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Vista do O PROTESTANTISMO NO CONTEXTO DA CRIAÇÃO DA CLÁUSULA DE SEPARAÇÃO ENTRE ESTADO E IGREJA NO BRASIL | Acta Científica. Ciências Humanas

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CLÁUSULA DE SEPARAÇÃO ENTRE ESTADO E IGREJA NO BRASIL

Dilson Cavalcanti Batista Neto1 Expedito Claudenilton Pereira Lima2

Resumo: No presente artigo buscou-se retratar como o Protestantismo de

Mis-são e o Decreto 119-A/1890 foram instrumentos que influenciaram no reco-nhecimento da liberdade religiosa. Assim, abordar os primeiros momentos em que as ideologias protestantes encontraram campo de atuação no Brasil, distin-guir os modos que implicaram no seu desenvolvimento, e investigar como os missionários e o Decreto de 119-A de 1890 foram importantes, impulsionando a liberdade religiosa no território brasileiro. Dessa forma, desejou-se analisar como foi possível o exercício de tais ideias, devido ao fato de ser proibida por lei a liberdade de culto de religiões que fossem de outra vertente que não a Católica, visto que esta era religião oficial. Usou-se do método dedutivo, por meios de pesquisas bibliográficas, envolvendo as primeiras tentativas de implantação do Protestantismo até a sua consolidação. Portanto, percebeu-se que o reconheci-mento da Liberdade Religiosa no Brasil foi algo que necessitou de vários fatores, tanto econômicos, políticos e sociais para se chegar ao paradigma de separação entre Estado e Igreja que se consolidou após a República.

Palavras-chave: Liberdade religiosa; Protestantismo de missão; Protestantismo

de imigração; Decreto 119-A de 1890.

1 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). E-mail: dilson.neto@unasp.edu.br

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PROTESTANTISM IN THE CONTEXT OF THE CREATION OF THE

SEPARATION CLAUSE BETWEEN STATE AND CHURCH IN BRAZIL

Abstract: In this article we sought to portray how Mission Protestantism and

Decree 119-A / 1890 were instruments that influenced the recognition of Reli-gious Freedom. Thus, to address the first moments in which Protestant ideolo-gies found scope in Brazil, to distinguish the modes that imply in their develo-pment, and to investigate how the missionaries and the Decree of 119-A of 1890 were important and impelled Religious Liberty in the Brazil. In this way, it was desired to analyze how it is possible to exercise such ideas, due to the fact that the freedom of worship of religions that are of another slope than the Catholic one, as it was official religion, is prohibited by law. It was used of the deductive method, by means of bibliographical researches, involving as first attempts of implantation of Protestantism until its consolidation. Therefore, it was realized that the recognition of Religious Freedom in Brazil was something that needed several factors, both economic, political and social to reach the paradigm of separation between State and Church that was consolidated after the Republic.

Keywords: Religious freedom; Missionary Protestantism; Immigration

Protes-tantism; Decree 119-A 1890.

Introdução

A presença dos protestantes na contemporaneidade é bastante notória, contudo, a sua inserção no território brasileiro merece um estudo, visto que seu desenvolvimento ocorreu no período do Brasil Imperial, em uma época em que se tinha na sociedade vários dilemas, tais como a escravidão, e a “ditadura política-religiosa” nos textos constitucionais.

Contudo, é preciso destacar que não foi apenas século 19 que se teve a ten-tativa de inserção do protestantismo entre a população brasileira. No período do Brasil Colonial, teve sua presença em duas regiões brasileiras, por meios de invasões de nações europeias, a França e a Holanda, sendo que grande parte dos invasores professavam a fé protestante. Entretanto, foram expulsos e, con-sequentemente, durante um determinado tempo o Brasil ficou sem a presença das ideologias protestantes.

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Assim, o protestantismo só cria espaço novamente na sociedade brasileira no século 19. Por conta do Tratado de abertura dos portos, criou-se uma “bre-cha” para que houvesse novamente a presença mais marcante dos protestantes entre os brasileiros. Deve-se salientar que este fato impulsionou o que se chama de “protestantismo de missão”. Mas a fé protestante já tinha seus representantes devido à imigração.

O presente trabalho trata, primeiramente, do contexto histórico, econômico e político que se encontrava o Brasil nesse período. Em seguida, discorre acer-ca das duas vertentes do protestantismo: o de Imigração e o de Missão. Por fim, aborda o Decreto 119-A,3 já que este foi um marco jurídico no fim do período imperial e o início da República, pois defendia a separação entre Religião e Estado. Dessa forma, o objetivo deste artigo é, primeiramente, abordar o surgi-mento dos protestantes no Brasil, as formas que se encontravam para espalhar suas ideias, destacando as primeiras religiões que eram presentes nessa época. Com isso, pretende fazer uma ligação entre o crescimento do Protestantismo Missionário e o surgimento do Decreto 119-A. Um pressuposto para que haja o florescimento das missões religiosas é a garantia do direito ao proselitismo, ao convencimento dos concidadãos, que só se tornou viável após a edição do referido Decreto.

Contexto histórico e as influências de imigrantes no período do Império

O século 19 se torna de grande importância para o Brasil, pois foi de mui-tas mudanças no âmbito social, político e econômico. No tocante ao exercício da fé prestante, é necessário compreender como esse momento histórico pro-piciou o desenvolvimento do Protestantismo no solo brasileiro, destacando os fatores que conduziram a essa concretização.

Desde a colonização do Brasil, o intuito que os ocupantes possuíam para com a sua colônia era, indubitavelmente, o de conseguir riquezas. Nesse cená-rio, o papel dos portugueses estava ligado exclusivamente ao lucro. Como, por exemplo, de atingir tal fim foi plantio de cana para a fabricação do açúcar e, assim, realizar exportação para o mercado europeu (HOLANDA, 1995, p. 49).

