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Capítulo 2. Mitos e realidade sobre qualidade e segurança do leite. José Renaldi Feitosa Brito

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Academic year: 2021

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Mitos e realidade sobre qualidade

e segurança do leite

José Renaldi Feitosa Brito

Neste trabalho serão abordados alguns mitos associados à qualidade e à segurança do leite. Procurou-se apresentar evidências científicas obti-das de fontes consideraobti-das confiáveis para apresentar uma outra visão – aqui chamada de realidade. Na medida do possível optou-se por refe-renciar artigos de revisão que, na maioria dos casos, cobriram um longo período de pesquisas, em alguns casos, três a quatro décadas. É con-vicção do autor que alguns mitos foram criados até por pesquisadores ou técnicos, com base em experimentos ou experiências pessoais, sem considerar, por exemplo, a representatividade da amostragem utilizada, ou a existência de fatores que podem interferir nos resultados obtidos. Experimentos podem ter sido realizados ignorando dados já existentes, ou desconhecendo a influência de fatores que, somente anos depois, podem ter tido seu papel demonstrado de forma inequívoca.

Mitos necessariamente não são algo descartável. A mitologia está na raiz de muitos aspectos positivos da nossa cultura, das artes à psicaná-lise, passando pela literatura, filosofia, pintura, música e escultura. Se examinados de forma adequada, os mitos podem servir de matéria-prima para o desenvolvimento de novos conhecimentos. O problema dos mitos no caso da produção de leite é quando eles podem mascarar problemas que deveriam ser corretamente identificados, como primeiro passo para se conseguir solucioná-los. “Quando se compreende que um problema está mal colocado, já não se pensa nem no problema nem nas respos-tas” (Guy Bugault, citado por Droit, 2002). Ignorar um problema, ou não

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defini-lo corretamente, só contribui para atrasar a busca de soluções compatíveis com a realidade dos fatos.

O trabalho foi dividido em dois tópicos. O primeiro trata dos mitos rela-cionados com a segurança do leite. No segundo tópico serão abordadas algumas questões sobre a qualidade, com ênfase na questão da mastite e nos métodos de controle.

Mitos relacionados com a segurança do leite

Há aproximadamente 100 anos, na era pré-pasteurização, os principais patógenos veiculados pelo leite eram aqueles responsáveis por doenças graves como brucelose, tuberculose, difteria, escarlatina e febre tifóide. O leite era contaminado principalmente pelos ordenhadores. Já nas déca-das de 1940 a 1950, por exemplo, se acreditava que Escherichia coli era um organismo meramente indicador de falta de higiene. Hoje, sabemos que alguns tipos de E. coli podem causar doenças graves e, até, matar. Somente nas últimas três a quatro décadas, foi reconhecido o papel de patógenos como Campylobacter jejuni, E. coli O157:H7, Enterobacter sakazakii, Listeria monocytogenes, Vibrio parahaemolyticus e Yersinia enterocolitica como causadores de DTA (doenças transmitidas por ali-mentos). O controle desses microrganismos requer divulgação de novos conhecimentos e de normas de produção e fabricação mais adequadas às suas características. A pasteurização tem um papel fundamental na eliminação de todos esses patógenos, mas apesar dos óbvios benefícios para a saúde pública, ainda hoje, mesmo nos países economicamente desenvolvidos, existem pessoas e até grupos organizados, que advogam o consumo de leite cru e de produtos derivados do leite cru. O consu-mo desses produtos apresenta riscos, que devem ser cuidadosamente avaliados. A maior parte das informações apresentadas nesse tópico foi obtida de U.S. FDA (2009).

