• Nenhum resultado encontrado

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E A EMOÇÃO: CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DA MORALIDADE. Ana Carolina de Oliveira Faria (USP/UERJ)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E A EMOÇÃO: CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DA MORALIDADE. Ana Carolina de Oliveira Faria (USP/UERJ)"

Copied!
14
0
0

Texto

(1)

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E A EMOÇÃO: CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DA MORALIDADE

Ana Carolina de Oliveira Faria (USP/UERJ) [acfaria@gmail.com]

Introdução

Atualmente, deparamo-nos com a problemática de crianças e adolescentes envolvidos com a criminalidade, o que gera grande repercussão social.

Também nota-se – principalmente por parte de professores – um aumento de comportamentos de enfrentamento e desrespeito à autoridade em crianças e jovens, muitas vezes respaldados pelos próprios pais ou responsáveis.

Assim, lidamos constantemente com a temática do desenvolvimento moral. Autores de diferentes perspectivas contribuíram para o aprofundamento desse tema, tanto na Psicologia como na Sociologia e na Filosofia (BIAGGIO, 2003). No presente trabalho, abordaremos as contribuições da Psicologia Cognitiva e das Neurociências.

Contribuições da Psicologia Cognitiva

Para Piaget (1977), o juízo moral da criança se desenvolve em estágios, tal como ocorre nos processos cognitivos de forma geral. Através de perguntas dirigidas às crianças sobre seus jogos, ele identificou as etapas em que o pensamento moral se encontrava (BIAGGIO, 2003).

No primeiro estágio, a criança de 2-3 anos não tem noção de que os jogos possuem regras, permanecendo em um comportamento ritualizado. No segundo estágio, denominado heteronomia moral, a criança vê as regras como sagradas e imutáveis, ditadas por alguma autoridade; porém, a própria criança ainda não joga, apenas observa que as outras pessoas jogam de acordo com as regras.

No terceiro estágio (8-9 anos), a criança já joga com as outras e é capaz de perceber que todos devem seguir as mesmas regras, as quais são absorvidas ou imitadas de outras crianças. No quarto estágio, o da autonomia moral, que ocorre dos 11-14 anos, a criança não vê mais as regras de forma mística e imutável, entendendo que elas podem mudar desde que todos concordem.

Kohlberg também propõe uma seqüência de estágios, de forma semelhante à de Piaget. Através de uma história de um dilema – um homem deve decidir entre roubar um remédio que poderia salvar sua esposa ou deixá-la morrer – Kohlberg avaliou o

(2)

desenvolvimento moral a partir das justificativas apresentadas para solucionar o problema (BIAGGIO, 2003).

O primeiro nível de desenvolvimento, chamado de moralidade pré-convencional, compreende dois estágios. No primeiro, as ações são julgadas por suas conseqüências (punição ou premiação), e valoriza-se a obediência inquestionável à autoridade e a fuga da punição. No segundo (por volta dos dez anos), os atos são considerados corretos se provocam prazer ou se satisfazem às necessidades da própria criança, não se levando em consideração as necessidades das outras pessoas.

O nível da moralidade convencional inicia-se a partir do estágio 3, no qual as outras pessoas já são consideradas, e onde o importante é ser aprovado socialmente. O quarto estágio, no qual se encontram muitos jovens de 16 anos, considera-se moralmente correto o cumprimento dos deveres e a obediência à autoridade.

O nível da moralidade pós-convencional não é alcançado por um grande número de pessoas. Nele encontra-se o quinto estágio, onde o certo e o errado são aprovados pela sociedade (a lei não é absoluta, pode ser alterada com a anuência de todos). No sexto estágio, a decisão entre o correto e o incorreto é tomada pela consciência de cada um, baseada em princípios éticos, abstratos e universais, como justiça, igualdade e dignidade de todos os seres humanos, e não é necessária a presença da autoridade para que esses valores sejam aplicados.

