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A IDENTIDADE DA AULA VIRTUAL ESCRITA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: PRÁTICA DISCURSIVA EM QUESTÃO

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A IDENTIDADE DA AULA VIRTUAL ESCRITA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: PRÁTICA

DISCURSIVA EM QUESTÃO

THE IDENTITY OF THE VIRTUAL CLASSROOM WRITTEN IN DISTANCE EDUCATION: DISCURSIVE PRACTICE IN QUESTION

Aliete Gomes Carneiro Rosa (UFRPE – aliete.rosa@ufrpe.br) Énery Gislayne de Sousa Melo (UFRPE - enery.melo@ufrpe.br) Resumo:

Através das lentes da Análise Dialógica dos Discursos, este trabalho tratará da identidade da aula na Educação a Distância como prática discursiva dentro do espaço fluxo que (re)coloca o gênero aula na virtualidade como novo enquadre que se aproxima e se distancia das aulas presenciais e dos discursos dos livros e dos materiais didáticos. Propomos, aqui, olhar práticas de linguagem de professores e alunos ocorridas em salas de aulas de cursos a distância, o que permite reconhecer os discursos dessa modalidade de ensino, o papel do suporte para o acontecimento do gênero assim como a constituição dos sujeitos que ensinam e aprendem pelo virtual. Nessa direção, está a observação das ações de linguagem, a materialidade e o acabamento dos enunciados conforme a situação e o propósito comunicativo. Assim, toma por base a teoria de Bakhtin (2003) e Volochinov (2002) no que se refere ao conceito de linguagem e gênero ao lado dos estudos dos discursos e da realização das operações de textualização conforme Adam (2008), Adam, Heidmann e Maingueneau (2010) e Adam e Heidmann (2004 e 2011). Para o tratamento do suporte, apoia-se nas reflexões de Maingueneau (2002) e Marcuschi (2003) quando os autores discutem a implicação deste para circulação dos textos e para os modos de enunciação. Os estudos mostram que a aula virtual de Educação a Distância tem aspectos diversos que devem ser tratados como identidade da modalidade e não apenas como mero material escrito.

Palavras-chave: Análise Dialógica dos Discursos, Aula, Educação a Distância. Abstract:

Through the lens of Dialogic Analysis of Discourses, this paper will deal with the identity of the class in Distance Education as a discursive practice within the flow space (re) places the gender class in virtuality pristine setting that approaches and moves away from regular classes and the speeches of books and teaching materials. We propose to look at the practices of teachers of language and students took place in courses of classrooms distance, to advice speeches this type of education, the role of support to the genre of the event as well as the constitution of the subjects they teach and learn the virtual. In this sense, it is the observation of language actions, materiality and the finish of statements depending on the situation and the communicative purpose. So, it is based on the theory of Bakhtin (2003) and Voloshinov (2002) with regard to the concept of language and gender alongside studies of speeches and carrying out the textualization operations as Adam (2008), Adam, Heidmann and Maingueneau (2010) and Adam and Heidmann (2004 and 2011). For the treatment of support, is based on the reflections of Maingueneau (2002) and Marcuschi (2003) when the authors discuss the implications of this for circulation of texts and modes of enunciation. Studies show that the virtual classroom of Distance Education has several aspects that should be treated as identity

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of the sport and not just a mere written material.

Keywords: Dialogic Analysis of Discourses, class, Distance Education.

1. Introdução

A discussão sobre a cultura digital e a tecnologia educacional e a proposta de observação do processo inovação em cenários de transição traduz bem reflexões sobre permanências e mudanças na sociedade e no ensino pelo advento tecnológico. Pensar a partir desses vieses nos remete, pelos estudos da linguagem, às práticas discursivas e a olhar para a Idade Mídia na direção do consumo das tecnologias. Isso nos faz tomar caminhos tão diversos quanto são os da teia (web) da rede mundial.