Mito no 1. Leite cru e seus derivados são seguros para consumo

Não são. O leite não tratado adequadamente e os derivados preparados com ele são um risco para a saúde. O leite cru pode conter grande

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nú-mero de patógenos, incluindo: Staphylococcus aureus enterotoxigênico, C. jejuni, várias espécies de Salmonella, E. coli patogênica (EHEC, ETEC), L. monocytogenes, Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium bovis, Brucella abortus, Brucella melitensis, Coxiella burnetti e Y. enterocolytica. As taxas de prevalência desses patógenos variam em função de países e de regiões dentro desses países, e da espécie animal (cabra, ovelha ou vaca). Grande número de surtos associados ao uso de leite não-pasteu-rizado ou queijo manufaturado com leite não-pasteunão-pasteu-rizado foi registrado nos últimos 10 anos, somente nos Estados Unidos (U.S. FDA, 2009). O número de surtos ou de casos podem ser ainda maiores, consideran-do-se que nem todos os casos de doenças relacionadas ao consumo de alimentos são comunicados às autoridades sanitárias, mesmo nos países desenvolvidos. Dessa forma, não se dispõe de dados acurados da real situação da população exposta, sendo impossível identificar todos os incidentes de doença que podem ocorrer.

Mito no 2. Leite não pasteurizado é seguro porque contém enzimas “naturais” com propriedades antimicrobianas, como a lactoferrina, xantina-oxidase, lactoperoxidase, lisozima e nisina

Xantina-oxidase (XO) não mata patógenos e não é destruída pela pas-teurização. XO parece desempenhar um papel em nutrição humana e na saúde e é um dos componentes principais da membrana do glóbulo de gordura (MFGM). Tem sido demonstrado que XO resiste em laboratório ao aquecimento a 75 oC, por 15 segundos, excedendo as condições mí-nimas de pasteurização rápida.

A lactoperoxidase é uma enzima termo-estável, não sendo destruída pela pasteurização, embora seja muito sensível ao aquecimento à temperatu-ra de 80 oC. A lactoperoxidase juntamente com tiocianato e peróxido de hidrogênio formam o sistema lactoperoxidase, encontrado no leite. Esse sistema tem ação antimicrobiana e foi desenvolvido em uma formulação para ser utilizada como conservante em países onde não há condições para refrigerar o leite. O emprego do sistema lactoperoxidase para con-servação do leite tem o aval de instituições como a Organização Mundial de Saúde e a FAO, mas seu emprego no Brasil não é permitido. A lisozi-ma, combinada com a lactoferrina, tem efeito bactericida. Mais de 70%

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da lisozima presente no leite bovino sobrevive às condições normais de pasteurização rápida.

Mito no 3. Leite pasteurizado causa intolerância à lactose

A intolerância à lactose é um erro do metabolismo encontrado em al-gumas pessoas. O leite cru, tanto quanto o leite pasteurizado, contém lactose, e a pasteurização não altera a concentração desse açúcar que é único do leite. Pessoas intolerantes à lactose possuem reduzida habi-lidade de sintetizar a enzima beta-galactosidase (lactase). Elas podem desenvolver os sintomas de intolerância após consumirem tanto o leite cru quanto o leite pasteurizado. O leite não contém beta-galactosidase endógena; qualquer beta-galactosidase presente no leite será provavel-mente produzida por bactérias.

Mito no 4. A pasteurização destrói as vitaminas do leite

Os dados disponíveis indicam que após a pasteurização entre 0% e 10% da vitamina C do leite é perdida, mas o leite não é considerado uma fon-te significativa de vitamina C.

A pasteurização não causa perdas apreciáveis de vitamina A ou qualquer outra vitamina lipossolúvel. Com respeito às vitaminas hidrossolúveis, o leite é uma excelente fonte de tiamina, ácido fólico, B-12 e riboflavina e a pasteurização pode resultar em perdas que variam de 0% a um máxi-mo de 10% para cada uma dessas vitaminas.