Contribuição das Neurociências

O estudo do julgamento moral nas Neurociências iniciou-se já em suas primeiras investigações em pacientes com lesões cerebrais, como Phineas Gage (1823-1860), conhecido pelo acidente em que uma barra de ferro atravessou seu crânio, lesionando em seu cérebro sem, contudo, matá-lo. Porém, características de personalidade foram alteradas, incluindo sua capacidade de julgamento.

António Damásio (1998), trabalhando com pacientes com lesões similares a de Gage, formulou a hipótese de que as reações corporais a estímulos criam marcas afetivas que influenciam a tomada de decisões. Lesões em determinadas áreas do cérebro associadas a essas marcas teriam como conseqüências a alteração na capacidade de julgamento e déficits emocionais (GREENE & HAIDT, 2002).

Com o surgimento de equipamentos para estudo do cérebro, como o fMRI (Imageamento por Ressonância Magnética Funcional), alguns pesquisadores iniciaram

(3)

estudos sobre o cérebro em funcionamento, visualizando as áreas em maior atividade no decorrer de uma determinada tarefa, incluindo o julgamento moral.

Um dos estudos com o uso dessa técnica durante julgamentos morais é o de Greene et al. (2001). A partir de dilemas apresentados aos sujeitos experimentais, eles investigaram diferenças entre o julgamento moral “impessoal” e o “pessoal”.

Um exemplo de julgamento moral “impessoal” seria um dilema no qual há um carrinho de passageiros com cinco pessoas, correndo sobre trilhos de trem. Se nada for feito, todas as pessoas morrerão, devido ao percurso que o carrinho seguirá. Se uma chave for acionada para mudar o curso, apenas uma pessoa morrerá. Pergunta-se: “Você acionaria essa chave, sabendo que irá sacrificar uma pessoa para salvar as outras?”. A maioria das pessoas concorda que sim.

Um exemplo de dilema que provoca um julgamento “pessoal” seria o seguinte: há cinco pessoas num carrinho sobre trilhos, indo em direção a uma ponte. Há um desconhecido corpulento na ponte, obstruindo a passagem do carrinho. Todas as cinco pessoas morrerão se ele continuar lá. A única maneira de salvá-las é atirando o desconhecido da ponte. Pergunta-se: “Você, para salvar as cinco pessoas, mataria esse indivíduo?”. A maioria das respostas é não, embora o problema seja muito similar ao outro, sempre havendo o sacrifício de uma pessoa em prol da vida de outras.

Greene et al. (2001) defendem que a diferença crucial entre as duas situações é o engajamento da emoção: o segundo dilema provoca um nível de reação emocional que o primeiro simplesmente não produz (daí ser considerado “pessoal”). Imaginar-se provocando a morte de alguém é mais impactante que o acionamento de uma chave (que também acarretará uma morte), embora os objetivos sejam os mesmos. Para esses autores, o engajamento emocional seria o responsável por essas diferenças de julgamento.

A fim de experimentar essa hipótese, realizou-se um estudo no qual os sujeitos deveriam realizar julgamentos de dilemas semelhantes enquanto as diferenças de ativação cerebral eram registradas através de equipamento de fMRI.

As situações de julgamento moral “pessoal” provocaram ativação cerebral diferente da observada nos julgamentos morais “impessoais” e nos julgamentos não-morais (usados apenas para controle): três áreas cerebrais envolvidas no processamento emocional tiveram um aumento em sua atividade.

Greene e Haidt (2002), em sua revisão sobre o funcionamento do julgamento moral no cérebro, ressaltam que diversos estudos no âmbito das Neurociências

(4)

convergem em apontar que, embora o raciocínio e as emoções atuem no julgamento moral, os processos emocionais automáticos tendem a dominar.

Segundo esses mesmos autores, assim como houve a revolução cognitiva nos anos 50 e 60 – da qual Kohlberg participou com sua contribuição no estudo da moralidade – começou na década de 80 uma “revolução afetiva”, que veio complementar os estudos já efetuados em torno do raciocínio moral.

