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9 A Politica externa do PT

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Academic year: 2021

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A política internacional do Partido dos Trabalhadores:

da fundação do partido à diplomacia do governo Lula

Paulo Roberto de Almeida * Artigo preparado para a revista Sociologia e Política Sumário:

1. Introdução: uma grande mudança também em política externa

2. Antes da subida ao poder: a luta contra o imperialismo e o capital internacional 3. Durante a campanha: a sutil transição para uma política externa pragmática 4. Depois da vitória: a incorporação de um novo realismo diplomático

5. De volta para o futuro: os grandes temas da agenda diplomática do novo governo

1. Introdução: uma grande mudança também em política externa

A eleição do candidato do PT à presidência da República, depois de três tentativas anteriores, representou uma mudança de caráter paradigmático no panorama social, econômico e político brasileiro, mas também a confirmação de que a sociedade nacional deu enormes passos no sentido da consolidação democrática de seu sistema político e do estabelecimento de um quase consenso, emergente nas várias camadas da população, em torno da necessidade de uma transformação radical nas estruturas sociais da desigualdade e da injustiça que sempre marcaram essa mesma sociedade. De fato, pode-se dizer que a palavra chave que guiou o candidato Luiz Inácio Lula da Silva em sua campanha e que se transformou num dos princípios inspiradores de seu governo, iniciado em 1° de janeiro de 2003, é o conceito de mudança (ALMEIDA, 2003).

Mudanças foram prometidas nas várias esferas do sistema político e da economia e também no âmbito da política externa. Diversos sinais foram dados nesse sentido, desde antes da própria campanha eleitoral e no seu imediato seguimento, como as viagens, em dezembro de 2002, do presidente eleito ao imediato entorno regional (Argentina e Chile) e aos Estados Unidos, e de uma primeira missão oficiosa à Venezuela do assessor designado para temas de política internacional, professor Marco Aurélio Garcia, durante muitos anos Secretário de Relações Internacionais do PT, que vinha anunciando, aliás, novas linhas de afirmação externa para o Brasil (GARCIA, 2003). Ainda assim, a escolha presidencial para ministro das relações exteriores recaiu num experiente representante da

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Franco (em seguida a Fernando Henrique Cardoso, de meados de 1993 ao final de 1994). Uma configuração institucional relativamente inédita para os padrões do Itamaraty estabeleceu-se, portanto, no caso da designação do conselheiro presidencial para assuntos de política internacional, uma vez que a prórpia Casa de Rio Branco estava acostumada, nos últimos anos, a fornecer diplomatas de carreira para aquela assessoria.

Entretanto, em matéria de política externa, como sabem os especialistas, as linhas de ruptura são mais difíceis de serem implementadas do que a preservação dos elementos de continuidade. As primeiras interrogações nesse particular, e que aqui serão objeto de exame, referem-se aos principais componentes da política externa do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se mais situadas na linha do que vinham pregando o programa, as resoluções oficiais e os próprios líderes do PT, ou se mais próximas das posições tradicionais da diplomacia brasileira, obviamente mais cautelosas em diversas vertentes de interesse nacional. Observados os primeiros passos da ação externa do presidente e de seus principais auxiliares na matéria — isto é, chanceler, secretário geral do Itamaraty e o assessor presidencial —, uma primeira constatação que se poderia fazer a propósito dessa política externa é a de que provavelmente se tratará de uma diplomacia evolutiva, tanto em seus contornos conceituais como em seu modus operandi. O novo governo vem atuando com muito tato e bastante realismo na frente diplomática, mas está procurando igualmente impulsionar alguns dos temas caros à antiga agenda internacional do PT, feita de algumas opções preferenciais pelas chamadas forças progressistas e contestadoras de uma ordem mundial dominada pelos países capitalistas avançados, mas temperando-as com o pragmatismo que é de se esperar de um governo estabelecido.

A julgar pelas evidências recolhidas no presente ensaio expositivo e analítico, pode-se dizer que o PT percorreu um longo caminho na construção tentativa de um pensamento em política externa, desde as propostas de cunho socialista estabelecidas no início dos anos 80, até o programa da campanha presidencial de 2002, de tom mais conciliador em relação às obrigações externas — dívida, contratos, acordos internacionais —, o que foi confirmado no primeiro pronunciamento oficial do presidente eleito, em 28 de outubro de 2002 e novamente no seu discurso de posse, em 1° de janeiro de 2003.

A julgar pelas evidências recolhidas neste ensaio, a grande mudança operada nessa área foi, assim, mais no discurso e na prática dos dirigentes do partido, agora

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investidos de responsabilidade governamental, do que nas grandes linhas de atuação da política externa, como descobriremos progressivamente na exposição e análise que serão feitas nas seções seguintes. Ainda assim, novas ênfases e iniciativas mais ousadas podem imprimir características diferentes à diplomacia nacional que, pela primeira vez em várias décadas, pode deixar o casulo corporativo em que esteve parcialmente encerrada nesses anos, para projetar-se com novas cores e um novo discurso.

2. Antes da subida ao poder: a luta contra o imperialismo e o capital internacional O programa original do Partido dos Trabalhadores, como expresso textualmente no documento fundacional, previa uma “política internacional de solidariedade entre os povos oprimidos e de respeito mútuo entre as nações que aprofunde a cooperação e sirva à paz mundial. O PT apresenta com clareza sua solidariedade aos movimentos de libertação nacional”. Não constava, do primeiro programa, menção explícita à política externa, mas, o “plano de ação”, anexo à plataforma programática, contemplava os seguintes pontos no item 6: “Independência Nacional: contra a dominação imperialista; política externa independente; combate a espoliação [sic] pelo capital internacional; respeito à autodeterminação dos povos e solidariedade aos povos oprimidos” (PARTIDO dos Trabalhadores, 1984, Programa, pp. 9-13; Plano de Ação, pp. 14-15). Pela terminologia e propostas de ação, nada, nesse documento, permitiria desvincular o PT dos conceitos e políticas de uma típica plataforma dos partidos esquerdistas da América Latina no período clássico da Guerra Fria, o que era aliás conforme a sua vocação afirmadamente socialista (princípio ainda presente em suas diretrizes programáticas).

Desde então, o PT adotou diversos posicionamentos, sempre críticos, em matéria de política externa, mas também é um fato que seus dirigentes evoluíram gradualmente no sentido da adesão a um conjunto de propostas de ação diplomática que, se algo mais afirmadas ou mesmo agressivas na retórica, não passaram a diferir muito, na prática, de princípios e valores já consagrados da política externa brasileira. Como constatar essa pragmática transformação ideológica do PT — aliás mais sutil do que declarada — e que metodologia adotar para chegar a uma conclusão deste tipo nesta análise do discurso

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sobre os temas de relações internacionais do partido que se tornou majoritário na Câmara dos Deputados e que agora ocupa as alavancas de comando do Estado brasileiro?

Na medida em que programas e propostas de ação são por demais genéricos e vagos para permitir uma avaliação do conteúdo desses discursos e posicionamentos progressivos e que, por outro lado, declarações ocasionais do Partido em notas oficiais ou comunicados de sua Secretaria de Relações Internacionais são por demais conjunturais (ou presos a problemas específicos do momento) para apreciar essa evolução, o melhor instrumental analítico para a análise da problemática que nos ocupa é constituído pelo exame dos temas de relações internacionais inscritos nas plataformas de campanha nas eleições presidenciais disputadas pelo PT, bem como das principais declarações do seu candidato — aliás único — desde 1989 até 2002.

