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Antiguidades e Usos do Passado: questões conceituais

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Academic year: 2021

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Antiguidades e Usos do Passado: questões conceituais

Prof. Dr. Leandro Hecko (UFMS)*1 Resumo: Este trabalho se vincula ao projeto de pesquisa intitulado “As Antiguidades e os Usos do Passado: sobre a presença do passado na vida prática das pessoas” como uma ação do grupo de pesquisas “História Antiga e Usos do Passado: novas perspectivas entre o passado e o presente”. Desta forma, deseja-se problematizar o campo dos chamados Usos do Passado com relação a temas das Antiguidades egípcia, grega e romana de forma a assinalar a amplitude de conceitos englobados pelos chamados usos, que significam, na mesma ordem, uma miríade de temáticas para pesquisas atualmente, mostrando também desafios para os pesquisadores do século XXI que pretendem se aventurar pelos campos das Antiguidades em sua relação entre passado e presente. Para tanto, seguiremos o seguinte caminho: apontaremos para uma definição genérica dos chamados Usos do Passado, problematizando suas possibilidades; em seguida, refletiremos sobre alguns conceitos que, a nosso ver, são desdobramentos de tais usos ou possuem relação com eles no sentido de possibilitarem desdobramentos temáticos de investigação; por fim, na relação entre o conceito geral de Usos do Passado e seus desdobramentos, refletiremos acerca dos desafios representados por essa ordem de ideias para os estudos sobre as Antiguidades.

Palavras-chaves: usos do passado, antiguidades, conceitos.

Considerações Iniciais

No decorrer de nossa experiência docente, em articulação com a pesquisa de doutorado encerrada em 2013, com diversos projetos de pesquisa sobre as Antiguidades dentro da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e de dois grupos de pesquisa sobre Usos do Passado, temos observado a importância de se pensar acerca da relação entre Passado e Presente no âmbito da História Antiga. Neste âmbito, o recorte que reflete acerca dos chamados Usos do Passado nos parece o mais produtivo, nacional e internacionalmente, gerando a necessidade de problematização sobre sua ampla significação e diversificadas áreas de pesquisa.

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Desta forma, o que apresentamos aqui reverbera o desenvolvimento de pesquisas que temos desenvolvido dentro de nossa universidade, com o intuito de contribuir para a área de História Antiga no caminho de torna-la uma área mais valorizada e não simplesmente delegada a um gabinete de curiosidades, pois a presença das Antiguidades e ícones que a ela se remetem em nosso cotidiano é bastante grande, não devendo o historiador abrir mão deste espaço e destas ideias para a produção de reflexões sobre a presença do passado na vida das pessoas. É nesta perspectiva que aqui apresentamos as ideias que se seguem, compreendidas como desafios para o século XXI no tocante à grande área das Antiguidades.

Sobre os chamados Usos do Passado

No Brasil, a grande área de História Antiga tem se desenvolvido bastante nessas primeiras décadas do Século XXI. Isso se deve a múltiplos fatores, entre os quais destacamos as aberturas possibilitadas na década de 1990, a ampliação de área e de interesses pelas Antiguidades no Brasil, a presença de brasileiros pesquisadores no exterior e ainda um jeito brasileiro de fazer História Antiga.

Quanto a abertura da área de pesquisa, principalmente a partir da última década do século XX, isso se deve ao desenvolvimento de Programas de Pós-Graduação, refletindo um conjunto de professores bem formados e com titulação entre o Brasil e exterior, que passam a qualificar a pesquisa em História Antiga no País. Além disso, cabe dizer que a presença de especialistas em História Antiga nas universidades brasileiras tem crescido substancialmente. Apenas a título de informação, vejamos alguns dados levantados recentemente por uma pesquisa do professor Dominique Santos (2017, p.121):

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Figura 1: Mostra a distribuição dos docentes de História Antiga por região. No total, há

116 docentes mapeados.2

Há, portanto, uma distribuição de docentes/pesquisadores em todas as regiões, embora significativamente desproporcional se comparadas as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte ao Sudeste e Centro-Oeste. Não obstante, os números e a presença geográfica num país amplo como o nosso são consideráveis.