Como conclui Haidt (2001), as emoções e intuições morais guiam o raciocínio moral, não sendo este o único responsável pelo juízo em relação a temas envolvendo a moralidade.

Discussão

As contribuições dessas diferentes perspectivas são ferramentas valiosas, não apenas para a pesquisa e para a reflexão sobre a crescente criminalidade entre os jovens, como também para pais, educadores e para a sociedade.

Barros (1987) destaca, baseando-se nas teorias cognitivas do desenvolvimento moral, que os educadores não pensar dicotomicamente que existem alunos bons e maus, mas que alguns estão passando por fases diferentes do desenvolvimento moral e devem ser estimulados a desenvolver o pensamento mais autônomo ou pós-convencional.

Nessa perspectiva, punições completamente desvinculadas de seu ato de origem, longos “sermões” e exortações morais se mostram ineficazes quanto aos efeitos sobre o desenvolvimento moral, devendo os pais e educadores buscar alternativas para que os jovens possam realmente construir um pensamento moral mais avançado.

Conclusão

Uma nova visão, oriunda das Neurociências, da importância do afeto no julgamento moral adulto complementa a teoria cognitiva, contribuindo para demonstrar o valor do aspecto emocional no desenvolvimento moral da criança.

Pesquisas futuras devem ser empreendidas para a compreensão do desenvolvimento emocional e de como a sociedade pode contribuir na promoção de condições melhores para que ele se consolide.

O investimento na temática do desenvolvimento moral pode render bons frutos à sociedade: através da formação de indivíduos mais conscientes, lançam-se as bases para um futuro mais promissor para os jovens.

(5)

EIXO TEMÁTICO: Infâncias, Adolescências e Famílias

* * *

1. Introdução

Atualmente, deparamo-nos com a problemática de crianças e adolescentes envolvidos com a criminalidade, o que gera grande repercussão social.

Também nota-se um aumento de comportamentos de enfrentamento e desrespeito à autoridade em crianças e jovens, muitas vezes respaldados pelos próprios pais ou responsáveis.

Assim, lidamos constantemente com a temática do desenvolvimento moral. Autores de diferentes perspectivas contribuíram para o aprofundamento desse tema, tanto na Psicologia como na Sociologia e na Filosofia (BIAGGIO, 2003). Neste trabalho, serão abordadas as contribuições da Psicologia Cognitiva e das Neurociências.

2. Contribuições da Psicologia Cognitiva

2.1 O desenvolvimento moral na perspectiva de Jean Piaget

Piaget (1977) observou que os jogos de regras praticados pelas crianças (bolinhas de gude pelos meninos e pique pelas meninas) poderiam ser utilizados para o estudo do julgamento moral, pois guardavam um paralelo com as regras morais: em ambos os casos, as normas são transmitidas entre gerações e são mantidas unicamente pelo respeito que os indivíduos mantêm por elas (FREITAS, 2003).

O desenvolvimento do juízo moral da criança, para Piaget, é resultado de um processo ativo, fundamentando-se na maturação e na interação social (FREITAS, 1988) e acompanha o desenvolvimento dos processos cognitivos de forma geral; estes, na teoria piagetiana são divididos em estágios e, da mesma forma, o juízo moral pode também ser identificado por etapas (BIAGGIO, 2003).

No primeiro estágio, a criança de dois ou três anos não tem noção de que os jogos possuem regras a serem seguidas (anomia), permanecendo em um comportamento ritualizado.

(6)

O segundo estágio (4 a 7 anos) apresenta o início da heteronomia moral (a criança vê as regras como sagradas e imutáveis, ditadas por alguma autoridade); porém, a própria criança ainda não joga, apenas observa que as outras pessoas jogam de acordo com as regras.

No terceiro estágio (8 a 9 anos), a criança já joga com as outras e é capaz de perceber que todos devem seguir as mesmas regras, as quais são absorvidas ou imitadas de outras crianças. Ainda permanece a heteronomia.

