TÍTULO: MECANISMOS ENVOLVIDOS NO DESENVOLVIMENTO DE AUTOIMUNIDADE RELACIONADA À INFECÇÃO POR HTLV-1
TÍTULO:
CATEGORIA: CONCLUÍDO
CATEGORIA:
ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE
ÁREA:
SUBÁREA: BIOMEDICINA
SUBÁREA:
INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS
INSTITUIÇÃO:
AUTOR(ES): THAMIRES PROLO DE BRITO
AUTOR(ES):
ORIENTADOR(ES): PAULA FERNANDA GONÇALVES OLIVEIRA
RESUMO
A autoimunidade caracteriza-se na destruição tecidual, onde ocorre a quebra da autotolerância e então o sistema imunológico deixa de discernir o que é próprio daquilo que não é próprio. Os mecanismos envolvidos na autoimunidade não foram totalmente elucidados, entretanto, fatores genéticos e ambientais, como agentes virais, intensificam as chances da quebra dessa autotolerância. O vírus HTLV-1 é um retrovírus que atua principalmente em linfócitos. As células T reguladoras, que exercem papel fundamental na seleção negativa de linfócitos autorreativos são propensas a infecção desse vírus por apresentarem a proteína NRP-1 e FOXP-3, molécula que o HTLV-1 interfere e atua desequilibrando a homeostase desse grupo celular. Portanto, esta revisão teve por objetivo abortar os principais aspectos envolvendo o HTLV-1 no desenvolvimento de doenças autoimunes. Embora, esses mecanismos não estejam totalmente esclarecidos, estudos indicam que além de agir sobre linfócitos, desequilibrando o sistema imunológico, o mimetismo molecular entre partículas virais do HTLV-1 e proteínas próprias, tendem a induzir a quebra da autotolerância, com a ativação de linfócitos autorreativos. Dessa maneira, a infecção por HTLV-1 pode tratar-se de uma condição acentuada ao desenvolvimento de autoimunidade.
Palavras-chave: autoimunidade, HTLV-1, mimetismo molecular, células Tregs 2. INTRODUÇÃO
O Sistema Imune atua como vigilante reconhecendo e eliminando diversos agentes infecciosos, através de variados mecanismos, a fim de manter a integridade do organismo. Entretanto, essa homeostasia pode ser rompida através de desequilíbrios neste sistema. 1
As doenças autoimunes caracterizam-se pela perda da autotolerância, deixando de distinguir o que é próprio, daquilo que não é próprio, tendo a presença de células autorreativas que reagem com antígenos próprios, causando lesões teciduais e danos funcionais ao organismo. 1, 2
Os linfócitos B e T autorreativos estão presentes em todos os indivíduos saudáveis e ao desenvolverem afinidade com antígenos próprios, são removidos ou retidos por uma variedade de recursos, como o mecanismo de seleção negativa, a partir da tolerância central ou tolerância periférica. 1, 2, 3
O mecanismo de tolerância central ocorre em órgãos linfoides primários, Timo e Medula Óssea, que impossibilitam a maturação de linfócitos de alta especificidade para autoantígenos, através da deleção clonal, em células T, ou por edição do receptor, em células B.1, 2, 3
Os linfócitos maduros migram à periferia onde ocorre a tolerância periférica. As células cujos receptores conferem autorreatividade, através do sinal emitido ao
reconhecer peptídeos próprios, são selecionadas negativamente. Assim, aqueles que ao identificar antígenos próprios de tecidos, são separados através de anergia (falta de resposta funcional), deleção sendo induzidos a morte celular apoptótica ou supressão por células T reguladoras (Tregs).2, 3
A seleção negativa ineficaz, regulação anormal de linfócitos autorreativos, ausência ou diminuição em Tregs, são distúrbios que predispõe em autoimunidade, já que são mecanismos responsáveis por a discriminação entre o próprio e não próprio. 2, 3
3. OBJETIVOS
A etiologia de doenças autoimunes ainda é desconhecida, entretanto a interação entre genes e meio ambiente é um dos fatores importantes à quebra da autotolerância. A indução contra antígenos próprios pode ser decorrente de estimuladores exógenos, como infeções virais, que devido ao mimetismo molecular entre antígenos de certos patógenos permite a reação cruzada com antígenos próprios com produção de autoanticorpos. Portanto, o objetivo deste trabalho é explicar os possíveis mecanismos envolvidos em surgimento de doenças autoimunes em portadores de infecções por HTLV-1. 2, 3, 4
4. METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho foi realizada uma revisão bibliográfica em livros e artigos científicos indexados em base de dados, como SciELO e PubMed, com os principais buscadores em português: HTLV-1; autoimunidade; células T reguladoras; mimetismo molecular, e em inglês: HTLV-1; autoimmunity; regulatory T
cells; molecular mimicry. Os critérios de seleção aos artigos foram: artigos
completos, em inglês ou português, sem limite temporal, entretanto estudos publicados em até 10 (dez) anos foram priorizados. E assim, a fim de complementar e corroborar as informações presentes utilizou-se de livros.
