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(In)segurança jurídica: uma análise acerca do incidente de resolução de demandas repetitivas

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

KARINE BONFADA

(IN)SEGURANCA JURÍDICA: UMA ANÁLISE ACERCA DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Ijuí (RS) 2019

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KARINE BONFADA

(IN)SEGURANCA JURÍDICA: UMA ANÁLISE ACERCA DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Lisiane Beatriz Wickert

Ijuí (RS) 2019

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Grandes mudanças têm acontecido no Direito Processual brasileiro e, no tocante a esta evolução, algumas refletem diretamente no Poder Judiciário no que diz respeito às novas maneiras de julgar as demandas e a constante busca por dirimir conflitos de forma célere. Nesse sentido, o presente trabalho busca esclarecer as influências do common law em contraste com os princípios que regem, especialmente, o direito processual cível, quais sejam: o da duração razoável do processo, da isonomia, da celeridade e da segurança jurídica, evidenciando como tais conceitos são importantes peças para o andamento processual. Bem como, retrata com primazia, o princípio da segurança jurídica, visto que a instabilidade das decisões judiciais é um dos maiores problemas enfrentados pelo sistema jurídico brasileiro. Em contrapartida, busca-se esclarecer acerca da funcionalidade do Incidente de Resolução das Demandas Repetitivas – IRDR, com foco em seu conceito e finalidades, elucidando como este mecanismo do Direito Processual Civil atua semelhantemente ao que acontece com os países adeptos do common law. Outrossim, através da análise de dados de pesquisas sobre o tema, demonstra a eficácia do IRDR no julgamento de demandas repetitivas e suas repercussões para a prática. Por fim, extrai-se, a partir dos dados, como tem sido o alcance do IRDR e suas respectivas contribuições para problemática da longa duração processual e instabilidades relacionadas à subjetividade dos magistrados julgadores.

Palavras-chave: Incidente de Resolução das Demandas Repetitivas; IRDR;

Common Law; Subjetividade nas decisões judiciais; Instabilidade das decisões;

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Huge changes are happening in Brazilian procedural law, and about this evolution, some reflect straight in the Judiciary Branch with regard to new ways to judge the demands and the constant search for settle conflicts quickly. In this sense, the present work looks for clarify the influences of the Common law in contrast with the principles that rule, especially, the civil procedural law, which are: the reasonable process duration, the isonomy, the celerity and the legal security. Evidencing how such concepts are important pieces for the procedural progress. It also, it portrays with primacy the principle of legal certainty, since the instability of judicial decisions Is one of the main problems faced by the Brazilian legal system. On the other hand, it seeks to clarify the functionality of the Incident of Repetitive Demands Resolution – IRDR, focusing on its concept and purposes, elucidating how this mechanism of civil procedural law acts similarly to what happens with common law adept countries. Moreover, through the analysis of research data about the subject, demonstrates the effectiveness of IRDR in judging repetitive demands and their practice repercussions. Finally, it is extracted from the data, how has been the reach of IRDR and their respective contributions to the problematic of the long procedural duration and instabilities related to the subjectivity of the magistrates judges.

Keywords: Incident of Repetitive Demands Resolution; IRDR; Common law; Subjectivity in judicial decisions; Instability of decisions; Celerity; Legal Security;

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INTRODUÇÃO ... 6

1 A LITIGIOSIDADE E MOROSIDADE DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO ... 8

1.1 Atual forma de resolução das demandas processuais cíveis ... 8

1.2 Influência do Common Law no direito processual brasileiro ... 15

1.3 O Princípio da Segurança Jurídica ... 21

2 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS: UMA RESPOSTA À INSEGURANÇA JURÍDICA ... 28

2.1 Incidente de resolução de demandas repetitivas: conceito e propósitos .... 28

2.2 Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e sua efetiva apliação no cenário jurídico corrente ... 35

2.3 Análise acerca da segurança jurídica e o incidente ... 41

CONCLUSÃO ... 48

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INTRODUÇÃO

O Incidente de Resolução das Demandas Repetitivas é o mais recente mecanismo processual cível, criado no intuito de amenizar problemas como a litigiosidade e morosidade do Poder Judiciário. Visto tratar-se de uma realidade o fato de que o atual sistema jurídico brasileiro carece de ajustes, o IRDR objetiva atuar no sentido de reestabelecer o foco na celeridade processual.

Nesse sentido, a inobservância dos princípios, principalmente, o da segurança jurídica, têm sido uma das grandes queixas de todos os que detém acesso à justiça. Acesso esse, inclusive, que também tem atraído novos olhares, visto que, ao passo que um novo conflito se instaura na sociedade, uma nova demanda surge no judiciário.

