UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SANTA CATARINA
CENTRO
DE
F1LosoF1A
E
ciÊNc1As
HUMANAS
PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃQ
EM
PSICOLOAGIA
.`,
fio
V
As
TRANSEORMAÇÕES
Do
MUNDQ
D0
TRABALHO:
a
experiência
de
funcionários
de
uma
empresa
pública
em
processo
de
privatização
Rosa
Amalia
Espejo Trigo
Florianópolis
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SANTA
CATARINA
CENTRO
DE
FILOSOFIA
E
CIÊNCIAS
HUMANAS
PROGRAMA
DE
POS-GRADUAÇÃO
EM
PSICOLOGIA
AS
TRANSFORMAÇÕES
DO
MUNDO
DO
TRABALHO:
a
experiência de-funcionários
de
uma
empresa
pública
em
processo
de
privatização
flsRosa Amalia
Espejo Trigo
Dissertação apresentada ao Departamento de
Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina
como
requisito parcial para a obtenção do grau deMestre
em
PsicologiaProfa.
Dra. Louise
Amaral
Lhullier
Orientadora
Profa.
Dra.
Andréa
Vieira
Zanella
Co-orientadora
Florianópolis
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA CATARINA
Centro de
Filosofia
eCiências
Humanas
Programa
de
Pós-Graduação
em
Psicologia-
Mestrado
“As
TRANSEORMAÇÕES
No
MUNDO
Do
TRABALHoz
A
EXPERIÊNCIA
DE
F_UNcIoNÁR1os
DE
UMA
EMPRESA
PÚBLICA
EM
PRocEsso
DE
E
PRIVATIZAÇÃO
”Rosa
Amalia
Espejo
Trigo
Dissertação defendida
como
requisito básico para obtenção deGrau de Mestre no Programa de Pós-Graduação
em
Psicologia-
Mestrado, Área de Concentração Psicologia e Sociedade e
aprovada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes
professores: _
rof. Dr. José Carlos Zanelli
Coordenador do Curso
Banca
Examinadora:Prof'
D
ouise Amaral Lhullier(UFSC)
Orientadora
~G/?Ô
~Prof* Dr” Denise de
Camargo (UFPR)
V, IProf. Dr. ..
'oval
(PUC-S
P)DED|cATÓR|A
- v
®eaÍíco esle irobalbo a iodo.: os bomens e mulberes comuns que Iêm que fralfalbar para viver e sobreviver _
ÉZÍ
Qâmón
meu companheiro de vida.ÊZÍ nossosfílbos Carlos Éàllverio e
Qua
WarioÔ
a mínba querida mãe. mulber iralaafbadoraV
"gíão bá .saber verdadeiro que não esi‹›y'a ligado essencíalrnenfe com
r Iransformador sobre a realidade, mas não /Já fazer
um faze
iramsƒornzador da realidade que nao envolva
um
cambzo nas relaczonesQlllfë O8 62706 bUflI0f!O‹S”
Úílarlín-CÊaró
AGRADECIMENTOS
A
meu querido companheiro Ramón, por tomar os momentos demeu
trabalhoem
momentos lindos de compartilhar nosso amor e por tantas outras coisas que manifestaram “daruma
força”.Aos nossos filhos Carlos Alberto e Ana Maria e a minha nora Adriana, pelo apoio epela disposição tão carinhosa de escutar minhas reflexões, as vezes tão tediosas e repetitivas , mas que
por sua paciência foram tomando corpo neste trabalho.
A
Louise, minha querida chefa, por seu apoio, seus sábios conselhos e por sua abertura e acolhida que possibilitam hoje escrever estes agradecimentos.A
Andréa, minha querida co-orientadora e conselheira, por sua paciência e compreensão,por suas sugestões e contribuições para
com
meu trabalho.A
Katita por terme
mostrado a psicologia queme
prendeu, a psicologia críticacomprometida com o ser humano e também por sua generosa disposição para compartilhar e
esclarecer minhas inquietudes.
A
Susana Molón, por sua grata disposição deme
escutar e por suas sugestõesbibliográficas, fimdamentais na minha pesquisa.
A
meus queridos amigos, Jardel e Renata, colegas de barzinho e de longos momentos dediscussões teóricas, por seu tremendo apoio e amizade, por ter
me
presenteadocom
a obra o Capital de Marx, e especialmente por ter se disposto a revisarmeu
tedioso portunhol, obrigada amigos. '.
Ao meu
amigo Marquinhos, por toda sua ajuda, por sermeu
amigo, colega de sonhos deum
mundo melhor, colega de cafezinhos e lanchinhos, por sercomo
você é eum
obrigadaespecial por ter
me
presenteado com a obra “Metáforas do trabalho” foi fundamental para minha pesquisa, obrigadauma
vez mais.A
Ana Lídia, companheira do laboratório, por sua disposição parame
ajudar, pelos momentos que passamos discutindo sua pesquisa ou a minha, obrigada.A
meus colegas do Laboratório de Estudos de Comportamento Político , Maurício, Elainee Patrícia por todos os momentos de interação, e pelo carinho.
A
meus companheiros do Mestrado, pelos momentos gratos nos quais crescemos juntos.Aos professores Medeiros, Mara e Zanelli por sua dedicação e disposição com nós, os alunos e
com
nossa pós. .Aos colaboradores do programa de pós graduação Janette e Arlette, pelos cuidados nos
prazos, nas inscrições e por possibilitar as condições para que nós, os mestrandos, possamos
cumprir os requisitos para nosso mestrado. '
A
CAPES
por concederme
a bolsa que possibilitou a dedicação exclusiva a meu tema depesquisa.
Aos professores Dr. Salvador Antonio Meirelles Sandoval e Dra. Denise de'Camargo por
sua disposição de fazer parte de minha banca examinadora e contribuir
com
suas sugestões. E, especialmente aos meus entrevistados, pela disposição e a confiança, muito obrigada.Sumáflo
AGRADECIMENTOS
... ..suMÁruo
... .. jRESUMO
... ..ABSTRACT
... ... ..CAPÍTULO
1O
SUJEITO
HISTÓRICO CULTUA:
um
objeto daPsicologia ... ... ..
K 1.1
Tudo
tem sua história ... ..1.2
Uma
proposta psicológica ... _.1.3
O
cultural no âmbito psicológico ... ..1.4 Outras Reflexões ... ... ..
CAPÍTULO
2O
TRABALHO
E
A
CONSTITUIÇÃO
DO
SUJEITO
... ..2.1
A
Busca
deum
conceito." ... ..2.2
Do
trabalho ao emprego ... ..2.3 Fazendo história no trabalho ... ..
CAPÍTULO
3REFLEXÕES TEÓRICAS-METoDoLÓG1cAs
... ._3.1 Escolhas teórico-metodológicas ... ..
