 a 20 mm de comprimento por 0,7 de largura. Apresenta escólex provido de quatro ventosas e rostelo retrátil com uma coroa de ganchos para fixação ao hospedeiro (Fig. 1-C). O estróbilo é formado por uma cadeia de 100 a 200 proglotes onde podem ser observados ovos medindo entre 44 a 62 por 30 a 55 micrômetros, sendo pouco resistentes fora do hospedeiro estes, saem livres para o meio ambiente, através da destruição dos proglotes e apresentam três camadas cobrindo o embrião hexacanto, na camada média visualizam-se duas projeções filamentosas que partem de dois engrossamentos botoniformes polares da membrana interna (Fig. 1-D). O H. nana pode ter ciclo direto ou indireto, com vários insetos capazes de albergar a forma larval cisticercóide, dentre eles “carunchos” da farinha e do arroz, cascudinhos, baratas, pulgas e mariposas (BORCHERT, 1964; LUCA et al., 1996).
Outro cestoda encontrado freqüentemente no intestino delgado de
camundongos e ratos e mais raramente em cães, macacos e humanos é o Hymenolepis
diminuta (Rudolphi, 1819) que apresenta
escólex com quatro ventosas sem ganchos e pode ter até 1000 proglotes, onde, nos grávidos, podem ser observados os ovos bastante semelhantes aos da espécie H.
nana, porém sem projeções filamentosas,
sendo resistentes à temperatura ambiente e à ação de desinfetantes, podendo sobreviver durante meses nas fezes do hospedeiro (LUCA et al., 1996; BORCHERT, 1966; REY, 1992).
A infecção por Hymenolepis em criações de camundongos e outros animais de laboratório pode causar graves perdas em todas as idades. Em humanos, pode causar doença assintomática com cura espontânea (BORCHERT, 1964). O objetivo deste trabalho foi avaliar a taxa de infecção helmintológica em camundongos
Mus musculus mantidos em um biotério
experimental
MATERIAL E MÉTODOS
Quarenta animais recém eutanasiados foram trazidos ao laboratório de Parasitologia Veterinária da Universidade federal de Santa Maria (LAPAVET) e mantidos sob refrigeração por até 24 horas. Os animais foram necropsiados seguindo o método descrito por LUCA et al. (1996), direcionado para a
pesquisa de parasitas intestinais. Após a abertura da cavidade abdominal foram separados os intestinos grosso e delgado em placas de Petri individuais, sendo posteriormente abertos longitudinalmente e realizada a raspagem de mucosa, conforme técnica descrita por UENO & GONÇALVES (1970).
Os conteúdos de cada porção intestinal foram conservados individualmente em frascos de vidro com solução de Railliet-Henry (HOFFMAN, 1987), assim como os intestinos, a fim de realizar a recuperação de helmintos sob microscópio estereoscópico. Os parasitas coletados foram montados entre lâmina e lamínula com a mesma solução conservante e identificados sob o microscópio de luz. Alguns helmintos foram clarificados, corados e montados entre lâmina e lamínula com Goma de Berlese (HOFFMAN, 1987) a fim de facilitar a identificação das estruturas internas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas necropsias foram encontradas um total de 724 espécimes de S. obvelata em 32 camundongos (80%), 36 de A.
tetraptera em 10 (25%), 64 de H. nana em
11 (27,5%) e 210 de H. diminuta em 10 (25%) animais como pode ser observado na Figura 2, sendo que em 5 dos camundongos (12,5%) não foi encontrada infecção por
nenhum espécime. Diferentemente deste estudo, no experimento realizado por Gilioli et al. (2000) foi encontrada uma prevalência de 86,6% de S. obvelata, 60% de A. tetraptera, e 53,3% de H. nana, não relatando a ocorrência de H. diminuta. Em uma pesquisa de nematóides em pequenos roedores, Bazzano et al. (2002), encontraram 91,5% dos animais parasitados por S. obvelata e 8,5%, por A. tetraptera divergindo deste estudo que evidenciou 51,8% a mais deste último parasita. No entanto, os valores encontrados para S.
obvelata pelo mesmo autor pouco diferiram
dos resultados do presente trabalho.
A ocorrência destes parasitas é descrita por vários autores (BEHNKE, 1977; HUEBERT et al., 1990 e STARKE & OAKS, 1999). Entretanto não consta a análise de percentual provavelmente porque os camundongos são utilizados em estudos contínuos impossibilitando a avaliação por necropsia.
GILIOLI et al. (2000) aplicaram um questionário sobre as condições de saúde de animais criados em biotério que foi respondido por estas instituições com o intuito de obter informações sobre a existência de barreiras contra infecções e programa de fiscalização sanitária de suas colônias, o qual mostrou que a maioria dos biotérios analisados não possui um sistema
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de barreira sanitária eficiente capaz de manter animais sob condições saudáveis.
64 724 36 210 25,0 80,0 27,5 25,0 0 100 200 300 400 500 600 700 800
H. nana H. diminuta S. obvelata A. tetraptera
Espécies encontradas N ° d e p a ra s it a s 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 P e rc e n tu a l d e c a m u n d o n g o s in fe c ta d o s ( % )
FIGURA 2 - Número de parasitas encontrados e percentagem de animais infectados na necropsia de 40 camundongos (Mus musculus) mantidos em criação experimental na UFSM.
CONCLUSÕES
Em vista dos resultados, podemos concluir que são ineficientes os métodos de controle parasitário rotineiramente utilizados pelos biotérios convencionais, uma vez que os animais apresentam intensa infecção helmintológica passível de transmissão a humanos que tenham contato direto ou indireto com eles. É, portanto, necessário intensificar as pesquisas nesta área, aplicando-se também medidas preventivas de controle.
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