Partindo-se do pressuposto de ser, o direito brasileiro, integrante de um sistema do civil law, o IRDR, em sua essência, apresenta-se como o estopim para uma hibridez desse sistema. Ocorre que o Incidente veio a reconduzir as demandas, levando a um julgamento com aspecto, muito próximo, ao do common law,

Assim, levando-se em consideração a hibridez do sistema, acredita-se que a criação do IRDR no Código de Processo Civil, tem o intento de otimizar, de forma isonômica, o julgamento das demandas processuais, contribuindo para gerar a esperada celeridade processual. Consequentemente, através do Incidente, ressurge a esperada segurança jurídica das decisões dos magistrados, todavia, não apenas para os conflitos correntes, mas aos casos vindouros.

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Sendo assim, busca-se nos próximos capítulos, analisar a efetividade da criação do IRDR sob um olhar voltado para as eventuais mudanças que têm ocasionado no sistema jurídico, desde 2015, principalmente no que se liga ao sistema jurídico processual cível. Importando, sem prejuízo, em compreender os impactos positivos e negativos que incidem sobre a resolução de conflitos contíguos ao princípio da segurança jurídica.

Ressalta-se, ainda, que a presente pesquisa detém essência exploratória, que consiste na coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Baseia-se no método de abordagem hipotético-dedutivo, a fim de, sobretudo, verificar se a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas trouxe uma maior segurança jurídica para as ações processuais sobre as quais recai.

Não obstante, apresenta-se um contraste entre a teoria e a prática, evidenciando-se acerca da subjetividade dos magistrados, no tocante a contribuir ou não para a insegurança jurídica e instabilidades das decisões. De maneira que, observando-se a análise dos casos concretos já auferidos em caráter incidental, restará demonstrada a eficácia do Incidente em remediar a insegurança dos julgados.

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1 A LITIGIOSIDADE E MOROSIDADE DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe mudanças significativas e pontuais vislumbrando impulsionar o julgamento dos processos que, diariamente, chegam para apreciação. Dirimir conflitos por vias judiciais tornou-se comum para a sociedade, que deposita no judiciário a confiança para sanar as demandas, sejam quais forem os conflitos, gravosos ou superficiais.

Essa intensa propositura de ações gera um enorme fluxo de processos no judiciário, mobilizando a máquina pública a trabalhar no sentido de melhor solucioná-los. Todavia, tal fator contribui para desaceleração do andamento processual, implicando em uma maior duração do mesmo, por motivos dos mais variados e, por vezes, com decisões díspares para casos similares, causando tamanha insegurança jurídica.

Portando, no presente capítulo será abordado acerca dos conflitos dirimidos na esfera judicial, analisando como ocorre a prestação jurisdicional do Estado, estabelecendo-se um contraste com a litigiosidade e morosidade no ambiente processual cível. As mudanças e influências que vem sofrendo o âmbito processual, também serão analisadas em aspecto comparativo, tendo como norte o princípio da segurança jurídica e sua influência nos litígios.

1.1 Atual forma de resolução das demandas processuais cíveis

A configuração do cenário processual cível brasileiro é de instabilidades. A abundante quantidade de demandas processuais tramitando nas mais diversas comarcas e instâncias, obstam o “natural andamento” processual.

Entendendo-se por natural, processos que compreendam os princípios norteadores no decorrer de seu trâmite – tais como, razoável duração do processo e segurança jurídica – o que se tem visto na prática, distancia-se do esperado, daquilo almejado pelos juristas criadores dos mecanismos processuais, visto à inobservância desses princípios.

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Marcos Vinicius Rios Gonçalves (2018, p. 595), ao tratar dos princípios da informalidade e simplicidade, descreve que “um dos problemas do processo tradicional é a multiplicidade de formas e solenidades, que redunda na morosidade do processo”. De maneira que, levando-se em consideração o tempo médio de permanência de um magistrado na comarca, um processo que se prolonga, seja por quais sejam as vias, importa, por exemplo, em traduzir uma subjetividade diversificada para julgamento da mesma demanda.

Analisando-se, por exemplo, apenas a peça inicial que compõe a lide, pode-se obpode-servar o prazo de 15 (quinze) dias, para o autor, não prepode-sente os requisitos do art. 319 e 302 do Código de Processo Civil, emendar ou completar a petição inicial, sob pena de indeferimento. Resta assim demonstrado como se constituem as solenidades e do lapso temporal que o processo, antes mesmo de iniciar, já tem de adequar-se.

Nesse sentido, Hélio de Sousa Costa e Hilton Ranklin Lima (2014, p.9), corroboram no entendimento de que:

[...] existem outros fatores que também contribuíram ou contribuem para a lentidão jurisdicional, a saber: democratização do acesso à justiça e a conscientização dos cidadãos de seus direitos, acentuadas com a Carta Magna de 1988, fazendo com que a quantidade de processos tramitando à espera de uma resposta definitiva do Estado aumentasse significativamente, acarretando um déficit jurisdicional, pois a quantidade de demanda que chega ao poder judiciário multiplicou-se em relação à quantidade de processos que efetiva o direito material; e, outro fator, a inadequada estrutura que dispõe o Poder Judiciário para o exercício de sua função, não sendo mais condizente com a realidade vivenciada, pois as demandas processuais aumentaram e a quantidade de juízes e funcionários fica cada dia mais insuficiente.