Decorrente dessa primeira ampliação, as áreas de interesse também cresceram no tocante às Antiguidades no Brasil. De pesquisas clássicas, com temas extremamente restritos e núcleos de especialistas até temas que buscam atualizar a História Antiga, ou mesmo problematizar sua relação com o presente são identificáveis. Todavia, pensando em grandes áreas, observamos como os segmentos de maior interesse os que se ligam a Grécia, Roma e Egito antigos (SANTOS, KOLV, NAZÁRIO, 2017, p.131-132), cujas especificidades em cada tema se desdobram.

Neste ínterim, a troca de experiências com a presença de pesquisadores brasileiros no exterior torna-se profícua, pois para além do desenvolvimento de suas pesquisas individuais a troca possibilita reavaliações do que se pesquisa e de formas de retorno para reflexão do conhecimento histórico sobre as Antiguidades diante do tempo presente. Entre os lugares mais

2 A pesquisa considerou as áreas declaradas na Plataforma Lattes e representa dados de instituições Federais,

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buscados, estão os de tradição em pesquisa, como Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Grécia e Itália (SANTOS, KOLV, NAZÁRIO, 2017, p.129).

Ainda neste caminho, por sua vez, pode-se falar de “Um jeito brasileiro de fazer História Antiga?”. Acreditamos que sim pois, além de pesquisas mais específicas de conteúdos sobre as Antiguidades, novos horizontes se descortinam. Não como novidade, mas sim como possibilidade de pesquisa diante do distanciamento espacial de trabalho de campo ou ainda da escassez de fontes da cultura material disponíveis em catálogos impressos nas bibliotecas brasileiras. A presença de pesquisadores brasileiros no exterior, portanto, fomenta o desenvolvimento e ampliação da área e faz com que no retorno ao país os pesquisadores estimulem a abertura de outras possibilidades de investigação.

Decorrente deste último item, cabe ao interesse brasileiro pelos Usos do Passado um papel importante. A ideia de Usos do Passado pode ser definida como a utilização de elementos de culturas do passado no tempo presente, podendo se estabelecer pelo uso direto com os significados originais ou ainda com a reutilização de tais aspectos de forma a estabelecer no presente um sentido diferente ou aproximado, desde que o seu sentido original possa ser reconhecido. Tal conceito, para as Antiguidades principalmente, estabelece uma relação passado/presente bastante profícua, já que valoriza o conhecimento sobre as sociedades antigas, atualiza a necessidade de conhece-las e ainda trata de problematizar a grande área desses estudos.

Usos do Passado: conceitos relacionais, de desdobramento e temáticas

Cabe, neste ínterim, buscar entender como se constitui epistemologicamente o campo dos Usos do Passado, buscando compreender sua apropriação de conceitos de diversas áreas do conhecimento que possibilitam interface com o conhecimento histórico. Tal compreensão faz-se necessária pois decorrente de apropriações conceituais, as construções metodológicas, os recortes de objeto/temática, os recortes cronológicos diversos são desdobrados em pesquisas diversificadas.

Para tanto, exploraremos na pesquisa dois segmentos: primeiramente aquele que cabe a relação direta com as áreas das Antiguidades, já dentro do próprio campo; em seguida,

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aquilo que dentro do campo da Teoria da História vem se descortinando como campo de Usos do Passado, que por sua vez possui uma relação direta com nossos interesses embora mapeados dentro das reflexões teóricas mais abrangentes. Neste texto, abordaremos mais especificamente o primeiro segmento.

Neste contexto, com relação aos Usos do Passado, diversos elementos já foram levantados até o momento3, entre os quais a aculturação, o legado, o imperialismo e o orientalismo destaco neste texto, enfatizando que o recorte feito tem vistas a compreender formas de Usos do Passado relacionados a temas e ideias das Antiguidades Egípcia, Grega e Romana.

Um dos desdobramentos que ocorre como derivado de contatos culturais pode ser percebido pela ideia de ACULTURAÇÃO, a qual se transforma em um conceito útil “...para o desenvolvimento de reflexões sobre as mudanças que podem acontecer em uma sociedade a partir da inclusão de elementos externos, ou seja, do contato com outras culturas.” (SILVA & SILVA, 2015, p.15). Aspectos entre as culturas podem ser utilizados tanto numa quanto na outra cultura, respeitando seu significado original ou não.