Mitos relacionados com a qualidade do leite

Mito no 5. Não existe receita para produzir leite com qualidade/ Todos sabem produzir leite com qualidade/ Os procedimentos re-comendados são adotados por todos

A adoção de procedimentos padronizados na rotina da ordenha requer a capacitação frequente do pessoal envolvido. A capacitação influencia diretamente, por exemplo, a velocidade de ordenha e a taxa de mastite do rebanho. No manejo da ordenha vários procedimentos são recomen-dados, e nenhum deles isoladamente pode garantir a qualidade do leite, especialmente em função da grande variedade de patógenos da mastite

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a que os animais são expostos. Um dos segredos de produzir leite de qualidade é usar procedimentos que reduzem o contato com os patóge-nos da mastite. Não existe fórmula mágica, nem uma receita única que sirva a todos os produtores, mas alguns procedimentos são essenciais e devem ser empregados em todas as ordenhas. Exemplos desses pro-cedimentos são: o teste da caneca com descarte dos primeiros jatos de leite, a desinfecção dos tetos antes e depois da ordenha, e o tratamento da vaca seca.

A prática de desinfecção dos tetos antes da ordenha (“predipping”) reduz em 5 a 6 vezes a contagem bacteriana total e a contagem de coliformes no leite, e também contribui, desde que seja realizada adequadamente, para a segurança do leite. Para que haja redução efetiva do número de bactérias é importante garantir o contato do desinfetante com os tetos por tempo suficiente. Além disso, o desinfetante deve ser corretamen-te formulado, e aplicado completamencorretamen-te sobre a pele livre de resíduos orgânicos e de sujeiras. O tempo de contato (30 segundos) deve ser obedecido para que a ação do desinfetante se realize. Em seguida, é necessário remover o desinfetante com papel toalha descartável, para evitar resíduos no leite destinado ao consumo.

O exame dos primeiros jatos de leite antes do início da ordenha é neces-sário para identificar os primeiros sinais de mastite clínica. Dessa forma, pode se assegurar que o leite impróprio não será misturado com o leite apropriado ao consumo. A eliminação dos primeiros jatos serve também para estimular a descida do leite. Esse procedimento também evita que a porção de leite com maior número de bactérias contribua para o aumento da contagem total de bactérias no leite do rebanho. Não existem dados que indiquem a melhor ordem a ser seguida para garantir melhor quali-dade do leite: se a desinfecção dos tetos ou a eliminação dos primeiros jatos. Em termos práticos, quando os tetos estão limpos, pode ser mais aconselhável examinar os primeiros jatos de leite, e depois aplicar o de-sinfetante, para reduzir a possibilidade de recontaminação da pele dos tetos. Em alguns rebanhos é usado o descarte dos primeiros jatos direta-mente no piso da sala de ordenha, mas deve se garantir que a aparência do leite seja visualizada corretamente para identificação de possível caso

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de mastite, e a eliminação do leite contaminado após o procedimento. O uso de luvas é recomendado para reduzir a disseminação potencial de patógenos da mastite por mãos contaminadas.

Mito no 6. Vacas de produção orgânica têm menos mastite

A mastite clínica ocorre em todas as fazendas de produção de leite, não importando o tamanho, a raça dos animais, o grau de especialização ou o padrão de adoção de tecnologias. Entretanto, a percepção ou a capaci-dade de identificar a doença varia enormemente entre os produtores. Em estudos recentes, Pol & Ruegg (2007) e Ruegg (2009a) compararam a ocorrência de mastite clínica em rebanhos convencionais e orgânicos. Es-ses autores verificaram que os produtores orgânicos relataram menor nú-mero de casos clínicos de mastite (21 casos por 100 vacas/ano), do que produtores convencionais, que observaram 41 casos por 100 vacas/ano. Consequentemente, nas propriedades orgânicas houve menor número de tratamentos de casos clínicos do que nas propriedades convencionais. Es-sas diferenças, embora pareçam grandes, ocorreram provavelmente por-que o método de detecção da mastite clínica não é o mesmo entre os dois grupos. Nos dois estudos mencionados, a detecção da mastite clínica e os critérios usados para decidir se uma vaca estava ou não curada após o tratamento foi significativamente associada com o tipo de propriedade. Noventa por cento dos fazendeiros convencionais informaram que a iden-tificação da mastite clínica considerava as alterações do leite, em contras-te com somencontras-te 45% dos fazendeiros orgânicos. Da mesma forma, houve um grande contraste na avaliação da cura após o tratamento: 75% dos fazendeiros convencionais e somente 20% dos fazendeiros orgânicos se basearam na observação do aspecto normal do leite.