Certo é que não se pode estabelecer de forma concreta e assertiva acerca dos pontos incontroversos que contribuem para a lentidão. Dessa maneira, no viés de José Miguel Garcia Medina (2017, p. 37), pode-se observar que as controvérsias dirimidas na via judicial emergem, também, da problemática social, assim:

O ponto de partida do estudo do processo civil consiste na compreensão da controvérsia social que haverá de ser solucionada. As normas processuais relativas à realização concreta dos direitos incidem de modo rente à realidade social e econômica de um povo. A controvérsia, a ser solucionada à luz do ordenamento jurídico, emerge da sociedade, motivo pelo qual o

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processo deve ter aptidão para realizar materialmente os direitos subjetivos amoldando-se às variações sociais.

Sendo assim, contrasta-se a temática do acesso à justiça aos problemas sociais, visto que, torna-se rotineira a forma em que encontra-se no Poder Judiciário, principalmente na figura do juiz de direito, todo um ambiente dotado de poder e autoridade para resolver os conflitos que não sanados por meio de diálogos, do qual se espera a ordem de cumprir e fazer-se cumprir.

Recentemente, recaiu “aos braços” do magistrado Rosaldo Elias Pacagnan, do 1º Juizado Especial da Justiça de Cascavel-PR – TJPR (2019, p. 1-2), o Processo nº 0007571-74.2019.8.16.0021. A Ação de Obrigação de Entregar Coisa Certa, trazia-lhe como competência decidir a qual irmão pertencia um moletom. O caso em tela perfectibiliza quão corriqueiro está acionar o judiciário. O próprio magistrado traduz sua indignação ao proferir na sentença as seguintes afirmações:

Essa é a disputa trazida ao Judiciário! [...] Onde é que esse mundo vai parar? [...] Será que se o moletom não aparecer teremos que chegar ao cúmulo de mandar um Oficial de Justiça procurá-lo com mandado de busca e apreensão? [...] Fazer o quê? Aplicar o direito onde o amor deveria ter resolvido.

A demanda, que chegava à monta de R$79,00, movimentou toda a máquina pública jurídica a fim de estabelecer, por meio de sentença, o direito que não restou acordado em audiência conciliatória. Por certo que, tais situações, são obstáculos para o judiciário, bem como, incorrem para obstar até mesmo a razoável duração processual.

Ademais, materializando o acesso à justiça em Processo, o autor Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2018, p. 51) assinala que este apresenta dois objetivos em sua função social:

Primeiro, informar aos cidadãos quanto aos seus direitos e obrigações, criando um vínculo de confiança com o Poder Judiciário. Segundo, a resolução de conflitos, valendo-se da tutela jurisdicional para alcançar a pacificação social.

Em vista disso, certo é que o cenário atual não está comportando seu objetivo de promover a pacificação social, pois é crescente o número de processos que se

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iniciam, o que demonstra a quantidade de novos conflitos. De outro modo, é fato inquestionável que a sociedade é a maior vítima da morosidade, pois tem, além de tudo, seus direitos postergados, de forma que não comporta falar em formação dos vínculos de confiança entre a mesma e o Poder Judiciário.

Nesse sentido, Vera Lúcia Feil Ponciano (2018), aduz que:

A morosidade ou lentidão da Justiça é apontada como o maior problema da Justiça. Ela evidenciou-se a partir do advento da Constituição Federal de 1988, pois, ao garantir o acesso Justiça e ampliar o rol dos direitos fundamentais, a Lei Maior abriu caminho para uma corrida em massa ao Judiciário de várias demandas sociais. Isso gerou um aumento considerável da quantidade de processos e, consequentemente, da taxa de congestionamento (indicador que leva em conta o total de casos novos que ingressaram, os casos baixados e o estoque pendente ao final do período anterior ao período base).

No campo de estudo da Administração, fala-se da chamada técnica de comunicação “boca-a-boca”, que consiste na estratégia de marketing na qual as próprias pessoas fazem a propaganda sobre determinado produto ou serviço (KOTLER, 2012). No ambiente jurídico/social não é de todo diferente. Partindo da ideia abstrata de uma causa ganha judicialmente, sabe-se que esta informação chegará a outro que tenha conflito semelhante a ser resolvido e, este que ainda pendente, incorre a ingressar pelos mesmos meios, perfazendo o desfecho do seu.

Todavia, assinala João Carlos Leal Júnior (2018, p. 42) que a problemática não se restringe tão somente ao acesso à justiça, mas sim no acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que:

a morosidade do Poder Judiciário brasileiro se coloca como fator impeditivo da efetivação do acesso à ordem jurídica justa. Sem embargo da inovadora previsão do direito à razoável duração do processo e das frequentes reformas processuais em vistas à sua implementação, o que se tem no cenário brasileiro contemporâneo é uma infinidade de processos judiciais, especialmente de natureza civil, para serem julgados por juízes e tribunais insuficientes à demanda existente.