Nesta ordem, cabe refletir acerca de duas possíveis percepções do que seja aculturação. A primeira percepção, de acordo com Watchel, diz que aculturação “é todo fenômeno de interação social que resulta do contato entre duas culturas, e não simplesmente a sujeição de um povo por outro.” (SILVA & SILVA, 2015, p.15). Tal ideia dá um aspecto de sujeito à aculturação, podendo haver trocas para além de imposições culturais.

Por outro lado, Alfredo Bosi enfatiza um outro lado dessa aculturação, quando a define “como o ato de sujeitar um povo ou adaptá-lo tecnologicamente a um padrão tido como superior” (SILVA & SILVA, 2015, p.15). Estabelece assim a imposição entre culturas por sua superioridade técnica, que pode afetar também aspectos simbólicos da vida prática dos sujeitos, considerando submissão em vez de troca.

Em outra ordem de ideias, pensando historicamente entre períodos cronológicos distintos, cabe refletir acerca do significado de LEGADO. Este talvez seja um conceito caro à

3 Alguns outros como Assimilação, Colonização, Recepção, Transculturação, Apropriação, Herança, Releitura,

Ressignificação, Transculturalidade, Transhistoricidade, Analogia e Comparação já estão sendo prospectados. O Prof. Dr. Glaydson José da Silva, da UNIFESP, também tem investigado o campo conceitual relacionado aos Usos do Passado.

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Antiguidade Clássica, por exemplo, de onde inúmeras áreas do conhecimento buscam suas referências intelectuais. De acordo com Moses Finley:

“Um legado é essencialmente assunto de alta cultura, impacto e manipulação de ideias e valores de filosofia e ciência, teoria social e política, literatura e arte, tudo isso apresentado e utilizado no círculo da elite. A sobrevivência de rituais e cerimônias de danças rústicas, trajes, linguagem e vocabulário é assunto interessante em si, quando pode ser objeto de investigação, mas constitui algo diferente do legado da alta cultura.” (FINLEY, 1998, p.24)

Tal conceito evoca propriamente sua amplitude, que sem muito esforço pode ser verificada em diversas áreas do saber humano nas quais os referenciais greco-romanos são de extrema importância. Outro aspecto importante a salientar é:

“A difusão de idéias e instituições – o legado é uma forma de difusão, mais no tempo do que no espaço – jamais se constitui o ato mecânico de copiar meramente por amor à cópia. Legado implica valores. É sempre seletivo, isto é, existe também rejeição, ausência de legado, e também infinita adaptação, modificação, distorção.” (FINLEY, 1998, p.30)

O legado, portanto, considera aspectos de uma cultura passada para temporalidades posteriores, de certa forma pensando em elementos culturais que se tornaram dignos de construir uma forma de civilização ocidental, quando se pensa nos gregos e nos romanos e a relação europeizante que se tem na difusão de suas ideias.

Quanto a questão do IMPERIALISMO, cabe primeiramente dizer que há distintas formas do mesmo, devendo-se falar em imperialismos. Grosso modo, considerando uma ideia que surgiu na Antiguidade, com o Império Romano, reaparecendo fortemente em fins do século XIX e início do XX tratando de “práticas militares e culturais desenvolvidas por potências para

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exercer domínio sobre outros Estados, politicamente independentes.” (SILVA & SILVA, 2015, p.218), incluindo até justificativas para a dominação imperialista que defenda uma superioridade de povos brancos sobre outros povos (SILVA & SILVA, 2015, p.219)

Possuindo relação com as ideias de colonização e imperialismo, o conceito de ORIENTALISMO nos aparece em um momento como uma designação acadêmica porém, segundo Edward Said, “nos mostra como o imperialismo francês e inglês do século XIX construiu imagens sobre uma região ao mesmo tempo mítica e selvagem, que vigora até hoje, e definiu o que conhecemos como Oriente.” (SILVA & SILVA, 2015, p.320). Assim, pode-se compreender o conceito como uma tradição historicamente complexa que disseminou ideais sobre o Oriente, construindo uma imagem que vigora até hoje, neste caso incluindo o passado do Egito (SILVA & SILVA, 2015, p.320-323), Antigo Egito e sua relação com o exotismo, por exemplo.