Em 1989, em sua primeira disputa, a principal característica do candidato Lula era sua identificação com a luta dos oprimidos da América Latina. O candidato do PT apresentou um amplo e abrangente programa de governo e, segundo se depreendia das resoluções políticas adotadas pelo Partido em seu IV Encontro Nacional (junho de 1989), pretendia propor uma “política externa independente e soberana, sem alinhamentos automáticos, pautada pelos princípios de autodeterminação dos povos, não-ingerência nos assuntos internos de outros países e pelo estabelecimento de relações com governos e nações em busca da cooperação à base de plena igualdade de direitos e benefícios mútuos”. Nesse nível de generalidade e no plano puramente conceitual, essas resoluções permanecem absolutamente atuais e totalmente conformes aos princípios e posições de política externa efetivamente seguidos pelo Brasil, àquela época e atualmente.

Ainda assim, uma vitória do candidato-trabalhador representaria uma reavaliação radical das posturas brasileiras na área, já que a “Frente Brasil Popular” — constituída por vários partidos de esquerda que apoiavam o candidato do PT — prometia adotar uma “política antiimperialista, prestando solidariedade irrestrita às lutas em defesa da autodeterminação e da soberania nacional, e a todos os movimentos em favor da luta dos trabalhadores pela democracia, pelo progresso social e pelo socialismo”. Um hipotético Governo da Frente defenderia a “luta dos povos oprimidos da América Latina” e o candidato Lula, tocando num dos problemas mais candentes, então e agora, da política financeira externa do Brasil, chegou mesmo a propor a “decretação de uma moratória

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unilateral para ‘solucionar’ a questão da dívida externa” (GPRI, 1989, p. 55). Esse tipo de discurso militante continuou freqüentando as resoluções do PT durante muitos anos, aliás até um período bem recente, como se verá mais adiante.

De forma não surpreendente, na proposta que o PSB – um dos membros da Frente – apresentou para um “programa mínimo” das esquerdas para as eleições presidenciais de 1989, se defendia a “imediata suspensão de qualquer pagamento relacionado com a dívida externa”, a constituição de um “entendimento entre os diversos países devedores com vistas a fortalecer o não-pagamento” e o estabelecimento de “relações fraternas com todos os partidos que tenham como objetivo a construção da democracia e do socialismo com o objetivo de unir esforços na preparação de uma alternativa à crise do modo de produção capitalista” (GPRI, 1989, p. 56). Caberia talvez recordar que, nessa época, o Brasil vivia em moratória técnica do pagamento da dívida externa comercial — isto é, aquela contraída junto aos credores privados, à diferença dos empréstimos bilaterais ou de instituições oficiais —, decisão adotada pelo Presidente Sarney em fevereiro de 1987 por absoluta incapacidade de pagamentos, e que uma solução para os atrasados dos bancos comerciais somente seria encontrada nas negociações de 1992-94.

Derrotado por pouco, no segundo turno dessas eleições presidenciais, em novembro de 1989, o líder do PT lançou-se novamente em campo alguns meses depois. No ano seguinte, Lula anunciou, em coalizão com outros partidos de esquerda, a formação de um “governo paralelo”, seguramente um dos poucos exemplos de shadow cabinet ao sul do Equador. Infelizmente, a experiência não chegou realmente a frutificar, pelo menos no que se refere à atividade de um “ministro paralelo” das relações exteriores. Não se teve notícia de que o chanceler “paralelo” — designado na pessoa do professor Carlos Nelson Coutinho — tivesse avançado um programa, ou elementos, de uma política externa alternativa, com propostas concretas para o relacionamento internacional do Brasil.

A iniciativa de uma administração paralela revelou, em todo caso, o comprometimento do PT com o exercício responsável de apresentação de posições governativas concretas, com a necessidade conseqüente de ocupar, pelo menos virtualmente, todos os terrenos abertos à formulação de propostas alternativas em termos de políticas públicas, o que o partido passou a fazer gradualmente nos níveis local e

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estadual (nos quais, de toda forma, eram poucas as oportunidades para o “treinamento” em temas internacionais). De fato, a assunção de responsabilidades executivas em estados e municípios, assim como o contato direto com sindicatos e partidos do hemisfério Norte, ademais dos congêneres na América Latina, trouxe ao PT um conhecimento mais preciso dos limites e possibilidades da ação governativa.

Igualmente, a partir desse período, Lula passou a viajar bastante pelo Brasil e ao exterior e patrocinou em São Paulo um “foro” de partidos de esquerda da América Latina, que depois se consolidou como reunião periódica de formações “progressistas” da região e contrárias às supostas ou reais políticas “neoliberais” de estabilização econômica no continente. Em sua primeira declaração, em 1991, o Foro de São Paulo proclamou a vontade do PT e de outros agrupamentos de esquerda da América Latina de se opor por todos os meios à “integração imperialista” então prometida pela “Iniciativa para as Américas” do então presidente George Bush (pai), embrião da atual proposta da Alca. A despeito de que a condenação do chamado “consenso de Washington” e das políticas “neoliberais” fosse de rigor nesses encontros, o candidato do PT também desenvolveu um maior conhecimento a respeito das opções na frente externa, tendo chegado a posições definidas, embora nem todas explícitas, em relação aos grandes problemas internacionais enfrentados pelo Brasil.

Refletindo seu caráter organizado, o PT foi o partido que primeiro definiu um programa de governo para as eleições de 1994, com propostas bem articuladas, mas por vezes contraditórias, que refletiam um intenso debate interno entre as diversas correntes do partido. Com base na plataforma do Partido, aprovada para essas eleições, bem como em texto assinado na ocasião pelo próprio candidato, é possível detectar os principais elementos da agenda do PT em relação à política externa e às relações internacionais nesse ano de introdução do Plano Real, então definido pelo PT, de forma algo apressada, como um “estelionato eleitoral”.

O problema básico da política externa brasileira, tal como detectado nesse documento, foi designado como sendo a ausência, “há mais de quinze anos, de um projeto nacional de desenvolvimento”, opinião reafirmada pelo candidato em artigo publicado no Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB, 1994, p. 8). Lula reconhecia, também em acordo com a plataforma de campanha do Partido, que “durante

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os governos militares, mais particularmente no período do general Geisel, existia um projeto nacional, politicamente autoritário e socialmente excludente” que, a despeito das críticas que seu partido pode fazer, “abriu brechas para que o Brasil reorientasse sua política externa”. Em 1994, segundo ele, persistia “inercialmente a política externa daquele período, adequada empiricamente às novas realidades...”. Mas, em face do quadro de mudanças, o “Governo Democrático e Popular deveria desenvolver uma política externa que buscará simultaneamente uma inserção soberana do Brasil no mundo e a alteração das relações de força internacionais contribuindo para a construção de ordem mundial justa e democrática” (PARTIDO dos Trabalhadores, 1994, pp. 29-30).