3.2 Alguns desdobramentos ... ..
3.3
Um
lugar para pesquisar: a Electrosul,uma
empresa pública ... ..3.4
O
assuntoem
si:um
jeito de pesquisar ... ..CAPÍTULQ
4o
sENTIDo
QUE
DA
sENT1:Dozum
prozessø deapropriação ... ... ..
4.1 Vozes que se revelam no sentir e no pensar ... ..
4.2
A
busca deum
lugar de trabalho ... ..4.3
O
trabalhocomo
forma de viver ... ..4.4
Uma
história para contar: onde os sujeitos falam de si, da empresa e da sociedade ... ..4.5
A
privatização ... ..4.6
A
empregabilidade ... ..4.7
O
sindicalismo:uma
relação ilícita ... ..CAPÍTULO
5O QUE
FICOU:
as conclusões possíveis ... _.5.1
Um
preâmbulo psicológico ... ..5.2
O
sujeito:uma
experiência concreta ... ..5.3
O
trabalho é mais que emprego ... ..5.4
O
trabalho na questão do público e o privadouma
forma de relaçõesde poder ... ._
5.5
O
sujeitoum
projeto de humanidade ... ..BIBLIOGRAFIA
... .. vi Vll v1 ix 10 10 16 19 21 25 25 28 34 50 50 52 54 57 61 61 62 66 69 86 99 102 109 109 111 113 118 120 123 V11RESUMO
AS
TRANSFORMAÇÚES
DO
MUNDO
DO
TRABALHO:
a experiência dede urna empresa pública ern proceso de privatização
O
mundo
do trabalho tem sido atingido por radicais mudanças estruturais,decorrentes do desenvolvimento da ciência, das inovações tecnológicas e das novas
formas de gestão administrativa.
Nesta pesquisa procurou-se investigar algumas incidências destas transformações
em
sujeitos que estavam vivenciando o processo de privatização da empresa na qualtrabalhavam.
A
investigação tevecomo
referencial teórico-metodológico a perspectiva domaterialismo histórico e dialético
A
partir desse referencial foi feito o resgate da história dohomem
como
sujeito e sua articulaçãocom
o trabalhocomo
prática social.i
Na
pesquisa propriamente tal a coleta de dados foi elaborada mediante entrevistassemiestruturadas, sendo entrevistados nove indivíduos fiincionários de
uma
empresapública
em
vias de privatização.A
justaposição dos discursos possibilitou tecer da história da empresa, delespróprios e a apreensão das temáticas que foram sendo relevantes, tais
como
a noção queos sujeitos entrevistados tinham da privatização, de sua empregabilidade e do
movimento
sindical.
A
análise do discurso dos entrevistados evidenciaram as contradições do processode transformações, diante as novas tendências do
mundo
do trabalho. Foi possívelresgatar nas falas dos sujeitos a evidencia de
um
clima geral de incertezas e deuma
cultura de sobrevivência que se articula a
uma
adesão ao paradigma do conhecimento porém, distintivamente de acordo a suas perspectivas de mundo, dehomem
e desociedade sejam estas social ou individual. Poder-se-ia dizer que as novas formas do
trabalho trazem junto consigo novos desafios que exigem a reflexão histórica do sujeito e
seu trabalho a partir da política e da ética.
ABSTRACT
TRANSFORMATION
IN
THE
WORK
PLACE:
an experience of employees ina public
company
during the process of privatization.Work
place has been suffering radical and structural changes due to thedevelopment of science, technological innovations and
new
ways
of management.This research intended to investigate
some
instances of such ttansformations insubjects that were working in a public
company
whichwas
going through a process ofprivatization.
For this study the perspective of historic and dialectic materialism as theoretical and methodological framework
was
employed.From
this perspective the researchpreliminary
work
studied the history ofman
as subject of society and his involvementwith
work
as social practice.Data gathering
was
done through semi-structured interviews with 9 employees from a publiccompany
thatwas
going through the process of privatization.The
juxtaposition of interviewees' speeches has enabled the composition of thetheir
own
as well as thecompany
history. Itwas
also possible to distinguish themes thatwere relevant to them, such as the notions of privatization, of employability, and of union movement.
The analysis of interviewees° discourse has
made
evident the contradictions of theprocess in face of
new
tendencies in thework
place. Itwas
possible to observe in thesubject's speech an environment of unceitainties and a survival culture in which there is an
attachment to the knowledge paradig-m.
However
that occurs according to one”s individualistand social perspectives of the world,
man
and society.We
could say thatnew
forrns ofwork
brings along
new
challenges that demands a historical reflection of subject andwork
frompolitics and ethics prospects.
apítulo 1
ÍNTRODUÇÃO
A
históriado
homem
acontececoadunada
com
a históriada
sociedade.Nessa
relação, existeuma
dimensão
subjetivaque emerge da
práticados
sujeitos envolvidos e
que
se configuratransformando
omundo
ea
elespróprios.
O
fazerda
Psicologia consiste assirnem
compreender
o
homem
em
suasrelações, a partir
de
suas interações sociais,em
seus processos históricos, nascondições
detenninadas
em
que
cria osmeios e
asformas
de
sua
existência social.Essa perspectiva
de
olhar o serhumano
e psicológicoaponta
uma
concepção de
homem
como
um
ser social inseridoem
um
contexto sócio-histórico,
econômico
e político que, paulatinamente, a partir "das relaçõessociais, vai constituindo-se
como
sujeito.Baseado
nesses pressupostos, tem-se desenvolvidouma
psicologiaque
pretendecompreender
e explicarcomo
o
homem
constrói suas característicassingulares, seus processos psicológicos,
a
partirdas
relações sociais.Nesse
sentido, entende-seo
homem
a partir de"sua históriae
da
históriada
sociedadena
qual está imerso;da
compreensão dos elementos
de
sua
cultura, das relações
que
estabelece nos espaçosdo
trabalhoe dos
modos
de
vida
que
cultiva; dos fazeres,pensamentos
e sentimentosque
estabelece ao longode
sua vida; das contradições, confrontações e integraçõesque
elabora1
Capítulo 1
nesse percurso, evidenciando assim o processo
de
fazer-se passo a passo,em
um
estar-sesempre
re-fazendono
espaço interativoda
relaçäocom
os outros.Tendo
esse pontos_como
referenciais, orienteimeus
esforços auma
temática
que
setem
reveladocomo
uma
das maiores problemáticasda
sociedade
contemporânea:
as formas pelas quais ohomem
se relacionacom
o /eno
mundo
do
trabalh"o".\ _
O
mundo
do
trabalhotem
sido atingido por radicaismudanças
estruturais, decorrentes
do
desenvolvimento
da
ciência,da
tecnologia ede
novas formas
organizativas.O
contexto dessas transformaçõestem
sidodemarcado
pela sofisticação d_a informática, afluidez
das comunicações, atransnacionalização dos capitais e a flexibilização
dos
postosde
trabalho que, configuradosde
uma
forma
global, constituem grandes desafiospara
ahumanidade.