5. O VÍRUS LINFOTRÓPICO DE CÉLULAS T HUMANO TIPO 1 (HTLV-1)
O HTLV-1 é um deltavírus da família Retroviridae, constituído por partículas esféricas, composta de core central e envelope externo glicoproteico. Diversas regiões do mundo são endêmicas, destacando-se Japão, África do Sul, Caribe e América Latina. 3, 4
Fonte: Matsuoka6, 2011.
O genoma do HTLV-1 possui genes estruturais gag, pol e env, flanqueados por repetições terminais longas (LTR – long terminal repeats), que atuam como região promotora para inicio da transcrição pela RNA-polimerase.5
O gene gag produz proteínas do capsídeo viral, o pro codifica proteínas relacionadas à protease viral, e o env proteínas de envelope. O gene pol codifica duas proteínas importantes, que participam da replicação viral: a transcriptase reversa, que exerce mesma função de DNA polimerase, e a integrase, que participa no processo de integração do genoma viral ao genoma da célula-alvo. 1,4
Em seu genoma existe também uma região chamada de pX, que contém vários genes como: Tax, Rex, p12, p13, p30, p2e HTLV-1 bZip fator (Hbz), que transcreve-se em sentido negativo (antisense). 4, 6
Figura 1 - Organização genômica do vírus HTLV-1 em sentindo 5’ – 3’
A transmissão do HTLV-1 está ligada a transfusões com recepção de componentes celulares infectados; transmissão vertical, por via intrauterina, perinatal, e aleitamento materno; via sexual ou compartilhamento de agulhas. 3
A grande maioria dos portadores desse vírus é assintomática, portanto, fatores genéticos e quadros imunológicos contribuem ao aparecimento de doenças associadas. 3, 4
O HTLV-1 possui tropismos por linfócitos T CD4, e uma vez infectados, essas células possuem maior aderência ao endotélio e maior atividade de migração por membranas basais. Dessa forma, podem migrar ao Sistema Nervoso Central, articulações, em indivíduos geneticamente suscetíveis, levando a inflamação. 7
Fonte: Miyazato23, 2014.
Do ponto de vista clínico, o HTLV-1 pode causar doenças neurológicas, como paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV-1 (HAM/TSP); doenças oftalmológicas, dermatológicas, urológicas e hematológicas, como leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL). Ainda, em consequência da resposta proliferativa linfocitária exacerbada, induzida por HTLV-1, as chances de desenvolvimento de doenças autoimunes nesses portadores são intensificadas.3, 7
5.1 TROPISMO CELULAR
O HTLV-1 pode infectar diversos tipos de células, incluindo células dendriticas, linfócitos B, macrófagos, células NK e linfócitos T, preferencialmente T CD4, incluindo T helper 1 (Th1), T helper 2 (Th2) e células T reguladoras (Tregs). Através da regulação ou auxilio de proteínas, o vírus induz a proliferação dessas células. 8, 9
A fusão viral com a célula alvo ocorre através de sua interação com as seguintes proteínas localizadas na membrana celular: proteoglicanos de heparan sulfato (HSPGs); neuropilina-1 (NRP-1) e transgredutor de glicose-1 (GLUT-1). Inicialmente, o HTLV-1 interage com HSPG, então forma-se um complexo com NRP-1. Esse complexo associa-se ao GLUT-1 para iniciar o processo de fusão, através de interação com a proteína viral env, permitindo que o genoma e proteínas virais sejam liberados no citoplasma da célula hospedeira. 9, 10
A proteína NRP-1 além de ser expressa e também um marcador de células Tregs, que auxilia na interação com células dendriticas. Entretanto, torna esse grupo celular susceptível a infecção por HTVL-1 devido à interação viral a essa proteína. 11
5.2 PROLIFERÇÃO LINFOCITÁRIA
As células dendriticas são células apresentadoras de antígeno que estimulam linfócitos T CD4 e CD8. Testes em in vitro e in vivo demonstram ao apresentar o antígeno viral do HTLV-1 aos linfócitos, ocorreu a proliferação linfocitária. Ainda, notou-se o aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias como TNF-α e IFN-γ, produzidas por células Th1 e diminuição dos níveis de interleucinas anti-inflamatórias IL-4 e IL-10, de perfil Th2.7, 12, 13