Os esquemas de tratamento da mastite clínica variaram enormemen-te entre propriedades convencionais e orgânicas. Todos os fazendeiros convencionais utilizaram antibióticos por via intramamária para tratar a mastite clínica. A maioria dos produtores orgânicos utilizou no trata-mento produtos como soro de leite ultrafiltrado, extratos vegetais, vita-mina C e homeopatia. Embora os tratamentos tenham sido diferentes, a percepção de cura após o tratamento não foi associada com o tipo de produção. Aproximadamente 50% dos fazendeiros convencionais e

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33% dos fazendeiros orgânicos estimaram que menos da metade dos casos tratados de mastite foram curados como resultado do tratamento. Aproximadamente 74% dos fazendeiros orgânicos, e somente 40% dos fazendeiros convencionais se declararam satisfeitos ou muito satisfeitos com os produtos usados. No entanto, nos dois casos, a proporção geral de animais descartados por mastite foi de aproximadamente 9%. De acordo com Ruegg (2009a) os produtores orgânicos europeus tam-bém usam uma grande variedade de terapias convencionais e alternati-vas para tratamento e controle da mastite. Fazendeiros orgânicos nos EUA também usam produtos alternativos para o tratamento à secagem. Entretanto, não existem dados disponíveis que comprovem a eficácia clí-nica de nenhum produto alternativo usado para tratamento e prevenção da mastite. Algumas associações entre o manejo orgânico e a suscepti-bilidade a antimicrobianos de patógenos Gram-positivos têm sido obser-vadas, mas no geral, poucos patógenos, tanto de rebanhos convencio-nais quanto orgânicos, apresentaram resistência in vitro aos antibióticos usados para o controle da mastite.

Mito no 7. A qualidade do leite orgânico é inferior ao do leite convencional (e vice-versa)

Não existem evidências de que isso ocorra. Estudos relatados por Ruegg (2009a) mostraram que enquanto a maioria dos rebanhos de todos os tipos e tamanhos avaliados em uma região dos Estados Unidos produzia leite de alta qualidade, quando examinados em termos de tamanho, os menores rebanhos tanto convencionais quanto orgânicos tendiam a ser classificados nos grupos de rebanhos com maior contagem de células somáticas (CCS). Semelhanças foram também relatadas quando se com-parou a prevalência de patógenos contagiosos da mastite nesses reba-nhos. Como acontece na terapia da mastite clínica, diferentes esquemas de tratamento são adotados em rebanhos orgânicos e convencionais no momento da secagem. No estudo realizado por Pol e Ruegg (2007), an-tibióticos eram usados nos rebanhos convencionais, enquanto tratamen-tos alternativos (óleos vegetais, suplementratamen-tos microbianos, vitaminas, aloe vera, homeopatia, soro de leite ultrafiltrado) eram empregados nos rebanhos orgânicos. Embora não existam dados publicados em revistas

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com corpo editorial independente indicando a eficácia dos tratamentos alternativos, Pol e Ruegg (2007) relataram que 80% dos produtores con-vencionais ou orgânicos se declararam satisfeitos, ou muito satisfeitos, com os resultados do tratamento à secagem.