Percebe-se, nesse contexto, que o processo administrativo português no Brasil do período colonial, que visava a exploração, se perpetua até o início Império. O objetivo era a acumulação primitiva de capitais, transferir a riqueza do território brasileiro para Portugal, e, consequentemente, manter a relação fechada entre a metrópole e sua colônia (SERRÃO et al., 1986, p. 157).

O desenvolvimento social do Brasil ganha novos contornos quando a Cor-te portuguesa vem para o as Cor-terras brasileiras. No ano de 1808, como aponta 3 Disponível em: <https://bit.ly/1WuMd3z>. Acesso em: 15 set. 2015.

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Prado Júnior (1969, p. 42), devido à situação que se passava na Europa, o Reino Lusitano decide mandar sua Corte para a colônia brasileira, como um meio de esperar a situação beligerante no seu continente arrefecer. Com isso, tem-se a vinda da Família Real, o que possibilitou no processo de independência brasi-leira e, consequentemente, a das relações britânicas com o Brasil.

Após a chegada da Coroa Portuguesa na colônia, devido à “abertura dos portos as nações amigas”, foi possível realizar uma ruptura na área econômica da hegemônica mercantilização entre Brasil e Portugal, tornando-se possível a exportação direta para outras regiões, não somente para a metrópole.

Como afirma Santos (2005, p. 84), após a abertura dos portos, a Inglaterra pressiona Dom João VI para que assinasse o Tratado de Comércio e Navegação, e o Tratado de Aliança e Amizade. Contudo, a proposta era de cunho negativo na área econômica e industrial para o Brasil, pois os ingleses teriam grande vantagem sobre o mercado brasileiro. Por outro lado, no que diz respeito à te-mática abordada no presente trabalho, no cenário religioso isso foi de suma importância para que houvesse uma quebra na relação entre Igreja e Estado.

A principal fonte de variedade religiosa no campo brasileiro, desde a época do Império, foi o aumento de imigração. Em busca de expandir o cenário eco-nômico brasileiro e satisfazer as elites da época, aumentava-se a produção e o comércio de exportação era supervalorizado. Destaca-se que o engajamento dos imigrantes teve seu início por volta de 1820.

Nesse ínterim, traz-se a seguinte disposição sobre o Tratado do Comércio e Navegação em seu artigo 12º:

Sua alteza real o príncipe regente de Portugal declara, e se obriga no seu pró-prio nome, e no de seus herdeiros e sucessores, que os vassalos de sua ma-jestade Britânica, residentes nos seus territórios e domínios, não serão per-turbados, inquietados, perseguidos, ou molestados por causa da sua religião, mas antes terão perfeita liberdade de consciência e licença para assistirem e celebrarem o serviço divino em honra do Todo-Poderoso Deus quer seja dentro de suas casas particulares, quer nas suas igrejas e capelas, que Sua Alteza Real agora, e para sempre graciosamente lhes concede a permissão de

edificarem e manterem dentro dos seus domínios. Contanto, porém que as sobreditas igrejas e capelas sejam construídas de tal modo que externamente se assemelhem a casas de habitação; e também que o uso dos sinos não lhes seja permitido para o fim de anunciarem publicamente as horas do servi-ço divino. Ademais estipulou-se que nem os vassalos da Grã-Bretanha, nem quaisquer outros estrangeiros de comunhão diferente da religião dominante nos domínios de Portugal, serão perseguidos, ou inquietados por matéria de consciência, tanto no que concerne suas pessoas como suas propriedades,

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quanto se conduzirem com ordem, decência e moralidade e de modo adequa-do aos usos adequa-do país, e ao seu estabelecimento religioso e político [...] (REILY, 2003, p. 47).

É imperioso notar que esses dispositivos foram impulsionadores para re-criar a presença protestante no território brasileiro (MENDONÇA, 1995, p. 26), pois a Igreja Católica, nessa época, podia ser comparada a uma corporação, pois “podia ser aliada e até mesmo cúmplice fiel do poder civil, onde se tratasse de re-frear certas paixões populares; como indivíduos, porém, os religiosos lhe foram constantemente contrários” (HOLANDA, 1995, p. 118). Dessa forma, participa-va atiparticipa-vamente nas questões de assuntos estatais.

A presença protestante no Brasil e a Constituição de 1824

De acordo com Costa (2007, p. 60) ,a independência do Brasil tinha como principais objetivos: “libertar o país das restrições impostas pelo Estatuto Co-lonial, assegurar liberdade de comércio e garantir a autonomia administrativa”.

Vale ressaltar que no período do Brasil Imperial se destaca:

O caráter ambíguo das ideias e das instituições tornava-se mais evidente em época de crise. Nos momentos de normalidade predominava o pacto básico entre o rei e os barões, predominava a ficção do regime constitucional, da representação, dos partidos, do liberalismo político, da civilização (CARVA-LHO, 2008, p. 418).

Conforme Prado Júnior (1969, p. 54), D. Pedro I, após dissolver a Assem-bleia Constituinte que existia, cria uma comissão para elaborar um projeto constitucional, recomendando seguir o máximo das ideologias propagadas pelo liberalismo que, todavia, acabou não se concretizando.

Os porta-vozes das classes dominantes eram as elites de letrados, pois fala-vam em nome das classes sociais dominantes, divulgando as ideias liberais com o fito de mascarar as contradições que se tinham no sistema (COSTA, 2007, p. 61).

A liberdade religiosa foi bastante discutida na Constituinte de 1823. Isso se deu por conta de o Parlamento possuir numerosos indivíduos que defendiam as ideias liberais, e outros que já analisavam as relações econômicas que o Brasil realizaria com nações não católicas. Entretanto, houveram certas obstruções devido aos constituintes obterem uma quantidade representativa de padres, por isso, tentou-se entrar em um acordo para que pudesse beneficiar os dois lados religiosos (MENDONÇA, 1995, p. 26).