As citocinas pró-inflamatórias possuem a função de recrutar células ao sítio de inflamação a fim de eliminar o patógeno em questão, através de ativação de células apresentadoras de antígenos; células NK; secreção de anticorpos; e ativação e proliferação de linfócitos T e B. Enquanto, citocinas anti-inflamatórias reduzem a resposta inflamatória através da supressão das citocinas pró-inflamatórias.14
Para que haja a ativação celular e assim ocorrer a resposta imune, além de um antígeno específico, é necessária a participação de moléculas co-estimuladoras, mediado por B7 com interação ao CD28 e CD40. 12
Através de um estudo a partir de células mononucleares de sangue periférico, por citometria de fluxo, notou-se que células de doadores normais não expressaram CD80 e CD86, enquanto células infectadas por HTLV-1 todas expressavam ambas as moléculas, as quais transmitem sinais co-estimulatórios, mediado por citocinas, e são ativadas sem a participação da B7. 7, 12, 15
5.3 PROTEÍNA TAX
O gene TAX do HTLV-1 que gera como produto a proteína TAX, que participa do processo de replicação viral. Essa proteína é capaz de ativar de transcrição de genes responsáveis por proliferação e diferenciação de células T, na célula hospedeira. 16
A TAX atua aumentando a expressão de IL-4 em células T, na fase inicial da infecção, que pode facilitar a infeção e aumentar a proliferação de linfócitos, até mesmo de linfócitos autorreativos. Essa proteína está relacionada também à instabilidade genômica, pois interfere em funções de reparo de DNA. 6, 8, 16
Desse modo, o HTLV-1 promove a expansão clonal de células T, que por sua vez, possuem maior suscetibilidade a mutações e instabilidade genômica, resultante da ação da TAX. 8, 16
5.4 FOXP3
As células Tregs CD4 estão envolvidas na manutenção da autotolerância imunológica, reprimindo a ativação e expansão de linfócitos autorreativos, suprem respostas imunes excessivas e controlam a homeostase do sistema imunológico. 18
A classificação destas células varia de naturais e induzidas, de acordo com o local de desenvolvimento. Portanto, células Tregs que se desenvolvem no Timo são chamadas de “naturais”, enquanto que as Tregs que se diferenciam na periferia após estimulação antigênica, são denominadas de “induzidas”. 18
Tanto as células naturais, quanto as induzidas expressam um fator de transcrição chamado de forkhead transcription factor 3 - FOXP3. Esse fator é codificado por um gene regulador FOXP3, localizado no braço curto do cromossomo X. 19
O fator de transcrição FOXP3 foi promovido como um marcador para discriminar Tregs de células T efetoras convencionais (Th1, Th2) e possui papel crucial na diferenciação, função e homeostase de células Tregs. 8, 10
Existem relatos que as células Tregs, são suscetíveis à conversão em células T efetoras, de acordo com a necessidade imunológica, ou seja, possuem expressão transitória. Desse modo, perdem a expressão de FOXP3, produzindo a citocina pró-inflamatória IFN-γ. Embora seja contraditório, estudos demonstram que além de função supressiva, as Tregs possuem função pró-inflamatória. 20
Em pacientes infectados com HTLV-1 a expressão do fator pode ser alterada, possibilitando a perda da autotolerância ocasionando uma eventual doença autoimune. 17, 19
5.5 MIMETISMO MOLECULAR
O mimetismo molecular trata-se de uma resposta imune contra um agente ambiental que reage de forma cruzada a autoantígenos, ocasionando lesões de tecidos devido à resposta imune estabelecida ao local. 1
Os epítopos virais são apresentados por células apresentadoras de antígenos à linfócitos T, ativando linfócitos T CD4 e CD8, com liberação de citocinas pró-inflamatórias para que haja a resposta imune contra o patógeno, através de recrutamento de demais células. No entanto, a resposta imune inicialmente direcionada ao agente viral, passa a ser mediada contra células ou tecidos próprios, ao fato que proteínas próprias podem ser reconhecidas pelo sistema imunológico
Fonte: ABBAS, 2007, p. 192.