X l VDiariamente
somos
confrontadoscom
asnovidades
que dizem
respeito aesta '
grande
aldeia global.Elementos
econômicos, políticos e culturais se deslocam,derrubando
fronteiras,modificando
e re-significando práticastradicionais que,
de
uma
ou de
outra forma,repercutem
nas relações sociais e,conseqüentemente,
impactam
sujeitos, coletividades e povos. iNesse
marco, a situação mostra-secomo
um
paradoxo, pois, apesardo
alto grau
de desenvolvimento
tecnológico atingido pela ciência, aqualidade
de
" Segundo F
LEURY
& VARGAS
(1983),
mundo
do trabalho é definido como o espaço social, politico e econômico no qual interagem o capital, o. estado e os trabalhadores.'
2
vida
dos
indivíduosnão
acompanhou
os objetivos previstos pelo projetoda
modernidade.
Pelo contrário, tem-se evidenciadoum
aumento desmesurado da
pobreza,da
exclusão,do
desmantelamento dos
Estados,dos
bens públicos edo
,bem-estar social,
bem
como
um
aumento do
desemprego.
(Santos, 1997; Ianni,-v
1992; Luttwak, 1994; Dieterích, 1997; Sawaia, 1997;
Amaral,
1996; Tassara,1996).
-
O
relatório
da Organização
Internacionaldo
Trabalho
-OIT
2,publicado
em
1996, estimaque
30% da
forçade
trabalhono
mundo
não
tem emprego ou
está
subempregada.
Os
especialistasda
OIT
qualificaram
como
"sombria" asituação
do mercado
mundial
de
trabalho.Além
do
grande
número
de
desempregados,
esta entidadedenuncia
que
ainda há,cada vez
mais,“uma
tendência àdesigualdade
nos salários”.Em
relação ao Brasil,Maria
da
Conceição Tavares denuncia,em
informe
emitido
na
Folhade
São
Paulode
16de
agostode
1998, que,de
acordo
com
dados
do
DIESE,
odesemprego
atingiu,em
algumas
regiões, níveis recordespróximos
aos20% da
população.Paralelamente à questão
econômica
e política, essa problemática incide violentamentena
esfera psicossocialdos
indivíduos.Nesse
sentido,Antunes
destacaque
"A
classe que vive do trabalho sofreu amais aguda crise deste século, que atingiu não só a materialidade,
mas
teve profundas2 Relatório da OIT, publicado no
jornal
A
Folha de São Paulo 26/Nov./1996.fapitulo 1 V 3
Capítulo 1
repercussoes na sun subjetividade, e, no ínhÍmo inter-relacionrzmento destes níveis,
afetou fz sua forma de se/' (Antunes, 1995, p. 15).
Tudo
isso reflete-senum
climade grandes desencantamentos no âmbito
das ciências
humanas,
questão presente nospronunciamentos
de
autorescomo
Habermas
(1987), que, a esse respeito, refere-se à (des) centralidadedo
trabalhoe à dissolução das utopias e
Bourdieu
(1998),que denuncia
as tendências atuaisdos
projetosde
sociedadedemarcados
pelo neoliberalismoenquanto
cumprem,
entre seus obíetivos, a dissolução dos coletivos e, portanto, a desestruturação
das forças organizadas
da
sociedade.No
âmbito
literário emerge,dando
voz
auma
denúncia
coletiva, aobra
de
Forrester (1997),
afirmando
que
não há
um
períodode
crise, senãouma
nova
forma
do
mundo
se re-estruturar,em
que
o trabalhador ésupérfluo
e estácondenado
a passarda
exclusao social à eliminaçao total.As
manifestações anteriormente postuladasevidenciam
o atrelamentoda
sociedade a
novas formas
de
organização que,coadunadas
com
racionalidades mercadológicas, situaram o trabalhonum
marco
no
qual se colocaem
xeque
sua
forma mais
comum,
oemprego,
caminhando
para sua extinção,sua
desestruturação
ou
sua re-estruturaçãoNesse
marco, o trabalho encontrar-se-iano paredão
da
morte, arrastando consigo conquistas e reivindicaçõesque
se constituíram ao longodo
tempo,
4
apítulo 1
como
a cidadania possível, eque
hoje sediluem
juntocom
os postosde
trabalho .
Apesar
disso, a maioria dos indivíduos seorganizam
em
tornodo
trabalho.
O
trabalho é,de
acordocom
Marx
(1987) e muitosde
seus seguidores,constitutivo
do
serhumano.
Configurado
na sociedademoderna
como
o eixomais
importantede
sua organização, é assinalado por vários autorescomo
a atividademais
importanteda
vidahumana.
.Grande
partedos
indivíduos dedica amaior
partede
sua vida a estaatividade,
de
início apropriando-sede
conhecimentos
para sua inclusão -o
que
já implica
numa
relaçãocom
o trabalho - e depoisem
torno dela (Baro, 1985), revelando-se, portanto,como
uma
das atividadesmais
significativas para o serhumano.
Fundamentam-se,
assim, as postulaçõesde
Leontiev (citadopor Corrêa
Iacques, 1996),
que
destaca o exercíciode
atividades coletivas ede
trabalho conjuntocomo
responsável pelosurgimento
do
pensamento, da
consciência eda
linguagem.“Dessa forma, nos diz Corrêa Jacques: “As capacidades caracteristicas da
limnanidade, historicamente desenvolvidas, encontram-se objetivadas
em
um
sistematemporal de atividades, inseparavelmente sociais e individuais, fundadas sobre e no
coriju.¡1 to das relações sociais, ou seja, na forma de relações sociais que cada indivíduo e cada geração encontram
como
dados existentes,mas
transfimnados sob o ponto de vistada individualidade psicobiográfica através da mediação do outro e de sínteses próprias
5
Capítulo 1
que dão o caráter de especificidade.
O
mundo
concreto do lrabalho se constituicomo
um
locus por excelência para essa mediação, por mais não seja, pelo
número
de horas diariasque os indivíduos a ele se dedicam " (Corrêa Iacques, 1996, p. 23).
