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Alienação e identidade de classe dos trabalhadores docentes

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Academic year: 2021

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liEnaçãoEidEntidadEdE ClassEdos

trabalhadorEsdoCEntEs

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KaMylla Pereira borGes, da Universidade Federal de Goiás.

Resumo: O presente artigo busca discutir a questão da identidade de classe dos professores no atual contexto da profissionalização do ensino, a partir dos conceitos alienação do trabalho e classes sociais da teoria marxiana. Para tanto, partimos da realidade vivida e pen-sada por esses professores aferida em uma coleta de dados empíri-cos por meio de um questionário proposto aos docentes do ensino básico na cidade Jaraguá-GO. A partir daí, buscamos apreender sua identidade de classe e compreender suas concepções acerca dos conceitos de profissional e trabalhador. Podemos inferir que os educadores não querem fazer parte da classe trabalhadora, pois se consideram profissionais. Ao negar sua identidade de trabalhador, o docente, perde seu potencial de contraposição ao capitalismo e torna-se apenas um perpetuador da ideologia dominante. PalavRas chave: Trabalho docente. Alienação. Classe social. Pro fis sionalização.

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ntrodução

Em meio às profundas crises e reestruturações do modo de produção capitalista, fica difícil questionar a consciência de classe dos trabalhadores, cada vez mais diversificados e fragmentados. Essa fragmentação e diver-sificação, resultante da inserção de novos modelos produtivos no sistema capitalista, visando à maior produtividade e lucratividade, culminou na desestabilização, quase que por completo, da classe trabalhadora. Os traba-lhadores, cada vez mais explorados e desumanizados, encontram-se perdidos em meio à ideologia da sociedade capitalista, sem compreender nem mesmo reconhecer sua própria condição de classe.

* Artigo recebido em 30/11/2009 e aprovado em 06/01/2010.

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Nesse contexto, pensar a consciência de classe dos trabalhadores do-centes torna-se ainda mais complicado devido ao impasse em torno da questão de “ser profissional” ou “ser trabalhador”. Os professores estão cada vez mais perdidos diante dos discursos ideológicos da profissionalização, perdendo ou abandonando sua identidade de trabalhador, que poderia contribuir de forma contundente para ganhos e melhorias em suas condições de trabalho.

Dessa forma, o presente artigo busca discutir a questão da iden-tidade de classe dos professores da educação básica no atual contexto da profissionalização do ensino, a partir dos conceitos alienação do trabalho e

classes sociais da teoria marxiana. Para tanto, partimos da aproximação da

realidade vivida e pensada por esses professores por meio de coleta de dados empíricos colhidos com a ajuda de um questionário proposto aos docentes do ensino básico na cidade Jaraguá/GO. A partir daí, buscamos apreender sua identidade de classe e compreender suas concepções acerca dos conceitos

profissional e trabalhador.

Selecionamos como sujeitos da pesquisa um grupo de docentes matriculados em um curso de complementação pedagógica da Universi-dade Estadual de Goiás/UniUniversi-dade Universitária de Jaraguá. A opção por esse grupo se deu em virtude de sua grande variedade e complexidade, já que era composto por diferentes tipos de educadores que trabalham em diversas instituições, não só de Jaraguá mas também de outras cidades, com tempo de trabalho na docência variando de três a vinte anos. Acreditamos que essa diversidade conferiu maior riqueza aos dados empíricos coletados, pois as respostas não estariam sob a influência de uma única visão de mundo, mas variando de acordo com os diversos contextos das condições sociais e de trabalho vivenciadas por esses indivíduos.

Foram propostos quarenta questionários, dos quais apenas vinte foram devolvidos respondidos. Para apreender os nexos constitutivos que envolvem a questão da identidade de classe dos trabalhadores docentes, após a analise dos dados levantados estabelecemos um diálogo com a teoria, procurando compreender e expor o trabalho como categoria ontológica do ser humano, trabalho que, na sua forma alienada, desumaniza e empobrece as relações sociais, impedindo o homem de entender e pensar sua própria realidade, permitindo a dominação e a exploração de uma classe social pela outra.

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Diferente da concepção da sociedade capitalista em que o trabalho, na maioria das vezes, é visto como sinônimo de dor, sofrimento, desgaste

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físico e mental, trabalho, na perspectiva marxiana é humanização, é criação, recriação; é transformação dos elementos da natureza ao redor. Para Marx, o que distingue o ser humano dos outros seres é sua capacidade de ação trans-formadora consciente – a práxis. E o trabalho é, justamente, a manifestação da práxis. Ao trabalhar, o homem não apenas se reproduz intelectualmente, mas ativamente e em sentido real, pois ele vê a si mesmo no que foi produzido por suas próprias mãos. Assim, o trabalho é categoria fundante da humanização, é ontológico do ser humano; é através dele que a humanidade transforma sua própria realidade e forja suas condições materiais de existência (marx, 2001).

O trabalho é um processo que permeia todo o ser humano e cons-titui sua especificidade, à medida que, pelo trabalho, o homem se produz e se reproduz. Ele é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza; um processo em que o homem, por sua ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza ao redor para satisfazer suas necessidades vitais básicas (marx, 1988).

Não há trabalho humano sem consciência e finalidade, na medida em que todo trabalho busca a satisfação de uma necessidade. Nesse sentido, Marx (1988) afirma que mais que o corpo físico preparado para trabalho, é necessária uma finalidade, uma consciência, um desejo pois o processo de trabalho busca satisfazer as necessidades humanas, isto é, o trabalhador produz algo útil para prover sua própria existência.