Por outro lado, Ribeiro (1973, p. 28) expõe que havia divergências a respei-to da liberdade de culrespei-to para os brasileiros narespei-tos que aderissem à fé protestante,

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afinal, só se aceitava a liberdade de culto dos estrangeiros devido aos tratados de 1810. Entre os defensores da liberdade de crença estava o Monsenhor Moniz Tavares, que sustentava que o Governo deveria proteger todos os seus súditos,

independentemente da religião que professavam.

Essa discussão salutar no contexto democrático não ganhou vazão no impe-rialismo de D. Pedro I. Este desfez a Constituinte e, através de manobras políticas, acabou outorgando4 a Constituição de 1824 (VILLA, 2011, p. 17; BRASIL, 1824).

Assim, a primeira Constituição brasileira, no tocante da temática que está sendo trabalhada, necessita de enfoque no seu artigo 5º que dispunha: “A Reli-gião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a ReliReli-gião do Império. To-das as outras Religiões serão permitiTo-das com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”.

Isto posto, Mendonça (1995, p. 26) demonstra que os estrangeiros que che-garam no período antecedente de 1824 praticavam sua fé de acordo como a situação que permitia seu exercício. Além disso, salienta que a primeira Magna Carta deixava estabelecido que ninguém seria perseguido por motivos de reli-gião e nem privado dos seus direitos políticos.

Conforme ressalta Souza (2009, p. 163), mesmo com muitas ideologias euro-peias e americanas sobre a separação entre Religião e Estado, “a união entre poder político e poder religioso perpetuou no Brasil durante todo o Império”. Destarte, é notável que o período imperial foi marcado com o domínio da religião católica, por estar ligado ao Estado, visto que o momento era bastante propício a existir essa união, ou pode-se afirmar de uma “ditadura política-religiosa”.

Nesse contexto, chama-se atenção para o conjunto de fatores que irão in-fluenciar na implantação das ideias protestantes no território brasileiro:

[...] a assinatura do tratado de comércio de Portugal com a Inglaterra em 1810; movimentos de liberação nacional que culminam com a independência po-lítica em 1822; expansão das ideias liberais; liderança do sistema capitalista mundial assumida pela Inglaterra e fortalecimento dos Estados Unidos, com interesses econômicos no Brasil; e correntes migratórias originárias desses países e também da Alemanha (RAMALHO, 1976, p. 52-53).

No que concerne ao desenvolvimento e à implantação do Protestantismo no Brasil, deve-se destacar que, para se chegar ao que se tem hoje, foi necessário

4 Na técnica constitucional, denomina-se o termo “outorga” para constituições impostas por governantes ou ditadores aos governados. Já as constituições “promulgadas” são aquelas oriun-das de assembleias constituintes aonde, à princípio, haja uma representatividade democrática (SOUZA NETO; SARMENTO, 2014, p. 66).

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que os não católicos atuassem em duas vertentes: primeiro devido à abertura dos portos como foi citado acima, possibilitou a entrada da primeira fase que levou ao protestantismo imigratório; e, por conseguinte, surgiu outro meio para se espalhar a crença protestante, o protestantismo missionário, principalmente devido ao Decreto 119-A/1890. Por este ser um trabalho prioritariamente preo-cupado com a história da liberdade, é que se passa, nos dois próximos tópicos, a discorrer sobre a história das linhas do protestantismo que se firmaram no Brasil no século 19.

O Protestantismo de Imigração no Brasil

Como abordado anteriormente, a atuação dos imigrantes no território bra-sileiro teve influência em vários campos, inclusive no religioso. Com a abertura dos portos e os Tratados estabelecidos em 1810, tornou-se novamente propícia a presença dos protestantes frente à força exercida pelo catolicismo.

Em vista disso, Franca (1952, p. 279-280) evidencia que:

A divisão da cristandade é um dos grandes escândalos da história. A política, a ambição, os regionalismos acanhados destacaram, no correr dos séculos, da unidade católica grandes e pequenas igrejas que se foram organizando à feição e semelhança dos interesses locais e momentâneos.

O marco inicial do protestantismo se dá no século 16 por meio da Reforma Protestante. É nesse momento, por meio das teses de Lutero, que iam contra o instrumento que a Igreja Católica usava para levar a “mensagem” para a socie-dade. Assim, segundo Lutero, essa forma de pregar o evangelho ia contra o que a Bíblia realmente defendia (SILVA, 2009, p. 4).

Percebe-se ainda, conforme Reily (2003, p. 41-43), que na região da Amé-rica do Norte existia um vasto acatolicismo, sentimento derivado dos aconteci-mentos da Reforma Inglesa devido à consideração de uma grande quantidade de mulheres e crianças como hereges. É provável que tais consequências promo-veram ódio e sentimento anticatólico, algo que nem mesmo os esforços gover-namentais haviam conseguido extirpar.

Tem-se então a ideia de protestantismo, que de acordo com Boisset (1971, p. 9) é “[..] é uma atitude de pensamento e de vida no seio do cristianismo que se pretende fiel ao evangelho”.

Partindo da observação feita por Matos (2011, p. 6), no território brasileiro, a partir do século 17, foram surgindo novas convicções advindas da Europa, como os preceitos que o iluminismo, o liberalismo, a maçonaria, os princípios democráticos dos franceses e alemães discutiam. Com isso, tais ideologias fo-ram ganhando campo e influência no meio sócio-político e até mesmo religioso,

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provocando dois efeitos no campo religioso: o enfraquecimento do catolicismo e a abertura e ascensão para a fé protestante.

Até a proclamação da independência, Ribeiro (1973, p. 18) relata que não havia presença de uma igreja protestante no Brasil, nem mesmo um culto que falava a língua portuguesa, assim, não se tinha notícia sequer de um indivíduo brasileiro que seguisse os ideais protestantes.