Neste trabalho, trazemos ao debate aspectos da aula virtual escrita no ensino a distância na atualidade como prática discursiva mediada pela tecnologia digital. A reflexão permitirá reconhecer que a aula ocorrida na Educação a Distância (EaD daqui em diante) pela web deve ser identificada como aula virtual1. Colocar isso marca lugares, posições ideológicas e direções de diálogos. Outra discussão que será feita aqui é a de que a aula virtual tem formas diversas de acontecimento baseada em outras já postas, colocando as permanências e mudanças do gênero aula em modalidades diversas e instaurando a aula virtual escrita como identidade do ensino feito pelo digital.

Nessa direção, será possível situar os discursos e os espaços tecnológicos na atualidade. Os diferentes modelos e as características da EaD hoje apontam práticas discursivas próprias do espaço digital. Há alguns caminhos a serem percorridos nesse debate uma vez que as crises de identidade vividas pelo ensino a distância se dão, também, pelos olhares sociais sobre a modalidade como também daqueles que estão nela mergulhados.

Assim, propomo-nos a analisar as formas de constituição da aula virtual escrita e as práticas discursivas ocorridas nela. Deverão, então, sobressair as marcas do gênero que identificam a aula de EaD como aula virtual e, para isso, serão observadas aulas ocorridas em ambientes virtuais de aprendizagem.

2. Os espaços digitais e os lugares de ensino

O termo Educação a Distância vem sendo tratado antes mesmo do advento da internet, muito embora nosso foco, aqui, sejam as práticas feitas pelo ambiente virtual. A EaD hoje diz respeito, de modo mais amplo, à modalidade de educação feita pela internet. Nesse contexto, considera a não presença física, a interação pela web, tempo e espaço geográficos como pontos nodais. Ela está ligada às transformações tecnológicas ocorridas no mundo que, como tal, não poderiam deixar de interferir no ensino.

Corrêa (2007, p. 10-11) e Belloni (apud CORRÊA, 2007) consideram que os modelos existentes de EaD são resultado de muitas articulações entre ensino e experimentações tecnológicas que promoveram novos modos de aprendizagem. Assim, sejam modelos baseados na influência da produção econômica ou aqueles mais flexíveis para formação em empresas (BELLONI apud CORRÊA, 2007), a visão de investimento e qualificação do trabalhador para produção e maior capacidade de resolução de problemas de forma mais autônoma se tornou marco para a EaD. As 1Não entraremos no debate mais profundo sobre o virtual porque isso desfocaria a proposta embora reconheçamos as implicações do tema.

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3 diferentes “gerações de EaD” tiveram base nos modelos de produção econômica e ditaram, inclusive, modelos de ensino e materiais didáticos a serem usados nos cursos. Isso ocorreu porque essa modalidade de ensino surgiu como forma de capacitar um maior número possível de trabalhadores e formar profissionais com maior rapidez.

Na atualidade, são as aulas que acontecem em Ambientes Virtuais de Aprendizagens (AVAs) que mais identificam a EaD. A depender do modelo do AVA e das ferramentas disponíveis, haverá mais ou menos colaboração e interação entre os participantes. No entanto, não são apenas as ferramentas ou os ambientes que caracterizam a EaD como modalidade de ensino, mas também as propostas presentes nesses ambientes. Assim como para a aula presencial, a aula virtual apresenta formas de acontecimento, contendo propostas colaborativas, interativas. No que respeita às formas colaborativas, segundo Rojo (2013) o “produsuário” é o sujeito que produz conhecimento de modo colaborativo. As tarefas não são apenas para execução, mas para construção do conhecimento e são feitas em grupo e não individualmente.

Assim, o que faz diferença nas práticas da EaD são as propostas e os desafios apresentados aos alunos que são devolvidos ao professor e aos colegas de modo escrito. Daí a aula ser chamar

aula virtual escrita. A teoria de aprendizagem que está por trás é o que faz a diferença nos diversos

modelos de aulas de EaD, logo, nas práticas dos sujeitos. Se as aulas propõem atividades mecânicas, o aluno será pouco produtivo. Se as tarefas são interativas, o aluno agirá, mas poderá fazer pouco uso da criatividade a depender do que está proposto. Se o aluno intervém, cria juntamente com o grupo de modo cooperativo, tem mais chances de formação em uma perspectiva interativa.