O
meu
interesseno
tema
do
trabalho e suas repercussões nos sujeitoslevou-me
a procurar entidades representativasdos
trabalhadores,mais
especificamente a Escola Sulda
CUT/SC
- CentralÚnica dos
Trabalhadores/ Santa Catarina,
na
qual busquei fazerum
acompanhamento
do
alcance, repercussoes e
formas
de
organizaçaoque
os trabalhadoresdesenvolvem
para enfrentar asmudanças no
mundo
do
trabalho.A
minha
atuaçãona
EscolaSUL/
CUT
sedeu
pormeio
de
observaçãoparticipante
no
curso"Negociação
Coletiva paraFormadores
-Sistema
Democrático
de
Relaçoesde
Trabalho” (Nov. / 95) e, posteriormente,no
curso"Formação
de
Formadores-96",como
estagiária curricularem
PsicologiaEscolar (Jun./Dez.96).
Concomitantemente
participei,no
ano
de
1996,do
Núcleo “Transformações
do
Mundo
do
Trabalho",da UFSC.
Com
essas atividades procureime
aproximar
de
espaçosque
tivessem omundo
do
trabalhocomo
tema de
reflexão,no
intuitode acompanhar
arepercussão nos sujeitos
dos
processosem
transformação, especialmenteem
como
enfrentam
perspectivas futuras,no âmbito de
estruturas organizativasem
rumos de
um
mundo
globalizado e privatizado.Prosseguinclo
meus
estudos nessa linha, procurei pesquisar, nestetrabalho,
algumas dimensões
da
constituiçãodos
sujeitosenquanto
6
Iapitulo 1
D Sujeito Histórico-Cultural
significações geradas
no
contexto conjunturalde empresas
que
estãoem
viasde
ser privatizadas.
O
processode
privatização dasempresas
públicasforma
partede
um
projetode
modificaçao das estruturas organizacionais. Modificaçoesque
seencontram
em
sintoniacom
políticas neoliberais, equivalentes aformas
de
organização que,
no
mundo
globalizado,apontam
para oenxugamento
das
empresas
e, portanto, para adiminuição dos
índicesde
emprego.
O
Movimento
Unificado contra a Privatizaçãode
Florianópolis declarou,através
de
seus porta vozes,na
sessao extraordináriada
Assembléia
Legislativade
Florianópolisdo
dia 8de
dezembro de
1997,que
o processode
privatização dasempresas
estataistem
trazido,no
âmbito
mundial, ademissão
de 'uma
média
aproximada de
40%
do
pessoalempregado.
Afirmação
que
se confirmano
casoda
Light3do
Riode
Ianeiro, eque
nos
leva a interrogarmos-nos sobre as incidências dos processos
da
privatização, apartir
dos
sujeitosque
trabalham
nasempresas
atingidas, postoque
por
detrásde
toda decisãoque
envolva as estruturas organizacionais estão os indivíduos concretosque
vivem,sobrevivem
e se constituemcomo
produto
e produtoresde
sua sociedade, a partir das condiçõesque
lhes são determinadas.O
trabalho foi-setransformando
no
decorrerdos
tempos
no
eixodos
sistemasde
organização doshomens,
reguladorda
inclusão/ exclusãono
3 Segundo Machado, Fiejó e Kresch,
em
maio de 1996 a Light contavacom
11.300 empregados, dos quais, depois da privatização, ficaram 6.800.
'
apítulo 1
sistema social, realiza-se
como campo
da
violênciaenquanto
tortura eexploraçao e
do desamparo
socialenquanto
sua extinçao.Pelo anteriormente exposto justifica-se esta pesquisa
no âmbito
da
psicologia pelas incidências
do
trabalhono
sujeito.No
entanto, pôr tratar-sede
processosda
ordem
da
convivência social eda
vivência pessoalque
envolvem
questões éticas, políticas e sociais explicam- seno
espaço interdisciplinar.Para tanto, o
que
aqui se apresenta retratao
percurso desta pesquisa que,no primeiro capítulo, traz a reflexão
do
sujeitocomo
objeto psicológico e aproposta
do
sujeito histórico - cultural.O
segundo
capítulo consistenum
levantamento
da
noção
do
trabalhocomo
conceito, e sua históriade
repercussões
na
vidados
indivíduos e nasformas de
organizaçãoda
sociedade.O
terceiro capítulo consistena
reflexãoda
proposta teórico-metodológicaassumida.
O
quarto capítulo tratado
tema abordado
- as transformaçõesdo
mundo
do
trabalho e suas repercussõesna
constituiçãodos
sujeitos - a partirdas falas
dos
sujeitos entrevistados.Foram
selecionados algunssegmentos dos
depoimentos,
procurando
evidenciarcomo
os sujeitosassumem
astransformações
de
seumeio de
trabalho.As
temáticasmais
significativas, nesse sentidoforam
a privatização, aempregabilidade
e a sindicalização .No
quinto
capítulo apresentam-se as conclusões
que foram
possíveis, a partirda
reflexão das falasdos
sujeitos entrevistados, estabelecendo nesse sentido,que
estas se8
inserem
em
linhasde pensamentos
construídas social e historicamente eque
correspondem
a diversasformas
de
assumir omundo
e ohomem.
No
entantode
uma
ou
outra posição os entrevistadosevidenciaram
as contradiçõesdo
processode
transformações, diante asnovas
tendênciasdo
mundo
do
trabalho aonegar
seus discursos anteriores -de
dirigentesdas
empresas
públicasou
de
dirigentes dos trabalhadores - aderindo assim,desde
suas perspectivas à
nova
ordem,
aordem
de
um
mundo
neoliberal,individualista e excludente, tanto seja para sua crítica e discussão
como
paraseu consentimento e disposiçao.
Capitulo 1 9
apitulo 1
CAPÍTULO
1
O
Sujeito
Histórico-Cultural:
um
objeto
da
psicologia
"Ú /somem persegue. alraoés de .seu saber, uma /enla é/escoberia
daqui/o que e/e é em re/ação ao mz./na'o" Ígapíaõsu. 1977, p.
31
1.1
Tudo
tem sua
história
,Elaborar
uma
pesquisado
impacto das
transformaçoesdo
mundo
do
trabalhono
homem
a partirdo
olharda
psicologia nosremete
aindagações
sobre nosso objeto
de
investigaçao.Incursionando ao nosso redor
podemos
perceberque
convivemos
com
diferentes concepções
do
objeto psicológico.Termos
como
mente, alma, inconsciente, comportamento e outros sãodesignados
como
objetoda
psicologia, manifestando, dessa forma,uma
pluralidadede
discursos e práticasque
convivem no
mesmo
espaço.Em
relaçao a isso, torna se inquietante0
confrontocom
colocaçoescomo
as
que
traz Iapiassu (1977),quando
resgataCanguilhem
e nosremete
aoque
é apsicologia.