Logo em seguida à independência, a Igreja passou por uma crise significati-va, além da necessidade de uma reforma, pois os clérigos não estavam mais conse-guindo realizar sua missão. Além disso, um grande fluxo de imigrantes começou a vir para o Brasil, devido à necessidade de mão de obra, já que trazer os escravos estavam se tornando mais caro. Com isso, devido à vinda dos imigrantes, foram entrando também as suas denominações religiosas (SILVA, 2011, p. 114).

A situação que se tinha na época, como retrata Léonard (2002, p. 32-37), é de que a hierarquia religiosa estava reduzida a um arcebispado. Haviam regiões que se encontravam completamente devastadas, a falta de uma figura religiosa para administrar as paróquias, sendo possivelmente por conta da falta de remu-neração, e o caráter voluntário dos tempos primitivos já não se encontrava mais nos indivíduos, o que resultou no declínio do espírito apostólico.

Dessa forma, Ribeiro (1973, p. 21) aduz que a aceitação das ideias protes-tantes primeiramente não se deu por indivíduos de alta posição na hierarquia social. Porém, com o contexto acima descrito, muitos começaram a aceitar de livre e espontânea vontade as novas concepções de comportamentos religiosos, por meio das propostas dos novos cânones. Em especial aqueles que representa-vam as classes menos favorecidas.

Pode-se destacar sobre o protestantismo de imigração duas grandes deno-minações: o Anglicanismo e o Luteranismo.

Anglicanismo

Advindo da Reforma Inglesa, o Anglicanismo surge decorrente das lutas internas que o calvinismo enfrentou com a Igreja Católica. Todavia, com a pre-sença de Isabel I, é que se reestabeleceu a Igreja Anglicana como oficial do Esta-do. Além disso, pode-se afirmar que foi uma base para que o protestantismo se estabelecesse mundo a fora (MENDONÇA, 1995, p. 36).

Os anglicanos consideram-se como uma unidade, e recusam esse título de protestantes. Contudo, não se pode desconsiderar que existem fatores que os aproximam do protestantismo, como a ala chamada Evangélica da Igreja An-glicana. Mas, considerando sua presença no Brasil, percebe-se que os ingleses foram o que introduziram o protestantismo de imigração (MEDONÇA, 2005, p. 50-51).

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Ademais, em consonância com Dunstan (1964, p. 79), é comum para os anglicanos tentar manter um equilibro entre as ideologias do catolicismo e as propagadas pelo protestantismo. Salienta ainda que, mesmo que possuam di-vergências, é de tradição anglicana a insistência em manter-se ligada aos dois. Assim, sendo considerada como a “dialética do cristianismo”.

No tocante sobre a presença em território brasileiro, como já citado, se deu por meio dos tratados de fevereiro de 1810. Por esse mister, Ribeiro (1973, p. 17), explicita o desenvolvimento que os ingleses passaram até realmente realizarem seus cultos, em que por meio do Rev. Robert Crane e Jeremiah Flyn, chegados respectivamente em 1816 e 1817, é que foi iniciada a construção do primeiro Templo, fazendo-o de acordo com as condições do Tratado.

Quanto à realização dos cultos, Reily (2003, p. 48-49) relata que não po-deriam ser feitos em lugares públicos e nem seus templos popo-deriam ter uma estrutura que remetesse a uma igreja, fatores que o Tratado deixava explícito como crime, submetido a multas.

Nesse período, os anglicanos não tinham uma visão de missão aqui no Brasil, devido à situação em que não era propício para a conversão de novos membros no território brasileiro, entretanto, Mendonça (1995, p. 28) aduz que eles estavam voltados à assistência religiosa para os imigrantes.

O Anglicanismo teve como característica seu trabalho realizado por meio de capelanias, através do uso do idioma inglês, atendia os ingleses, mas sem o intuito de propagar a fé na sociedade brasileira. Todavia, deve-se salientar que somente em 1822, meses após a independência, que os anglicanos inauguraram o primeiro edifício protestante oficial, no Rio de Janeiro (REILY, 2003, p. 46, 54).

Luteranismo

A chegada dos Luteranos nas terras brasileiras teve grande influência das imigrações de colonos evangélicos, por volta de 1823 e 1824. Para alguns pes-quisadores, a Imperatriz Leopoldina foi quem teve um papel importante para a realização da imigração germânica, pelo fato dela ser filha do imperador Fran-cisco I da Aústria (SILVA, 2011, p. 116).

Com a chegada dos alemães imigrantes, em sua maioria protestantes, si-nalizava-se o início da presença Luterana, trazendo da Alemanha a sua fé. Eles traziam consigo poucos livros, porém era por meio desses poucos que manti-veram e nutriram a sua religiosidade. Não obstante, isso não significava que a presença de não católicos fosse algo tranquilo. Com isso, os imigrantes tiveram que modificar suas vidas aqui no Brasil (SANTOS; CECCHETTI, 2013, p. 4 e 7). As primeiras igrejas protestantes alemãs recebiam essa denominação des-de seu começo na Alemanha, visando a pregação da paz religiosa e não con-quista de território. Por isso, o Luteranismo não tinha a preocupação de usar o

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nome de denominação, mas tais igrejas alemãs eram a representação da crença luterana (SILVA, 2011, p. 117)

Vale ressaltar o que Matos (2011, p. 8 e 9) aduz acerca dos primeiros repre-sentantes luteranos que chegaram em 1824, tendo como seu pastor, Friedrich Oswald Sauerbronn, instalando-se principalmente em Nova Friburgo, Rio de Janeiro. Ele aponta que, entre os anos de 1824 e 1830, cerca de 4.800 foram para o Sul do país, sendo 60% protestantes, tendo Johann Georg Ehlers, Karl Leo-pold Voges e Friedrich Christian Klingelhöffer como seus primeiros pastores.