Desse modo, há três formatos de EaD que se relacionam ao modo como os sujeitos se constroem e são construídos nas aulas. O primeiro está relacionado à interação, que compreende o uso de ferramentas de interação que ajudam o aluno a comentar, compartilhar textos. Assemelham-se às ferramentas do Facebook, mas não são necessariamente colaborativas, o que naturalmente depende do tipo de ambiente usado.

Outro formato está baseado na cooperação e nele os trabalhos em grupo apresentam metas comuns, com tarefas pré-determinadas. É a operação para o produto final em que cada aluno coopera (opera com uma parte) para a construção do todo.

Baseado na colaboração, o terceiro formato é o resultado de uma atividade criativa, um trabalho aberto e criativo a que se agrega a participação do grupo como um todo ou em seu todo. Ou seja, as etapas são vivenciadas pelos diversos membros do grupo que colaboram para a construção do trabalho geral e não apenas para uma parte. Em EaD, isso pode acontecer mediante vivência de situações que apresentem desafios conjuntos, havendo tarefas suficientemente importantes para fazer os sujeitos pensarem colaborativamente. Nesse sentido, a mediação é considerada fator relevante.

Como modalidade de ensino, a EaD on-line, ou virtual, foi-se constituindo como lugar de práticas auditivas, escritas diversas e televisivas (via rádio, correspondência, teleaulas) em tempos e contextos diferentes e em razão dos variados suportes. Nesse sentido, Maingueneau (2005, p. 71-83) e Adam e Heidmann (2004, p. 71) dizem que o suporte não é mero acessório. As práticas linguageiras também se identificam às tecnologias, instaurando espaços discursivos que incorporam multimídias para mediação de aprendizagem. Pensar sobre o suporte na perspectiva dos autores significa dizer dos gêneros usados para mediação, dos tipos de textos e suas formas de acontecimento, o que terá implicação direta sobre as formas de leitura e a recepção dos textos.

Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem como novos suportes para o ensino permitiram aos usuários terem noções básicas de hardware e de software além de terem de lidar com

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4 estratégias e competências diversas: leituras que envolvem ao mesmo tempo imagem, som, ícones, links etc.; estratégias de leitura e de escrita hipertextuais, mas também grande habilidade para ler instruções e fazer relações. Lidar com práticas nesse contexto requer competência de leitura tanto de textos escritos como de símbolos e imagens; leva o leitor/escritor a fazer operações de esquematização, resumos, entendimento do que sejam tags, leitura de expressões para a tomada de decisão, criação e entrada em sítios diversos (clicks); traz tanto para a leitura quanto para a escrita o uso de diferentes mídias para a interação, possibilidade de rápido acesso a muitos textos, implicando em outra forma de lidar com o conhecimento. Todas essas são demandas advindas desse novo suporte textual e levam a reflexões sobre os movimentos da sociedade e sobre o ensino mediado pelos suportes digitais. No dizer de Maingueneau (2002, p. 83), significa dizer que assistimos à desmaterialização dos suportes físicos dos enunciados.

No contexto do ensino superior, o uso das novas tecnologias passou também a fazer parte das agendas das instituições de educação e seu uso em sala de aula vem sendo estimulado cada vez mais. Não é sem causa que muitos cursos superiores têm as disciplinas Introdução à Informática ou Informática Aplicada inseridas no currículo. Tornar a tecnologia presente na formação inicial é apenas uma das estratégias de inserção da tecnologia na sala de aula e no cotidiano do futuro profissional. O que se leva em conta, nesse contexto, é o letramento digital dos estudantes e, no caso das licenciaturas, a oportunidade de formação dos professores para o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

O ensino mediado por computador é resultante do processo que envolve a chamada

sociedade da informação a qual vê na modalidade a distância uma forma de democratizar a

educação e ampliar o letramento e a inclusão digital das pessoas. A inserção da tecnologia no ensino em todos os níveis de escolaridade se tornou fato2 e, dentre as muitas razões para isso

estão a inclusão e o letramento digitais. A literatura aponta que a inclusão digital está atrelada à melhoria das condições de vida de uma determinada região ou comunidade (CASTELLS e CARDOSO, 2006; BUSTAMANTE, 2010). No entanto, essa discussão passa pela compreensão de que a inclusão não é gratuita e nem barata, fazendo sobressair a chamada inclusão perversa3.