Costa (1995), ao analisar o caráter teleológico do trabalho, afirma que este não pode existir sem uma finalidade especifica, pois em certo momento o processo de “hominização e humanização” não se concretizaria.

Além disso, o trabalho é o que realiza a mediação entre o ser indivi-dual e o ser social (masCarEnhas, 2002). Pois, mais que relacionar-se consigo

próprio e com a natureza, ao trabalhar, o homem relaciona-se com outros homens; assim, o trabalho é o elemento primordial na constituição de uma sociedade, já que propicia a própria sociabilidade humana.

Diante do exposto, podemos concluir que, segundo a teoria mar-xiana, o trabalho constitui a própria essência do homem, pois trabalhar é específico do ser humano, é o que diferencia o homem dos outros seres vivos. Todas as evoluções constatadas através dos séculos envolviam, de uma forma ou outra, o trabalho ou o trabalhador. Sua centralidade na vida humana é inegável. O trabalho é expressão e modelo de toda práxis humana – atividade transformadora consciente, criador e recriador da natureza, no qual estão fundadas a consciência, a linguagem e todas as relações sociais.

Mas, infelizmente, no contexto da sociedade capitalista, não encon-tramos essa realização do trabalho e sim um trabalho que gera sofrimento

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físico e mental, sinônimo de emprego, totalmente subjugado ao capital, uma mercadoria como outra qualquer, um trabalho alienado. E como se dá essa transformação? O que acontece no sistema societal do capital que desenca-deia o processo de alienação do trabalho? Marx, ao analisar a estrutura do modo de produção capitalista, desvendou esse “mistério”, permitindo-nos compreender como o trabalho transforma-se em mercadoria e propicia a exploração do trabalhador.

Assim, dois conceitos da teoria marxiana contribuem para a explica-ção desse processo: os conceitos trabalho abstrato e trabalho concreto. Este último é o trabalho especificado e qualificado com propriedades determi-nadas e características específicas; podemos citar, como exemplo, o trabalho do marceneiro, do professor etc. Trabalho abstrato é o trabalho abstraído de sua especificidade, de suas propriedades particulares; não estamos mais falando do trabalho do marceneiro, mas da força de trabalho de um modo geral (MARX, 1988). Todo e qualquer trabalho humano, por mais especifico que seja, é convertido em força de trabalho generalizada. Nesse processo, o homem torna-se livre para vender sua força de trabalho no mercado, pois agora a força de trabalho tornou-se uma mercadoria qualquer.

Essa abstração torna-se real através da quantificação do gasto de tempo utilizado para se realizar o processo de trabalho, que passa, então, a ser medido, quantificado e consequentemente valorado. O valor da força de trabalho passa a ser manifesto através da quantificação do tempo necessário para produção de outras mercadorias que vão garantir a reprodução dessa mesma força de trabalho, isto é, o mínimo de condições necessárias para que o trabalhador possa sobreviver e assim continuar produzindo no modo de produção capitalista. Isso nos explica o porquê da expressão Salário Mínimo (marx, 1988).

É nesse momento, quando o trabalho deixa de ser concreto para se tornar abstrato e quantificado cronologicamente, que o trabalhador decai à condição de mercadoria e se transforma de ser autônomo e consciente em trabalhador alienado; seu trabalho não é mais regulado por ele mesmo, deixando de ser autorrealização, humanização, prazer e tornando-se morti-ficação e sofrimento.

Trabalho alienado em Marx pode ser definido como o estranhamento do trabalhador em relação ao trabalho realizado, ao produto do trabalho e a ele mesmo. Entendemos que o estranhamento é o afastamento do homem de sua essência humana, é a sua conversão em coisa, sua reificação. O tra-balho não é mais a manifestação da vontade intrínseca do individuo, mas se torna externo, não faz parte da natureza do trabalhador. Traz um sentimento

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de sofrimento ao invés de bem estar, o trabalhador não está mais livre para manifestar seus desejos e satisfazer suas necessidades através de sua própria produção, mas aprisionado, contrafeito, física e emocionalmente deprimido. (marx, 2001).

O processo de alienação do trabalho tem quatro aspectos principais (marx, 2001):

1º - aliena a natureza humana, pois o trabalhador é degradado ma-terial e espiritualmente já que, ao vender sua força de trabalho, realiza um trabalho que não faz parte de sua essência; ele já não trabalha para si mas para outra pessoa. Não há espontaneidade, não há criação; o que existe é um trabalho forçado, controlado e engessado, que não o realiza, mas o torna insatisfeito e infeliz.

2º - o trabalho torna-se alheio e hostil ao trabalhador – este produz algo que não lhe pertence, que não satisfaz suas necessidades, de cujo pro-duto não é dono, mas produz para outros.