No quarto estágio (11 a 14 anos), já se apresenta a autonomia moral: a criança não vê mais as regras de forma mística e imutável, entendendo que elas podem mudar desde que todos concordem.

Segundo Vinha (2003), para a construção da autonomia moral, é necessário que a criança esteja inserida em um ambiente onde haja respeito mútuo e minimização do autoritarismo do adulto.

2.2 Desenvolvimento moral segundo Kohlberg

Kohlberg procurou redefinir e validar os estágios propostos por Piaget através de estudos longitudinais (FREITAS, 1988). Através de uma história de um dilema – um homem deve decidir entre roubar um remédio que poderia salvar sua esposa ou deixá-la morrer – ele avaliou o desenvolvimento moral a partir das justificativas apresentadas para solucionar o problema (BIAGGIO, 2003). É o raciocínio subjacente à resposta, e não a resposta em si que indica o estágio de desenvolvimento (PAPALIA & OLDS, 2000). A partir de estudos com dilemas similares, Kohlberg postulou a existência de seis estágios, divididos em três níveis de desenvolvimento.

No primeiro nível de desenvolvimento, chamado de moralidade pré-convencional, a criança é sensível ao que é rotulado como bom ou mau, mas interpreta isto em relação às conseqüências físicas ou hedonísticas da ação (punição, prêmios) ou em termos do poder físico da autoridade (FREITAS, 1988). Este nível compreende dois estágios. No primeiro, as ações são julgadas por suas conseqüências (punição ou premiação), e valoriza-se a obediência inquestionável à autoridade e a fuga da punição. No segundo, presente por volta dos dez anos, os atos são considerados corretos se provocam prazer ou se satisfazem às necessidades da própria criança, não se levando em consideração as necessidades das outras pessoas (BIAGGIO, 2003).

(7)

O segundo nível é o da moralidade convencional, no qual se procura manter as expectativas da família ou do grupo, identificando-se com estes, independentemente das conseqüências imediatas; busca-se ativamente manter e justificar a ordem (FREITAS, 1988). O nível da moralidade convencional inicia-se a partir do estágio três, no qual as outras pessoas já são consideradas, e que o importante é ser aprovado socialmente. O quarto estágio, no qual se encontram muitos jovens de dezesseis anos, considera-se moralmente correto o cumprimento dos deveres e a obediência à autoridade (BIAGGIO, 2003), ou seja, há uma orientação para “a lei e a ordem” (FREITAS, 1988).

O nível da moralidade pós-convencional é considerado como um estágio de autonomia e de orientação por princípios; há um esforço em se definir os valores e princípios morais válidos, sem se considerar a autoridade de grupos ou de pessoas (FREITAS, 1988). Este nível não é alcançado por um grande número de indivíduos. Nele encontra-se o quinto estágio, onde o certo e o errado são aprovados pela sociedade (a lei não é absoluta, pode ser alterada com a anuência de todos). No sexto estágio, a decisão entre o correto e o incorreto é tomada pela consciência de cada um, baseada em princípios éticos, abstratos e universais, como justiça, igualdade e dignidade de todos os seres humanos, e não é necessária a presença da autoridade para que esses valores sejam aplicados (BIAGGIO, 2003).

Tais estágios formariam uma seqüência evolutiva invariante e direcionada para o estágio seguinte. Parte do pensamento do indivíduo permanece em um estágio, enquanto que outra já se encontra no estágio para o qual ele está se direcionando. A classificação do pensamento não é realizada em termos absolutos, mas a partir da verificação de uma predominância em um dos níveis (FREITAS, 1988).

Segundo Freitas (1988), na visão de Kohlberg, tanto a incapacidade de desenvolvimento intelectual posterior quanto a falta de experiências adequadas no meio social podem levar a pessoa a estacionar num estágio. A parada de desenvolvimento nos delinqüentes se resultaria numa vivência ajustada às interpretações simplistas dos primeiros estágios de julgamento moral.

