¡MPRuPR¡A
unipop
www.unlpop.lnfo
TIl\lIR
tìflIllI}lfl
dições r \. t'ESTATUTO
EDITOR¡AI
Imþróþria é uma publicação semestral independente que se insere num projecto
mais amplo da-associação Unipop, um colectivo que procura disseminar o pensamento crítico e a prática
militante paralâ dos limites da academia e da política institucionåI, abrindo
e.puio,
onde o con-temporâneo possa ser sujeito a análise e a novas formas de intervençao. rvrouãios a convicçãopartilhada de que tanto a política como o pensamento são
uma matéria comum, transversal, aberta a todos e a qualquer um, em suma, não têm lugares, tempos ou agentes próprios.
Imþróþria
é mais uma vertente deste projecto colectivo. Dispensamos umadoutrina uniûíria.
Não antecipamos as direcções
e
os ciuzamentos, as divergênciase as convergências, ou as
trajectórias partilhadas que poderão ter lugar. Prescindimos de delimitar o terreno partilhado
entre o corpo editorial, os colaboradores e os leitores da revista. eueremos, em contrapartida, potenciar formas de debate que atravessem diagonalmente as habituais divisões académicas, os limites do que é próprio a cada campo do sabe-r,
¡.-
.å*o
as fronteiras entre posiçõespolí-ticas estanques. Queremos que seja um espaço onde um trabalho de diagnósti.à au sociedade
contemporânea seja conjugado com uma reflexão sobre as formas
d";;;"J;ãçao,
luta e soli-dariedade colectivas.
Pensar o presente implica não aceitar acriticamente as distinções estabelecidas entre o local e
oglobal,aleieadesordem,opolíticoeoapolítico,oteóricoeoprático,oextraordinárioeo
quotidiano,opessoaleocomum,ofactuale-oespeculativo,oactuãleoobsoleto,opróprioeo
impróprio' Importa interrogar o conteúdo de cada urna
d".tu.
palavras e das linhas e enredos que elas traçam, os discursos que as naturalizam, as instituiçõesque as legitimam e a forma como desse modo se reproduzem as relações e práticas sociais.
Tudo isto
se poderia resumir numa fórmula: desmanchar ..a medida do possível,. Não acre_ditamos na inevitabilidade do estado das coisas. É no
pr"..nte
que o futuro estii em jogo e hámargem de manobra no presente.
Estamos cá. Somos muitos e vários. eue outros nos usem.
o
imprópria lpolíticaepensamentocrítico
l"a
I 2or4
| semestrarl€g
director
Miguel
Ca¡dosoI
conselho editorial
AnaIìita
Amaral, Bruno peixe Dias,Cláudia
Figueiredo, Diogo Duarte, Elisa
silva,
Fernando nu,nulnã,ñr"àãir-'¡*î"*l'ãilgona
Anghel, Gonçalo zagalo Pereira, Inês Espírito Santo, Inês Galvão, Joana Lucas, Joao pedro Cachopo, José Ferreira, José Neves, José
Nuno
Matos, Luhunaáe
carvattro, Manuel I3ivar, ManuelDeniz Silva, Marcos Cardão, Maria coutinho, Mariana Goes, Mariana pinho, Nuno Rodrigues,
Pedro Cerejo, Pedro lreijó, Raquel carvalheira, Ricardo Noronha, Rita Luis,
Rui Lopes, salomé Coelho,
lago
Avó
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secretariado
Fernando- RamalhoI
revisão
peclro CerejoI
grafismoe
paginaçãounipop
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capa
vera
TavaresI
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propriedade,
redacção
e
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Asso'ciaçaounipop,
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3'" Dsq', 2830-259 BarreiroI
www.unipop.info
¡".tr"op"åégmaií.cãm
I impressao Guide Arteslnorce
7 rlo ca rn-ão al, a. IS lo a, s, lí-1e li-edltorlal llberallsmoO elusivo
fim
da Guerra FriaRui Loþes
Para uma história operária do pós-fordismo
Ri.cardo Noronha eJosë Nuno Matos
Tnnfrne"lo$a
doHomo economicusz o neoliberalismo e a produção de subiectividade