A pregação, realizada por meio do idioma nacional, só começou a ser em-pregada no período da Segunda Guerra Mundial, resultando assim em um “processo de integração mais afetiva à vida do país” (SILVA, 2011, p. 117).

Nesse diapasão, Matos (2011, p. 9) aponta que:

Em junho de 1827, por iniciativa do cônsul da Prússia, Wilhelm von There-min, foi criada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, congregando luteranos e calvinistas, cujo primeiro pastor foi Ludwig Neu-mann. Em 1837, o primeiro santuário passou a funcionar em um edifício alugado, sendo o edifício próprio inaugurado em 1845. Por falta de ministros ordenados, os primeiros luteranos organizaram sua própria vida religiosa. Elegeram leigos para serem pastores e professores, os “pregadores-colonos”. Todavia, na década de 1850, a Prússia e a Suíça “descobriram” os alemães do sul do Brasil e começaram a enviar-lhes missionários e ministros. Isso criou uma igreja mais institucional e européia. Em 1868, o Rev. Hermann Borchard, que havia chegado em 1864, e outros colegas fundaram o Sínodo Evangélico Alemão da Província do Rio Grande do Sul, que foi extinto em 1875. Em 1886, o Rev. Wilhelm Rotermund (chegado em 1874), organizou o Sínodo Rio-Grandense, que se tornou modelo para outras organizações si-milares. Até o final da II Guerra Mundial as igrejas luteranas permaneceram culturalmente isoladas da sociedade brasileira.

Portanto, como afirma Silva (2011, p. 117), o surgimento das comunida-des luteranas não necessitou de esforços missionários, afinal não se tinha uma “sujeição das igrejas nacionais com relação à alemã. Embora dependessem da

Alemanha para o clero”.

Protestantismo de Missão no Brasil

No século 19, o território brasileiro é reocupado por imigrantes protes-tantes, contudo, eles não realizavam e nem se envolveram com atividades mis-sionárias. Sabe-se que a quebra da hegemonia católica, ou seja, a presença pro-testante no território brasileiro, se deu por duas vertentes: o protestantismo de

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imigração, já abordado anteriormente, e o protestantismo de missão, que será abordado agora.

O protestantismo adentrou nas terras brasileiras em meados do sécu-lo 19. Com a sua chegada, deparou-se com uma religiosidade já enraizada na sociedade. O catolicismo já era a religião dos brasileiros antes mesmo de se tornar religião do Estado. Portanto, a estrutura missionária protestante no Bra-sil se firmou através do respeito dado à religião predominante: não querendo acusá-la como descompromissada, mas apresentando-a a partir da óptica de missionários anglo-saxões e, sucessivamente, dos líderes protestantes nacionais (MENDONÇA, 1995, p. 81).

Logo no início da chegada dos protestantes no Brasil, eles tiveram um pou-co de aversão sobre pou-como a sociedade vivia, afinal, se tinha no território uma cultura totalmente diferente das deles, marcada com a presença de muitos fe-riados, de festas religiosas, dias santos, além das ideologias deterministas. Além disso, sobre a visão política, um regime monárquico social escravocrata (MEN-DONÇA, 2007, p.171).

Quando os protestantes chegaram ao país, perceberam que entre a popu-lação que vivia aqui existia uma carência dos conhecimentos bíblicos. Com isso, decidiram começar a fazer uso das Escrituras, com o fito de facilitar o aces-so entre a comunidade e a Bíblia Sagrada. Entretanto, os católicos iam contra esse novo modo religioso, fazendo protestos e apresentando oposições através de medidas que resultassem no impedimento do Protestantismo na sociedade (ALCÂNTARA, 2012, p. 42).

A luta pelo espaço religioso na sociedade desenrolou-se em três níveis: o po-lêmico, o educacional e o proselitista. O educacional se desenvolveu em dois outros níveis: o ideológico, cujo objetivo era introduzir elementos transfor-madores na cultura brasileira a partir dos escalões mais elevados e o instru-mental, cujo objetivo era auxiliar o proselitismo e a manutenção do culto protestante na chamada inferior da população [...]. O proselitismo, isto é, o esforço desenvolvido pelos protestantes para converter os católicos, o que constituiu um confronto direto com a igreja católica, uma vez que se tratava de princípios de fé e procedimentos religiosos profundamente arraigados em três séculos livres de concorrência [...]. A polêmica, estabelecida no início do protestantismo no Brasil, irá caracterizá-lo quase que de modo definiti-vo, acompanhando o protestantismo brasileiro ao longo de sua história, se não explicita, pelo menos latente como componente do “espírito protestante” (MENDONÇA, 1995, p. 81).

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O século 19 testemunhou um longo esforço dos protestantes no sentido de conseguir completa legalidade e liberdade no Brasil. Foram cerca de 80 anos de lento avanço, porém contínuo, em direção à tolerância oficializada (1810-1890). Um passo importante para a conquista da liberdade de expressão e de propa-ganda ocorreu quando o missionário Robert Reid Kalley, pressionado pelas au-toridades, consultou alguns juristas destacados e obteve opiniões partidárias quanto às suas atividades religiosas. Finalmente, em 1890, um decreto do go-verno republicano consagrou a separação entre a Igreja e o Estado, assegurando pleno reconhecimento e proteção legal aos protestantes (ALCÂNTARA, 2012, p. 42). Segue-se, então, um breve relato dos principais grupos de protestantes missionários no Brasil.

Metodistas

A origem dos metodistas se dá por meio de John Wesley, o qual era mi-nistro da igreja na Inglaterra. Após o ano de 1739, ele começou a organizar pe-quenos grupos que buscavam uma fé “mais atuante e mais existencial”. Wesley não rompeu a relação que havia com a Igreja na Inglaterra, além de introduzir ao seu movimento a pregação ao ar livre, e posteriormente, a pregação leiga (REILY, 2003, p. 99).