Mito no 8. O tratamento da mastite subclínica não é recomendado durante a lactação

É possível atingir índices satisfatórios de cura usando antibióticos por via intramamária para o tratamento da mastite subclínica durante a lac-tação, mas a relação benefício/custo dos tratamentos varia, dependendo de fatores específicos da vaca e do rebanho. O tratamento da mastite subclínica durante a lactação não é eficiente em termos de custos em propriedades que têm condições de reduzir efetivamente a transmissão de patógenos contagiosos, a menos que haja uma alternativa para o uso do leite a ser descartado. Se a opção é pelo tratamento, devem ser considerados os fatores de risco específicos das vacas a serem tratadas, de modo a se identificar as que têm melhor probabilidade de responder ao tratamento. Vacas com vários quartos mamários infectados, ou com infecção crônica por Staphylococcus aureus (com alta CCS por vários meses), por exemplo, não são boas candidatas para tratamento durante a lactação. Com exceção das infecções causadas por Streptococcus agalactiae, o tratamento de vacas com mastite subclínica durante a lac-tação é geralmente desencorajado, porque o descarte de leite resulta em perdas financeiras para o produtor. Entretanto quando a ocorrência de mastite subclínica causa grandes prejuízos, pode ser necessário avaliar o impacto do tratamento e os potenciais benefícios. O primeiro passo é iden-tificar o tipo de patógeno mais prevalente na fazenda, por meio de coleta e envio de amostras para identificação microbiológica. Deve se garantir que o foco da intervenção deve ser a redução da transmissão dos patógenos, uma vez que o impacto do tratamento no longo prazo só será positivo se as medidas de prevenção forem efetivas. Finalmente, devem ser conside-radas as características das vacas, dos patógenos e do rebanho.

As dificuldades para se equacionar as alternativas de tratamento ainda persistem, especialmente no caso de infecções causadas por S. aureus. Na grande maioria dos rebanhos, as melhores taxas de cura são obtidas

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com o tratamento à secagem. Dependendo do rebanho, entre 30% e 70% dos quartos mamários podem ser curados durante o período seco (Erskine, 2001).

Mito no 9. Todos os casos clínicos de mastite devem ser tratados imediatamente

Uma das mais conhecidas recomendações dos programas de controle da mastite é a identificação precoce e o tratamento imediato de todos os casos clínicos de mastite. Entretanto, à medida que se ampliou o conhe-cimento das estratégias de manejo da saúde do úbere, da epidemiologia da mastite e das respostas aos tratamentos para os vários tipos de pa-tógenos, tornou-se importante rever essa recomendação. Além disso, preocupações com os resíduos de antibióticos e os custos do tratamen-to indicam a necessidade de revisão desse conceitratamen-to. Idealmente, cada produtor deveria discutir com um veterinário as alternativas de terapia mais indicadas para as vacas em lactação do seu rebanho. A Associação Americana de Veterinários Especialistas em Bovinos (em inglês AABP) publicou um conjunto de recomendações a serem observadas em rela-ção à terapia de vacas em lactarela-ção (citado por Neubauer, 2001). Essas recomendações incluem, entre outros, atenção aos seguintes pontos: (a) definição de meta para retornar à produção, sem resíduos e com custos adequados; (b) foco na prevenção; (c) recomendações do veterinário baseadas na relação veterinário/ cliente/ paciente; (d) recomendação de tratamento somente quando há previsão de sua eficácia; (e) antibióticos intramamários não apresentam benefícios para os casos clinicos dos por bactérias Gram negativas (E. coli, Klebsiella); (f) mastites causa-das por Mycoplasma, Serratia, Pseudomonas, Actinomyces e leveduras não devem ser tratadas com antibióticos; (g) combinações de antibió-ticos não indicados para mastite devem ser evitadas; (h) registros dos casos e dos tratamentos são pré-requisito para um programa de terapia efetivo da mastite clínica e são necessários para documentar os esforços de prevenção de resíduos.