Assim como o raciocínio lógico constitui-se numa condição necessária para o desenvolvimento de um julgamento moral avançado, este é imprescindível para uma ação moral madura, embora não seja suficiente. A pessoa pode raciocinar de acordo com princípios morais e não ter sua ação de acordo com eles devido a fatores como firmeza de propósitos e pressões relacionadas à situação, que atingem o indivíduo devido ao papel exercido pelas emoções e pela motivação (FREITAS, 1988).

(8)

3. Contribuição das Neurociências

3.1 Estudos em pacientes com lesões pré-frontais

O estudo do julgamento moral sob enfoque das neurociências iniciou-se já nas primeiras investigações desta abordagem, em pacientes com lesões cerebrais, como Phineas Gage (1823-1860), conhecido por ter sofrido um grave acidente no qual uma barra de ferro atravessou seu crânio, deixando uma lesão em seu cérebro sem, contudo, matá-lo. Porém, algumas de suas características de personalidade foram alteradas, como também sua capacidade de julgamento.

Como afirma Damásio (1998), a lesão dos córtices da região pré-frontal ventromediana de Gage comprometeu sua capacidade de planejar o futuro e de conduzir-se de acordo com as regras sociais aprendidas previamente.

Damásio constatou, em um paciente com lesão cerebral semelhante à de Gage, um desempenho intelectual excelente, mas com comprometimento na tomada de decisões e perda de prioridades e de objetivo global. Além disso, não manifestava sinais de sofrimento e de emotividade, percebendo ele mesmo que seus sentimentos haviam mudado: o que antes lhe suscitava fortes emoções, já não provocava nenhuma reação.

Apesar de um bom desempenho em testes de julgamento moral de Kohlberg e de uma base normal de conhecimentos sociais, este paciente “já não podia funcionar como ser social”, nas palavras de Damásio (1998, p. 60). Tomava decisões inapropriadas, inclusive financeiramente, e não conseguia aprender com seus erros.

Todas as pessoas com lesões pré-frontais acompanhadas por Damásio apresentavam associação entre deficiência na tomada de decisões (principalmente em relação a aspectos pessoais e sociais) e a perda de emoções e sentimentos. Outros tipos de lesões sugerem também a interação entre sistemas subjacentes aos processos normais de raciocínio e emoções (DAMÁSIO, 1998).

Pacientes com lesões pré-frontais ocorridas durante a infância ou a adolescência não desenvolvem personalidade normal nem amadurecem o sentido social, apresentando “deterioração do comportamento social” (DAMÁSIO, 1998, p. 82), além de ausência de uma teoria da mente de si mesmos e dos outros. Quando a lesão ocorre na infância, recompensas e punições parecem não funcionar.

(9)

3.2 A Hipótese do Marcador-Somático

No processo de raciocínio, durante a avaliação de alternativas para a solução de problemas – inclusive o julgamento moral – se alguma opção de resposta possui um resultado ruim associado previamente a ela, sentimos uma sensação corporal (“somática”) desagradável, a qual “marca” a imagem mental associada.

Tal fenômeno foi denominado marcador-somático por Damásio (1998), constituindo-se num caso especial de uso dos sentimentos oriundos das emoções secundárias, as quais são construídas a partir das emoções primárias (consideradas inatas, como raiva e medo), mas exigindo um processamento cerebral mais complexo, com participação do córtex pré-frontal. Tais emoções são associadas, pela aprendizagem, a uma previsão das conseqüências positivas ou negativas de determinadas situações com as quais o indivíduo precisa interagir, incluindo convenções sociais e regras éticas.

Um marcador-somático positivo poderia atuar como um incentivo para determinada escolha. Já a função de um marcador-somático negativo seria convergir a atenção para um possível resultado negativo da alternativa que está sendo considerada, como um alarme diante do perigo de se escolher aquela opção.