De modo a compreender o lapso temporal, em prima análise, faz-se necessário compreender que o processo cível é composto das seguintes fases processuais, no procedimento comum a “postulatória, saneadora, probatória ou instrutória, decisória e recursal”, conforme Elpídio Donizetti (2017, p. 599).

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Já Cassio Scarpinella Bueno (2018, p. 473) as divide em postulatória, ordinatória, instrutória e decisória, a respeito das quais explica que:

a fase postulatória caracteriza-se pela preponderância de autor e réu exporem suas alegações e formularem seus pedidos; a fase ordinatória caracteriza-se pelo reconhecimento de que o processo tem plenas condições de começar a fase instrutória, sendo organizado para tanto; a fase instrutória é aquela marcada pela produção das provas e, por fim, a fase decisória é o momento em que o magistrado proferirá sua decisão, que é a sentença.

Certo que é cada uma dessas fases compreendem um determinado espaço de tempo, e que nem sempre os prazos processuais determinados por força do Código de Processo Civil, são, minuciosamente respeitados, visto que pode ocorrer dilação de prazos em situações específicas, como a que prevê o artigo 139, VI, da Lei 13.105 de 2015.

Sobremaneira que, um recente levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça disponibilizou números que demonstram o tempo médio da duração processual. Neste verificou-se que a fase de conhecimento dura em média 4 anos e 11 meses, já a fase de execução, 1 ano e 7 meses (CNJ, 2018).

Além disso, através desse mesmo estudo pode-se observar que na justiça estadual, tendo como ano base, 2017, constatou-se um total de 17.706.101 novos casos não-criminais. Todavia, o problema incide ao examinar o número de processos pendentes não-criminais no mesmo período. Nessa situação, percebe-se que as contas não fecham, visto que estes somam 56.085.943, também na justiça estadual.

Todo esse cenário contribui para uma análise da solução de conflitos no aspecto processual cível, onde denota-se possível observar alguns princípios que auxiliam a guarnecer o andamento processual célere. Dentre eles, está o do princípio da razoável duração do processo.

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A necessidade de duração razoável do processo decorre dos anseios de uma sociedade dinâmica, centrada na tecnologia da informação, cuja maioria das relações ocorre em tempo real. A sociedade não concebe que no mundo moderno, em que é possível enviar informações de uma parte a outra do planeta instantaneamente, os problemas que a Justiça enfrenta não permitam que o processo atinja sua finalidade num tempo razoável.

Nesse sentido, se faz primordial a singular compreensão do mencionado princípio. Sob o olhar de Daniel Amorim Assumpção Neves (2018, p. 202):

O princípio da duração razoável do processo, consagrada no art. 5º, LXXVIII, da CF, encontra-se previsto no art. 4º do Novo CPC. Segundo o dispositivo legal, as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do processo, incluída a atividade satisfativa.

Denota-se que não há estabelecido, ou consolidado, um lapso temporal específico, de modo que o que se tem é uma concepção ampla de “razoável”, que pode gerar incongruências, visto que traz a subjetividade do magistrado na definição deste assunto.

Todavia, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (2017, p. 160), contribuem de esclarecer que:

A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos desenvolveu critérios para aferição da duração razoável do processo. Em sua primeira formulação, a Corte erigiu como critérios: i) a complexidade da causa; ii) o comportamento das partes e iii) o comportamento do juiz na condução do processo (CEDH, Caso Neumeister vs.Austria, 1968). Hoje, além desses três clássicos parâmetros, a Corte vem apreciando igualmente a razoabilidade da duração do processo a partir da relevância do direito reclamado em juízo para vida do litigante prejudicado pela duração excessiva do processo - critério da posta in gioco, que determina redobrada atenção do Estado nos casos em que o litígio versa sobre responsabilidade civil por contágio de doenças (CEDH, Caso Comissão vs .Dinamarca, 1996),

status pessoal (CEDH, Caso Laino vs. Itália, 1999) e que ameacem a

liberdade pessoal do réu no processo penal (CEDH, Caso Zarmakoupis e Sakellaropoulos vs. Grécia, 2000).

Tais fatores, evidenciados pelos autores supramencionados, são de grande valia para eventual reanálise acerca da duração dos processos civis. Evidentemente, tendo em vista este princípio, surgem, novamente, discussões a respeito das causas da morosidade processual. Nesse sentido, muitos levantam a hipótese de, o estopim, ser o prazo processual.

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No viés de Donizetti (2017, p. 501):

Diferentemente do CPC/1973, que estabelecia a continuidade dos prazos processuais sem levar em consideração a sua interrupção em razão de feriados (art.178 do CPC/1973), a nova lei processual é expressa ao estabelecer que na contagem dos prazos legais ou judiciais computar-se-ão somente os dias úteis (art. 219).