3º - converte a vida genérica humana em uma forma estranha, em apenas um meio para a existência individual. O individuo em toda a teoria marxiana é compreendido, antes de tudo, como ser social, sendo somente através da sua sociabilidade que ele se realiza. Vida individual e vida genérica entrelaçam-se uma influenciando a outra e, por ela sendo influenciada.

a individualidade humana constitui-se no âmbito de uma totalidade, a realização do ser genérico e essa realização passa amplamente pela capa-cidade de realização de trabalho do ser individual/social. Mas por ser social o individuo para desenvolver seu potencial de humanidade precisa de determinadas condições sociais e é aqui que nos deparamos muitas vezes com sérios entraves à constituição desse ser humanizado. (masCarEnhas, 2002, p. 55)

Assim sendo, o homem, por não ter condições sociais adequadas para sua sobrevivência, submete-se à exploração capitalista e o trabalho, que antes era a manifestação e reprodução da vida da espécie humana, uma atividade vital consciente, torna-se alienado e deixa de ser uma atividade de vida passando a ser apenas meio de vida, apenas um meio de manter sua existência individual, fazendo com que o homem perca o vinculo com a natureza e com a sua essência humana genérica. A vida individual torna-se mais importante que a vida da espécie humana.

O individualismo, bastante pregado e difundido pela ideologia neo-liberal atual, permite-nos compreender claramente este terceiro aspecto do trabalho alienado. O ser humano passa a orientar-se no sentido de satisfazer necessidades cada vez mais individuais e particulares em detrimento da

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co-letividade. Ele torna-se isolado de seu grupo e de outros indivíduos na luta pela sobrevivência em uma sociedade pautada por profundas desigualdades.

Esse terceiro aspecto propicia o desenvolvimento do quarto aspecto da alienação do trabalho, que diz respeito ao estranhamento do homem frente aos outros homens: cada homem vai encarar os demais de acordo com os padrões e relações nos quais ele se encontra como trabalhador. Surge uma nova forma de relação humana, pautada na competição exacerbada. Os indivíduos passam a concorrer uns com outros, de maneira cada vez mais acirrada, na expectativa de alcançar um posto de destaque no mundo do trabalho e na vida em geral.

Todo esse processo ocorre sob a égide do principio da liberdade burguesa; na ótica do capitalismo, ser livre é ser proprietário, de modo que o trabalhador precisa ser livre para vender sua força de trabalho no mercado, isto é, ele é proprietário da sua força de trabalho e, portanto, pode vendê-la a quem lhe aprouver. Para Marx, essa liberdade é uma nova forma de escravidão, pois o trabalho, que antes era livre e comandado pelo próprio individuo, agora é apenas um meio de existência física, no qual o trabalhador não escolhe que trabalho executar, mas recebe um objeto de trabalho previamente definido. Ao receber esse trabalho, ele garante seus meios de subsistência através de seu salário. “O objeto o habilita a existir, primeiro como trabalhador e depois como sujeito físico.” (marx, 2001, p. 113)

Portanto, percebemos que o trabalho alienado escraviza o homem, deteriora sua identidade como sujeito de uma coletividade, atomiza as rela-ções humanas, propiciando a exacerbação da concorrência e da competição; nega ao trabalhador a capacidade de reger seu próprio processo de produção e o expropria do que ele próprio produziu. Transforma o trabalho, fonte de riqueza e humanização, em sinônimo de dor, sofrimento, tortura, pobreza e desumanização, tornando os homens semelhantes aos animais e cada vez mais explorados uns pelos outros. Nas palavras de Marx (2001, p. 113),

quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir; quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna; quanto mais aperfeiçoado o seu produto, tanto mais grosseiro e informe o trabalhador; quanto mais civilizado o produto, tão mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais inteligência revela o trabalho, tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se torna um escravo da natureza.

Nessa perspectiva, todos os trabalhos realizados no atual modo de produção são alienados, pois todos estão sob a lógica do capital, lógica essa marcada principalmente pela transformação do trabalhador em uma

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mercadoria como outra qualquer e pelo trabalho assalariado. É claro que uns em maior, outros em menor grau, mas todos estão sob a influência da lógica organizacional capitalista e realizam um trabalho que é alienado de alguma forma.

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O trabalho só se materializa para a satisfação de determinada neces-sidade humana, sendo que antes de se realizar materialmente, ele se realiza mentalmente, através da antecipação das idéias e dos reais objetivos que se pretende alcançar. A consciência é formada a partir das transformações das condições materiais de existência. Dessa forma, o trabalho torna-se fundante da própria consciência humana.

De acordo com Saviani (2000), o processo de produção humana está composto pelo trabalho material e pelo trabalho material. Trabalho não-material pode ser definido como a “produção de idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes e habilidades, numa palavra, trata-se da produção do saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana” (saviani, 2000, p. 20).

Desse modo, a educação advém do trabalho não material e é consu-mida e produzida ao mesmo tempo, o ato de produção e o ato de consumo tornando-se um só. A partir da perspectiva de Saviani (2000), segundo a qual a educação é um processo do e para o trabalho, que tem como obje-tivo tornar os indivíduos humanos, tomamos como conceito de trabalho docente a ação voltada para produzir e disponibilizar intencionalmente os conhecimentos produzidos histórica e socialmente, visando à humanização do individuo singular.

O trabalho docente possui múltiplas determinações históricas, sociais e políticas e não pode ser compreendido de forma isolada, mas dentro do contexto da sociedade em que está inserido. Assim sendo, o entendimento do movimento dialético da constituição e desenvolvimento do trabalho docente, suas contradições e tensões desenvolvidas ao longo de sua história no sistema societal do capital, revela-nos uma série de questões sociais, cul-turais, econômicas, políticas e ideológicas que determinam as atuais práticas pedagógicas desenvolvidas no interior das escolas.