3rî;;rm;¿rtuSuês
e a identidade do neoliberalismo{
renovação do conceito de <<produção> e suas semióticas Maurizio Lazzaratonatureza
Pensara nahrreza na época do Antropoceno
Daoide Sca.rso
Da natureza em que nada se cria, tudo está na potencialidade de se
tornar
Irina Castro
Natureza, normatividade, valores
Hermínio Martins
O animal aberto ao mundo: o chamado <<mal>> e a crltica do Estado
Paolo Virno
Raças com crânios, ossos com histórias
Ricbrdo Roque
lelturas
The Wretched of the Screen - Hito Steyerl
Paula lanuá.rio
Altissima povertà. Regole monastiche e forma di vita - Gior$o Agamben
Luhuna deTarualho
Um piano nas barricadas: Autonomia operária (1973-1979> - Marcello Tarl
Fernàndo Ramalho
t"nllÍ:"l8Ëß
à portuguesa. crónica de um humor pouco notável
Marcos Cardão' actlvldade da unlpop 10 15 23 35 41 52 63 69 77 91 104 109 1t3 1t9 123 e o o rs .a a
Para
uma
h¡stória
operãtria
do
pós-fordismo
Ricardo Noronha
e
losé
lluno
Matos
Afixação do salá,rio do dia de oito hora,s
em cinco dólares
foi
uma das mais belasþouþanças que jamai,s fi,2, mas fi,xando-o em
seí,s dólares fr,2 outra øinda mais bela.
Henry Fordt
O
objectivo desteartigo é
interpretar a mu-dança dos regimesde
acumulação ocorridanos últimos 50 anos a
partir
de uma hipótesesugerida
por Mário
Tronti,
segundoa
qual a dinâmica de desenvolvimento do modo deprodução capitalista resultaria dos conflitos sociais que
o
atravessam: trata-se de conce-ber uma "história operária do capital,', toman-do como elemento-chave os comportamentos da classe trabalhadorano
seio das relações capitalistas de produção, rompendo com asvi-sões tradicionais que fazem a classe operária derivar do desenvolvimento capitalista:
Também nós próprios começámos por
ver
primeiro
o
desenvolvimentocapi-t¿lista e só depois as lutas operárias. E
um erro. Têm de se
inverter
o proble-ma, mudá-lo de sinal, recomeçar desdeo princípio: e o princípio é a luta da
clas-se operária.
Ao
nível do capitalsocial-mente desenvolvido,
o
desenvolvimen-to
capitalistaé
subordinadoàs
lutas operárias, vem depois delas e a elas tem defazer corresponder o mecanismopo-lítico da sua própria produção.z
Será a essa luz que procuraremos identificar
as transformações que deram origem ao
for-dismo,
bem como
aquelasque
caracteriza-Íam
a
passagem ao pós-fordismo, enquanto respostas capitalistas aos desafios impostospela classe operária, distanciando-nos tanto das teses que naturalizama relação entre in-divíduo e empresa como das narrativas mes-siânicas em que um qualquer sujeito político virá um dia salvar o trabalhador da jaula
totali-zante emque se encontra preso. Num sentido oposto, argumentamos que os processos de transformação na esfera da produção tradu-zem os confrontos que têm quotidianamente lugar nesse contexto, constituindo a resposta
7
capitalista às práticas antagonistas desenvol-vidas pela força de trabalho e assumindo um impacto e alcance que extravasam largamen-te o chão da fábrica, para influenciar o
conjun-to
das relações sociais e das instituiçõespo-líticas ou jurídicas. Procuraremos, em suma,
argumentar que
a história do
liberalismo éinseparável da história do antagonismo entre trabalho e capital.
O
fordismo:
para lá da linha de
montagem
No momento em que, no início do século
)X,
o liberalismo se afirmou como forma política dominante no centro da economia mundial, o
processo de acumulação de capital começou
a subordinar a si mais do que uma fracção do tempo de vida do trabalhador assalariado e a
sua capacidade produtiva.