Considerando, assim, dias não úteis: sábados, domingos, feriados e recesso forense, é inegável que a atualização do Código de Processo Civil despertou críticas dos doutrinadores. Assim, por não haver definição de o que, realmente, seria a violação do mencionado princípio, Fredie Didier Junior (2017, p. 110), ao tratar da razoável duração do processo, relembra as ferramentas que pode se servir àqueles que, de algum modo, sejam prejudicados quanto aos prazos. O autor salienta que:

Há alguns instrumentos que podem servir para concretizar esse direito fundamental: a) representação por excesso de prazo, com a possível perda da competência do juízo em razão da demora (art. 235, CPC); b) mandado de segurança contra a omissão judicial, caracterizada pela não prolação da decisão por tempo não razoável, cujo pedido será a cominação de ordem para que se profira a decisão; c) se a demora injusta causar prejuízo, ação de responsabilidade civil contra o Estado, com possibilidade de ação regressiva contra o juiz; d) a EC n. 45/2004 também acrescentou a alínea "e" ao inciso Il do art. 93 da CF /88, estabelecendo que "não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão".

Tais exposições trazem a ideia de um critério aritmético, no sentido de somar todos os atos processuais e seus respectivos prazos e, desse modo, obter o remate objetivo. Todavia, vale ressaltar que, é consolidado o entendimento dos Tribunais, no sentido de que, conforme o habeas corpus nº 171.954 - BA, jugado pelo STJ:

[...] a alegação de excesso de prazo não pode basear-se em simples critério aritmético, devendo a demora ser analisada em cotejo com as particularidades e complexidades de cada caso concreto, pautando-se sempre pelo critério da razoabilidade (art. 5º, LXXVII, da CF).

Nessa perspectiva, para integrar os interesses sociais e, concomitantemente, analisar as complexidades de cada caso concreto promovendo a celeridade processual, tem-se uma constante interpretação de casos, e contribui para uma disparidade das decisões. Ora, é incontestável que sempre haverá alguma disparidade nos casos, e esta não é o objeto de análise no primeiro momento,

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todavia, são frequentes os casos controversos sobre mesma questão de direito, por exemplo.

E, sendo assim, Medina (2017, p. 17) define que:

Ao lado da litigiosidade crescente a que antes nos referimos, assiste-se ao movimento de produção inflacionada de leis, de reformas legislativas, de emendas à Constituição. Isso contribui para a formação de um estado de insegurança normativa, pois, embora ainda não se tenha amadurecido a respeito do modo como se deve interpretar um determinado dado legislativo, surge desde já um outro, a ser considerado. Como exemplo, mencione-se a disciplina sobre mediação no novo CPC (Lei 13.105/2015), que, mesmo antes de entrar em vigor, já devia ser lida em conjunto com o que dispõe a Lei 13.140/2015, lei esta que, embora posterior, entrou em vigor antes daquela que aprovou o novo CPC. Mesmo o texto do novo Código foi alterado antes de sua entrada em vigor (cf. alterações oriundas da Lei 13.256/2016).

Extrai-se, por conseguinte, que toda a problemática está pautada na forma jurídico processual adotada pelo sistema brasileiro. E é sob este olhar que assevera Gonçalves (2018, p. 82) no sentido de que:

O nosso ordenamento jurídico processual, oriundo do sistema romano-germânico, estava baseado fundamentalmente na norma escrita, embora mesmo antes da entrada em vigor do CPC/2015 já fosse possível identificar a influência do sistema anglo-saxônico. Com a nova lei, que adotou o sistema dos precedentes vinculantes, pode-se afirmar que o nosso sistema, embora ainda predominantemente embasado na civil law, passou a ser, de certa forma, híbrido, já que, tal como nos países da common law, os precedentes e súmulas vinculantes se erigem em verdadeira fonte formal do direito.

Decorrente dos seguintes impasses: rapidez e resolução, na visão de Luis Gulherme Marinoni (2010, p. 3) as “Múltiplas decisões para casos iguais revelam uma ordem jurídica incoerente”. Sobremaneira que, começa a emergir no Brasil, influências do chamado common law.

1.2 Influência do Common Law no direito processual brasileiro

Afirma-se que o Brasil adotou como forma de ordenar o sistema jurídico processual, o chamado civil law, que pauta-se, essencialmente, na norma escrita. Dessa maneira, para estabelecer-se um regramento, é necessário que este encontre

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respaldo previamente escrito, ou seja, os costumes, por exemplo, entrariam como normas indiretas ou subsidiárias, conforme Paulo Nader (2018).

Assim, entende-se que a fonte primária do Direito brasileiro é a lei. Por essa afirmação, corrobora o argumento de Flávio Tartuce (2017, p. 22), o qual assinala que o “Direito Brasileiro sempre foi filiado à escola da Civil Law, de origem romano-germânica, pela qual a lei é fonte primária do sistema jurídico”.