Questão
fundamental,segundo
Iapiassu, pois envolve a própriaexistência
do
psicólogo,na
medida
em
que,não sabendo responder exatamente
o
que
ele é, torna-seextremadamente
difícil justificar aquiloque
ele faz. Entende-se, nesse sentido, a necessidadede compreender
aemergência
do
10
apítulo 1
psicológico e
do
sujeito,remetendo-nos
às diferentes concepçõesque
ohomem
tem
elaboradodo
mundo
ede
simesmo
no
percursoda
história.Segundo
Iapiassu é possível teruma
compreensão
do que
ohomem
pensa
de
si a partirde
suaconcepção de
ciência.Nesse
sentido, nos diz o autorque
éossível distin uir três fases distintas: ”...a da conte ,ão clássica do
homem
ciênciaP
8
.grega), a da concepção cristã (teologia patrística e medieval) e a da concepção moderna.
Em
cadauma
dessas fases, a medida domundo
se reflete na medida dohomem"
(lapiassu, 1977 p. 31).
Desde
a Gréciade
Platão até aIdade Média,
aconcepção
de
homem
esteve imersa
numa
postura cosmovisiva - ocosmo
presidindo todacompreensão
que
ohomem
tinhado
mundo
ede
simesmo
- e cosmológica - ocosmo sendo
o centro a partirdo
qual ohomem
secompreendia.
Com
oadvento
da
Idade Média,
ohomem
manteve
a atitude' cosmológica cosmovisiva, tendocomo
fonte explicativa,porém,
não mais
o cosmos,mas
Deus, voltando-se, dessa forma, auma
postura teocêntrica.Até
essa época, ohomem
teve,em
relação a simesmo
e aomundo,
uma
atitude contemplativa,
marcada
por
um
destinoque
lhe eradesignado por
alguma
divindade.Nesse
contexto,não há
lugar parauma
compreensão
do
homem
como
agente atuante e transformadorde
simesmo
eda
natureza.As
grandes navegações, os avançosda
época, aexpansão
econômica, a exploração das colônias,trouxeram
ã tonao
encontrocom
novas
culturas, oll
Capítulo 1
encontro
com
as diferenças. Essasmudanças
implicaram a tensãode novos
valores, a revisao das crenças,
dos
costumes,dos
significados.O
homem
passa assim a perceber-sede
uma
forma
diferente,como
sefosse
dono
de
seu próprio destino.No
entanto, essanova
percepçãode
simesmo
traz desafios. Figueiredo (1991;1992) aponta, nesse sentido,que
oespaço das liberdades é
também
o espaço das aventurassem
destino certo,sem
arrimos
nem
garantias.É
também
o espaço insólitoda
ignorância,da
ilusão,do
erro,
da
dúvida,da
suspeita e das expectativas e,além
disso, é o espaçodas
virtudes, pois cabe ao
homem,
no
contexto das indetermínações naturais, fazerescolhas.
O
desmoronamento de
certas concepções tidascomo
absolutas e osurgimento dos
referenciaisdo
mundo
moderno,
a partirda
razão, ”...impôs nseparação de
um
sujeito descida do céu à terra, humanizado, domundo
dos objetos”(Touraine, 1995, p. 12).
z
Na
prevalênciada
modernidade,
ohomem
se (re) situaem
relaçãoao
mundo.
Liberando-sedos
desígniosde
Deus, passa a pertencer aomundo
natural.
Sendo
assim,ambos,
mundo
e sujeito, sãogovernados por
leis naturaisque
a razão descobre e às quais se é sujeitado.Nesse
novo
contexto, ohomem
como
objeto seconfunde
com
a natureza,mas
essemesmo
homem
também
ésujeito e subjetividade.
'
12
O
Sujeito Histórico-CulturalCapitulo 1
\
"A
ambigüidade da naturezahumana
implica iniediatainente seu desenraizamen todo
mundo
das coisas e seres naturalmente determinados, perfeitosem
seu sentido eperfeitos para os sentidos” (Figueiredo, 1992, p. 24).
Segundo
Figueiredo: ”...e este sujeito que, no flnal do século XIX, vive seuapogeu e, ao
mesmo
tempo, o início de sua dissolução: começa a desmoronar a ilusão deque o
homem
ocupa o centro domundo
e que, desde esse lugar, ele tudo vê e tudo pode"(Figueiredo, 1992, p. 15).
Esse descentramento
do
homem
será, para esse autor,o cimento
da
emergência
do
psicológico, pois,produto
dessa ruptura, o sujeito se tornará objetoda
psicologia.Noçao
'de sujeito controvertida e paradoxal pois,de
acordo
com
Morin:“Em
muitas filosojias e metaĒsicas, o sujeito confunde-secom
a alma,com
a partedivina ou, pelo menos,
com
o queem
nós é superior, já que nele se jixam o juízo, aliberdade, a vontade moral etc.
Não
obstante, se o considerarmos a P artir de outro lado, por exemplo, pela ciência, só observamos determinismos fisicos, biológicos, sociológicosou culturais, e nessa ótica o su `eito dissolve-se" Morin, 1996 1
P
. 45 .Em
seu afã racionalista, amodernidade
cindiu objetividade esubjetividade
em
detrimento desta última (Touraine, 1995).O
projetoda
modernidade
se contrapôs às tradiçõescompreendidas
a partirde
Deus
eexpressa
no
psicológico,na
alma,no
espírito.Nesse
marco
a psicologia,no
intento
de
ser reconhecida pelosparadigmas
vigentes, privilegioumodelos
naturais e positivistas prevalecentes
na
época,fragmentando
seu objeto, o13
1
sujeito.
Segundo
Morin
(1996), diluindo-o, perdendo-o, expulsado-o e substituindo-o por estímulos, respostas ecomportamentos.
“Em
decorrência o sujeito e' atravessado poruma
sucessão de rupturas:mim
primeiro nível, a sensibilidade, a afetividade, a intuição, a vivência pré-reflexiva,
etc...11um segundo nível, é a própria razão que se desdobra
em
discursos de suspeita que procuram identificar e extirpar dos discursoscom
pretensoes racionais os vestígios cadavez mais dissimalados da subjetividade” (Figueiredo, 1991, p. 19).
O
impasse
dessas distintasformas
de
perceber ohomem
foi resolvido -porém
não superado
-no
pensamento
ocidental pela propostade
Descartesque
legitimou a cisão
do
homem,
atravésda dualidade
expressaem: alma
- corpo;físico - psíquico; subjetividade - objetividade.
Dessa
forma:"A
especificidade da psicologia se vê duplamente colocadaem
questão: a psicologia hesita entre a alienação de
uma
filosofia de espírito e a alienação deum
materialismo psicoƒisiológico” (Japiassu, 1977, p. 48).›
Tendo
amodernidade
em
seu projetomais
ambicioso aemancipação
humana,
entendeu
esta a partirde
um
sujeito regidopor
leis racionais einteligíveis.