Ao
acelerar osrit-mos e aumentar a produção, fazendo crescer
a composição orgânica do capital, mecanizan-do e uniformizando
-
alienando o trabalhador não apenas do produto do seu trabalho, mas das próprias condições em que trabalhava-,
gestos, posições, métodos e cadênciaspassa-ram a integrar um tempo crescentemente
de-terminado pelo capital e que em breve se tor-naria um terreno de disputa. Não só se abateu o valor da força de trabalho, encurtando-se o
número de horas necessárias à sua
reprodu-ção (um salário maior não significa
necessa-riamente uma menor exploração), como se
privou o operário de um saber-fazer
condicio-nador do processo de produção.
A
parda
organização científicado
trabalho, concebidapor
Frederick Taylor, estapassa-gem de
um
regime de mais-valia absoluta aum
regime
de
mais-valiarelativa
assentounum conjunto de métodos de engenharia
so-cial
-
para 1á da fábrica-
que separam otraba-lhador não só do seu objeto, mas também de si próprio. Sob a intervenção dos diversos
dis-positivos disciplinares, como salienta Michel
Foucault, "a totalidade do individuo não é
am-putada, reprimida, alterada pela nossa ordem socialr; ao invés, ele "é cuidadosamente fabri-cado, segundo uma táctica das forças
e
dos corpos,íì. Torna-se assim evidente queos dois processos, acumulação de ho-mens e acumulação de capital, não
po-dem ser separados; não teria sido
possí-vel resolver o problema da acumulação
de homens sem
o
crescimento de um aparelho de produção capaz, ao mesmotempo,
de os
mantere
utiliza1
inver-samente, as técnicas que tornamútil
amultiplicidade
cumulativade
homens aceleram o processo de acumulação de capital.aA fabricação de um corþo dócil, conforme evo-cado por Foucault, assinala o alargamento das
relações sociais presentes na fábrica às mais variadas esferas
de
existência.A
crescente apresentação das forças produtivas subjecti-vas do trabalho enquanto "forças produtivas objectiuasdo
capital"s traduzo
alargamento dalinha
de montagem, da sirenee
docapa-tazatoda
a sociedade,fazendo com que elaprópria se assemelhe a uma fábrica. A forma
plenamente amadurecida deste processo é
aquilo a que chamamosfordismo.
Enquanto regime de acumulação, o fordismo
representou o resultado da interdependência entre a organizaçáo científica do trabalho
(as-sociada à emergência de uma classe de gesto-res gesto-responsáveis pela aplicação de princípios
de mecanização na indústria)
e
a existênciade uma
massade
trabalhadoresdesqualifi-cados, disponíveis
para
executarum
vastoconjunto
de
tarefas simplese
repetitivas aA
rroricação
de
um
coîpo
dócil,conforme
evocado
por
Foucault, assinala o
alargamento
das
relações sociais presentes
na
fábrica
às
mais
variadas
esferas de
existência. A
crescente apresentação
das
forças
produtivas
subJectivas
do
trabalho
enquanto rforças
produtiv
as
obJectivas
do
capitah
traduz
o
alargamento da |lnha
de
montag€r,
da
sirene
e
do
capataz
a
toda
a
sociedade,
fazendo com
que
ela
própria
se
assemelhe a uma
fábrica.
A
forma
plenamente amadurecida
deste processo
é
aqullo
a
que
chamamos
fordlsma
um
ritmo
desgastante. A indústria automóvelconstituiu a
figura
dominante deste regime, submetendo pela primeira vez o operariado àdisciplina da linha de montagem e,
paralela-mente, concedendo-lhe
os
saláriosnecessá-rios à futura compra de automóveis e outros
bens de consumo, num mecanismo sugesti-vamente ilustrado pela citação inicial de
Hen-ry
Ford.
Seria contudoum
erro
atribuir
talfeito ao magnata, como sugere a elevação do seu nome a conceito, umavez que a própria
evolução do conglomerado automóvel indicia
a complexidade do processo. Neste sentido, podemos considerar duas fases distintas no percurso da Ford: aþré-sindi,cal, em vigor até
à década de 1930, e a reguløci,onista, que lhe sucedeu, caracterizada pela consolidação de
uma relação política, económica e social
fun-dada na ideia de cidadania social.