No cenário histórico em que foi criado, para Morgana Henicka Galio (2018, p.5):

o civil law registra suas origens com base no direito romano, sendo posteriormente consagrado pela Revolução Francesa que procurou criar um novo modelo de direito, negando as instituições que antes existiam, calcando-se na rigorosa separação dos poderes, aliada à proibição do juiz interpretar a lei, como combinação indispensável à concretização da liberdade, igualdade e certeza jurídica.

Ao compreender essa influência do sistema de civil law, subentende-se que os demais componentes que subsidiam e compõem as fontes do Direito, estariam, em tese, em segundo plano. De modo, que sob esta análise, a lei tem papel majoritário perante os demais, a fim de coibir a vontade subjetiva do julgador.

Em síntese, o Brasil adotou o sistema da civil law, objetivando afastar a subjetividade do juiz em seus julgados, como já mencionado supra. Por conseguinte, sob esta análise, a lei e tão somente ela, deve ser objeto de motivação na tomada das decisões, que pode ser definida como, a chamada, hermenêutica jurídica.

Afirma Caio Mario da Silva Pereira (2017, p. 171) ao abordar sobre a hermenêutica tradicional, que:

A hermenêutica é uma arte que visa ao indispensável entendimento da lei, formada de regras técnicas próprias, que variam do simples ao complexo, desde a indagação do intérprete quanto à vontade legislativa, através dos termos escritos em que é redigida a norma, até as investigações sociológicas mais profundas.

Ocorre que, o cenário que circunda o ambiente jurídico processual brasileiro vem demonstrando uma perspectiva distinta do sistema adotado inicialmente.

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Verifica-se que hodiernamente tem crescido a influência de um segundo movimento, que já presente em países como Inglaterra, Estados Unidos da América, Canadá, o chamado common law (NADER, 2018).

Didier Junior (2017, p. 66), costuma afirmar que:

O sistema jurídico brasileiro tem uma característica muito peculiar, que não deixa de ser curiosa: temos um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de uma série de garantias processuais, inclusive, expressamente, do devido processo lega[) e um direito infraconstitucional (principalmente o direito privado) inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basicamente). Há controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco). Há inúmeras codificações legislativas (civillaw) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extremamente complexo (súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para causas repetitivas etc. [...] de óbvia inspiração no common law.

Dessa forma, o common law, consiste, portanto, no oposto do sistema da civil

law, de modo que sua fonte majoritária está nos costumes, também conhecido como

normas consuetudinárias. Sobremaneira que, através disso, vislumbra no cenário atual, emergir os chamados precedentes processuais, trazendo, por conseguinte, essa inclinação para o sistema de common law.

Em síntese, conforme Pereira (2017, p. 63-64):

No momento histórico atual, coexistem as duas formas de direito objetivo: uns sistemas jurídicos, quase todos os do Ocidente, são de direito escrito, no sentido de que a norma jurídica se apresenta sob a forma de diplomas emanados dos órgãos competentes, elaborados pelo legislador e divulgados para conhecimento geral; outros sistemas, de direito não escrito, têm o seu direito objetivo em princípios declarados pelas Cortes judiciárias com fundamento em uma teórica tradição imemorial (sistemas de Common Law) ou regulam as atividades do indivíduo na sociedade pelos costumes observados tradicionalmente.

Por esta perspectiva, portanto, ao analisar o sistema jurídico brasileiro atual, nota-se que o mesmo compreende os dois modelos, visto que coexistem as duas formas de estabelecer-se as decisões judiciais. Sendo que, não se abandonou as normas elaboradas pelo legislador, nem mesmo impediu-se a inserção e influência nestas, dos costumes da sociedade.

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Não se fala, portanto, de uma guinada radical, ou em uma migração total. O que vem acontecendo são pequenas mudanças, porém significativas, que trazem outras nuances ao Direito brasileiro. Há de se enfatizar, contudo, o fato de que de um sistema para outro ocorrem algumas transformações mais pontuais, pois, enquanto no civil law “o papel dos tribunais é dizer o Direito e não o de criá-lo”, no sistema do common law a “função legislativa é complementar dos costumes e da jurisprudência. O estudo do Direito, bem como a fundamentação das sentenças, se fazem reportando-se à autoridade dos casos julgados” (NADER, 2018, p. 70).

Por conseguinte, nessa ótica, levanta-se a ideia de casos processuais que têm sido decididos com base em jurisprudências de recente apreciação. Tais jurisprudências reformularam algum entendimento da legislação vigente, bem como, demonstram o poder que têm recebido decisões dessa categoria no país.