O
sujeito, aponta Touraine (1995), foicompreendido
na
sujeição aprogramas de aprendizagem
racionais, capazesde
resistir às pressõesdo
hábitoe
do
desejo.Mas,
cabe-se perguntar, talcomo
assinala este autor,em
que
a14
O
Suje/to H:stÓr¡co-Cu/tura/Capítulo 1
liberdade, a felicidade pessoal
ou
a satisfaçãodas necessidades
sãoracionais?.4
Nas
palavrasde
Chauí, o sujeito: "Reconhece-secomo
diferente dos objetos,cria e descobre significações, institui sentidos, elabora conceitos, idéias, uízos e teorias.
f z
E dotado da capacidade de conhecer-se a si
mesmo
-no ato do conhecimento, ou seja, e capaz de reflexão.É
saber de si e saber sobre 0mundo,
man-ifiestando-secomo
sujeito percebedor, imaginante, memorioso, falante e pensante.É
o entendimento propriamentedito" (Chauí, 1995, p. 118).
Esse interrogar-se e conceber-se implica a constituição
do
sujeito a partirda
razão, que,na
proposta deste trabalho,soma-se
aum
sujeito,além
de
racional, constituído nas experiências vividas
no ,mundo
social, nasemoções
geradas, nos
pensamentos
desenvolvidosno
eixo das motivações,não
como
algo dado,
mas
como
um
processoque
se nutreda
vida social.Trata-se
de
revisar .anoção de
sujeitoenquanto
um:
”...ser,hu.mano integral~ ~
que não só pensa senao que
também
sente e atua; auma
realidade que nao só existe forada pessoa senão que
também
é construída por ela; aum
conhecimento que se elabora nãosó
como
verdade desde o ciennjico, o técnico, senãotambém como
'vida' a partir dohomem comum"
(Hernandez, 1997, p. 95).Dessa
forma, o sujeitoemerge
no
mundo
atual interrogando-se e permitindo-se conceber e sentir seuscomportamentos
como
componentes da
sua história pessoal
de
vida, concebendo-se a simesmo
como
ator.Sendo
4 Grifo meu.
15
O
Sujeito H¡stórico-CuItura/Capítulo 1
assim, revela-se
como
objetoda
psicologia "o sujeito”que
no
mundo
contemporaneo
constitui-secomo
n vontade deum
individuo de agir e serreconhecido
como
ator” (Touraine, 1995, p. 220).Decorrente dessa
concepção
pode
se definir ocampo
da
psicologiade
acordo
com
Lhullier (1998)como:
”...a disciplina que estuda o sujeitoem
sua relaçãocom
o mundo. Nessa relaçãocom
omundo
esse sujeito se constitui, aomesmo
tempo,como
produto ecomo
produtor da sua história e da história da sociedadeem
que vive"(Lhullier, 1998, p. 207).
1.2
Uma
proposta
psicológica
Das
reflexões anteriores desdobra-seuma
propostade
trabalho psicológicoque
considera ohomem
como
um
ser social inseridonum
contextosócio-histórico e político que, paulatinamente, a partir das relações sociais, vai
constituindo-se
como
sujeito,num
processoem
que
ohomem
éproduto
eprodutor
de
simesmo
ede
seu meio.A
postulaçãode
homem
constituídono
social nutre-seda
6° tese sobreFeuerbach
de
Marx
e Engels: ”...a essênciahumana
não éuma
abstração inerente aoindivíduo singular.
Em
sua realidade é o conjunto das relações sociais”(Marx
; Engels1996, p. 13).
16
Baseado
neste pressuposto tem-sedesenvolvido
uma
psicologiaque tem
como
intuito explicarcomo
ohomem
constrói suas características singulares,seus processos psicológicos, a partir das relações sociais.
Considerar o
homem
como
um
ser social, constituído nas relaçõesestabelecidas, é
um
pressupostoque
têm
sido trabalhado poralgum
autores,entre os quais se encontra Vygotski.
O
legadoque
este autor nos deixou abrecaminhos
para a apreensãodo
homem em
sua vida concreta, nas condiçõesde
sua realidade social ede
seu cotidiano, a partirde
uma
compreensão
dessarealidade perfilada pela dialética
dos
processoshumanos.
Nessa
perspectiva Zanella aponta que: ”...o movimento histórico da humanidade nao é linear,mas
sim movimento que se caracteriza pelos saltos revolucionários, onde rege a dialética. Tal movimento Vygotski entendecomo
acontecendo
também com
cadahomem
em
particular" (Zanella, 1995, p. 190).Vygotski
procurou fundamentar
uma
psicologiaque
visasse à superação das diversas posturas psicológicas, reunidas por esse autorem
duas grandes
Vertentes
que
tradicionalmente nutriram as teorias psicológicas: as perspectivasnaturalistas,
que
pretendem
explicar os processos psicológicoscomo
partedos
processos naturais; e as concepções idealistas,
que
visam
a descrever ecompreender
osconteúdos
e estruturas psicológicascomo
fenômenos
imanentes e transcendentais. Para Vygotski,
ambas
vertentesnão
conseguiam
aproximar-se
do
psicológico e, visando a superar este impasse, esse autorW
17
O
Sujeito H/stórico-Cu/tura/ °Capítulo 1
postulou
uma
nova
psicologia elaborada a partirda
filosofia marxista,mas
com
princípios, categorias e
métodos
própriosdo
âmbito
psicológico.Nesse
sentido, Vigotsky postulouuma
psicologiaque
fundamentou-se
em
categorias intermédias, oque
implicou cruzar as fronteirasdo
subjetivo e explorar as formas objetivasda
vida social.Assim,
oque
se revelacomo
objeto psicológico é ohomem
concreto, ohomem
que
fala,pensa
e sente a partirda
apropriaçãode
seumundo
edas
relações
que
cultivacom
este ecom
os outroshomens.