Dessa forma, há maior probabilidade de rejeição imediata de tal alternativa, direcionando o raciocínio para as outras opções. O marcador-somático aumenta, assim, a eficiência do processo decisório; em sua ausência, tal processo pode ficar comprometido, como no caso dos doentes pré-frontais que, desprovidos das emoções secundárias – e do marcador-somático – não conseguem tomar decisões, especialmente em nível pessoal e social (embora possam raciocinar e ter um bom desempenho em testes envolvendo julgamentos que não dizem respeito a eles próprios, como no caso do paciente de Damásio com o teste de Kohlberg).

A hipótese do marcador-somático, como observa Damásio (1998), evidencia a simbiose entre os processos tradicionalmente separados como cognitivos e emocionais.

Os marcadores-somáticos utilizados para as decisões racionais da vida adulta provêm, em sua maioria, do processo de educação e socialização ao longo do desenvolvimento, através da associação de categorias específicas de estímulos a determinadas categorias de estados somáticos (DAMÁSIO, 1998).

(10)

Segundo Herculano-Houzel (2005), a adolescência é um período em que se desenvolve a capacidade de tomar decisões necessárias na vida social, com intenso aprendizado social (pela ampliação de papéis e de relações pessoais), o qual exige flexibilidade cognitiva. Mas é o desenvolvimento emocional, principalmente da capacidade de empatia que permite um bom ajustamento social, permitindo relações com mais tolerância e menos agressividade e hostilidade.

O amadurecimento do córtex órbito-frontal, responsável pelo uso das emoções no processo decisório, ocorre na adolescência. Para Herculano-Houzel (2005), a imaturidade dessa região do córtex frontal aliada a pouca competência emocional repercute na adolescência com o quadro do “adolescente-problema”, que, em linhas gerais, se aproxima da sociopatia, com cujo comprometimento cerebral se assemelha. A proporção de condutas anti-sociais e de delinqüência aumenta consideravelmente na adolescência, mas a grande maioria desses jovens consegue alterar seu comportamento e se tornar ajustado ao meio.

Herculano-Houzel (2005) concorda que o sistema jurídico – por enfatizar a habilidade de compreensão do indivíduo sobre as conseqüências dos seus atos – não considere o adolescente como plenamente responsável legal e moralmente, visto que o julgamento moral envolve o funcionamento dos córtices pré-frontal e temporal, ainda imaturos na adolescência (Cf. MOLL et al., 2002). Porém, a neurociência ainda não pôde precisar em qual idade cronológica ocorre o amadurecimento completo da estrutura e das funções cerebrais, tendo em vista que o córtex pré-frontal continua seu desenvolvimento mesmo após os trinta anos de idade.

Com base nesses conhecimentos, Herculano-Houzel (2005) propõe que, ao lidar com o adolescente, não se deve “lutar inutilmente contra um córtex órbito-frontal em treinamento” (p. 206), mas procurar compreender essa fase do desenvolvimento neurobiológico, cognitivo e emocional, ajudando o adolescente a discernir situações e a antecipar as conseqüências de determinadas alternativas.

3.4 O funcionamento do cérebro durante o julgamento moral

Com o surgimento de equipamentos para estudo do cérebro, como o fMRI (Imageamento por Ressonância Magnética Funcional), alguns pesquisadores iniciaram

(11)

estudos sobre o cérebro em funcionamento, visualizando as áreas em maior atividade no decorrer de uma determinada tarefa, incluindo o julgamento moral.

Um dos estudos com o uso dessa técnica durante julgamentos morais é o de Greene et al. (2001). A partir de dilemas apresentados aos sujeitos experimentais, eles investigaram diferenças entre o julgamento moral “impessoal” e o “pessoal”.

Um exemplo de julgamento moral “impessoal” seria um dilema no qual há um carrinho de passageiros com cinco pessoas, correndo sobre trilhos de trem. Se nada for feito, todas as pessoas morrerão, devido ao percurso que o carrinho seguirá. Se uma chave for acionada para mudar o curso, apenas uma pessoa morrerá. Pergunta-se: “Você acionaria essa chave, sabendo que irá sacrificar uma pessoa para salvar as outras?”. A maioria das pessoas concorda que sim.