Entendemos que espaços digitais estão cada vez mais fluxos e não situados, permitindo ao ensino formas de acontecimento e percursos de aprendizagem que colocam os sujeitos aprendentes diante de desafios individuais e coletivos.

3. O gênero aula e o gênero aula escrita de EaD como prática de linguagem

Segundo Bustamante (2010, p. 13), o fenômeno humano não pode ser entendido fora do

seu diálogo com a tecnologia e, segundo ele, poucas coisas alteram tanto a realidade quanto ela. É

nesse sentido que a sala de aula e a própria aula são afetadas pelas práticas de linguagem. Entre as transformações trazidas pelo surgimento do letramento digital, estão os espaços de escrita e seus 2 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) prevê o uso das tecnologias como ferramenta para o ensino, mas também para a formação continuada e para a formação inicial.

3 A noção de exclusão/inclusão mostra, ao mesmo tempo, que tais conceitos não podem ser pensados separadamente e que a exclusão pressupõe negação. Assim, a inclusão nesses termos seria mais uma “inserção social perversa”, o que torna delicado seu uso, porque pode pressupor a legitimidade da ordem social desigual e segregante. Ocorre que essa inclusão excludente produz a falsa sensação de pertencimento, gerando no sujeito a culpabilização individual pelo suposto ”fracasso”, “incapacidade”, “incompetência”, “responsabilidade” e “vergonha” da sua própria situação e de não estar adequado às exigências atuais.

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5 meios de interação e propagação de textos e discursos. É essa passagem do ensino oral – ou mais predominantemente oralizado no presencial – para o ensino na tela do computador que torna os textos mais (in)flexíveis e potencialmente (im)palpáveis e (des)materializados. São práticas de linguagem que impõem reflexões sobre textualidade, formas de interação, modos de aprendizagem. Nesse sentido, essas práticas mediadas por computador requerem compreensão poucas vezes compartilhada de que em EaD aulas são escritas e lidas.

As práticas atuais de leitura e escrita mediadas por computador são resultado do mundo digital e consideradas por Soares (2002) como letramentos da cibercultura. Esses letramentos, como nota a autora, dizem respeito ao uso, à função e ao impacto social advindos dessa cultura digital. A escrita, instituída e difundida de formas diversas ao longo dos séculos, foi responsável por transformações sócio-históricas que ainda hoje podem ser percebidas. Não é diferente no que concerne ao letramento digital com a escrita eletrônica. Do mesmo modo que suas formas predecessoras, a cultura digital trouxe significativas mudanças nos modos de interação e, ao lado da cultura do papel, essa outra forma de escrever e de ler na tela de computadores ganha cada vez mais destaque à medida que os registros escritos apresentam múltiplas maneiras de materializar o processo. Tal mudança, porém, só pode ser melhor notada se a tecnologia estiver acessível para que a sociedade possa usufruir seus benefícios.

No que concerne ao ensino, demandas digitais vão-se incorporando ao cotidiano de modo natural ou imposto. Assim, vastíssimos estudos em linguagem e ampla produção acadêmica têm apontado para a relevância do uso da tecnologia nessa área do conhecimento. São inúmeros os temas voltados para as práticas de linguagem digitais que não poucas vezes tocam nos aspectos do ensino, do papel do professor, da escola e do aluno nas práticas discursivas. São debates que vão desde a relação com a leitura, com a escrita, passando pelo surgimento de novos gêneros e pela reflexão dos gêneros digitais. Tratam ainda das formas de interação dos sujeitos diante dos recursos tecnológicos, chegando até aos ambientes digitais usados tradicionalmente para promover letramentos.

Dessa forma, a cultura digital trouxe transformações sociais que atingem o ensino (presencial e a distância) e as práticas de linguagem. Muitas exigências foram se impondo a essa maneira de lidar com a formação: autogerenciamento da aprendizagem e do conhecimento, ou seja, com a capacidade de lidar com a autonomia e a autoconstrução a partir do que já está à mão. Em cursos presenciais essas questões são consenso, mas no ensino a distância isso se evidencia mais fortemente.