Historicamente, antes de sua estatização, o controle da atuação do professor passou pelas “mãos” da igreja. Até meados do século XVIII, as insti-tuições escolares funcionavam em catedrais e conventos, cujos professores eram em sua maioria do sexo masculino e membros do clero. A crença no conceito de vocação, inata ou revelada, como elemento constitutivo do

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tra-balho docente, advém desse período. A partir do final do século XVIII, com o desenvolvimento do modo de produção e da sociedade capitalistas, o Estado passa a encarregar-se da função social de educar com o objetivo de formar uma nova força de trabalho, com um mínimo de instrução para manusear e controlar as máquinas do novo processo produtivo, emergente da Revolução Industrial (silva, 2006).

O controle efetivo do sistema educacional pelo Estado levou à ade-quação do magistério de acordo com suas normatizações burocráticas. Ele entraria em ação para regular, organizar e determinar os novos professores que iriam atuar nas instituições educacionais. A estatização da educação favoreceu a massificação dos sistemas educacionais, que, no século XIX, ocor-reram paralelamente ao processo de feminização do trabalho docente. No século XX, vemos a tentativa do Estado de organizar o trabalho pedagógico de acordo com os moldes produtivos do taylorismo/fordismo, favorecendo o movimento do tecnicismo pedagógico (silva, 2006).

Apesar de a regulação do trabalho docente ter sido assumida pelo Estado, a vocação e o sacerdócio continuaram sendo constitutivos da identi-dade do professor. Esse discurso, apesar de receber nova roupagem, continua aparecendo nas falas do Estado, ao afirmar o magistério como profissão femi-nina ou atividade voltada para as habilidades femifemi-ninas; outras vezes, como a idéia da docência como atividade dedicada ao atendimento de grupos desfavorecidos socioeconomicamente (hypolito, 1999).

Esses condicionantes sócio-históricos levam-nos à compreensão do atual contexto do trabalho docente, que apesar de ter algumas características modificadas ao longo do tempo, continua marcado pela feminização e voca-ção como elementos constitutivos de sua identidade, sendo que o processo de feminização do ensino está fortemente entrelaçado com um processo no qual o trabalho docente torna-se cada vez mais precário.

No período em que a função docente era desempenhada pelas ordens religiosas, era a igreja que realizava a definição do corpo de saberes e conjunto de normas e valores inerentes à atividade docente da época. Mesmo então, já existia uma divisão técnica do trabalho (concepção x exe-cução). Essa divisão exacerbou-se com a estatização do trabalho docente, principalmente através da inserção dos princípios da administração científica e de divisão do trabalho do fordismo/taylorismo na organização do trabalho escolar (silva, 2006).

Assim sendo, a forma como a atuação do professor foi conduzida no Brasil, mostra que, desde a sua gênese, o trabalho docente já foi concebido

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como trabalho alienado, pois sempre o professor esteve a cargo de planeja-mentos, estratégias e ações educativas não criadas por ele.

Para Marx (2001) a dissociação entre elaboração e execução do traba-lho é um dos importantes aspectos que ocasionam a alienação do trabatraba-lho, pois o trabalhador já não controla seu próprio processo de trabalho, não trabalha para prover seus próprios interesses, mas os interesses de outros.

Nos últimos anos, devido às novas exigências e interesses do merca-do, o sistema educacional passou por profundas transformações e reformas, no interior das quais o modelo gerencial, que estabelece um padrão orientado para o mercado capitalista, foi tomado como modelo de gestão educacional. Nesse contexto, no qual as políticas educacionais estão submetidas aos princí-pios do processo de reestruturação produtiva sob a tutela do neoliberalismo, a alienação do trabalho docente encontra-se ainda mais exacerbada.

A década de 1990 foi marcada pela consolidação da reestruturação produtiva no Brasil, período que se evidenciou pela chamada revolução tec-nológica ou informacional. Com o intuito de melhorar a alocação dos recursos estatais, tornando o Estado mais eficiente e menos burocrático, foi realizada pelo Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso a Reforma do Es-tado (pErEira, 1997). Essa Reforma veio para adequar a administração pública

brasileira a novas exigências da economia globalizada, regida pelos princípios do neoliberalismo, segundo os quais a implantação da lógica do mercado estende-se a todas as instituições, sejam elas sociais, culturais ou políticas.

As mudanças educacionais realizadas no país seguiram as orienta-ções da Reforma do Estado. A qualidade da educação escolar resultaria de uma revisão curricular, da eficiência da gestão institucional e da competiti-vidade deflagrada por um processo de avaliação externa. Ambas as reformas – educacional e do Estado – são expressões da lógica excludente do atual padrão de acumulação capitalista.

Segundo Lima (2008, p. 147) “a escola é um aparelho do Estado, que, para os neoliberais deve ser controlado pelo mercado”. Nesse sentido, Hypólito (1999) afirma que, ao se transferir o controle público da educação e da escola da sociedade para o mercado, ocorre uma redução da autonomia da educação em relação a economia. Dessa forma, a escola passa a ser cada vez mais gerida, regulada e avaliada pelos critérios técnicos da eficiência e da produtividade, já que o comando do pensamento educacional passa a ser regido pela lógica econômica.