O programa de então destacava como áreas prioritárias da “nova política externa” a América Latina e o Mercosul, o que foi mantido de maneira conseqüente desde então, com talvez a substituição do conceito de América Latina pelo de América do Sul, o que já tinha aliás sido feito pela administração anterior. Esse programa não deixava tampouco de dar ênfase às “relações de cooperação econômica e nos domínios científico e tecnológico, com uma correspondente agenda política”, na esfera Sul-Sul, com países como a China, Índia, Rússia e África do Sul e com os países de língua portuguesa. Algumas iniciativas internacionais eram listadas, como, por exemplo, a “rediscussão dos problemas das dívidas externas dos países periféricos”, propostas sobre a fome e a miséria no mundo ou ainda a convocação de uma conferência internacional — “de porte semelhante à ECO-92” — para discutir a situação do trabalho no mundo e medidas efetivas contra o desemprego. O programa também prometia recuperar o Ministério das Relações Exteriores, “cuja estrutura foi sucateada nos últimos anos”.

Em seu artigo assinado, depois de listar algumas das transformações por que tinha passado o mundo, o candidato Lula indicava alguns elementos para a formulação da “nova política externa para o Brasil”. “Em primeiro lugar, o Brasil só poderá ter uma política externa consistente se tiver um claro projeto nacional de desenvolvimento, com o correspondente fortalecimento da democracia, o que significa universalização da cidadania, do respeito aos direitos humanos, reforma e democratização do Estado”. Esse projeto nacional de desenvolvimento, em linhas consistentes com o que continuou a ser afirmado posteriormente, deveria compreender um “modelo de crescimento que favoreça a criação de um gigantesco mercado de bens de consumo de massas que permita redefinir

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globalmente a economia, dando-lhe, inclusive, novas condições de inserção e de cooperatividade internacionais”. “Em segundo lugar, o Brasil não pode sofrer passivamente a atual (des)ordem mundial. Ele tem de atuar no sentido de buscar uma nova ordem política e econômica internacional justa e democrática”. Considerando que a política externa é, antes de tudo, uma questão de política interna, o candidato reafirmava seus pressupostos de atuação: “A política externa não vem depois da definição de um projeto nacional. Ela faz parte deste projeto nacional” (ADB, 1994, p. 8-9).

Em 1998, já em sua terceira candidatura, desta vez pela coligação “União do Povo Muda Brasil” æ com PT, PDT, PcdoB, PSB e PCB æ, Lula esforçou-se por colocá-la sob o signo da continuidade e da inovação, este último aspecto apresentando-se, desde o início da campanha, sob a forma de uma aliança política com seu concorrente trabalhista das experiências anteriores, o líder do PDT Leonel Brizola. Este antigo líder da história política brasileira chegou a causar constrangimentos para o então relativamente moderado candidato “dos trabalhadores”, ao defender uma postura intransigente em relação ao capital estrangeiro e às privatizações de empresas públicas, chegando mesmo a declarar que não só esse processo seria interrompido em caso de vitória, mas que algumas das leiloadas seriam suscetíveis de reversão ao domínio estatal num eventual governo da coligação (ALMEIDA, 1998, pp. 242-249).

O próprio candidato à presidência, assumindo uma postura moderada, procurou tocar em pontos menos controversos, defendendo, por exemplo, uma redução das importações por via de medidas governamentais, embora de caráter tarifário, o que garantiria a transparência da política comercial. As “Diretrizes do Programa de Governo” da coalizão do PT com seus aliados partidários acusavam o Governo FHC de ter praticado uma abertura “irresponsável” da economia e de ter desnacionalizado a “nossa indústria e nossa agricultura, provocando desemprego e exclusão social”. A ênfase na perda de soberania econômica do País era aliás o ponto forte da campanha de Lula na área internacional, elemento combinado a uma política externa mais afirmada que se propunha mudar a forma de inserção do Brasil no mundo a partir da manifestação da vontade política, aqui ignorando aparentemente as linhas de força nas instituições internacionais e nas relações com os demais países, parceiros ou “adversários” na atual ordem econômica mundial.

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O Ponto 12 dessas diretrizes, “Presença soberana no mundo”, defendia, de forma conseqüente, uma “política externa, fundada nos princípios da autodeterminação”, que faria — segundo o texto, “expressará nosso desejo” de ver — o Brasil atuar “com decisão visando alterar as relações desiguais e injustas que se estabeleceram internacionalmente”. Ainda nessa mesma linha, um eventual Governo liderado pelo PT lutaria “por mudanças profundas nos organismos políticos e econômicos mundiais, sobretudo a ONU, o FMI e a OMC”. Com efeito, documento liberado quando do agravamento da crise financeira, em princípios de setembro de 1998, avançava a proposta de “participar da construção de novas instituições financeiras internacionais”, uma vez que “as atualmente existentes — FMI, OMC, BIRD — são incapazes de enfrentar a crise” (ALMEIDA, 1998, p. 247). De forma ainda mais explícita, a coalizão de Lula pretendia combater o Acordo Multilateral de Investimentos em fase de negociação na OCDE, considerado como “atentatório à soberania nacional”, movimento paralelo à cerrada oposição efetuada pelo PT no Congresso contra a aprovação dos acordos bilaterais de proteção de investimentos.

De maneira mais positiva, o programa enfatizava a intenção de fortalecer as relações do Brasil com os outros países do Sul, “em especial com os da América Latina, da África meridional e aos de expressão portuguesa”. O processo de integração sub-regional, finalmente, era visto muito positivamente, mas ficava claro o desejo de efetuar uma “ampliação e reforma do Mercosul que reforce sua capacidade de implementar políticas ativas comuns de desenvolvimento e de solução dos graves problemas sociais da região”.

Depreendia-se, contudo, das declarações de diversos membros da coalizão que o Mercosul — cujos propósitos apenas livre-cambistas nunca satisfizeram inteiramente setores do partido, que proclamavam as supostas virtudes sociais do modelo europeu de integração — era considerado como uma espécie de “bastião antiimperialista”, em contraposição ao projeto norte-americanos de diluir esse esquema num vasto empreendimento livre-cambista do Alasca à Terra do Fogo. De forma geral, a ALCA se apresentava como um anátema na política externa de um Governo liderado pelo PT, perdendo apenas em importância na escala de inimigos ideológicos para o neoliberalismo e a globalização selvagem promovida pelas grandes empresas multinacionais.

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3. Durante a campanha: a sutil transição para uma política externa pragmática Já em 2002, o cenário mudou substancialmente, com a expressão inédita de um novo realismo diplomático, a começar pela política de alianças buscada pelo candidato Lula, desta vez não unicamente à esquerda, mas envolvendo em especial o Partido Liberal, que forneceu seu candidato a vice. Ainda que partindo na frente de todos os demais candidatos, tanto em termos de candidatura oficiosa como no que se refere aos índices de aceitação eleitoral, o candidato do PT e o próprio partido foram desta vez extremamente cautelosos na formulação das bases da campanha política, a começar pelas alianças contraídas com vistas a viabilizar um apoio “centrista” ao candidato. Lula foi também bastante cauteloso na exposição de suas idéias, ainda que algumas delas, ainda no início da campanha, tenham sido exploradas por seus adversários (como por exemplo o apoio às políticas subvencionistas da agricultura européia ou a proposta de que o Brasil deveria deixar de exportar alimentos até que todos os brasileiros pudessem se alimentar de maneira conveniente).

Na primeira fase da campanha, Lula ainda repetia alguns dos velhos bordões do passado (contra o FMI e a Alca, por exemplo), que depois foram sendo corrigidos ou alterados moderadamente para acomodar as novas realidades e a coalizão de forças com grupos nacionais moderados que se pensava constituir de forma inédita. Essa estratégia, que tinha sido definida pelas principais lideranças do PT, a começar pelo próprio Lula, praticamente no imediato seguimento da frustrada campanha de 1998, foi implementada de forma consistente, o que permitiu ampliar de forma considerável a audiência do candidato, trazendo-o mais para o centro do espectro político, como não deixaram de registrar vários analistas políticos.