De acordo com Neubauer (2001), os protocolos para tratamento da mastite clínica durante a lactação deveriam incluir, como primeiro passo a identificação da severidade da mastite (branda - alterações visíveis no

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leite; moderada – leite alterado e úbere anormal; e severa – leite e úbere alterados, e alterações sistêmicas). O segundo passo consiste em coleta de amostra de leite, identificação e cultura para identificação do agente. Especialmente nos casos das mastites agudas causadas por coliformes, na maioria das vezes, a resposta inflamatória do animal se encarregou de destruir os microrganismos no momento em que os sintomas são reconhe-cidos. Nesses casos, os sintomas clínicos são causados pela liberação da endotoxina da bactéria e pela resposta inflamatória subsequente.

Concluindo, é importante desenvolver um plano para a seleção dos casos individuais que receberão tratamento antibiótico. Esse plano deveria con-siderar cuidadosamente as características de cada caso, os patógenos envolvidos ou aqueles mais comuns no rebanho, o estágio de lactação, a idade do animal, a duração da infecção e a gravidade da resposta in-flamatória. Finalmente, um sistema de registro de todos os tratamentos deve ser organizado, para monitorar a eficácia e a eficiência do plano de terapia da mastite.

Mito no 10. Vários são os mitos sobre células somáticas; os principais fatos são agrupados a seguir:

Células somáticas são primariamente leucócitos, que incluem macrófagos, linfócitos e neutrófilos. As células epiteliais ou as células que produzem leite são encontradas com menor freqüência nas secreções da glândula mamária, incluindo as secreções do período seco, e variam de 0% a 7% da população de células (revisado por Harmon, 1998). Portanto, o aumento de células somáticas ao final da lactação, não se deve à eliminação de células epiteliais. No processo inflamatório característico da mastite o influxo de neutrófilos pode responder por 90% do total das células encontradas no leite. Elas são atraídas para o úbere para combater infecções.

A principal causa do aumento da CCS é uma infecção da glândula ma-mária. Isso é verdade para os diferentes níveis: do quarto mamário ao leite total do rebanho. Evidências publicadas desde o início da década de 1980 (Eberhart et al. 1982) demonstraram que o aumento da CCS do leite dos rebanhos é relacionado tanto ao aumento da prevalência das infecções do úbere, quanto ao decréscimo na produção de leite.

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Muito tem sido discutido em relação ao que deve ser considerado “nor-mal” em termos de número de células somáticas. Em geral, se considera que para a vaca e para os quartos mamários não infectados, o normal deve ser abaixo de 200.000 células/ml, mas em animais em primeira lactação esse número pode ser de 100.000. No entanto, estudos mos-tram que esse número pode ser de somente 50.000 células (Harmon, 1998). No momento, parece haver um consenso de que um aumento acima de 200.000 células seja considerado “anormal” e uma indicação de inflamação no úbere. Atualmente, se observa que muitos rebanhos bem manejados e de alta produção podem apresentar CCS de 200.000, e alguns abaixo de 100.000.

A magnitude da CCS em resposta aos patógenos da mastite é variável, e varia também entre os animais, de modo que não é possível diferenciar entre os tipos de patógenos considerando-se apenas a CCS. Outro as-pecto a ser considerado é que podem se passar dias, semanas ou meses para a contagem de células diminuir, mesmo depois de os patógenos terem sido eliminados da glândula mamária.

Vários fatores têm sido apontados como responsáveis pelo aumento da CCS. Alguns exemplos:

- A CCS aumenta à medida que as vacas envelhecem e que a lactação avança.

Os dados disponíveis (revisados por Harmon, 1998) indicam que se as vacas forem separadas de acordo com a presença ou não de infecção, ocorre pouca alteração em vacas não infectadas, nos dois casos. Um estudo citado nessa revisão mostrou isso claramente: a CCS média do leite de quartos mamários sem infecção aumentou de 83.000 aos 35 dias de lactação, para 160.000 aos 285 dias. Entretanto, em quartos mamários infectadas com S. aureus a CCS no mesmo período passou de 234.000 para mais de 1.000.000. Em geral, todos os quartos mamários apresentaram aumento da CCS imediatamente após o parto, mas os quartos sem infecção mostraram um rápido declínio passados 35 dias. Parte do aumento da CCS no final da lactação tem sido atribuído a um efeito de diluição causada pela redução da produção de leite. Portanto, a

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principal influência da idade e estágio de lactação no aumento da CCS é relacionada à presença de infecção intramamária.