Nessa concepção, no processo de formação dos professores, os saberes docentes são substituídos pelas “competências”, com o objetivo de proporem modelos de formação que levem o professor a adequar-se aos

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novos modelos da acumulação flexível capitalista. De acordo com Noronha (2008, p. 36),

o modelo das competências passa a valorizar os componentes subjetivos e intersubjetivos, uma vez que os novos paradigmas de produção remetem a exigências do tipo: participação na gestão da produção, trabalho em equipe, envolvimento maior nas estratégias de competitividade da empresa, tudo isso sem ter necessariamente uma compensação em termos salariais. Essa autora ainda afirma que a competência pode ser entendida como a capacidade do professor de transformar seus conhecimentos em ação, ou seja, não há reflexão, mas apenas a “substituição dos conteúdos do conhecimento pelo saber-fazer e pelo saber-agir, transformando a relação pedagógica em um ato puramente operacional” (noronha, 2008 p. 37).

Todas essas reformas educacionais trouxeram novas exigências para o professor, resultando em uma intensificação real de seu trabalho. O docente passa a ter que dedicar mais tempo à escola; dentro e fora da sala de aula, surgem novas demandas na gestão escolar, devidas aos padrões de eficiên-cia e excelêneficiên-cia preconizados pelo Estado. Além disso, ainda existe a faláeficiên-cia da necessidade de qualificação ou requalificação, que os docentes têm que buscar por conta própria para melhorar os padrões de ensino e da escola. Somam-se a isso as péssimas condições de trabalho devidas, entre outras coisas, ao excesso de alunos por turma, falta de infraestrutura adequada, falta de equipamentos, livros etc (olivEira, 2002).

O trabalhador docente é sobrecarregado com diversas atividades burocráticas e administrativas, além das prescritas para sua função e seu trabalho docente passa a ser apenas a execução de determinadas atividades, sem reflexão. Assim, ao ter seu trabalho regido pelo mercado, de acordo com os padrões de eficiência e produtividade do neoliberalismo, o docente perde ainda mais sua autonomia, sua liberdade, sua consciência e se torna cada vez mais alienado, pois não há tempo para refletir, planejar, analisar sua própria prática. Enfim, o trabalho do professor passa a ser pensado e planejado pelo Estado de acordo com os interesses ideológicos dominantes, cabendo ao docente apenas executá-lo.

Essa divisão entre a elaboração e execução do trabalho docente manifesta-se atualmente principalmente através da tentativa de definição do conteúdo do oficio do professor mediante a inserção de “novos progra-mas” curriculares que chegam à escola através dos manuais escolares, que se transformam de meros auxiliares em guias de ensino. (CorrEia; matos, 1999).

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da definição do currículo nacional de acordo com parâmetros ou referenciais pré-definidos, pacotes pedagógicos para “qualificação” dos professores, con-trole do livro didático e etc, são também utilizados como forma de o Estado controlar com mão firme o cotidiano escolar ( hypolito, 1999).

A divisão do trabalho se constituiu como componente histórico-social indispensável à consolidação do seu controle. O trabalho dividido é facilmente controlado, coordenado e mais produtivo e, consequentemente, mais alienado, pois não permite o desenvolvimento integral do trabalhador nem do trabalho. O esfacelamento do trabalho docente em múltiplas fun-ções dentro e fora da sala de aula, faz com que o processo de tomada de consciência do trabalho como um todo não aconteça. E, assim, o professor fica alienado da compreensão do papel do seu trabalho na sociedade em que está inserido e na formação de seu aluno.

Marx (1985) afirma que a divisão do trabalho faz com que este perca seu caráter especial e integral. O trabalho torna-se atividade desprovida de sentido, na medida em que seu processo é esfacelado e distribuído aleato-riamente entre diversos trabalhadores, que perdem a compreensão sobre o quê estão fazendo e o porquê.

Nesse contexto, Freitas (1995), ao analisar o trabalho docente, apre-senta dois importantes aspectos de contradição no interior da escola que evidenciam a alienação do trabalho desenvolvido pelo professor: a dissocia-ção entre teoria e prática e a tensão entre a gestão autoritária da escola e a participação do coletivo escolar.

Como já foi dito anteriormente, o trabalho para a teoria marxiana é práxis, ação transformadora consciente, o que pressupõe a unidade entre teoria e prática. Teoria é a reflexão sobre a realidade e prática, a ação refletida pensada; uma não deve existir sem a outra. Não basta teorizar o mundo; é necessário atuar sobre ele e transformá-lo. Em Marx, teoria e prática são indis-sociáveis. E a escola deve extinguir esse tipo de dicotomia se quiser avançar no processo de socialização do conhecimento.

De acordo com Freitas (1995), o trabalho docente é realizado dentro da sala de aula e como parte da organização global do trabalho da escola. Assim, o docente tem que participar de forma crítica e consciente da formula-ção de todos os projetos da escola. A falta dessa apropriaformula-ção critica da escola por parte do professor implica um processo de sua alienação dos processos mais gerais da escola como um todo, pois ele não participa das decisões importantes em relação aos objetivos, ao conteúdo e à avaliação do ensino por ele próprio ministrado.

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A partir dos elementos discutidos anteriormente, identificamos que a maior parte dos sujeitos pesquisados demonstraram aceitação passiva dos aspectos trazidos pelas reformas educacionais. Ao realizarmos a análise de conteúdo das respostas dos questionários devolvidos, podemos dizer, de forma sintética, que as novas exigências e as novas formas de organização do trabalho docente preconizadas por estas reformas contribuem, de acordo com os participantes da pesquisa, para a melhora da qualidade da educação frente à exigência de uma nova clientela, sendo necessária para melhor atua-ção do docente no mundo globalizado, enriquecendo a atuaatua-ção do professor na formação de alunos críticos e bons cidadãos.