Durante a primeira fase, a Ford desenvolveu
uma política ferozmente repressiva, respon-dendo com grupos de segurança armados a
qualquer tentativa de organização ou
protes-to
contra as
condições laboraise
salariais,inferiores às praticadas em grande parte da
indústria automóvel. O local de trabalho era
fortemente disciplinado, prevenindo-se a
co-municação entre os trabalhadores através da colocação estratégica de imigrantes ao lado de autóctones e da contratação de "espiões" disfarçados de operárioso.
Porém, o nível de integração almejado para o
operário faz com que qualquer demonstração
de antagonismo represente um ataque directo
à relação social capitalista. Não nos referimos
apenas
à
organizaçãoem
sindicatos, mas aum vasto repertório de actos e tacticas a
par-tir
de baixo, como a sabotagem ou, no casoespecífico da Ford, o absentismo em massa,
anunciando a eclosão de ásperos conflitos e
greves no
interior
das fábricas de Detroit.A
greve da Primavera de 1941, durante a qual, "confrontado com os ataques dos seguranças armados da empresa, o piquete de grevistas, ao invés de recuar, aumentou em número e
correu com
eles"7,constituirá
um
aconte-cimento histórico.
O
aumentode
salários eregalias
foi
uma respostado
empresërio aoconfronto, espontâneo
e/oû
organizado, leva-do a cabo pelos trabalhadores, reconhecendo a sua força e a impossibilidade de obter uma pacificação das relações laborais por métodos puramente repressivos.
Paralelamente,
o
impacto destas
transfor-maçõessobre
a
forma-Estadono
contextoposterior
a
1929,com as
suasfilas de
de-sempregados e falências em massa, veio
de-safiar uma tradição
liberal
que fazia das cri-ses económicasum
momento necessário de ajustamentoentre
dois pontos de equilíbrioproduzidos pelo jogo espontâneo e
"natural"
da competição e do mercado, restaurando a
relação óptima
entre oferta e
procura,salá-rios e preços, trabalho e capital. O contraste entre as possibilidades técnicas existentes e a
permanência de situações de miséria extrema em países que conheciam elevados níveis de
riqrezaameaçava a sobrevivência desse
para-digma político
e
económico, aparentemente impotente para responder aos problemas doseu tempo.
E
nesse contextoque
devemos entender as reflexões desenvolvidas peloeco-nomista britânico John Maynard Keynes, um
liberal
empenhadoem
repensaro
funciona-mento da economia de mercado para salvar
o
capitalismoe a
democracia parlamentar acurto prazo.
As
formas de
regulação keynesianas forama
solução macroeconómica mais apropriada parafazer face aos problemas resultantes dasmudanças desencadeadas no interior das em-presas. Politicamente, a necessidade de uma maior integração da força de trabalho teria
ne-cessariamente de ser acompanhada por uma soma crescente de bem-estar e garantias, vias
de acesso à condição de cidadãos com direi-tos e obrigações, num contexto marcado pelo
prestígio internacional adquirido pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial
e
pelo
crescente pesoeleitoral de
partidossocialistas, trabalhistas
e
social-democratas em toda a Europa. Mais determinante ainda, do ponto de vista de empresários e gestores,tornou-se imperioso
garantir
o
crescimentoda
procura agregada,a partir
do
momento em que o aumento da produtividade veiopro-vocar uma crescente imobilizaçáo de
merca-dorias
em
armazêns,por
não encontraremquem as comprasse, bloqueando
o
ciclo
dareprodução ampliada do capital e gerando um ambiente defl acionário generalizado. Garantir o aproveitamento integral da capacidade
pro-dutiva instalada
e o
escoamento do seu pro-duto tornou-se o elemento central da política económica, com o pleno emprego a substituira
estabilidadedos
preçoscomo
prioridade fundament¿l e condição para o crescimento. Após a Segunda Guerra Mundial, okeynesia-nismo tornou-se
o
paradigma dominante dapolítica económica na Europa Ocidental (com
a excepção da Península Ibérica e da Repúbli-ca Federal Alemã (RFA), onde a estabilidade dos preços permaneceu
o
objectivo prioritá-rio das autoridades monetirias) e na América do Norte, partilhado por partidos políticos dadireita
à
esquerda (apesar das variantesna-cionais e diferentes abordagens consoante o
contexto
e
os
protagonistas),num
compro-misso que incluía políticas sociais deredistri-buição de rendimentos e provisão pública de
bens ou serviços essenciais, a par de
projec-tos de obras públicas, intervenções do
Esta-do na economia e até formas mais ou menos ambiciosas de planificação. O sucesso deste arranjo durou cerca de três décadas e coinci-diu com o mais longo período de crescimento económico mundial da história moderna,
sus-tentado pela produção e consumo de automó-veis e electrodomésticos, bem como por uma ampla gama de produtos e serviços situados
a jusante e a montante, dos postos de
abaste-cimento de combustível à cultura de massas.