por serem homólogas as sequências de proteínas virais, e assim causar a quebra da tolerância imunológica levando a danos teciduais. 16, 21
Figura 3: Reação cruzada entre antígenos virais e auto-antígenos
6. RESULTADOS
O HTLV-1 acomete principalmente linfócitos T, levando ao desequilíbrio imunológico a partir de variados mecanismos. As células Tregs mostram-se mais susceptíveis a infecção, pois expressam o NRP-1, molécula que o HTLV-1 interage a fim de fomentar a fusão de seu genoma e proteínas virais, e desse modo promover a sua replicação por brotamento. 6
As células infectadas com HTLV-1 produzem sinais químicos que atraem mais Tregs ao local, fato que aumenta a transmissão do vírus, devido à expressão de NRP-1 nessas células. Assim, além de poder induzir resposta imunológica a antígenos virais sem a co-estimulação de B7, o vírus aproveita dessa abordagem necessária, a fim de uma transmissão mais eficiente, infectando maior gama de células Tregs. 22
Sugere-se que as células Tregs exerçam função crucial no controle da autotolerância. Embora, estudos em roedores saudáveis com remoção ou alteração funcional em células Tregs culminaram em doenças autoimunes, os mecanismos em humanos não foram totalmente esclarecidos.8, 14
Um estudo realizado por Yamano Y et al, demostrou que células Tregs CD4 CD25 (subtipo de Treg com cadeia α de receptor de IL-2) além de serem o principal reservatório do vírus HTLV-1, também aparentaram estimular a proliferação de HTLV-1 em células TCD8, não exercendo sua principal função de supressão.14
Yamano T et al ainda, através de um teste quantitativo de PCR TaqMan, compararam a expressão de FOXP3 em pacientes saudáveis com pacientes com HAM/TSP causada por HTLV-1, onde obtiveram que pacientes infectados pelo vírus
tiveram menor expressão de moléculas constitutivas de Tregs, incluindo a FOXP3 e maior produção de citocinas pró-inflamatórias, como IL-2 e IFN-γ comparado a pacientes saudáveis.14
A quebra da autotolerância está relacionada também à desregulação de citocinas pró e anti-inflamatórias, que leva ativação de linfócitos autorreativos, podendo desencadear doenças autoimunes. 14, 23
Estudos demonstram que o gene TAX, do HTLV-1 está relacionado desregulação de células Tregs, já que tem efeito inibitório em FOXP3. A expressão inadequada de FOXP3 influência na capacidade supressora de células Tregs, que culmina diretamente na seleção negativa de linfócitos autorreativos, possibilitando que ajam reconhecendo autoantígenos. 17, 21
O mimetismo molecular entre o vírus e estruturas de pacientes soropositivos ao HTLV-1, foi estudado por García-Vallejo F et al, que a partir de amostras soropositivas ao HTLV-1 caracterizaram reação cruzada entre as proteínas cerebral nuclear e de astrócitos com um anticorpo contra a proteína gag p24, do HTLV-1, ou seja, essas estruturas são estruturalmente similares. 21
Ainda, foram identificados autoanticorpos circulando em sangue de pacientes com HAM/TSP, que se submeteram a pesquisa. Embora, não seja elucidado como chegam ao Sistema Nervoso Central, acredita-se que após a ativação de linfócitos T CD4, devido à infecção, permite que cruzem a barreira hematoencefálica e interajam com as células presentes, resultando na expressam de citocinas. Esse evento influência na interrupção na barreia hematoencefálica e permita a passagem de linfócitos T citotóxicos e desses autoanticorpos, causando a perda de função neuronal. 21
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que pacientes infectados por HTLV-1 possuem a imunidade mediada por células prejudicada. O vírus atua principalmente em linfócitos T estimulando a sua proliferação e em células Tregs suprimindo principalmente a sua função de seleção negativa, de linfócitos autorreativos. O vírus está associado também, a condições inflamatórias, pois perturba a homeostase de citocinas pró e anti-inflamatórias. Ainda que, a ligação entre o HTLV-1 e o desenvolvimento de doenças autoimunes esteja em discussão, estudos sugerem que essa infecção viral aumenta a possibilidade de quebra da autotolerância, por conta dos mecanismos virais sob
linfócitos e células Tregs, assim como o mimetismo molecular, que também tem sido hipotetizado na patogênese de doenças autoimunes. Sendo assim, o estudo fragmentado do HTLV-1, torna-se de suma importância, visto que essa infecção viral pressupõe em um marcador de risco ao desenvolvimento de autoimunidade.
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