Termos como clientela e expressões como adequação à globalização ilustram a cooptação do dia-a-dia do professor às idéias neoliberais. Nota-se a menção, em grande parte das respostas apresentadas, de educação para

formar alunos críticos; apesar do reconhecimento da necessidade de

desen-volver essa criticidade nos discentes, porém, esses professores, ao mencionar esse aspecto, demonstram confusão, já que a grande maioria aceita de bom grado como necessárias e eficazes as reformas ocorridas no interior da escola, sem criticá-las ou questioná-las. Como pode um professor sem criticidade ou reflexão sobre a sua realidade, formar alunos ou cidadão críticos?

A questão da intensificação do trabalho docente não foi apontada por qualquer dos participantes. Isso evidencia a dificuldade, por parte dos sujeitos pesquisados, de identificar a precarização de seu próprio trabalho. Essa dificuldade é também um dos aspectos que demonstram o caráter alie-nado do trabalho docente, já que os trabalhadores não conseguem perceber e compreender as condições de exploração a que são submetidos no cotidiano das escolas. Essa falta de percepção favorece a passividade e aceitação frente às imposições do Estado, de modo a tornar as discussões e os debates sobre as políticas voltadas para a educação cada vez mais escassas.

Apenas um dos sujeitos participantes da pesquisa referiu-se a essas reformas como ineficazes para a melhoria da qualidade da educação; isso mostra que, apesar de aceitar estas transformações no caráter de seu trabalho, alguns professores percebem sua.

Discutir a alienação do trabalho docente não é uma tarefa fácil, pois apesar do acirrado processo de precarização e ausência de autonomia, quando comparado com outras funções desenvolvidas no modo de produ-ção capitalista, o professor ainda apresenta certo controle sobre a execuprodu-ção de seu processo de trabalho. No entanto, este não foge a lógica do capital, podendo, inclusive, ser duplamente alienado, já que aliena o trabalhador em si e este, na reprodução do sistema, aliena seus próprios alunos.

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O trabalho docente, apesar de suas particularidades, foi historica-mente construído dentro do modo de produção capitalista como um trabalho alienado. Isso pode ser demonstrado pelo controle parcial do seu processo de trabalho, pela dicotomia entre o processo de elaboração e execução e entre a teoria e prática, pelo processo de assalariamento, pelo controle rigoroso do Estado sobre a atuação do educador dentro e fora da sala de aula e também pela falta de reflexão e criticidade frente às novas exigências que vem sendo impostas à escola e ao próprio professor.

Um dos caminhos para a fuga dessa lógica de alienação e exploração é a organização dos trabalhadores em prol de melhores condições de trabalho. Mas, para isso, é necessária sua conscientização em relação a seu real poder e importância na produção e reprodução do sistema capitalista.

Apesar de a força de trabalho ser tratada pelo sistema societal do capital como uma mercadoria como outra qualquer, ela não se comporta da mesma forma no momento de sua compra e venda. O comprador da merca-doria força de trabalho só poderá contar com todas as suas potencialidades se seu proprietário o consentir. Isto é, o trabalhador tem que querer trabalhar. Assim, a realização do trabalho pode tornar-se real ou não. É justamente através desse poder de decisão em acatar ou não as condições de trabalho como lhe são postas, que o trabalhador pode conquistar melhores condições de trabalho. Para isso, porém, são fundamentais a união e a organização dos trabalhadores na busca de seus direitos e interesses (masCarEnhas, 2002).

Essa organização dos trabalhadores só pode concretizar-se mediante sua consciência de classe, sua total identificação com a classe trabalhadora. A identidade é um modo especifico de articulação do grupo. A identidade de uma pessoa ou grupo é relativa à identidade de outras pessoas e grupos. Em cada identidade reside a relação “com”, portanto, uma mediação, consigo mesmo tendo o outro como parâmetro.” (masCarEnhas, 2002, p. 15)

De acordo com a teoria marxiana, no sistema capitalista as classes sociais são definidas por meio de sua inserção no processo produtivo e através da forma de apropriação da riqueza social. A partir daí ocorre a produção das condições materiais de existência que dão base para sustentação da posição social e as reais concepções de vida e mundo do indivíduo. Dessa forma a clas-se social do indivíduo condiciona clas-seus reais interesclas-ses e é o ponto de partida de sua conduta, pois a inserção no processo de produção traz elementos para organização de todas as esferas da vida. Assim quando o trabalho se torna alienado a própria vida se torna alienada (marx, 1997, 1988).

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A caracterização de uma classe social não é algo simples, pois, mais que identificação das pessoas umas com as outras formando um grupo, é necessário um posicionamento político por parte desse grupo. Pois, à medida que, existe apenas uma ligação local através de condições econômicas, modo de vida ou cultura sem uma organização política não há efetivação da classe social (marx, 1997).

Marx (1985) assinala que a dominação do capital une a grande massa de trabalhadores através de situações e interesses comuns. Dessa forma, essa massa já é, diante do capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na medida em que vão ocorrendo reuniões e organizações onde os interesses defendidos se tornam os interesses de toda classe para si, a consciência de classe torna-se real. Isso pressupõe a compreensão de que não existe um movimento social de classe que não seja ao mesmo tempo um movimento político, pois a luta entre classes é uma luta política.