- O estresse aumenta a CCS

Vários estudos conduzidos na década de 1970, em que foram estimula-das mudanças da CCS em vacas não infectaestimula-das, com injeção de ACTH, corticosteroides ou pela colocação de vacas em ambiente controlado para provocar estresse, resultaram em reduzida influência ou nenhum efeito na CCS. Parte do aumento da CCS em vacas não infectadas, submetidas a diferentes tipos de estresse, foram atribuídos ao efeito de diluição, porque essas vacas tiveram também sua produção diminuida, como efeito do estresse. Foi também demonstado que o cio não exerce efeito sobre a CCS (Harmon, 1998). Um estudo conduzido na França e citado por Harmon (1998) mostrou que vacas submetidas à caminhadas de vários quilômetros antes da ordenha durante 23 dias apresentaram diferentes respostas em termos de CCS. O leite das vacas sem infecção intramamária teve aumento médio de 47.000, quando comparado com a média de CCS do leite de vacas descansadas. Já no leite de vacas com infecção, o aumento médio observado foi de 185.000 células comparado com o de vacas infectadas, mas descansadas. Essas observações suge-rem que estresses de vários tipos podem agravar a inflamação em vacas infectadas, mas resultam em reduzido efeito nas vacas sem infecção.

- A CCS é influenciada pela estação do ano

Nos países de clima temperado, há uma coincidência do aumento da CCS nos meses do verão, em comparação com os meses do inverno. Mas, tem sido demonstrado que a coincidência se deve ao aumento da incidência de casos clínicos no verão. O aumento da temperatura no verão não é a causa do aumento da CCS. O aumento se dá porque há maior exposição dos tetos aos patógenos, resultando em novas infec-ções e maior número de casos clínicos.

- Outros fatores

Existe uma variação normal na CCS durante o dia e mesmo durante as fases da ordenha. Estudos realizados com frações de leite coletadas em vários momentos da ordenha mostraram que a CCS era mais alta

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no final da ordenha e mais baixa imediatamente antes de seu início. As contagens mais altas persistem por até quatro horas após a ordenha e, então, se observa um declínio gradual. As diferenças entre as contagens no final e no início da ordenha podem variar de 4 a 70 vezes, sendo essa a razão para se testar (CCS ou CMT) ou a fração de leite do início da ordenha, ou o leite da ordenha completa, porque existe uma correlação entre os valores encontrados (Harmon, 1998).

Concluindo, há evidências suficientes para afirmar que o principal fator que influencia o aumento da CCS tanto de animais individuais, como do leite total do rebanho, é a presença de infecção ou inflamação intramamária. Essa informação é lógica porque parece improvável que eventos que não afetem a saúde da glândula mamária possam ter um impacto direto sobre o número de células que atuam na defesa desse órgão contra patógenos.

Mito no 11. O insucesso no tratamento da mastite é devido à resistência dos patógenos aos antimicrobianos

Em geral se atribuem falhas no tratamento da mastite à resistência bacte-riana aos antimicrobianos usados. Numerosos estudos demonstram que a seleção dos animais que devem receber tratamento, a raça, a idade e o estágio de lactação, além das características particulares de cada micror-ganismo influem no sucesso do tratamento (ver a revisão de literatura apresentada por Erskine, 2006). Em um relatório do Comitê Científico do National Mastitis Council (NMC), Erskine et al. (2004) concluíram, após revisão dos trabalhos publicados nos 40 anos precedentes, não haver evidências científicas que comprovassem uma disseminação de resistên-cia aos antimicrobianos entre os patógenos da mastite. Eles chamaram a atenção para as dificuldades de comparar resultados obtidos por dife-rentes autores, porque os limites para determinar a susceptibilidade ou resistência dos patógenos não são idênticos em todos os estudos. Além disso, muitas vezes não são fornecidos dados sobre as condições dos rebanhos, números de amostras testadas por propriedade, e até mesmo o histórico do animal com relação ao uso prévio de antimicrobianos. Outras evidências como as apresentadas por Roesch et al. (2006) su-gerem a possibilidade de existirem outros fatores associados à