Assim, nesse cenário tão dinâmico e complexo, que envolve questões diversas, os espaços teóricos e os ambientes de ensino é que é possível situar a aula virtual escrita como prática discursiva para notabilizar sua relação com a escritura, o deslocamento da aula presencial (marcado pela oralidade) para a aula escrita na virtualidade (GRIGOLETTO, 2011) que traz mudanças sensíveis para o ensino4 e marcam a identidade da modalidade a distância.

A tecnologia vem possibilitando a extensão da memória humana, e o ensino digital possibilitou o acesso ao conhecimento e à formação em tempo e lugar diferentes dos tradicionais, num suporte talvez não imaginado. Mesmo que a tecnologia não seja o único fator para as mudanças ocorridas na sociedade, sua presença ou ausência acaba servindo como uma espécie de termômetro que sinaliza mudanças e usos que dela são feitos, o que significa, numa analogia com o que diz Crystal (2005, p. 133), rever ou reafirmar hipóteses tanto de usos da linguagem como do 4 Embora concorde com Grigoletto (2011) quando a autora nota que o ensino feito pelo virtual mantém a assimetria entre os sujeitos e ainda é autoritário tanto quanto o do ensino presencial.

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6 ensino.

Nos anos 60, a internet revolucionou a comunicação com o surgimento de e-mails e bate-papo e, num espaço curto de tempo, o mundo assimilou as revoluções provocadas pela tecnologia da comunicação mediada pelo computador que é, como diz Crystal (2005, p. 76), muito mais que “língua escrita em tela”.

Nessas mudanças, o gênero aula virtual escrita de EaD5, ou mais especificamente, aula que

acontece em ambientes de aprendizagem on-line, situa-se em torno dos gêneros digitais que, na atualidade, ilustra a tese de Bakhtin (2003) sobre o comportamento e a maleabilidade dos gêneros nas práticas linguageiras. Nesse sentido, os gêneros discursivos se invertem, deslocam-se, transmutam-se e se combinam (TODOROV, 1978, p. 48) pelas relações que vão mantendo com outros gêneros ao longo das interações sociais. Na constituição do gênero aula virtual, é possível perceber sua vinculação com outros discursos, gêneros e suportes num processo dinâmico.

Mas é a observação do que seja o “gênero aula” como constituído historicamente que podemos situar as vinculações feitas com a aula virtual escrita. Marcuschi (2005), em seus estudos sobre aulas presenciais, observou que aula é um gênero rotineiro que tolera variações. É uma prática discursiva que se pauta pelo princípio da repetição e fica aberta à variação uma vez que outros gêneros vão sendo introduzidos nela. Em nossa análise, é possível afirmar que a aula virtual escrita é mais ritualizada uma vez que, para se constituir, depende de elementos internos e externos que vão desde o texto escrito pelo professor até os aparatos digitais que possibilitam sua edição. Aula virtual escrita de EaD funciona na fronteira entre o texto e o ambiente virtual, logo, vinculando-se à textualidade digital. Em torno dessas aulas há acontecimentos discursivos e práticas de linguagem que atuam como enunciados aos quais os alunos são responsivos – uma vez que há participação (ou não!) do aluno nas aulas – e que os constroem como sujeitos.

Como todo gênero, a aula virtual de educação a distância, ou aula de EaD, mescla-se com outros gêneros e guarda elementos da aula presencial: a exposição do conteúdo, a organização de ideias, a realização de atividades etc.. No entanto, o ensino deixa de estar restrito a paredes e prédios e ganha outros suportes, passando a ser não mais um momento in praesentia e síncrono, redefinindo papéis sociais, espaços discursivos e a própria noção de tempo e espaço no atual mundo do conhecimento. Como e-gênero, essa aula integra aspectos textuais-discursivos que expõem a natureza dos enunciados e das práticas digitais. Nessa modalidade de ensino, o material escrito por professores denota a aula em si e isso traçou a possiblidade de olhá-la como gênero, mas também de identificar o papel do suporte, suas novas configurações, assim como as mudanças impostas pelo novo gênero. As aulas virtuais podem ser obervadas através dos enunciados e do suporte tecnológico. Na estrutura do enunciado, estão presentes componentes a. textuais-discursivos (entonação, escolhas lexicais e sequências tiplógicas); b. não verbais (situação que compreende: tempo/lugar, tema, avaliação dos interlocutores; natureza do suporte, das informações e das interações).