Até dezembro de 2001, no entanto, quando foi realizado em Pernambuco o XII Encontro Nacional do PT, o partido e o candidato pareciam propensos a continuar defendendo as mesmas teses adotadas e disseminadas ao longo dos anos 1980 e 1990, quando o ataque genérico ao neoliberalismo e à abertura comercial eram de rigor, com o repetido recurso a velhos refrões do passado. Em relação à Alca, por exemplo, o encontro de Olinda aprovou totalmente a resolução da Câmara dos Deputados – apresentada por

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iniciativa do então Deputado Aloizio Mercadante – no sentido de pedir a imediata suspensão das negociações e de submeter o tema ao exame do Fórum Social Mundial de Porto Alegre e à sociedade civil, “culminando com a convocação de um plebiscito a respeito”. Demandas típicas nessas moções aprovadas em encontros como o de Olinda, sempre colocadas no âmbito da “ruptura necessária”, eram constituídas pela luta contra o “neoliberalismo globalizado”, o apoio ao “movimento em defesa da taxa Tobin”, o “cancelamento das dívidas externas dos países pobres” (acompanhada pela “auditoria e renegociação das dívidas públicas externas dos demais países do ‘terceiro mundo’”) e o “estabelecimento mecanismos de autodefesa contra o capital externo especulativo”.

Em temas especificamente financeiros, por exemplo, o encontro do Olinda recomendava as mesmas posições adotadas mais de uma década atrás: “Com relação à dívida externa, hoje predominantemente privada, será necessário denunciar o acordo com o FMI para liberar a política econômica das restrições impostas ao crescimento e à defesa comercial do país, estabelecer mecanismos transparentes de controle sobre a entrada e saída de capital, estimular a reinversão do investimento direto estrangeiro através da taxação das remessas de lucros e dividendos e bloquear as tentativas de re-estatização da dívida externa, reduzindo a emissão de títulos da dívida interna indexados ao dólar.” Na área da política comercial, por sua vez, uma recomendação também típica visava à “correção dos desequilíbrios oriundos da abertura comercial, através da revisão da estrutura tarifária e da criação de proteção não tarifária, amparada pelos mecanismos de salvaguarda da OMC, para atividades consideradas estratégicas.” A Alca, obviamente, era vista como “um projeto de anexação política e econômica da América Latina, cujo alvo principal, pela potencialidade de seus recursos e do seu mercado interno, é o Brasil.” Iniciada a campanha eleitoral, porém, o tema da ruptura ficou mais no plano retórico do que transmutou-se em propostas efetivas, uma vez que as teses mais radicais em relação ao controle do “capitalismo financeiro globalizado” foram oportunamente remetidas a segundo plano. Em matéria de política externa, mais especificamente, a intenção — aliás partilhada com os demais candidatos e implementada pelo governo FHC — era a de ampliar as relações do Brasil com outros grandes países em desenvolvimento, sendo invariavelmente citados a China, a Índia e a Rússia. No terreno econômico, o compromisso — também expresso pelos demais candidatos — era o de diminuir o grau

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de dependência financeira externa do Brasil, mobilizando para tal uma política de promoção comercial ativa, com novos instrumentos para alcançar tal finalidade (era então mencionada a criação de uma secretaria ou ministério de comércio exterior). Vários outros elementos constitutivos de um programa mais realista de políticas públicas, globais e setoriais, passaram por uma revisão cuidadosa por parte de uma seleta equipe de assessores no decorrer do primeiro semestre de 2002, resultando num documento de compromissos que buscou consolidar a evolução do PT em direção da “governabilidade”. Segundo a “Carta ao Povo Brasileiro”, divulgada por Lula em 22 de junho de 2002, o povo brasileiro quer “trilhar o caminho da redução de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de criar um amplo mercado interno de consumo de massas”. De maneira ainda mais enfática, nesse documento, Lula afirmou claramente que a “premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do País”, numa primeira manifestação formal em favor da continuidade de algumas das políticas seguidas pelo governo em vigor (os documentos da campanha de 2002 foram divulgados no website oficial do candidato Lula, www.lula.org.br, e atualmente se encontram, em sua maior parte, disponíveis no site do PT: www.pt.org.br).

Depois de algumas ameaças iniciais de retirar o Brasil das negociações da Alca (que seria “mais um projeto de anexação [aos EUA] do que de integração”), Lula passou a não mais rejeitar os pressupostos do livre-comércio, exigindo apenas que ele fosse pelo menos equilibrado, e não distorcido em favor do parceiro mais poderoso, o que constituiu notável evolução em relação a afirmações de poucas semanas antes. De forma geral, o tom anterior de recriminações e críticas, contendo manifestações de recusa ou negativas em relação aos “mercados”, às instituições financeiras internacionais e às políticas dos Estados Unidos, passou a ser mais medido e equilibrado, revelando uma real preocupação com a governabilidade e o relacionamento externo, numa perspectiva de possibilidades reais de vitória nas eleições de outubro de 2002.

Em relação às negociações comerciais hemisféricas, por exemplo, o principal assessor econômico do candidato, deputado Aloízio Mercadante foi bastante cauteloso na qualificação das eventuais vantagens da Alca: “Esta não deve ser vista como uma questão ideológica ou de posicionamento pró ou contra os Estados Unidos, mas sim como um instrumento que pode ou não servir aos interesses estratégicos brasileiros” (Valor

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Econômico, 15.07.02). Trata-se, em todo caso, de notável evolução em relação à atitude exibida menos de um ano antes pelo então deputado Mercadante ao propor, na tribuna da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, uma moção (apresentada em 12 de dezembro de 2001) no sentido de conclamar o governo brasileiro a se retirar das negociações da ALCA, caso o Senado dos EUA ratificasse as condições estabelecidas pela Câmara de Representantes daquele país (o que aquele Senado fez, de forma aberta, mantendo as mesmas restrições já presentes no projeto da Câmara).

Os contatos mantidos pela cúpula do PT, no Brasil e no exterior, com industriais, banqueiros e investidores estrangeiros tendiam todos a confirmar esse novo realismo diplomático, e sobretudo econômico, do candidato. De fato, os principais dirigentes do PT começaram, em plena campanha, a se afastar cautelosamente da proposta feita pela CUT, pelo MST e pela CNBB, entre outros órgãos, de realizar um plebiscito nacional sobre a Alca, uma vez que se percebeu que ele teria resultados mais do que previsíveis, todos negativos para a continuidade dessas negociações e para a imagem pública que o partido pretendia projetar doravante.

De modo concordante com esse novo realismo, o Secretário de Relações Internacionais Aloízio Mercadante começou a aventar a possibilidade de um acordo comercial bilateral com os EUA, sem explicar como e em que condições ele poderia ser mais favorável do que o processo hemisférico, no qual o Brasil participa no âmbito do Mercosul. Em suas palavras: “é importante que, independentemente da Alca, o Brasil e os Estados Unidos iniciem um processo de negociação bilateral direcionado para a ampliação do seu intercâmbio comercial e a distribuição mais justa de seus benefícios” (GAZETA Mercantil, 2002). O PT parecia assim ter iniciado, ainda que de maneira hesitante, o caminho em direção ao reformismo moderado.