Fordismo e keynesianismo pareciam então o
fim
da história, no queà
organização do tra-balho e à regulação económica dizia respeito, os seus detractores remetidos para posições marginais, obscuros centros de investigaçãoe debate onde se vituperava a "economia
diri-gida", o crescente peso do Estado e os vários perigos que ameaçavam a liberdade, tal como
18
e a
em da Jln
rtir
ro-icauir
rde to. ;ia-da )m bli-rde iti¡-ica dana-to
ro- tri-de ec- ;ta-ros ste rci-rto us- nó-ma los ite-as.)o
.ra-to, ies :áo iri-ios noelafora concebida e experimentada desde o
século
XVIII,
no que pareciaa
alguns ser ocaminho para aservidão8.
O
pós-fordismo:
a
sociedade
enquanto empresa
A articulação entre ciclos económicos, ciclos
de
conflituosidadesocial
e
ciclos
teóricos constitui um eixo privilegiado para compreen-der a passagem do fordismo ao pós-fordismo,paralela (ainda que não redutível) à ascensão
do neoliberalismo e ao ocaso do
keynesianis-mo. Arede dethink tanks e de departamentos universitarios laboriosamente tecida (e gene-rosamente financiada por grandes empresas e fundações privadas, como o Volker Fund),
a
partir de
1947,por
aquilo que algunsau-tores denominaram
o
"colectivo de reflexão neoliberal"e, revelar-s e-ia capaz de conceberalternativas
de
política
económicaa
partir
de ferramentas e modelos teóricos com uma
forte componente estatística e inspiração mo-netarista, centrados na multiplicidade de
de-cisões efectuadas pelos agentes económicos no âmbito do mercado.
A
sua crítica do key-nesianismo-
assente no pressuposto de queseria impossível
a
uma instância central decoordenação económica
dispor do
conjuntoda informação necessária à determinação dos
preços
em
condiçõesde miixima
eficiência económica-
revelou-se particularmente bem--sucedida no ambiente depressivo da décadade 1970, quando, pela primeira vez na histó-ria do modo de produção capitalista, uma alta taxa de inflação coincidiu com uma elevada taxa de desemprego.