Relações estasmediadas
por signos e significações
que
produzem
e sãoproduzidos
peloshomens
edos
quais estes seapropriam
fazendo, nessemovimento,
suas consciências, oque
envolve
necessariamentepensamentos,
ações, sentimentos. Processos esses que,pôr
sua vez, sãomediados
pelalinguagem,
oque
torna essa últimafundamental
nos processosde
constituiçaodos
sujeitos.Referindo-se à linguagem,
Lane
(1985) resgata Leontiev eaponta
para dois processosque
se interligam necessariamente: "se porum
lado, os significadosatribuídos à palavras são produzidos pela coletividade no seu processar histórico e
no
desenvolvimento de sua consciência social, e
como
tal, se subordinam às leis histórico-sociais, por outro, os significados se processam e se transformam através de atividades e pensamentos de individuos concretos e assim se individualizam, se 'subjetivam', na
medida
em
que 'retornam' para a objetividade sensorial domundo
que os cerca, através das ações que eles desenvolvem concretamente. Desta forma os significados produzidos Iiistoricamente pelo grupo social adquirem, no âmbito do individuo,um
'sentido 18Capitulo 1
pessoal', ou seja, a palavra se relaciona
com
a realidade,com
a própria vida ecom
os motivos de cada indivíduo” (Lane, 1985, p. 33 - 34).É
assimque
ohomem
constituia
história. Ele cria a história e ele é história.Nas
palavrasde
Kosik: "Se a primeira premissa fundamental da história e' que ela é criada pelohomem,
a segunda premissa igualmente fundamental é anecessidade de que nesta criação exista
uma
continuidade.A
história só é possívelquando o
homem
não começa de novo e do principio,mas
se liga ao traballio e aosresultados obtido pelas gerações precedentes. Se a humanidade começasse sempre do
princípio e se toda ação fosse destituída de pressupostos, a humanidade não avançaria
um
passo e a sua existência se escoaria no círculo da periódica repetição deum
inícioabsoluto e de
um
jim absoluto” (Kosik, 1976, p. 218).A
história só é possívelquando alguém
écapaz
de
escreve-la,de
evidenciar seus rastros,
de
fazer cultura.ll
1.3
O
Cultural
no
âmbito
psicológico
Cultura é toda expressão
do
humano,
e revela-se, portanto,como
fundamental
para acompreensão
do
homem
edos
fatos sociais.Concordando
com
a trilhados
autoresque
trabalhamna concepção
histórico - cultural, o psicológico sópode
sercompreendido,
nas suasdimensões
sociais e individuais,como
um
processode
apropriaçãodas formas
culturaisde
atividade.
19
apitulo 1
1
Todo
homem
ao nascer se inserenum
contexto cultural já estabelecido eatua ativamente neste, modificando~o e modificando-se.
Seguindo
omesmo
sentido, Leontiev (1978) refere-se às práticas culturaiscomo
decisivasno
iníciode
um
desenvolvimento
que, diferentementedo
desenvolvimento dos
animais, estavasubmetido não
às leis biológicas,mas
aleis sócio-históricas.
Dessa
forma, nos diz o autor,desde
o princípioda
históriahumana,
os próprioshomens
e suas condiçõesde
vidanão deixaram
de
semodificar e as aquisições
da
evoluçãode
se transmitirde
geraçãoem
geração. Destacam-se,no âmbito da noção de
cultura, as contribuiçõesde
Geertz(1989).
Sua
teoria contrapõe-se à visão iluministada
naturezahumana, que
implica situar o
homem
como
uma
peçada
naturezaque
por
simesmo
possuiuma
essênciahumana
invariável e universal.Geertz sustenta seus
enunciados no
pressupostoque
ohumano
distingue-se
do
natural pela elaboração particularque
ohomem
faz sobre sua basenatural. Este autor postula a cultura e a Variabilidade cultural
como
expressõesda
diversidadehumana,
posturaque
implicaasuperação de
uma
unidade
básicada humanidade
sustentadacomo
expressão universal, destacando oscostumes
como
elementosfundamentais
para a constituiçãodo humano.
Segundo
as palavrasde
Geertz : "não existemhomens
não modificados peloscostumes de lugares particulares, nunca existiram e, o que é mais importante, não o
poderiam pela própria natureza do caso" (Geertz, 1989, p. 47).
20
pítulo 1
\
Essa perspectiva
do
culturalvem
ao encontrodos delineamentos
teóricos aqui adotados, ao nos dizerque
opensamento
humano
se constituino
social eno
público.Embora
existam elementos singularesem
cada
serhumano,
sua
constituição passa pelas
dimensões
públicas e sociais, espaçosonde
seproduzem
e socializam os signos, ,que são compartilhados pelos sujeitos eapropriados por
cada
um
em
particular, constituindo assim sua especificidadecomo
sujeito.Esta estrutura
de
códigos e contextos simbólicos significantes revela-secomo
fundamental
para a existênciahumana
pois,sem
esta,segundo
Geertz, avida
humana
seria ingovernável.Coincidente
com
essa postulaçao,Durham
(1981)agrega
que
ocomponente
simbólicoda
açãohumana,
mais
que
parte integrante, éelemento
constitutivo
da
vida social pois,concordando
com
Geertz, essa autoranos
diz que,sem
essas orientações simbolicamente constituídas, ohomem
não
serianem
natural,mas
uma
monstruosidade
biologicamente inviável,com
incapacidade
de
governar seusimpulsos
e organizar suas ações sobre omundo.
1.4
Outras
reflexões
Se
a naturezahumana
não
implica condições inatas e a vida social se estrutura através dos costumes,podemos
assumirque
toda açãohumana
seconstitui
num
sistemade
códigos significantes construídos histórica esocialmente.
21 Sujeito Histórico-Cultural
ݒtuIo 1
Nesse
sentido,Chauí
(1995) nos dizque
as sociedades, porserem
temporais e históricas,
passam
por
transformaçõesque
variam de
uma
formação
social a outra. Essas transformações seexpressam
nas distintasmanifestações culturais.
Cada
setor social procura explicar aorigem
da
sociedade e
de
suasmudanças
a partirde
seu olhar e, conseqüentemente,há
diferentes explicações para o
surgimento
eforma
das transformações sociais.Os
grupos dominantes
narram
a históriada
sociedade a seumodo,
diferentemente
dos grupos dominados.