O programa oficial de campanha divulgado pelo candidato em 23 de julho de 2002 era bastante ambicioso quanto aos objetivos em matéria de política externa, uma vez que prometia convertê-la, como já tinha ocorrido com as plataformas anteriores, num dos esteios do processo de desenvolvimento nacional: “A política externa será um meio fundamental para que o governo implante um projeto de desenvolvimento nacional alternativo, procurando superar a vulnerabilidade do País diante da instabilidade dos mercados financeiros globais. Nos marcos de um comércio internacional que também

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vem sofrendo restrições em face do crescente protecionismo, a política externa será indispensável para garantir a presença soberana do Brasil no mundo.” De modo, aliás, bem mais enfático do que nas ocasiões anteriores, parecia ter ocorrido aqui uma espécie de sobrevalorização da política externa ou, em todo caso, uma esperança algo exagerada em suas virtudes transformadoras no campo econômico ou internacional.

De fato, o candidato Lula se propunha uma tarefa de transformação do mundo e do continente sul-americano a partir de uma alavanca diplomática, o que poderia denotar um certo excesso de otimismo quanto aos limites impostos pela realidade internacional a grandes projetos mudancistas no cenário externo, sobretudo vindos de um país dotado de recursos externos limitados como o Brasil. De toda forma, as intenções eram claras: “Uma nova política externa deverá (…) contribuir para reduzir tensões internacionais e buscar um mundo com mais equilíbrio econômico, social e político, com respeito às diferenças culturais, étnicas e religiosas. A formação de um governo comprometido com os interesses da grande maioria da sociedade, capaz de promover um projeto de desenvolvimento nacional, terá forte impacto mundial, sobretudo em nosso Continente. Levando em conta essa realidade, o Brasil deverá propor um pacto regional de integração, especialmente na América do Sul. Na busca desse entendimento, também estaremos abertos a um relacionamento especial com todos os países da América Latina.” Em contraposição ao candidato governista, José Serra, supostamente herdeiro da política de integração do presidente FHC mas de fato cético quanto às suas vantagens para o Brasil, o candidato Lula era o mais entusiástico promotor do Mercosul, mas ainda aqui com pouco realismo em relação às chances de uma moeda comum no curto prazo ou no que tange a implantação de instituições mais avançadas: “É necessário revigorar o Mercosul, transformando-o em uma zona de convergência de políticas industriais, agrícolas, comerciais, científicas e tecnológicas, educacionais e culturais. Reconstruído, o Mercosul estará apto para enfrentar desafios macroeconômicos, como os de uma política monetária comum. Também terá melhores condições para enfrentar os desafios do mundo globalizado. Para tanto, é fundamental que o bloco construa instituições políticas e jurídicas e desenvolva uma política externa comum.”

Persistia, igualmente, no programa, a atitude de princípio contrária à Alca e um certo equívoco quanto aos objetivos de uma zona de livre-comércio, pois que se via nesse

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processo a necessidade do estabelecimento de políticas compensatórias, quando são raros os exemplos de acordos de simples liberalização de comércio que contemplem tais tipos de medidas corretivas: “Essa política em relação aos países vizinhos é fundamental para fazer frente ao tema da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O governo brasileiro não poderá assinar o acordo da ALCA se persistirem as medidas protecionistas extra-alfandegárias, impostas há muitos anos pelos Estados Unidos. (…) A política de livre comércio, inviabilizada pelo governo norte-americano com todas essas decisões, é sempre problemática quando envolve países que têm Produto Interno Bruto muito diferentes [sic] e desníveis imensos de produtividade industrial, como ocorre hoje nas relações dos Estados Unidos com os demais países da América Latina, inclusive o Brasil. A persistirem essas condições a ALCA não será um acordo de livre comércio, mas um processo de anexação econômica do Continente, com gravíssimas conseqüências para a estrutura produtiva de nossos países, especialmente para o Brasil, que tem uma economia mais complexa. Processos de integração regional exigem mecanismos de compensação que permitam às economias menos estruturadas poder tirar proveito do livre comércio, e não sucumbir com sua adoção. As negociações da ALCA não serão conduzidas em um clima de debate ideológico, mas levarão em conta essencialmente o interesse nacional do Brasil”.

Um certo idealismo mudancista se insinuava no programa, ao pretender um eventual governo do PT conduzir uma “aproximação com países de importância regional, como África do Sul, Índia, China e Rússia”, com o objetivo de “construir sólidas relações bilaterais e articular esforços a fim de democratizar as relações internacionais e os organismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial”. Por outro lado, a antiga desconfiança em relação ao capital estrangeiro cedeu lugar a uma postura mais equilibrada, uma vez que se afirmou no programa de 2002 que o Brasil “não deve prescindir das empresas, da tecnologia e do capital estrangeiro”, alertando então que os “países que hoje tratam de desenvolver seus mercados internos, como a Índia e a China, não o fazem de costas para o mundo, dispensando capitais e mercados externos”. Mas, se advertia também que as “nações que deram prioridade ao mercado externo, como o Japão e a Coréia, também não descuidaram de desenvolver suas

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potencialidades internas, a qualidade de vida de seu povo e as formas mais elementares de pequenos negócios agrícolas, comerciais, industriais e de serviços.”

O excessivo viés em favor do mercado interno foi corrigido no programa, que por outro lado parecia esquecer a ênfase atribuída pelo governo FHC ao crescimento das exportações: “Sem crescimento dificilmente estaremos imunes à espiral viciosa do desemprego crescente, do desarranjo fiscal, de déficits externos e da incapacidade de honrar os compromissos internos e internacionais. O primeiro passo para crescer é reduzir a atual fragilidade externa. (…) Para combater essa fragilidade, nosso governo vai montar um sistema combinado de crédito e de políticas industriais e tributárias. O objetivo é viabilizar o incremento das exportações, a substituição competitiva de importações e a melhoria da infra-estrutura. Isso deve ser feito tanto por causa da fragilidade das contas externas como porque o Brasil precisa conquistar uma participação mais significativa no comércio mundial, o que o atual governo menosprezou por um longo período”.

Em suma, o candidato do PT realizou, no espaço de poucos meses em 2002, um notável percurso em direção de uma postura mais realista no campo da política externa, assim como no terreno mais geral das políticas econômicas, notadamente no que se refere ao relacionamento com o capital e os investidores estrangeiros e com as instituições financeiras internacionais. Cabe registro, em todo caso, ao acolhimento, não totalmente desfavorável, feito por Lula em relação ao acordo anunciado pelo governo de mais um pacote de sustentação financeira por parte do FMI, desta vez pela soma inédita de 30 bilhões de dólares. A nota divulgada pela campanha de Lula na ocasião foi bastante cautelosa no que se refere ao cumprimento das obrigações externas, ainda que registrando negativamente o encargo passado ao governo futuro de manter um superávit primário na faixa de pelo menos 3,75% do PIB até 2004. Ao encontrar-se com o presidente FHC, a pedido deste, para tratar da questão do acordo com o FMI, em 19 de agosto, o candidato do PT reiterava seu entendimento de que as dificuldades decorriam do “esgotamento do atual modelo econômico”, confirmando também, com franqueza, seu compromisso afirmado na “Carta ao Povo Brasileiro”: o de que, “se vencermos as eleições começaremos a mudar a política econômica desde o primeiro dia”.