Um exemplo de dilema que provoca um julgamento “pessoal” seria o seguinte: há cinco pessoas num carrinho sobre trilhos, indo em direção a uma ponte. Há um desconhecido corpulento na ponte, obstruindo a passagem do carrinho. Todas as cinco pessoas morrerão se ele continuar lá. A única maneira de salvá-las é atirando o desconhecido da ponte. Pergunta-se: “Você, para salvar as cinco pessoas, mataria esse indivíduo?”. A maioria das respostas é não, embora o problema seja muito similar ao outro, sempre havendo o sacrifício de uma pessoa em prol da vida de outras.

Greene et al. (2001) defendem que a diferença crucial entre as duas situações é o engajamento da emoção: o segundo dilema provoca um nível de reação emocional que o primeiro simplesmente não produz (daí ser considerado “pessoal”). Imaginar-se provocando a morte de alguém é mais impactante que o acionamento de uma chave (que também acarretará uma morte), embora os objetivos sejam os mesmos. Para esses autores, o engajamento emocional seria o responsável por essas diferenças de julgamento.

A fim de experimentar essa hipótese, realizou-se um estudo no qual os sujeitos deveriam realizar julgamentos de dilemas semelhantes enquanto as diferenças de ativação cerebral eram registradas através de equipamento de fMRI.

As situações de julgamento moral “pessoal” provocaram ativação cerebral diferente da observada nos julgamentos morais “impessoais” e nos julgamentos não-morais (usados apenas para controle): três áreas cerebrais envolvidas no processamento emocional tiveram um aumento em sua atividade.

Tal resultado pode ser correlacionado ao encontrado por Damásio (1998), no qual o paciente com lesão pré-frontal podia julgar adequadamente uma situação no teste

(12)

de Kohlberg que não lhe afetava diretamente (“impessoal”), mas era incapaz de tomar decisões, inclusive morais, em seu campo pessoal e social.

Greene e Haidt (2002), em sua revisão sobre o funcionamento do julgamento moral no cérebro, ressaltam que diversos estudos no âmbito das Neurociências convergem em apontar que, embora o raciocínio e as emoções atuem no julgamento moral, os processos emocionais automáticos tendem a dominar.

Segundo esses mesmos autores, assim como houve a revolução cognitiva nos anos 50 e 60 – da qual Kohlberg participou com sua contribuição no estudo da moralidade – começou na década de 80 uma “revolução afetiva”, que veio complementar os estudos já efetuados em torno do raciocínio moral.

Como conclui Haidt (2001), as emoções e intuições morais guiam o raciocínio moral, não sendo este o único responsável pelo juízo em relação a temas envolvendo a moralidade.

4. Discussão

As perspectivas apresentadas demonstraram-se integrar em alguns pontos, o que pode auxiliar na compreensão da aquisição da moralidade como um processo holístico, abrangendo aspectos psicológicos – como a cognição e a emoção – , neurológicos e sociais.

As contribuições dessas diferentes perspectivas são ferramentas valiosas, não apenas para a pesquisa e para a reflexão sobre a crescente criminalidade entre os jovens, como também para pais, educadores e para a sociedade.

Barros (1987) destaca, baseando-se nas teorias cognitivas do desenvolvimento moral, que os educadores não pensar dicotomicamente que existem alunos bons e maus, mas que alguns estão passando por fases diferentes do desenvolvimento moral e devem ser estimulados a desenvolver o pensamento mais autônomo ou pós-convencional.

Nessa perspectiva, punições completamente desvinculadas de seu ato de origem, longos “sermões” e exortações morais se mostram ineficazes quanto aos efeitos sobre o desenvolvimento moral, devendo os pais e educadores buscar alternativas para que os jovens possam realmente construir um pensamento moral mais avançado.