As aulas ocorridas em ambientes virtuais e aqui tratadas apresentam temas e conteúdos desenvolvidos para construção de conceitos, como também, correspodem à configuração do ambiente de ensino e apresentam formas de interação com alunos. São aulas retiradas de ambientes virtuais de cursos de Letras, em disciplinas diversas e que apresentaram atividades de portfólio, registros em fóruns, aulas/materiais escritos pelo professor. Na atualidade, é possível encontrar pela rede aulas preparadas por professores através de buscas simples, o que permite compartilhamento de conteúdos como se pode ver na Figura 1 abaixo:

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7 Figura 1. Aula escrita de Linguística Textual de Curso de Letras

Fonte: Biblioteca Virtual UFPB. Material encontrado em busca simples pela Web.

As aulas escritas apresentam grande proximidade com livros e trabalhos acadêmicos. A sequência textual que predomina em aulas escritas virtuais é a expositiva em que são apresentados aos alunos conteúdos e conceitos. No caso da aula da Figura 1, observa-se que, antes do início do conteúdo, os professores abrem diálogo com os alunos desde a apresentação quando dizem “Caros alunos” .

As práticas discursivas da aula na virtualidade trazem marcas dialogais na natureza dessa enunciação. O professor faz perguntas em seu texto, propõe reflexões e outras buscas para que o aluno vá construindo os conceitos como se vê abaixo:

Figura 2. Aula escrita de Linguística Textual de Curso de Letras

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8 Uma compreensão de que a aula virtual escrita se realiza em gênero subsume a compreensão de que, como gênero discursivo, manifesta o dialogismo interdiscursivo (constitui-se no emaranhado de outros discursos) e o dialogismo interlocutivo (voltada para o outro). Assim, os enunciados das aulas são dirigidos ao outro e exige, para que se realize, que haja locutores virtuais ou presenciais. Isso faz sobressair um conceito importante que é a interação, termo caro à Análise Dialógica dos Discursos. A interação entre os sujeitos é que os constrói e tem como fim a construção do sentido. Logo, a produção e a interpretação criam o sentido que não é dado, mas é construído na interação. Dessa forma, os textos, objetos de significação, manifestam os discursos e suas muitas vozes, resultam de instâncias sociais, históricas e culturais que constituem os enunciados materializados em gêneros.

As aulas virtuais escritas, como gênero possuem um acabamento exterior, que é resultado de um movimento do sujeito o qual, avaliando a situação de enunciação e conhecendo seu auditório, escolhe a forma do conteúdo lançando mão da entonação expressiva. Entram em relação os valores e o caráter da linguagem como atividade subjetiva e ao mesmo tempo dialógica em que a enunciação considera o discurso de outrem na constituição das significações. Segundo Bakhtin (2003, p. 294), é a palavra, a língua, que garante o uso comum e tem existência de três maneiras:

como palavra da língua neutra e que não pertence a ninguém; como palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como minha palavra, porque uma vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva determinada, ela já está compenetrada da minha expressão. (Destaques do autor.)

Dessa forma, a aula virtual escrita tem modos de funcionamento que permite ao aluno acompanhar exposição do professor e construir conhecimento. Este aluno volta-se para atividades e cumpre tarefas, reconhece seções, sinalização feita ao longo do texto escrito. É o acabamento do enunciado que permite ao aluno tomar posições e decisões na aula virtual.