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Não obstante, Lula oferecia uma série de sugestões para, no seu entendimento, “ajudar o País a sair da crise”, muitas delas medidas de administração financeira, de política comercial e de reativação da economia. O PT e seu candidato das três disputas anteriores se esforçavam, dessa forma, em provar aos interlocutores sociais – eleitores brasileiros – e aos observadores externos – capitalistas estrangeiros e analistas de Wall Street – que o partido e seus aliados estavam plenamente habilitados a assumir as responsabilidades governamentais e a representar os interesses externos do País com maior dose de realismo econômico e diplomático do que tinha sido o caso nas experiências precedentes. Essa estratégia se revelou benéfica ao candidato, que venceu amplamente no primeiro turno, ainda que de maneira não definitiva, habilitando-o depois a um sucesso estrondoso no segundo turno.

4. Depois da vitória: a incorporação de um novo realismo diplomático

A evolução moderada do candidato e de sua equipe de campanha foi confirmada, logo em seguida à vitória nas eleições, no primeiro pronunciamento do presidente eleito, em 28 de outubro de 2002. Nesse texto, consciente da gravidade da crise econômica e dos focos de tensão externa remanescente, Lula advertiu: “O Brasil fará a sua parte para superar a crise, mas é essencial que além do apoio de organismos multilaterais, como o FMI, o BID e o BIRD, se restabeleçam as linhas de financiamento para as empresas e para o comércio internacional. Igualmente relevante é avançar nas negociações comerciais internacionais, nas quais os países ricos efetivamente retirem as barreiras protecionistas e os subsídios que penalizam as nossas exportações, principalmente na agricultura.” A segunda frase, particularmente, poderia, sem qualquer mudança, ter sido pronunciada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, por seu chanceler ou por seu ministro da economia.

Também, diferentemente da “ameaça” de cessar as exportações de alimentos até que todos os brasileiros pudessem se alimentar de maneira conveniente, Lula traçou um retrato convincente das possibilidades nessa área: “Nos últimos três anos, com o fim da âncora cambial, aumentamos em mais de 20 milhões de toneladas a nossa safra agrícola.

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Temos imenso potencial nesse setor para desencadear um amplo programa de combate à fome e exportarmos alimentos que continuam encontrando no protecionismo injusto das grandes potências econômicas um obstáculo que não pouparemos esforços para remover.” Igualmente, não há nada aqui que não poderia receber o endosso – e de fato já integrava o discurso – da administração atuante até o final de 2002.

De modo geral, a “nova diplomacia” não parece afastar-se muito da “velha”, com talvez uma afirmação mais enfática dos interesses nacionais e da defesa da soberania: “É uma boa hora para reafirmar um compromisso de defesa corajosa de nossa soberania regional. E o faremos buscando construir uma cultura de paz entre as nações, aprofundando a integração econômica e comercial entre os países, resgatando e ampliando o Mercosul como instrumento de integração nacional e implementando uma negociação soberana frente à proposta da ALCA. Vamos fomentar os acordos comerciais bilaterais e lutar para que uma nova ordem econômica internacional diminua as injustiças, a distância crescente entre países ricos e pobres, bem como a instabilidade financeira internacional que tantos prejuízos tem imposto aos países em desenvolvimento Nosso governo será um guardião da Amazônia e da sua biodiversidade. Nosso programa de desenvolvimento, em especial para essa região, será marcada pela responsabilidade ambiental”. Em outros termos, abandonou-se a tese da Alca “anexacionista” em favor de uma negociação séria dos interesses brasileiros nesses acordos de liberalização comercial. A defesa do multilateralismo não destoa, em praticamente ponto nenhum, das conhecidas posições defendidas tradicionalmente pela diplomacia brasileira: “Queremos impulsionar todas as formas de integração da América Latina que fortaleçam a nossa identidade histórica, social e cultural. Particularmente relevante é buscar parcerias que permitam um combate implacável ao narcotráfico que alicia uma parte da juventude e alimenta o crime organizado. Nosso governo respeitará e procurará fortalecer os organismos internacionais, em particular a ONU e os acordos internacionais relevantes, como o protocolo de Quioto, e o Tribunal Penal Internacional, bem como os acordos de não proliferação de armas nucleares e químicas. Estimularemos a idéia de uma globalização solidária e humanista, na qual os povos dos países pobres possam reverter essa estrutura internacional injusta e excludente.”

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A incorporação do conceito de “globalização solidária” e o seu contrário, a tomada de posição contrária à “globalização assimétrica”, tinham freqüentado os discursos de Fernando Henrique Cardoso desde vários anos, da mesma forma como várias das demais propostas feitas nos terrenos da reforma das instituições multilaterais, da regulação dos capitais voláteis — inclusive com uma adesão equivocada à chamada Tobin Tax — ou de eliminação do protecionismo comercial dos países desenvolvidos. Ainda assim, assistiu-se nessa fase a uma série de críticas dirigidas contra as políticas da equipe FHC: falta de agressividade comercial, falta de prioridade ao Mercosul e à América do Sul e outras do gênero, o que mereceu pronta resposta do então chanceler Celso Lafer, sublinhando este, justamente, as iniciativas tomadas nessas áreas.

As simples manifestações retóricas começaram então a ser testadas na prática, à medida que o presidente eleito tomava conhecimento dos dossiês e passava a lidar diretamente com os problemas da agenda externa do Brasil. Isso ocorreu rapidamente, por exemplo, no caso do discurso (até então bastante genérico) em favor da “revitalização” do Mercosul e de sua ampliação até incorporar plenamente o Chile e outros parceiros da América do Sul. Antes de sua primeira viagem como presidente eleito aos parceiros do Cone Sul, em dezembro, Lula chegou a exibir um certo otimismo quanto à sua capacidade política em “resolver” os problemas do bloco, desconhecendo, aparentemente, os graves problemas estruturais, institucionais e conjunturais que se escondiam atrás das deficiências do processo integracionista, como por exemplo as perfurações da Tarifa Externa Comum, as salvaguardas ilegais aplicadas pelos países, a deficiente internalização dos regulamentos comuns e outros mais. A intenção de acolher o Chile como membro pleno do bloco, em particular, chocou-se com a realidade econômica de um país reconhecidamente aberto, isto é, “neoliberal” assumido, em busca de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos (e com quem mais estivesse disposto a aceitar acordos de abertura econômica e de liberalização comercial).

Da mesma forma, a tentativa do assessor diplomático do presidente eleito, Marco Aurélio Garcia, de intermediar a crise política na Venezuela, mediante viagem de contato e conversações em dezembro de 2002 (ainda antes da posse, portanto), teve igualmente de confrontar-se aos dados da realidade local, com um certo desgaste diplomático para o Brasil, rapidamente reparado pelo novo chanceler a partir de sua posse. Estes dois

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exemplos constituíram os primeiros testes, ainda que parciais, acerca das possibilidades e limites da mera vontade política em matéria diplomática, terreno no qual os dados estruturais e a capacidade de “intervenção” do Brasil são manifestamente restritos. Em todo caso, Lula tinha a intenção de implementar uma política externa mais pragmática e menos “presidencial” que a do presidente Fernando Henrique Cardoso, dando mais prioridade ao Mercosul e ao processo de integração regional na América do Sul, vistos por ele como essenciais nas negociações da Alca (como aliás já eram na administração anterior). O discurso da mudança e a realidade da continuidade aparecem assim como duas características evidentes da diplomacia introduzida pela nova administração.