Numa
sociedadeconvivem
essas concepções diferentes e contrárias sobre os acontecimentos.Nessa
realidade,segundo
Chauí
(1982), justifica-se aconcepção
de
ideologia,
que
é a imposiçãode
uma
culturadominante
à sociedade inteira,como
se todas as classes e osgrupos
sociaispudessem
edevessem
ter osmesmos
valores culturais,embora
vivendo
em
condições sociais diferentes.Conforme
Chauí, foiHegel
e depoisMarx
que
estabeleceram a articulaçãoentre cultura e história,
sendo
que
para esses autores a cultura é história.Nesse
sentido,
nos
diz Chauí,Hegel
define a cultura - históriacomo
expressãodo
espirito;
em
contraposição,Marx
a interpretacomo
”...omodo
como,em
condições determinadas e não escolhidas, oshomens
produzem materialmente (pelo trabalho, pelaorganização econômica) sua existência e dão sentido a essa produção material.” (Chauí,
1995, p. 293). «
Nesse
ponto, Sahlins (1979) rdssaltaque
o focoda
produção
simbólica sedá no
contexto das relaçõesde
produção, enfatizando, contudo, a22
título 1
ujeito Histórico-Cu/tura/
predominância
da
razão simbólicaou
significativa. Esse autor destaca ainda av:"...qualidade distintiva do
homem
não ao fato deque
ele deve vivernum
mundo
material, circunstância que compartilha
com
todos os organismos,mas
0 fato de jíazê-lode acordo
com
um
esquema de significados criado por si próprio, qualidade pela qual a humanidade é única" (Sahlins, 1979, p. 8).Para esse autor a
produção
simbólica culturalpode
variarem
termos-de
focos e ênfases,
de
acordo
com
o
tipode
sociedade emomento
histórico,mas,
em
qualquer
sociedade eladá
sentido, significado e intencionalidade às ações ecomportamentos
sociaisde
uma
maneira
diferenciada,de
acordocom
seumomento
histórico.Nesse
sentido,Velho
(1978)nos
alertapara
a necessidadede
distinguir os diferentes sistemas simbólicosque
existemnuma
sociedade,_
complexa,
compreender
suas fronteiras eambigüidades para
possibilitar o acesso acomo
indivíduos concretos interpretam os símbolos e signos
que
estão à sua volta,como
os internalizame
aque
decisõeschegam
em
momentos
de
-opção, tantoem
situações explicitamente dramáticasda
históriade
uma
sociedade,quanto
ao nível
do
cotidiano.O
autor destacaque
os sujeitosmudam
ecriam
símbolose significados inseridos
numa
herança enum
sistemade
crenças.Estes assinalamentos
adquirem
um
matiz
particularquando
se tratadas
sociedades complexas, pois, apesar
de
distintos sujeitos estarem inseridosno
mesmo
contexto cultural, o estarãono
âmbito
específicode
suas esferas sociaise, nesse sentido, a apropriaçao e
produçao
cultural vai ser,em
cada
um
deles,particular,
embora
revelando-secomo
expressão das condições econômicas,políticas, sociais,
na
qualforam
inscritase
compartilhadascom
os outroshomens.
.4
” Q, DÍÍUIO 1 24 šujeíto HistÓr¡co-Cultura/I
pítulo2 Trabalho
CAPÍTULO
2
O
Trabalho
e a
Constituição
do
Sujeito
Que é o baba//20 .se/1ão:"...a11'vía'aa'e defermínada e Iransformadora
lârzlas vezes penoôâ e contudo nece.sõa'ría.9" Ífzffbomoz,
1966
p.- 7).2.1
A
busca
de
um
conceito
A
palavra trabalhoremete
a vários significados.Se por
um
lado o trabalho é consideradocomo
expressãoda
atividadeque
transforma ohomem
e a realidade,por
outrotambém
implicaem
dor, sofrimento, tortura, alienação e exclusão.Seguindo
a trilhados
pressupostos histórico-culturais,não há
dúvida que
se
devem
iniciar -estas reflexões a -partirda
noção
do
trabalho desenvolvidapor
Marx
no
capituloV
do
livro I: ”...o trabalho éum
processo de que participam 0homem
e a natureza, processoem
que 0 serhumano
com
sua própria ação, impulsiona,regula e .controla seu «intercâmbio material
com
a natureza (...)Atuando
assim sobre anatureza externa e modificando-a, ao
mesmo
tempo modifica sua própria natureza”.(Marx, 1987, p. 202).
É
o trabalho, dizMarx
(1987),uma
condiçãode
existênciado
homem,
independente
de
todas asformas
de
sociedade,etema
necessidade naturalda
mediação
do
metabolismo
entre0
homem
e a natureza e, portanto,da
Vida
pítulo 2 Trabalho
humana.
O
trabalhoenquanto
atividadehumaniza
tantoao
homem
quanto
anatureza.
Estas postulaçoes
de
Marx
inspiraramLukács na
sua obra"A
ontologiado
ser social", obra
na
qual, a partirdos
fundamentos de
Marx,
o autor ressalta adimensão
constitutivado
trabalhono
serhumano.
“As formas de objetividade do ser social se desenvolvem, à medida que surge e se
explicita a práxis social, a partir do ser natural, para depois se tornarem cada vez mais declaradamente sociais. Esse desenvolvimento, porém, é
um
processo dialético, quecomeça
com
um
salto,com
a posição teleológica do trabalho" (Lukács, 1992,p
93).A
condição teleológicado
trabalho ressaltadapor Lukács
(1992)aponta
para o fato
de que
éna
consecução
do
trabalho,levando
acabo
projetos ealcançando
finalidades,que
ohomem
vai se constituindocomo
serhumano.
Nesse
sentidoMarx
nos
diz:“No
fim
do processo do trabalho apareceum
resultado que já existia antes idealmente
na
imaginação do trabalhador. Ele nãotransfirrma apenas o material sobre 0 qual opera; ele imprime ao material 0 projeto que
tinha conscientemente
em
mira, o qual constitui a lei determinante do seumodo
deoperar e ao qual tem de -subordinar sua vontade” (Marx, 1987, p. 202).
É
a objetivaçãoda
subjetividade, presente.-nas coisas..que_omhomem
constrói,
num
processode
relação sujeito-objeto-sujeitoque
implica aelaboração
de
instrumentos tanto materiaiscomo
psíquicos.Dessa
forma,ao
modificar
omundo
material, ohomem
modifica-setambém
a simesmo
e aosݒtuIo 2
Tabalho
outros.
Na
relaçãocom-
outroshomens,
vai seapropriando
da
cultura,construindo e especificando-se
em
suahumanidade,
elaborando não
sóartefatos
mas
também
criando representações, significados, recriandoo
mundo
social, a cultura.
Partindo
dos desdobramentos
da
teoria marxista,Vygotski
assinalao
trabalho
como
eixofundamental na
relaçãodo
homem
com
seu meio.Nesse
sentido,
apontando
na
mesma
linha teórica, Lurianos
diz que:“As
peculiaridades da
forma
superior de vida, inerente apenas aohomem, devem
serprocuradas na forma histórico-social da atividade, que está relacionada
com
o trabalhosocial,
com
0 emprego de instrumentos de trabalho ecom
o surgimentoda
linguagem(...) Por isto as raízes do surgimento da atividade consciente do
homem
nãodevem
serprocuradas nas peculiaridades da 'alma' ou no íntimo do organismo
humano
mas
nascondições sociais de vida historicamente formadas" (Luria, 1979, p. 74 - 75).
Pode-se dizer
que
para
os autoresda
linha marxista, o trabalho é constitutivodo
serhumano.
O
trabalho,nos
diz Baquero: ”...trata datransformação da natureza
em
cultura, seja desde a perspectiva da transformação dos objetos materiaiscomo
dosmesmos
organismos, Por isso seu resultado será tanto a produção de bens materiais ou objetos, produto da transformação da natureza materialdo
mundo, como
0 de sujeitos humanos, produto agora da transformação da legalidadehumana
que regia o destino do animalhumano
em
regulação psicológica cultural"(Baquero, 1998, p. 46).