Para Tartuce (2017, p. 22):

Em complemento, pontue-se que essa tendência de caminho para o sistema da Common Law foi incrementada pelo Novo Código de Processo Civil, em virtude da valorização dada, nessa lei instrumental emergente, aos precedentes judiciais. Entre outros comandos, o CPC/2015 determina, em seu art. 926, que os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Conforme o § 1.º do dispositivo, na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os Tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. Ademais, está previsto que, ao editar os enunciados das súmulas, os Tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação (art. 926, § 2.º, do CPC/2015).

José Joaquim Gomes Canotilho, por exemplo, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, no ano de 2013, ao referir-se sobre a força dos Tribunais brasileiros, disse inclusive que “o Brasil tem uma outra Constituição feita pela jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal Federal” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2018). Esta afirmação, demonstra o que já vem sendo percebido e vivenciado no ambiente do Judiciário brasileiro.

Sobremaneira que, afirma Didier Junior (2017, p. 68) que:

No Brasil, embora a importância da opinião dos doutrinadores ainda seja bem significativa (característica do civil law), o destaque que se tem

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atribuído à jurisprudência (marca do common law) é notável, de que serve de exemplo a súmula vinculante do STF. Não obstante o nosso ensino jurídico se tenha inspirado no modelo da· Europa Continental (principalmente de Coimbra), não se desconhecem atualmente inúmeros cursos de Direito que são estruturados a partir do exame de casos, conforme a tradição do common law.

Assim, a influência do common law também se traduz em uma maior subjetividade dos juízes na interpretação dos casos. No entanto, apesar de parecer algo outrora distante do sistema jurídico brasileiro – adepto do civil law – ainda que involuntariamente, o sistema diverso já vem sendo aplicado nas decisões fundamentadas pelos magistrados há um tempo considerável. Sendo que, ao dar abertura para o poder criativo dos juízes (MARINONI, 2010), o Brasil, antes adepto do modelo do civil law, concretiza seus primeiros passos rumo ao novo sistema – híbrido.

Advém a hipótese, em consequência disso, de que a “inconsciente” guinada para o sistema diverso decorre, também, de certos problemas na legislação, que já não comporta compreender todos os problemas jurídicos emergentes sociais. De modo que, nesse sentido, subentende-se que a legislação, quando criada, comporta as situações de conflitos da época em que está inserida.

Fato é que, por exemplo, uma legislação publicada no ano de 1973, ao ser manuseada em 2014, já não comportaria abranger todos os fatos vivenciados na atualidade, visto que a sociedade contemporânea está em constante transformação, e, sendo assim, um dos motivos que impulsionaram a reforma do Código de Processo Civil, em 2015.

Diddier Junior (2017, p. 69, grifo nosso) afirma, por exemplo, que:

O Direito brasileiro, como seu povo, é miscigenado. E isso não é necessariamente ruim. Não há preconceitos jurídicos no Brasil: busca-se inspiração nos mais variados modelos estrangeiros, indistintamente. Um exemplo disso é o sistema de tutela de direitos coletivos: não nos consta que haja em um país de tradição romano-germânica um sistema tão bem desenvolvido e que, depois de quarenta anos, tenha mostrado bons resultados concretos [..] A experiência jurídica brasileira parece ser única; é um paradigma que precisa ser observado e mais bem estudado.

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Nesse sentido, com a inserção das regras referentes ao sistema common law, aplica-se a realidade dos fatos, que atuais, naquilo que previamente já fora objeto de conflito jurídico, ou seja, no viés de Donizetti (2017, p. 1454):

os juízes e tribunais se espelham principalmente nos costumes e, com base no direito consuetudinário, julgam o caso concreto, cuja decisão, por sua vez, poderá constituir-se em precedente para julgamento de casos futuros. Esse respeito ao passado é inerente à teoria declaratória do Direito e é dela que se extrai a ideia de precedente judicial.

Por este ângulo, trazer as normas consuetudinárias para o sistema jurídico, significa dar maior abrangência para aquilo que já se tem estabelecido na legislação. Afirma Didier Junior (2017, p. 69) que “temos uma tradição jurídica própria e bem peculiar, que, como disse um aluno em sala de aula, poderia ser designada, sem ironia ou chiste, como o brazilian law”.

Ante o exposto, certo é que o “brazilian law” trouxe certos problemas para os julgados brasileiros. Talvez, por conta de não ser o sistema primário do país, a chegada do common law tem sido realizada de maneira distinta de como ocorre nos demais países que o adotaram desde o princípio.

Isso significa dizer que, a conclusão obtida deste sistema híbrido, até o presente momento é a de que, enquanto não estabelecer-se um sistema jurídico único e bem definido, continuará ocorrendo a interpretação subjetiva das leis. E, por conseguinte, fato este que, em si, já enquadra o Direito brasileiro no segundo sistema – common law.

Todavia, real problema reside quando analisada a figura do intérprete das leis. Pereira (2017, p. 168), expõe que “o intérprete vale-se de elementos diferentes, no entendimento da norma, desde a literalidade do seu texto até a articulação dela no conjunto orgânico do direito positivo e no seu enquadramento social”.