Um dos grandes entraves para o desenvolvimento dessa consciência pelos educadores é a concepção de trabalhador como alguém desqualificado, desprestigiado e descompromissado com o ensino, o que fica claro nas res-postas dadas pelos sujeitos da pesquisa. A maioria não se considera trabalhador da educação, pois o trabalhador é alguém que: “não tem tanto compromisso com a aprendizagem”; “cumpre seu horário e, saindo dali (da escola), ele perde todo vinculo com a profissão” (no caso a de professor); “trabalha insatisfeito, apenas o salário que lhe importa”; “não se preocupa com as necessidades da educação”; “não tem aperfeiçoamento do trabalho”; “apenas cumpre sua carga horária”; “não se atualiza, não estuda, faz tudo mecanicamente, não analisa sua prática e principalmente se fecha às mudanças e inovações”.

Assim, por acreditar que o trabalhador é alguém despreparado intelectualmente para o trabalho a ser executado, sem compromisso com o processo de ensino e aprendizagem, apenas interessado na remuneração a ser recebida e não na qualidade de seu trabalho, praticamente todos os professores participantes da pesquisa se consideraram profissionais da

edu-cação. Ser trabalhador, nessa perspectiva, é estar aquém de suas capacidades

mentais, é ser inferior socialmente e desprovido de competências técnicas e intelectuais para a execução de sua função.

Dessa forma, o que constatamos é uma resistência por parte dos professores em se identificar como trabalhadores, tomando esta identificação como algo negativo e indesejável. Contreras (2002) salienta que a necessidade dos professores de serem enquadrados como profissionais não demonstra mais que um desejo de fugir de sua assimilação à classe trabalhadora, apon-tando uma resposta defensiva diante de um trabalho cada vez mais alienado.

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Com isso, os docentes tendem a encarar os processos de implementação técnica e burocrática do Estado como algo positivo, contribuindo inclusive, para aumento de suas competências profissionais.

Isso se explica pela grande aceitação do status de profissional pela nossa cultura. Ser profissional é algo almejado, é fazer parte de uma determi-nada elite social, é dominar seu processo de trabalho, é ser mais que apenas um simples trabalhador. Isso justifica o crescimento e a defesa do movimento de profissionalização do trabalho docente, bastante pregado e difundido atualmente, tanto por parte do Estado quanto por parte dos professores.

O movimento pela profissionalização docente surge para contrapor-se ao processo de proletarização do trabalho educativo, que pode contrapor-ser definido como a progressiva perda de uma série de qualidades que levariam à perda de autonomia dos docentes, com um consequente movimento em direção a condições de trabalho cada vez mais precárias (ContrEras, 2002).

O processo de proletarização é resultado da organização do trabalho educativo de acordo com os padrões neoliberais do mercado, configurando um processo de desqualificação dos professores, com a consequente aliena-ção do trabalho e a perda do controle sobre ele. Essa degradaaliena-ção das condi-ções de trabalho no ensino aproxima os docentes do operariado fabril, pois eles estão submetidos, como categoria, ao mesmo processo de proletarização que atinge os demais trabalhadores assalariados (Costa, 1995).

De acordo com Oliveira (2002), a crescente proletarização do trabalho dos professores tem como consequências o aumento do ritmo de trabalho e do volume das atividades, com diminuição dos salários. Os educadores, de um modo geral, percebem a precariedade de suas condições de trabalho, querem mudar isso, querem também ter maior prestigio e ocupar posição melhor na sociedade e acreditam que o caminho para isso é tornarem-se mais “profissionais” e, é claro, menos “trabalhadores”.

Para Contreras (2002), a palavra profissional, não é uma termo neutro; seu conteúdo é recheado de opões e visões de mundo e, consequentemen-te, o tema da profissionalização na educação está longe de ser inocente e desprovido de interesses velados e escusos.

O próprio Estado tem lançado mão desse discurso profissionalizante, recebendo a aprovação quase unânime do imenso contingente de trabalha-dores docentes, ávidos por condições dignas de trabalho. No entanto, apesar de o Estado reconhecer que existe uma necessidade da profissionalização docente, tal não significa que haverá ações voltadas para melhoria das con-dições de trabalho dos professores. O que se nota é que o Estado assimilou

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esse discurso apenas como forma de garantir maior aceitação das políticas voltadas para a educação e consequentemente para o próprio professor.

O que se pode dizer, genericamente, é que o profissionalismo passou a ser assumido como discurso oficial, como promessa, como algo a ser atingido... ninguém contesta o profissionalismo, ninguém duvida de que ele seja uma boa solução, sempre um meta a ser atingida. Dessa forma o profissionalismo docente, como discurso oficial, passa a exercer uma função disciplinadora, controladora e ideológica, na medida em que subordina as discussões da realidade concreta de trabalho dos professores e das professoras a algo que se deve buscar em outro lugar e em outro tempo. (hypolito, 1999, p. 85) Nesse sentido, a profissionalização como forma de aquisição de conquistas trabalhistas e reconhecimento profissional, transforma-se em ideologia do profissionalismo, uma forma de controle e estratégia da qual o Estado tem-se valido para minar os possíveis movimentos de oposição. Em nome da profissionalização, várias alterações administrativas e trabalhistas são implementadas na escola, inclusive contando com a colaboração dos próprios docentes. A reivindicação de profissionalismo é uma ideologia que não oferece qualquer referencial contundente de reais ganhos nas condi-ções de trabalho, apenas contribuindo para camuflar o empobrecimento e a realidade de um trabalho docente cada vez mais precário (ContrEras, 2002).