O processo de editoração da aula é pensado não apenas pelo professor, mas por um conjunto de profissionais que planejam o modo de distribuição do conteúdo para fins de aprendizagem. Isso, obviamente, relaciona-se com a natureza linguística das enunciações, com as fronteiras peritextuais (entorno no texto) e evidencia como os sujeitos do contexto digital (professores autores de aulas virtuais escritas, tutores e alunos) constroem práticas discursivas semelhantes aos textos acadêmicos, uma vez que a escritura da aula acaba por influenciar o modo de enunciação. É nesse sentido que o suporte abarca os recursos de tecnologia da informação (TI) e os recursos gráficos. A editoração da aula virtual está condicionada, então, ao ambiente virtual, lugar onde ocorrerá a discussão dos conteúdos. Desse modo, recursos da tecnologia são disponibilizados no ambiente para trazer conforto à leitura e praticidade no acesso aos materiais.

Assim, as práticas de construção das aulas escritas por professores preveem não apenas a seleção de textos científicos, mas modos de enunciação que vão mediando o ensino com figuras, imagens, vídeos, ícones etc. A Figura 3 ilustra a introdução de um tema em aula virtual escrita que apresenta orientações para navegação nas aulas no AVA.

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9 Figura 3. Aula escrita de Linguística Textual de Curso de Letras

Fonte: Ambiente Virtual UFC. Material encontrado em busca simples pela Web.

Outra questão importante para a constituição das aulas em aulas virtuais é como os textos retomam as discussões para situar o aluno para a leitura, mobilizando seus conhecimentos. Nessa mobilização, o professor dialoga com o aluno quando diz “antes de iniciar o estudo desta aula visite [...]” e outros enunciados que marcam essas retomadas e fazem continuidade. Dessa forma, o enunciado se torna um convite ao aluno, mas também, objetiva a interlocução com o professor que esperará a réplica em forma de compreensão do texto. Na aula estão presentes, ainda, no frontispício do texto, a localização da aula, tema e tópicos tratados. Para tornar o texto mais leve, a aula escrita lança mão de imagens para ilustrar o texto escrito. A Figura 4 permite olhar para esse gênero e seus constituintes, a saber: abas, links, ilustrações, perguntas, entre outros.

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Aba aberta contendo informação Tópico em tela Informações da disciplina e do tópico

Curso

Tópico lido a ser aberto Tópico em discussão

Resposta Recurso para extensão

do texto Pergunta Destaque do texto Recurso para extensão do texto

Recurso para extensão do texto

Figura relacionada ao dizer do autor sobre o

leitor. Figura relacionada ao fazer do autor sobre o leitor.

Aba fechada contendo informação Aba aberta contendo informação

Aba aberta contendo informação

Enunciado em forma de link estende a informação

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11 Há que se apontar, ainda, para efeito de constatação das mudanças ocorridas com o gênero

aula, as chamadas videoaulas, que podem ser encontradas em plataformas de compartilhamento de vídeos como o YouTube, Vimeo, Daily Motion entre outras, mas que merecem discussão em outro espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento da constituição da aula de Educação a Distância impõe um importante debate sobre os estereótipos a que, ao longo do tempo, o ensino a distância foi se conformando: como acontecem as aulas na EaD. Sim, há aulas via EaD e elas passam, invariavelmente, pelo registro escrito, seja pelas aulas publicadas pelo professor ou pelos exercícios de escrita dos alunos (fóruns, chats, portfólios etc.). A identidade da aula virtual passa pela escrita e pela leitura.

Os gêneros digitais, ou e-gêneros, são representativos da chamada sociedade da informação. Situados na hipertextualidade digital, esses gêneros destacam as características constitutivas da sociedade atual: são multimodais, integram texto, imagem tridimensional, som e vídeo. No que respeita a sua natureza, os gêneros digitais apresentam um conjunto de aspectos próprios e pertencentes à hipertextualidade e à interatividade. Os ambientes virtuais de aprendizagem se configuram como espaços discursivos cuja linguagem e tecnologias medeiam as relações de aprendizagem e de ensino. Tais práticas permitem olhar para a aula não como livro ou material didático, mas como aulas que requerem daptações de linguagem feitas por professores para aproximar o aluno do conhecimento, além do reconhecimento das adaptações dos próprios sujeitos e do gênero ao contexto do ensino digital.

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