Como aborda Silva (2011, p. 117) sobre a religião metodista em sua formação, “os adeptos do metodismo migraram para as Treze Colônias na América do Norte

com o mesmo impulso de missão, resultando numa propagação do movimento nas colônias da Virgínia, Nova York e Maryland, na década de 1760”. Ainda res-salta que a primeira sociedade metodista, surgiu em Londres, em 1739.

Reily (2003, p. 99) aborda que “o metodismo contribuiu para a renovação espiritual da Igreja da Inglaterra, como também para a reforma dos costumes do povo inglês e a reforma social da nação”. Ademais, apesar das dificuldades causadas pela Revolução, com o objetivo de atender à solicitação do núcleo me-todista, decidiu-se enviar pregadores leigos como missionários.

Com o crescimento do movimento, quando a igreja Metodista Episcopal se organizou em Baltimore, Maryland, em 1784, Francis Asbury enviou três missionários para fora dos Estados Unidos. Em 1828, uma reunião da Confe-rência Geral recomendou que fosse feita uma pesquisa sobre a possibilidade de uma missão metodista na América do Sul. No entanto, nada aconteceu naquele ano (REILY, 2003, p 100).

Ainda segundo Reily (2003, p. 100), em 1832, a Conferência fez a mesma recomendação, com o intuito de aumentar o seu campo missionário. Somente três anos mais tarde, o bispo James Osgood Andrew enviou um jovem pregador, Fountain E. Pitts, para a América do Sul para então conhecer as principais ci-dades, sendo elas, o Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires.

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De acordo com Silva (2011, p. 117), com essa viagem, Pitts organizou gru-pos metodistas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Com isso, estabeleceu-se a primeira missão metodista no Brasil, que durou até 1841. Ainda, salienta que os metodistas encontraram muitas dificuldades, como a falta de pessoas para o campo missionário, falta de liberdade religiosa, além da crise financeira. Esse movimento tardou em vir para o Brasil, devido a divisão da Igreja Metodista nos Estados Unidos, além da guerra civil.

O pioneiro do metodismo no Brasil foi Junius Estaham Newman, sendo o fundador da primeira paróquia metodista brasileira. Durante a guerra civil nos Estados Unidos, ele serviu como capelão nas tropas do Sul. Por motivos de crise financeira no grupo religioso, Newman não usou do auxílio da igreja para vir ao Brasil, financiando com suas próprias economias sua viagem, não sendo um ministro oficial (SILVA, 2011, p. 117-118).

Somente em 1876, quando a Junta de Missões da Igreja Metodista Episco-pal Sul enviou o seu primeiro obreiro oficial, chamado John James Ramson, é que se considera o estabelecimento oficial dos metodistas no Brasil. Após sua chegada, organizou-se a primeira Igreja, no Rio de Janeiro, com seis pessoas, sendo todas estrangeiras, somente mais a frente é que haveria o ingresso de membros brasileiros (MENDONÇA, 1995, p. 29).

Silva (2011, p. 118) aborda que Newman insistiu para que os norte-ameri-canos abrissem uma missão no Brasil. Junto com sua família, mudou-se do Rio de Janeiro para São Paulo, fundando em 1879 a 1880 um internato e externato, em Piracicaba, chamado “Colégio Newman”. Hoje, Universidade Metodista de Piracicaba.

Presbiterianos

Um marco para o protestantismo no Brasil foi no ano de 1855, com a che-gada do médico e pastor escocês Robert Reid Kalley, juntamente com alguns correligionários da Madeira no Rio de Janeiro, organizando e originando a igreja protestante congregacional em 1858 de língua portuguesa no Brasil. Os congregacionais foram um instrumento preponderante para a produção de ou-tras denominações, principalmente para que os presbiterianos atingissem os brasileiros (MENDONÇA, 1995, p. 29).

James Cooley Fletcher era pastor presbiteriano. Estudou no Seminário de Princeton na Europa, teólogo calvinista de Genebra. Em 1851, chegou ao Brasil como o novo capelão da Sociedade dos Amigos dos Marinheiros e como mis-sionário da União Cristã Americana e Estrangeira. Atuou como secretário inte-rino da delegação americana no Rio de Janeiro e foi o primeiro agente oficial da Sociedade Bíblica Americana (MATOS, 2011, p. 10).

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O missionário Rev. Ashbel Green Simonton, de 26 anos, foi enviado pela Junta de Missões Estrangeiras, atendendo ao pedido do próprio Simonton, que escolhera o Brasil como seu campo missionário, chegando ao Brasil no dia 12 de agosto de 1859 (SILVA, 2011, p. 119). Simonton despendeu seus três primei-ros anos no Rio de Janeiro e em vários outprimei-ros lugares na Província de São Paulo, enfrentando as dificuldades da língua e do meio. Em 22 de abril de 1860, ele rea-lizou seu primeiro culto em português, fundando, em 12 de janeiro de 1862, a primeira Igreja Presbiteriana Brasileira, no Rio de Janeiro (SILVA, 2011, p. 119).

Como expõe Matos (2011, p. 11),

Os missionários pioneiros da Igreja Presbiteriana foram Ashbel Green Si-monton (1859), Alexander Latimer Blackford (1860) e Francis Joseph Chris-topher Schneider (1861). As primeiras igrejas organizadas foram as do Rio de Janeiro (1862), São Paulo (1865) e Brotas (1865). Duas importantes realiza-ções iniciais foram o jornal Imprensa Evangélica (1864-1892) e o Seminário do Rio de Janeiro (1867-1870). O primeiro pastor evangélico brasileiro foi o ex-sacerdote José Manoel da Conceição, ordenado em 17 de dezembro de 186.