De acordo com Costa (1995, p. 243), a ideologia do profissionalismo surgiu a partir do século XVIII ligada ao desenvolvimento do capitalismo liberal e a uma “nova versão de aristocracia baseada na educação e no mérito que instituiu uma nova ordem social e nova divisão do trabalho”. Assim, a visão positiva do profissionalismo não é restrita aos professores, mas abrange a sociedade de forma geral, pois foi historicamente construída. Portanto, a falta de criticidade em relação ao discurso do profissionalismo, torna os docentes prisioneiros de uma representação herdada historicamente.

Apesar de até mesmo perceberem a degradação de suas condições de trabalho e sua real proximidade com o restante dos trabalhadores brasilei-ros, subjugados pelos interesses do capital, os professores não estão dispostos a abrir mão dos privilégios atribuídos à classe média que lhe são conferidos, principalmente, pela natureza intelectual de seu trabalho (Costa, 1995).

Para Marx (1985), a sociedade capitalista é fundada sobre o antago-nismo de classes e a chave para a derrocada da exploração do sistema societal do capital é a luta e união da classe trabalhadora, pois, para ele, o trabalhador é o sujeito histórico capaz de desconstruir esse sistema.

No entanto, a ideologia do profissionalismo serve para escamotear o conflito de classes, apresentando a possibilidade universal de acesso a

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oportunidades educacionais e ao status de profissional (Costa, 1995). É o

principio da igualdade burguesa, de acordo com o qual todos têm condições de alcançar melhores oportunidades de vida, bastando, para tanto, dedicar-se e estudar. É importante salientar que a “igualdade”, para a burguesia, nada tem de igualdade propriamente dita. É apenas uma ideologia que serve para camuflar a exploração da classe trabalhadora.

C

onsidEraçõEsfinais

O trabalho docente não pode ser analisado fora do contexto da socie-dade capitalista já que a própria escola é local que tem servido, ao longo da história, para reproduzir os interesses do capital. Portanto, as atividades ali de-senvolvidas constituem um processo de trabalho inerentemente capitalista. O trabalho do professor, assim como qualquer outro, está sujeito à lógica da alienação, pois é concebido e executado dentro do modo de pro-dução do capital. Dessa forma, acreditamos que, desde quando foi concebi-do, o trabalho docente já estava proletarizado e, claro que guardadas suas devidas proporções, identificado com o trabalho fabril. O professor nunca teve autonomia ou foi dono de seus meios de produção, nunca decidiu o que e porque ensinar, mas sempre trabalhou para interesses de determinados grupos, primeiro da Igreja e depois do Estado.

Podemos inferir que os educadores não querem fazer parte da classe trabalhadora mas alçar a uma melhor condição social que possa ser garantida pela posição de profissional. Ao se considerarem profissionais, os trabalhadores docentes negam uma identidade política e de classe, tornando-se passivos e conformados diante do discurso ideológico do Estado, aceitando as alterações em seu processo de trabalho e, inclusive, acreditando que essas vieram para melhorar sua competência profissional e a própria qualidade da educação.

Lutar por melhores condições de trabalho e emancipação frente às estratégias dominadoras do Estado é fundamental para a categoria dos trabalhadores docentes. No entanto, acreditamos que o movimento pela profissionalização dos professores não é a melhor forma de alcançar melhores condições de trabalho, já que o processo profissionalizante tornou-se um aparato ideológico utilizado pelo próprio Estado para legitimação de ações educativas de cunho neoliberal.

Assim sendo, a consciência de classe é a porta para que os trabalha-dores docentes consigam condições de trabalho mais dignas. O professor deve reconhecer-se como um trabalhador inserido no mundo do trabalho do capitalismo, mas não pode ler o trabalho e o próprio trabalhador da forma deturpada que o capital forja. Ser trabalhador é muito mais que ser

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profis-sional, pois o trabalhador é o contraponto do capital; apenas ele tem poder

para mudar a estrutura societal como está definida.

Ao negar sua identidade de trabalhador, o docente, perde seu poten-cial transformador, de contraposição, de colaborar para a contra hegemonia, tornando-se apenas um perpetuador da ideologia dominante. É duplamente alienado, pois aliena a si próprio e os alunos por meio da reprodução dos interesses do capital.

ALIENATION AND CLASS IDENTITY OF TEACHERS

abstRact: The aim of this article is to discuss the issue of teachers’ class identity in the present context of the professionalization of teaching, from the point of view of the concepts of alienation in work and the Marxist theory of social classes. So, the study started from the reality lived out and thought by these teachers, by collecting empiri-cal data using a questionnaire with primary school teachers in Jaraguá, in the State of Goiás. Through this data an attempt was made to get to know their class identity and understand their thinking on concepts such as professional and worker. It could be inferred that educators do not want to be part of the working class because they consider themselves professionals. By denying their working identity teachers lose their potential for opposing capitalism and become simple perpetrators of the dominant ideology.

KeywoRds: Teaching. Alienation. Social class. Professionalization.

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Goiás, Goiânia, 2006.

KaMylla Pereira borGes é mestranda em Educação pela Universidade

Federal de Goiás.

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