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dissemi-nação de microrganismos resistentes. Esses autores relataram que ao contrário do esperado, a frequência de resistência aos antimicrobianos em fazendas orgânicas, em que o uso de antibióticos deve ser muito restrito, não foi diferente de fazendas convencionais. Além disso, hou-ve semelhanças nos padrões de resistência quando se compararam as diferentes espécies de microrganismos, como era esperado, nos dois grupos de rebanhos. Entretanto, houve uma exceção. Bactérias da es-pécie Streptococcus uberis de fazendas orgânicas exibiram padrões de resistências únicas (6/10) quando comparadas com nenhuma resistência (0/5) de rebanhos convencionais. Walther e Perreten (2007) relataram que uma vaca leiteira de uma fazenda orgânica foi diagnosticada duas vezes, em um período de dois meses, com mastite subclínica causada por uma amostra de Staphylococcus epidermidis multirresistente. Os isolados exibiram resistência a meticilina e cloranfenicol (antibiótico não-permitido em animais de produção) e carreavam genes de resistência a estreptomicina e trimethoprim. O segundo isolado continha um gene de resistência adicional aos aminoglicosídeos, indicando a aquisição poten-cial de resistência, por transferência genética horizontal.

Conclusão

A mastite continua a ser um dos maiores entraves para a melhoria da qualidade do leite no Brasil. Aproximadamente 50% das amostras de leite de rebanhos da Região Sudeste apresentam contagens de mais de 400.000 células/ml (Souza et al. 2008). O mais grave é que esses dados não sofreram modificações com o passar dos anos, indicando a inexistência de um programa efetivo de controle da mastite. O reconhe-cimento desse problema deveria ser o primeiro passo para se buscar uma solução. Justificativas para um esforço dessa natureza são inúmeras. É reconhecido, por exemplo, o papel da mastite como causa de prejuízos para o produtor, pela redução da produção de leite, e para a indústria, pela redução do rendimento dos derivados e por um grande número de interferências na qualidade e vida de prateleira desses derivados. Além disso, a mastite é muito provavelmente a principal causa do baixo teor de lactose observado nos rebanhos brasileiros, contribuindo igualmente para o baixo teor de sólidos no leite (Souza et al. 2009).

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É bem conhecido, também, o papel deletério da mastite sobre as case-ínas, o que explica a queda do rendimento de queijos, por exemplo. As caseínas são facilmente desdobradas no intestino e são uma fonte de aminoácidos de alta qualidade, que são importantes para o crescimento e desenvolvimento das crianças jovens. Essas proteínas de alta qualida-de são uma das razões para explicar a importância do leite na alimen-tação humana. Quando o animal tem mastite há redução da caseína e aumento das proteínas do soro. A maior parte das proteínas do soro é relativamente menos digerível no intestino, embora todas sejam digeri-das em algum grau. Quando as proteínas do soro deixam de ser digeridigeri-das totalmente no intestino, uma parte da proteína intacta pode estimular uma resposta imune intestinal local ou uma resposta imune sistêmica. Essa resposta é reconhecida como uma alergia à proteína do leite e se acredita que seja mais frequentemente associada com a ß-lactoglobulina (Milk, 2009). Esses fatos são alguns dos inúmeros que podem ser cita-dos para justificar a necessidade urgente de um programa nacional para controlar a mastite nos nossos rebanhos.

Referências

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Referências

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