A
origem desta situaçãofoi
atribuída à fracarentabilidade
dos
investimentos, provocada pelos elevados níveis salariais e pelo peso dacarga fiscal necessária para suportar a
despe-sa pública, que afasLava capitais da esfera da produção paraa especulação no mercado de divisas
e
matérias-primas,ou
parao
investi-mento em economias emergentes da periferia do capitalismo mundial. Adicionalmente,paí-ses como a RFA e o Japão
-
onde imperavamprincípios monetaristas que incluíam a
inde
pendência do banco central face ao governo e
um severo controlo do crescimento da dívida pública
-
mantiveram níveis de crescimento económico e de criação de empregorelativa-mente elevados, enquanto os governos que procuraram levar a cabo políticas de relança-mento tipicamente keyenesianas (como o
au-mento da massa monetária e do investimento
público, em paralelo à redução das taxas de
juro
e da carga fiscal) se viram confrontados com o aumento da inflação e com magros re-sultados em termos de criação de emprego. Foi nesse contexto que a prioridade do pleno emprego deu lugar à estabilização dos preçose ao controlo do processo inflacionário. Não
se
tratou de
um
processo automático, mas de um período relativamente longo,assinala-do por uma áspera conflituosidade social em
torno da fixação dos salários reais (directos e
indirectos) e por uma encarniçada resistência
laboral em sectores fundamentais da activida-de económica, confrontando os governos de
diversos países com a necessidade de utilizar
conjunturas recessivas þrovocadas pela
ele-vação das taxas de
juro
e
pelo consequente encerramento ou reestruturação de diversas empresas, num ambiente deflacionário carac-terizado pelo aumento do desemprego) para reorganizar os respectivos mercados de traba-lho e levar a cabo "ajustamentos estruturais".Assinalado por momentos de proporções trá-gicas
-
como a repressão que se sucedeu aogolpe
militar
liderado pelo general Pinochet no Chile em 1973 ou a longa e dura luta dosmineiros contra o governo liderado por
-garet Tatcher no Inverno de 1984-85
-
e porum
conjunto de inovações tecnológicas quepermitiram uma reorganizaçáo
do
comércio e da divisão do trabalho à escala mundial (os desenvolvimentos no campo das tecnologiasda informação
e
as possibilidades logísticas abertas pela reestruturação do sectorportuá-rio e do transporte marítimo), o pós-fordismo
implicou uma
substituição
de
paradigmasprodutivos em que se tornaram
omnipresen-tes termos como .flexibilidader, ..competitivi-dade" e "mobilidade".
O neoliberalismo é, em
certo
sentido, afilo-sofia
inspiradora
de uma
contra-revoluçãocujo segredo, segundo Paolo
Virno,
foi "fs¡
transformado
em
requisitos
profissionais, em ingredientes da produção de mais-valia efermento do novo
ciclo
de desenvolvimento capitalista, as inclinações colectivas que(...)
se apresentavam, pelo contrário, como
anta-gonismo intransigente"rO.
O
desejode
fugado
extenuante trabalho operário,em
nome de uma autonomia e de um hedonismoexpe-rimentado em colectivo, deixa assim de ser
classificado
como algo
desenquadrado do mundo do trabalho, passando a imperar comocritério
de
recrutamentoe
selecção. Simul-taneamente, elementosda
esfera simbólica e imaterial ganharam uma importânciacres-cente,
e
domíniosque eram
anteriormenteexteriores ao processo de valorização do
ca-pital foram investidos por incursões cada vez mais ambiciosas, como é o caso dos lazeres,
das sociabilidades, do entretenimento, da
cul-tura e da saúde.
A
própria ética de trabalho, outrora assente numa atitude ascética esacri-ficial, passou a
incluir
a defesa da expressão,do
prazer, mesmodo
hedonismo.Ao
traba-lhadol
deve-se providenciar "a oportunidade de rrtrabalharrr sobre si próprio; de crescer; de aprender (tt a or ganização pedagógicar r) ; de setornar mais eficaz enquanto pessoarrrr.