Esse novo realismo diplomático ficou bastante evidente no discurso de posse, feito no Congresso Nacional, em 1° de janeiro de 2003, quando o presidente sublinhou os elementos constitutivos e as principais diretrizes da sua política externa: “No meu governo, a ação diplomática do Brasil estará orientada por uma perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento do desenvolvimento nacional. Por meio do comércio exterior, da capacitação de tecnologias avançadas, e da busca de investimentos produtivos, o relacionamento externo do Brasil deverá contribuir para a melhoria das condições de vida da mulher e do homem brasileiros, elevando os níveis de renda e gerando empregos dignos.” Destacou então as áreas selecionadas como prioritárias para a atuação da diplomacia profissional:

“As negociações comerciais são hoje de importância vital. Em relação à Alca, nos entendimentos entre o Mercosul e a União Européia, que [sic; provavelmente: “e”] na Organização Mundial do Comércio, o Brasil combaterá o protecionismo, lutará pela eliminação [sic; nota do autor: talvez se trate “de subsídios abusivos”] e tratará de obter regras mais justas e adequadas à nossa condição de país em desenvolvimento. Buscaremos eliminar os escandalosos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos que prejudicam os nossos produtores privando-os de suas vantagens comparativas. Com igual empenho, esforçaremo-nos para remover os injustificáveis obstáculos às exportações de produtos industriais. Essencial em todos esses foros é preservar os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico.”

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A política externa brasileira, desde os anos 1960 pelo menos, tem sido descrita, por muitos especialistas e mesmo por diplomatas de carreira, como uma “diplomacia do desenvolvimento”, o que está conforme as linhas gerais de atuação do corpo profissional nos mais diversos foros abertos ao engenho e arte dessa diplomacia, que é reconhecida, dentro e fora do continente, como altamente institucionalizada. Preconizar agora que ela converta-se em “instrumento do desenvolvimento nacional” consistiria apenas em tornar mais explícito aquilo que já era implícito à atuação diplomática desde várias décadas, sem que se saiba exatamente em quais pontos ela deveria mudar para adequar-se aos novos padrões de comportamento e ação que passam a lhe ser exigidos doravante.

Deve-se compreender a diretriz como uma recomendação para ela passe a ser, nos foros negociadores internacionais, em especial nos de caráter econômico-comercial, ainda mais ativa e exigente do ponto de vista das demandas do Brasil, ainda visto como país em desenvolvimento, com todas as implicações que daí possam resultar (tratamento especial e diferenciado, isto é, preferencial em termos tarifários e de acesso a mercados, mais favorável no que respeita a mecanismos regulatórios etc.). A nova abordagem ganha luzes mais claras quando se destaca a demanda, mencionada em seguida, por “espaços de flexibilidade” para as políticas setoriais, o que deve ser entendido como uma condenação implícita pela falta de políticas ativas na área industrial por parte da administração anterior e uma antecipação de possíveis linhas de ação nas negociações comerciais multilaterais da OMC, onde se procurará evitar qualquer nova regulação intrusiva – e de fato se procurará reverter as regras existentes – no campo dos requisitos de desempenho que ocasionalmente são associados aos investimentos estrangeiros.

Trata-se, talvez, de tornar mais enfáticas algumas linhas de atuação que já vinham sendo seguidas, com as hesitações que se sabe, pela diplomacia do governo anterior, mas não algo que represente inovação absoluta para todos aqueles já engajados, dentro e fora do Itamaraty, nesse tipo de exercício negociador. Para comprovar tal assertiva, bastaria, por exemplo, compulsar o relatório preparado pelo Itamaraty para a equipe de transição, no qual pode-se ler a síntese seguinte em relação aos objetivos perseguidos pela política externa da gestão FHC: “Buscou-se ampliar a presença do País na economia mundial, tendo como vetores o fortalecimento do Mercosul, o compromisso com a integração da América do Sul, a defesa de uma globalização receptiva aos interesses do mundo em

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desenvolvimento, a participação ativa na definição de novas regras para o comércio internacional e o pleito por maior acesso de nossos produtos aos mercados industrializados” (MRE, 2002).

Com algumas diferenças de ênfase, talvez, como na intenção declarada de reduzir a vulnerabilidade externa, estes são também os principais objetivos da nova diplomacia, como revelado no discurso de posse do novo chanceler. Com efeito, Celso Amorim sublinhou, em seu primeiro pronunciamento oficial, posições praticamente equivalentes: “Participaremos empenhadamente das diversas negociações comerciais movidos pela busca de vantagens concretas, sem constrangimento de nos apresentarmos como país em desenvolvimento e de reivindicarmos tratamento justo”; “Combateremos práticas protecionistas que tanto prejudicam nossa agricultura e nossa indústria”; “Reforçaremos as dimensões política e social do Mercosul, sem perder de vista a necessidade de enfrentar as dificuldades da agenda econômico-comercial, de acordo com um cronograma preciso”; e “Consideramos essencial aprofundar a integração entre os países da América do Sul nos mais diversos planos” (AMORIM, 2003).

5. De volta para o futuro: os grandes temas da agenda diplomática do novo governo Os principais problemas da agenda externa do Brasil, nem todos situados no campo exclusivo da diplomacia profissional, pareciam ser, ao início do novo governo: o restabelecimento da confiança na capacidade do Brasil em continuar uma inserção de caráter positivo na economia internacional — o que basicamente significa capacidade de pagamentos externos e a ausência (da ameaça) de default nas obrigações financeiras —, a continuidade da participação nos diversos foros negociadores de caráter comercial — Alca, Mercosul-UE e sobretudo rodada da OMC —, a recomposição das condições de funcionamento pleno do Mercosul — hoje fragilizado por diversas inadimplências dos próprios países membros em relação aos requisitos de sua união aduaneira, teoricamente em vigor, mas de fato pouco operacional — e uma série de outros problemas tópicos que podem acarretar custos temporários ou desviar energias em relação aos temas relevantes daquela agenda (como problemas políticos ou de segurança na Venezuela, na Colômbia,

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na Bolívia ou no Paraguai). Dessas questões, as mais importantes são obviamente as vinculadas ao serviço da dívida externa, cuja administração não é problemática em si mas que está vinculada parcialmente ao comportamento do câmbio e das reservas em divisas, o que determinou, em três ocasiões desde 1998, a conclusão de acordos de sustentação financeira preventiva com o FMI. Trata-se de um assunto que escapa ao comando da diplomacia profissional e releva das autoridades da área econômica, cujo comportamento, nesse particular, tem revelado ainda mais linhas de continuidade com a administração anterior do que os temas a cargo da equipe diplomática, razão inclusive de recriminações por parte de setores alegadamente mais à esquerda do partido agora dominante.