A nova visão, trazida pelas neurociências, da importância do afeto no julgamento moral adulto complementa a teoria cognitiva, contribuindo para demonstrar o valor do aspecto emocional no desenvolvimento moral da criança e do adolescente, ajudando-os a construir um pensamento moral ajustado socialmente.

(13)

Correlacionando a perspectiva cognitiva e a neurocientífica/emocional, a aprendizagem que se deriva do contato com o outro e que contribui para a aquisição da autonomia moral pode atuar na constituição de marcadores somáticos adequados e eficientes para a idade adulta.

Damásio (1998) argumenta que os sistemas educativos podem ser melhorados se houver uma conscientização sobre a ligação inequívoca entre emoções atuais e resultados futuros; a exposição gratuita das crianças à violência desvirtua, através de sua ação dessensibilizadora, o valor das emoções na aquisição e no desenvolvimento de comportamentos sociais adaptados.

5. Conclusão

Pesquisas futuras devem ser empreendidas para continuar a elucidar como o desenvolvimento do aspecto emocional ocorre e como a sociedade pode contribuir na promoção de condições melhores para que ele se consolide.

O investimento na temática do desenvolvimento moral pode render bons frutos à sociedade: através da formação de indivíduos mais conscientes, lançam-se as bases para um futuro mais promissor para os jovens.

Referências bibliográficas

BARROS, C. S. G. Pontos de Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: Ática, 1987, pp.102-109.

BIAGGIO, A. M. B. Psicologia do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 2003, pp. 216-257.

DAMÁSIO, A. R. O Erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 330 p.

FREITAS, L. A Moral na Obra de Jean Piaget: Um Projeto Inacabado. São Paulo: Cortez, 2003. 126 p.

(14)

FREITAS, M. T. Desenvolvimento Moral e Responsabilidade Social. 1988. 125 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1988.

GREENE, J., & HAIDT, J. How (and where) does moral judgment work? Trends in Cognitive Sciences 6 (12), pp. 517-523, 2002.

GREENE, J., SOMMERVILLE, R. B., NYSTROM, L. E., DARLEY, J. M., & COHEN, J. D. An fMRI Investigation of Emotional Engagement in Moral Judgment. Science 293, pp. 2105-2108, 2001.

HAIDT, J. The emotional dog and its rational tail: A social intuitionism approach to moral judgment. Psychological Review 108 (4), pp. 814-834, 2001.

HERCULANO-HOUZEL, S. O Cérebro em Transformação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, pp. 162-207.

MOLL, J., OLIVEIRA-SOUZA, R., BRAMATI, I. E., & GRAFMAN, J. (2002). Functional Networks in Emotional Moral and Nonmoral Social Judgments. NeuroImage 16, 696-703.

PAPALIA, D. E.; & OLDS, S. W. Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000, pp. 329-332.

PIAGET, J. O Julgamento Moral na Criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977, 356 p. [Publicado originalmente em 1932].

VINHA, T. P. O Educador e a Moralidade Infantil: Uma Visão Construtivista. Campinas: Mercado de Letras/FAPESP, 2003. 591p.

Referências

Documentos relacionados

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são

Este estudo apresenta como tema central a análise sobre os processos de inclusão social de jovens e adultos com deficiência, alunos da APAE , assim, percorrendo

Para evitar danos ao equipamento, não gire a antena abaixo da linha imaginária de 180° em relação à base do equipamento.. TP400 WirelessHART TM - Manual de Instrução, Operação

O candidato deverá apresentar impreterivelmente até o dia 31 de maio um currículo vitae atualizado e devidamente documentado, além de uma carta- justificativa (ver anexo

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

Το αν αυτό είναι αποτέλεσμα περσικής χοντροκεφαλιάς και της έπαρσης του Μιθραδάτη, που επεχείρησε να το πράξει με ένα γεωγραφικό εμπόδιο (γέφυρα σε φαράγγι) πίσω

Esses conceitos fundamentais, no sentido de fundamentos que fundam um campo, o novo campo da Psicanálise, enquanto conceitos, conceitos que possam delimitar um