O contínuo crescimento da denominação levou os primeiros imigrantes do Sul do Estados Unidos a estabelecerem-se em Campinas, formando a “igre-ja do Sul”, resultando esta igre“igre-ja de cisão, a igre“igre-ja dos Estados Unidos. Neste mesmo ano (1869) foi fundado o Colégio internacional onde, no ano seguinte, os presbiterianos fundaram em São Paulo a Escola Americana Marckenzie (RI-BEIRO, 1973, p. 19-20).

Os missionários, inclusive os presbiterianos, trabalhavam em via dupla: de um lado pela conversão a partir de experiência religiosa, emocional na maio-ria das vezes, e a adoção por parte do converso da moral vitomaio-riana e da ética protestante calvinista, e de outro pela doutrina da Igreja Espiritual, que bus-cava distinguir a fé dos negócios humanos (MENDONÇA, 2007, p. 171).

Os presbiterianos lograram de grande êxito o seu campo missionário nos anos subsequentes até a Proclamação da República, quando começaram a dar um decréscimo na divulgação da sua fé, para outra fé protestante os batistas (MENDONÇA, 2005, p. 54).

Batistas

Os batistas nasceram como resultado do movimento puritano separatista da reforma inglesa. Emigrando para a sua colônia Holanda em meados do sécu-lo 17, tendo John Smmith como líder da igreja, organizando em 1609 em Ams-terdam a primeira congregação Batista, fundando a primeira igreja por volta de

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1611 ou 1612. Nos anos subsequentes, com o despertar do Novo Mundo, emi-graram e se estabeleceram em Massachusetts. Roger Williams fundou em 1639 a primeira igreja Batista da América do Norte (SILVA, 2011, p. 119).

Em 1871, oriundos da guerra civil norte-americana, emigrantes se instala-ram na região de Santa Bárbara fundando então a primeira igreja Batista no Brasil, no dia 10 de setembro. Possivelmente regida pelo pastor Richard Ratcliff, sendo seu trabalho religioso direcionado para as colônias americanas, mas que não pos-suía um trabalho missionário voltado aos brasileiros (MATOS, 2011, p. 12).

Foi então, com a chegada do missionário William Buck Bagby, que o advento dos Batistas voltados para os brasileiros se notabilizou após ter passado por Santa Bárbara, pastoreando algumas igrejas dos colonos, se familiarizando e aprenden-do o idioma. Assim, se instalou na Bahia, tenaprenden-do a região como sua sede missio-nária. Acompanhado por Antônio Teixeira, ex-padre, em 15 de outubro de 1882, surgiu a primeira igreja batista nacional (MENDONÇA, 1995, p. 31).

As Igrejas Batistas cresceram rapidamente, pelo trabalho e empenho de Bagby em percorrer todos os locais do Brasil e, em pouco tempo, estavam es-palhadas por todo o território brasileiro. Em 1888, havia oito igrejas em seis estados, com um total de 212 membros. O rápido crescimento dos batistas está ligado também às imigrações da Letônia ao Brasil por perseguições político-re-ligiosas (SANTOS, 2005, p. 88).

Um fator para o sucesso missionário dos batistas é que sua denominação se difere por não ser propriamente uma igreja e sim uma federação de congre-gações autônomas, onde partilham da mesma tradição e conceitos teológicos. Tendo o poder descentralizado intencionalmente, vez que a denominação valo-riza a autonomia local. Nos diversos ramos, como organização eclesiástica, bem como nas crenças. Assim, cada congregação tem ampla liberdade de decidir como expressar sua fé (CAVALCANTI, 2001, p. 77).

Decreto 119-A/1890 e a importância da proteção ao proselitismo religioso

Como aponta Catroga (2006), prevaleceu em grande parte da história – e ainda é a realidade de muitos países – aquilo que na França monarquista foi ta-lhado como “une foi, une loi, un roi” (uma fé, uma lei, um rei). Deuses e Césares sempre estiveram juntos. A quebra do cristianismo após a Reforma Protestante no século 16 iniciou um processo doloroso de conflitos sangrentos em quase toda Europa. Duas reações foram a criação de Estados “laicos”.

Fale-se “laicos”, pois o mundo conheceu duas formas de neutralidade esta-tais. O primeiro modelo foi o norte-americano e o segundo o francês pós-revo-lução. Esse segundo tipo de neutralidade surgiu após a hostilidade dos revolu-cionários em relação à Igreja Católica, que dominavam serviços básicos sociais, como a educação. Sendo assim, procederam de forma a eliminar a influência

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religiosa cristã do espaço público (CATROGA, 2006, p. 229). Esse modelo de neutralidade à doutrina jurídica costuma chamar de “laicismo”, já que este se caracteriza por uma aversão à influência religiosa em ambientes públicos (CA-TROGA, 2006, p. 327).

Já o modelo norte-americano de separação se deu com a criação da Primei-ra Emenda à Constituição dos Estados Unidos, proposta por James Madison em 1789. Além de proibir a relação entre Igreja (qualquer uma) e o Estado, esse

segundo modelo se diferencia por proibir o Estado de intervir no livre exercício dos religiosos ou das denominações. Em especial, a Primeira Emenda proíbe restrições na liberdade de expressão dos religiosos.

Foi justamente esse segundo modelo que serviu de base para a criação do Decreto 119-A em 1890 no Brasil. Aqui entra a importância do presente estudo: o protestantismo de missão, com a necessidade de liberdade de expressão, foi um fator crucial para a criação da laicidade brasileira.

Com o crescente número de protestantes no Brasil, quer seja por meio das imigrações, quer seja devido às atividades missionárias, começou a ser necessá-rio, e de certa uma pressão imposta pela sociedade, que era necessária elabora-ção de instrumentos legais que possibilitassem um “amparo” no ordenamento jurídico para os indivíduos que professavam outra fé diferente da religião que se tinha no território.

Como retrata o Pe. José Scampini (1974, p. 375),

O sentimento monárquico de fidelidade às instituições estava encanescendo o clero ainda estremecia aos golpes da perseguição aos bispos; os produtos estavam feridos pela abolição da escravidão. Todos haviam abandonado sua antiga dependência e sua fé no trono e se mantinham ou indiferentes à sua ou francamente manifestavam sua oposição ao regime.