Tornou-se
difícil
pensar em termos que nãosejam
os do
mercado,que
organizajâ
nã,oapenas as relações económicas mas
o
con-junto
da sociedade, encarregando-se depro-duzir subjectividades e formas de vida plena-mente adaptadas e condicionadas pela forma
da mercadoria. Fazer de cada indivíduo uma empresa, numa sociedade em que tudo pode
ser convertido num bem
transaccionável eavaliado quantitativamente ao sabor das
os-cilações da
oferta
e
da procura,constitui
oponto de chegada de um tempo longo carac-terizado
por
diversas formas de engenharia social, entre as quais a precariedade. O seusentido estratégico, do ponto de vista
econó-mico,
tem
como base a noção de que tantoa manutenção como a ascensão
no
local detrabalho dependem da constante aquiescên-cia a critérios de qualidade e da permanente
superação
de
objectivos. Reforça-se assim um sentimento de lncertezae, com ele, a ten-dência para uma automobilização constante,comummente designada
por
emþregabilida-de. Se há muito que o tempo podia ser consi-derado dinheiro, a nossa época deu um novo
significado
à
máxima segundoa
qual
tudo tem o seu preço.O pós-fordismo é essa época e o neoliberalis-mo a sua gramática política e existencial, um
processo de permanente reinvenção e expan-são
do
mercado, criando-olá
onde ele não existia ou fazendo-o funcionar lá onde ele serevelava imperfeito e incompleto. E se o
pós--fordismo, com as suas múltiplas designações
alternativas, se caracteriza
por
uma notória aceleraçãodo
tempode
circulaçãodo
capi-tal
(exemplificada pelafilosofia
empresarialdo
just-inlime),
o
neoliberalismo constitui, apesar de todas as simplificações a que se vê submetido pelos imperativos da sua posição hegemónica, uma fëhricade ideias, conceitose análises com notórias ambições
gicas e cognitivas, que faz do mercado e das
trocas voluntarias efectuadas no seu âmbito, a determinação objectiva, desprovida de
juí-zos de valor, do preço de cada coisa, o espaço
em que a verdade acerca dos desejos,
neces-sidades e capacidades humanas se revela tal como é. Não se trata, bem entendido, de um
regresso a um qualquer passado mais ou me-nos idílico em que imperava o laissez-faire e o
Estado se abstinha de
intervir
numa ordem pretensamente natural das coisas. Pelo con-trârio, o neoliberalismo, nas suas diversasva-riantes e escolas nacionais, revelou-se desde cedo firmemente ancorado na percepção das
relações sociais
e
das instituições humanas como algo imperfeito e em permanente trans-formação, submetido ao desgaste do tempo eà erosão das transformações históricas, váli-do apenas enquanto potenciaváli-dor da m¡ídma
eficácia nautilização e alocação dos recursos.
Paralâ
de toda a retórica sobre as decisõesindividuais e a liberdade dos agentes econó-micos, esta corrente teórica revelou-se mais empenhada
em
reconfiguraro
Estadoe
assuas funções do que em reduzir a sua inter-venção sobre as relações sociais, como
subli-nhou
Michel
Foucault no célebre cursopro-ferido em197&79 no Collége de Francerz. Na
sua articulação com o regime de acumulação flexível que ganhou forma desde a década de
1970, o neoliberalismo é acima de tudo a ins-piração filosófica de um imperativo
estratégi-co, variável consoante o contexto, a latitude e
correlação de forças, empenhado no reforço do poder do capital sobre o trabalho e na ple-na afirmação da lei do valor sobre o conjunto da vida social. Os instrumentos de controlo, vigilância e repressão desenvolvidos ao longo das últimas décadas, bem como as mais sub-tis técnicas biopolíticas empenhadas em
mol-dar os corpos e as mentes, procuram acima
de tudo produzir subjectividades produtivas e
plenamente mobilizáveis em função dos
impe-rativos da acumulação de capital, bem como
as formas de vida que mais se lhe adequam. Não se trata, deste ponto de vista, de um novo capitalismo mas
sim de um
capitalismo poroutros meios, mais sofisticado, que consegue
alargar
os muros
da fábrica sociala
novosterritórios.
E, no entanto, esta aparenteom-nipotência do capital sobre todo
e
qualquer elemento desta fábrica não deixa deter
pésde barro: não só porque o outro lado da
moe-da de uma maior integração é um maior nível de dependência, mas também porque outros
circuitos e vontades habit¿m essa fábrica
so-cial. Voltando a
Tronti,
tem de seinverter
oproblema, mudálo de sinal, recomeçar desde
o princípio: e o princÍpio é a luta da classe
ope-râria.
o
Ricardo Noronha é investigador do Instituto de Histó-ria Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa e membro da Unipop.
José Nuno Matos é doutorado em Sociologia pelo Ins-tituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e membro da Unipop.
Notas:
I Aþud. Jacinto, José Luís (2003), O Trabalho e as
Rela-ções Internacioz¿¿'s, Lisboa: ISCSP
2 Tronti, Mário (1976)
,
Operários e Cøþital, Porto: Afrontamento, p. 93.3 Foucault, Michel (1975), Suraeiller et Punir:
Nais-sance de la Prison, Paris: Gallimard, p. 179.
4ld,, ibid.,p.222.
5 Tronti (1976), oþ. cit., pp. 43-44.