Uma característica essencial desse tipo de problema, como aliás de vários dos situados na área propriamente diplomática, é a pouca margem de manobra deixada para a ação do próprio governo, uma vez que a percepção do risco-Brasil – e portanto da maior ou menor atratividade aos investimentos ou capitais financeiros do exterior –, o comportamento da paridade cambial do real, assim como dos mercados externos para nossas principais mercadorias de exportação não dependem diretamente de ações ou medidas que a administração possa tomar no campo econômico ou financeiro, e sim de condições e indicadores vinculados a fatores externos ou impermeáveis a decisões do governo brasileiro. Da mesma forma, nossa capacidade de “recomposição” do Mercosul tem tido até aqui pouco efeito real, em virtude da continuada crise na vizinha Argentina – em menor grau no Uruguai e no Paraguai, também – para não mencionar as dinâmicas políticas e sociais em vigor em outros países da região – Colômbia e Venezuela, seriam os exemplos mais evidentes -, para os quais um encaminhamento adequado das crises respectivas parece passar ao largo de nossas modestas possibilidades – basicamente soldados e talão de cheques, para resumir duas alavancas mais comuns – de intervenção efetiva. Nesse sentido, a atuação preferencial em escala regional continuará pertencendo ao tradicional campo da diplomacia profissional, nos quais nossos talentos específicos podem compensar deficiências relativas em outras áreas.

Um exemplo dessas fragilidades externas foi dado pela questão do Iraque, em relação à qual as perspectivas de conflito acarretam diversos inconvenientes de ordem econômica — nos campos de acesso a mercados e de pagamentos externos, como reflexo da sobrecarga no abastecimento interno em petróleo, mas sobretudo na área dos fluxos

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financeiros — gerando, portanto, um ativismo pacifista que guarda apenas relativo vínculo com nossa capacidade real de intervenção nos dados mais diretos do problema. A contenção de desgastes imediatos, deixada inteiramente a cargo da diplomacia (mas com a percepção concreta dos reflexos diretos e indiretos no domínio econômico), tem assim maior importância relativa do que uma eventual busca de prestígio externo ou exercício de qualificação para o Conselho de Segurança da ONU. Em todo caso, trata-se de um terreno no qual o segmento profissional da política externa encontra-se mais à vontade em sua prática experimentada de diplomacia parlamentar e de conciliação de posições.

Não faltou, tampouco neste caso, o exemplo da diplomacia presidencial que já vinha sendo praticada com uma certa desenvoltura na administração anterior. A retomada desse tipo de prática ficou ainda ainda mais evidente a partir da decisão de Lula de participar, de forma quase simultânea, dos foros de Porto Alegre e de Davos, abrindo a perspectiva de que o Brasil contribuísse para tentar unificar, numa única agenda do desenvolvimento, as dimensões sociais e econômicas das políticas públicas adotadas nos planos nacional e internacional. A mensagem de Lula em ambos os foros foi praticamente a mesma, cabendo em todo caso registrar a cobrança mais enfática, feita no Foro Econômico Mundial, de um maior engajamento dos países avançados e dos organismos multilaterais com uma solução duradoura para os problemas da miséria e marginalidade que ainda afligem parte substancial da humanidade.

Em suma, constatadas algumas variações conceituais e a nova ênfase na defesa afirmada da soberania nacional, a política externa do governo Lula não parece distanciar-se, significativamente, da diplomacia conduzida de maneira bastante profissional pelo Itamaraty no período recente, conformando aliás uma concordância de princípio com a tradicional “diplomacia do desenvolvimento” impulsionada pelo Brasil desde largos anos. No tratamento operacional dessa diplomacia, a retomada de alguns grandes temas da ação externa do Brasil também ficou evidenciada, como registrado na primeira mensagem do presidente ao Congresso Nacional, em 17 de fevereiro de 2003: “Nas viagens que fiz ao exterior, reafirmei alguns compromissos do nosso país. Em primeiro lugar, o de defesa da paz e de uma ordem mais justa entre as nações ricas e pobres do planeta. Em segundo, o de buscar a reconstrução do Mercosul e a união dos países do nosso continente para obtermos uma inserção soberana no mundo globalizado” (PRESIDÊNCIA da República,

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2003). Estes são precisamente os temas que vêm ocupando tradicionalmente a diplomacia brasileira – o do Mercosul desde mais de uma década – e são eles que devem mobilizar a atenção dos novos administradores nos próximos anos.

De novidade, mesmo, nessa primeira mensagem ao Congresso, registre-se a decisão de reafirmar a importância da política africana e a intenção de ampliar a presença diplomática naquele continente, bem como a constatação — verdadeira, mas conforme a uma tradicional divisão de trabalho com a área fazendária — de que o Itamaraty “ocupou-se pouco de questões financeiras, mantendo-se praticamente à margem das deliberações internacionais nessa área, cuja importância política, econômica e comercial é notória e fundamental”. Em relação ao Mercosul, foi apontada a necessidade de que o bloco possa passar a dispor de “instituições mais permanentes e ganhe solidez jurídica”, sem porém a indicação conseqüente das medidas concretas para concretizar tal proposta, salvo a menção do apoio à “criação de um Instituto Monetário que realize estudos sobre as tarefas necessárias para que o Mercosul venha a ter uma moeda comum” e o início dos estudos para a constituição de seu parlamento (alegadamente por voto direto). Em relação ao processo de integração regional, trata-se, sem dúvida, de um dos temas mais relevantes da política externa brasileira e o mais suscetível de mobilizar a atenção dos planejadores nas mais diversas esferas da política econômica nacional e setorial, nos âmbitos comercial, industrial, agrícola e tecnológico, com impacto direto sobre o modelo de desenvolvimento econômico e social que o Brasil poderá ter nos próximos anos.

No plano operacional, parece inevitável o aumento do diálogo do Itamaraty com o Congresso e outras forças organizadas da sociedade civil, como os sindicatos, as organizações não-governamentais e representantes do mundo acadêmico. Trata-se, em todo caso, de uma saudável inovação para uma instituição cujo moto organizador parece consubstanciar-se na frase “renovar-se na continuidade”. Com talvez alguma surpresas verbais, naturais em momentos de mudança paradigmática como a que vive o Brasil, tanto a inovação como a continuidade parecem garantidas no futuro governo sob a hegemonia do novo centro político brasileiro.

As gerações mais jovens do Itamaraty certamente receberam com bastante satisfação a confirmação da mudança política no cenário eleitoral e parecem animadas com as perspectivas de mudança – talvez até geracional – que podem operar-se na

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“velha” Casa de Rio Branco. A confirmar-se a “continuidade da renovação”, o Itamaraty tem todas as condições de emergir, nos próximos quatro anos, com uma nova legitimidade no plano societal interno, ao ser implementada a nova diretriz de colocar, de maneira mais afirmada, a política externa a serviço de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social.

* Paulo Roberto de Almeida é doutor em ciências sociais, diplomata de carreira e autor do livro Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (2001); e-mail: pralmeida@mac.com; website: www.pralmeida.org.

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PRESIDÊNCIA da República. 2003. “Mensagem ao Congresso Nacional”, 17 de fevereiro; as partes relativas à defesa e à política externa estão disponíveis no link: http://www.presidencia.gov.br/publi_04/COLECAO/mens03_10.pdf

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Resumo: Análise das posições de política externa assumidas pelo Partido dos Trabalhadores e pelo candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva, desde a fundação do partido e as eleições de 1989, até o pleito vitorioso de 2002, com destaque para os temas básicos e a evolução gradual em direção de uma postura mais próxima da forma tradicional de atuação da diplomacia profissional. Exame das principais questões da agenda diplomática brasileira e discussão dos limites e possibilidades de inovação nesse terreno, com evidências sobre a preservação das grandes linhas de continuidade nesse campo.

Palavras-chave: diplomacia brasileira, agenda econômica internacional, Mercosul, Partido dos Trabalhadores.

Referências

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