Além do aumento dos protestantes no Brasil, outro fator antecedente ao Decreto foi a crescente adesão por parte dos governantes ao ateísmo e ao positi-vismo filosófico (SCAMPINI, 1974, p. 375).

Nesse diapasão, é necessário destacar que, na elaboração desse dispositivo, grandes nomes se destacam como, por exemplo, Rui Barbosa e Demetrio Nunes, os quais faziam parte do grupo da maçonaria. Dessa forma, os Maçons foram indi-víduos que influenciaram na busca pela liberdade religiosa no período do império.

Desta forma, não se quer aqui sustentar que os protestantes foram os úni-cos responsáveis pelo movimento político de criação da laicidade brasileira. Por outro lado, sem a existência de minorias religiosas no território nacional de caráter missionário, possivelmente esse processo seria muito mais longo. Dife-rente do que podem sugerir muitos manuais de direito e história, a neutralida-de estatal não foi necessariamente uma criação dos filósofos iluministas, mas

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resultado da aplicação de crenças de protestantes minoritários no campo polí-tico nos EUA.

Já foi citada acima a influência de Roger Williams no solo estadunidense. O que se deve destacar é que minorias religiosas, como os batistas, os quakers, os metodistas, entre outros, foram perseguidos também nem solo norte-ame-ricano por maiorias protestantes. Foi através de exemplos históricos de neu-tralidade e liberdade de expressão em algumas colônias governadas por pro-testantes minoritários, que James Madison percebeu que esse modelo trouxe mais prosperidade e tolerância. Nicholas Miller (2012) realizou uma pesquisa exatamente sobre este link entre Madison e as experiências de governos protes-tantes minoritários.

William Penn, fundador do Estado da Pensilvânia, implantou um modelo de tolerância que criticava a ideia de “one nation under God” justamente por pertencer a um grupo minoritário. O mesmo aconteceu com John Witherspoon, teólogo presbiteriano que passou a presidir, em 1768, o que hoje é conhecida como a Universidade de Princeton e lá formou diversos líderes políticos com a perspectiva de tolerância e liberdade religiosa, entre eles está James Madison (MILLER, 2012, p. 133-156). Além disso, ele mesmo exerceu por longo período uma vida pública, sendo o único clérigo a ter assinado a Declaração de Indepen-dência das Colônias diante da Coroa Inglesa.

Por mais que Ruy Barbosa não tenha sido um protestante, não se pode negar a influência que este grupo religioso exerceu diante dos governantes para que o proselitismo religioso fosse um direito. Ou seja, que se pudesse realizar pregações e evangelismos públicos com o objetivo de alcançar novos adeptos.

Exposto isso, segue abaixo esse dispositivo que se tornou de grande impor-tância no reconhecimento da Liberdade Religiosa no Brasil:

Art. 1º - E’ prohibido a autoridade federal, assim como á dos Estados fede-rados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas.

Art. 2º - A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou publicos, que interessem o exercicio deste decreto. Art. 3º - A liberdade aqui instituida abrange não só os individuos nos actos

individuaes, sinão tabem as igrejas, associações e institutos em que se acha-rem agacha-remiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituiacha-rem e vive-rem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público.

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Art. 4º - Fica extincto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerogativas.

Art. 5º - A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalida-de juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios de culto. Art. 6º - O Governo Federal continúa a prover á congrua, sustentação dos

ac-tuaes serventuarios do culto catholico e subvencionará por anno as cadeiras dos seminarios; ficando livre a cada Estado o arbitrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.

Art. 7º - Revogam-se as disposições em contrario.5

Contudo, houve algumas discordâncias quanto a esse dispositivo, o que fez o Ministro Campos Sales se pronunciar na sessão ministerial do dia 21 de janeiro de 1890:

No Brasil, o clero não representa uma força como na França e na Alemanha. Esse temor deve desaparecer e o governo agir com toda a energia, introdu-zindo reformas completas, compatíveis com o programa republicano (GAL-DINO, 2006, p. 73).

Percebe-se que o Decreto nº 119-A deixava clara a proibição no que con-cerne à intervenção dos Estados federados, ou mesmo da autoridade federal, em assuntos de cunho religioso. Além disso, possuía grupos tradicionalistas que não concordavam com seu teor. Apesar das forças contrárias, o modelo de separação de influência norte-americana foi constitucionalizado em 1891 e em todas constituições que se seguiram até os dias atuais.

Considerações finais

Os fatores que envolvem a criação de um dispositivo legal são os mais diversos possíveis: políticas, econômicas, sociais, entre outras. Seria muito pretencioso, então, dizer que a influência protestante foi a razão da criação do Decreto 119-A/1890.

Por outro lado, a necessidade de proteção ao proselitismo, em especial dos protestantes missionários, foi um fato importante no processo de criação do

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texto legal. Este, por sua vez, não teve o condão de transformar a sociedade numa comunidade mais tolerante.

A criação do Decreto não surgiu de um processo de clamor popular, já que os protestantes eram minoria. Ao contrário, foi formulado no contexto de uma mudança de regime dirigido por uma elite intelectual e política. In-dependentemente desses fatos, o cenário democrático foi extremamente enri-quecido com a postura oficial da República brasileira em decidir separar-se de uma denominação religiosa específica, além disso, por ter adotado o modelo norte-americano de separação.

A liberdade religiosa e a tolerância não serão realidades enquanto só existi-rem textos legais prevendo direitos e obrigações. É no compartilhar de histórias entre os grupos que se compõem uma sociedade em que se podem conhecer as crenças particulares. Conhecer a história das crenças e da formação das reli-giões é essencial, portanto, para se construir o respeito pelas diferenças.

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