Postas estas breves definições, cabe dizer de suas estreitas relações de tais conceitos com as áreas das Antiguidades, se pensamos nos egípcios antigos, nos gregos e romanos. Destas culturas antigas figuram na história diversos fatores de influência que perpassam os conceitos relacionais aos Usos do Passado. Assim, usos estéticos e políticos, a título de exemplo fazem-se mais

No tocante ao antigo Egito, por exemplo: a começar pelo interesse dos gregos por sua cultura é identificável em todos os períodos históricos posteriores influências, interesse ou Usos do Passado, a ponto de que hodiernamente possamos pensar na chamada Egiptomania, que trata da apropriação de signos oriundos da antiguidade egípcia na contemporaneidade, ou ainda do olhar que o ocidente projeta sobre o Egito ao considerar seu exotismo, como pontuado quando definimos a ideia de Orientalismo. Nesta ordem de ideias, temos de Heródoto a Katy Perry (em Dark Horse) fazendo ecoar a cultura egípcia antiga pela história, em formas e usos os mais criativos.

De gregos e romanos, que dizer então entre os exemplos mais simples aos mais complexos? Dos processos de conquistas da Antiguidade Clássica de gregos e romanos ao imperialismo romano? De inúmeros legados de diversas áreas do conhecimento, entre as quais aqui pensamos acerca do conhecimento histórico? A ideia de democracia, que está na boca de qualquer político talvez possa ser um dos maiores exemplos de ressignificação entre nós, já que

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conserva elementos que o tornam reconhecíveis e irreconhecíveis ao mesmo tempo, se pensados em ambas as temporalidades. A constituição das cidades, espaços políticos, de lazer e necrópoles; arquitetura e obras de arte; literatura e música. São gregos e romanos por todos os lados, lidos, relidos, interpretados e apropriados em processos culturais bastante complexos.

São estes apontamentos temáticos apenas alguns exemplos daquilo que se desenvolve dentro do campo de Usos do Passado pensados de dentro da área das Antiguidades. E é neste sentido que avançamos na prospecção de elementos de fundamentação teoria, num processo de escavação de temáticas e reflexões acerca do sentido e importância dessa grande área para a valorização dos estudos sobre as Antiguidades em nosso país.

Considerações finais

Por fim, cabe dizer que a relação do conceito geral de Usos do Passado com os conceitos relacionais apontados e seus desdobramentos contribuem para a problematização de tal campo de pesquisa, no tocante a sua fundamentação teórica, metodológica e temática.

Nesta ordem de ideias, consideramos que existe um desafio para a continuidade das pesquisas inseridas neste campo, qual seja: a de fundamentar e significar as formas de Usos do Passado que se fazem de acordo com as temporalidades que se exploram. E aqui, no caso da História Antiga, observados os conceitos já definidos e outros já elencados por nossas pesquisas, percebe-se a profícua área que tem se descortinado ao público brasileiro, na linha de raciocínio que responde à questão de “Por que estudamos as civilizações das Antiguidades?”.

Por fim, cabe dizer acerca dos aspectos levantados4 que a consciência de que o dizer do poeta Antonio Machado, no tocante à Teoria e Metodologia da História, é uma sentença válida: "Caminante, no hay camino, se hace camino al andar."5 Portanto, sempre haverá reflexões, caminhos, opções e temas a se tornarem objeto de interesse dos historiadores, basta que estes os construam como tais.

4 Rememorando a apresentação do Dossiê da Revista Expedições V . 6, N.2, Agosto - Dezembro de 2015 5 MACHADO, Antonio. Poesías Completas. Madrid: Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, 1917.

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Referências bibliográficas

FINLEY, Moses I. (org.). O legado da Grécia: uma nova avaliação. Brasília-DF: EdUNB, 1998. HECKO, Leandro. Dossiê História, Narrativa e Usos do Passado. "Apresentação: História, narrativa e usos do passado". Revista Expedições: Teoria & Historiografia | V . 6, N.2, Agosto - Dezembro de 2015.

MACHADO, Antonio. Poesías Completas. Madrid: Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, 1917.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2015.

SANTOS, Dominique; KOLV, Graziele; NAZÁRIO, Juliano João. O Ensino e a Pesquisa em História Antiga no Brasil. Mare Nostrum, ano 2017, n. 8.

SOARES, Lenin Campos. Antiguidades Modernas: a ocidentalização da América nos séculos XVI e XVII. Natal: LCS, 2018.

Referências

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