Ocorre que, esta situação causa diversas incongruências na hora de analisar o mérito das demandas e aplicar este à lei correspondente para sanar o conflito jurídico. Visto que, a constante interpretação das normas jurídicas gera distintas maneiras de funcionalidade das mesmas.

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Não obstante, Donizetti (2017, p. 706) salienta que:

a aplicação de conceitos indeterminados é, muitas vezes, geradora de insegurança jurídica. É como conceder um “cheque em branco” ao magistrado, permitindo-lhe adotar a interpretação que entenda mais adequada à solução da controvérsia.

Para evitar abusos, o Código determina que o juiz, ao aplicar esses conceitos, o faça de forma motivada, objetiva, explicitando as razões pelas quais adotou essa ou aquela interpretação.

Ora, na visão de Riccardo Guastini (apud DIDIER JUNIOR, 2017, p. 49), a norma em si mesma já é fruto de interpretação do sistema normativo, as quais dependem precipuamente do contexto que estão inseridas. Então, disso se extrai, conforme afirma Pereira (2017, p. 49), que a interpretação:

Sendo um processo complexo, utiliza-se de materiais vários: vale-se do elemento literal, com que focaliza a linguagem utilizada; serve-se do elemento lógico, ou sistemático; utilizasse do fator histórico, e através do manuseio destes subsídios extrai o entendimento da norma, não no sentido da manifestação volitiva de alguém, mas do significado do querer objetivo da própria lei (mens legis). E quando o intérprete não atenta exatamente para esta circunstância, e busca a intenção daquilo que alguém disse (subjetiva) e não do que está dito (objetiva) na lei, corre o risco de desvirtuar a obra hermenêutica.

Como pode-se perceber, há diversas formas da interpretação, e todas elas embasadas em concepções que dependerão essencialmente do intérprete. Todavia, ao relacionar tais situações com a guinada do civil law para o common law, atinge-se um importante princípio do processo civil brasileiro, o princípio da segurança jurídica.

1.3 O Princípio da Segurança Jurídica

Ante toda exposição realizada, incorre-se pensar onde estão inseridos os princípios jurídicos em meio à tomada de decisões judiciais. Ainda, e, mais especificamente, qual posição ocupa a segurança jurídica das decisões conquanto, ante posto, ao intérprete cabe sua própria convicção?

Com o sistema jurídico atual, conota-se diversas aberturas para subjetividade às análises legislativas, de modo que, ao intérprete cabe observar o princípio em

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tela, pois iniciativas mal formuladas prejudicariam toda a lide. E, nesse sentido, assinala, Cezar Fiuza (2015, p. 72) que:

o intérprete, uma vez consciente de que o sistema jurídico seja aberto, de que se retroalimente da própria interpretação, de que o sistema moderno ofereça garantias de decisões técnicas e isentas e de que a luta por um sistema fechado seja vã; uma vez ciente disso tudo, é óbvio que o hermeneuta terá muito melhores condições de desenvolver um trabalho sério e de aprimorar as técnicas de interpretação, para construir um ordenamento jurídico que promova a justiça no caso concreto, sem abrir mão dos ideais de segurança jurídica.

Dessa forma, interpretar sem abrir mão dos ideais de segurança jurídica, não demonstra-se tarefa fácil. Inclusive, sob o prisma do cenário jurídico brasileiro, em uma afirmação extrema, Rosemiro Pereira Leal (2018, p. 308) chega a defini-lo como “uma colcha de retalhos normativos (restos históricos de encarceramentos jurídicos sucessivos por legislações contingenciais) sem qualquer preocupação prévia de harmonização legislativa”. Não havendo, portanto, tal harmonização legislativa, torna-se deveras complicado a estabilização de um julgado.

Conforme Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 1002), ocorre, ainda, o pensamento de que:

Se as normas só existem a partir da interpretação, a ponto de se poder dizer que o respeito ao princípio da legalidade significa na verdade respeito à interpretação conferida à lei pelos órgãos institucionalmente a tanto encarregados [...], então quem quer que esteja preocupado em [...] como tornar a interpretação e a aplicação do direito algo forjado nas fundações do princípio da segurança jurídica, não pode obviamente virar as costas para o problema da interpretação judicial do direito e dos precedentes daí oriundos.

Desafio ainda maior, ao considerar a figura dos precedentes concomitante à legislação, põe-se em pauta, não obstante, incide na visão de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 727), o qual afirma que:

[...] é certo afirmar que em um Estado democrático e republicano, como o nosso, o povo tem exatamente as leis que deseja, pois são elaboradas em seu nome, pelos seus representantes, para tanto eleitos.

Por esse motivo - elaboração normativa segundo a vontade do povo -, e em prol do postulado da segurança jurídica, tem-se que as leis e os atos normativos editados pelo Poder Público são protegidos pelo princípio da presunção de constitucionalidade das leis (ou presunção de legitimidade das leis).

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Pela lógica que se segue, a influência dos costumes perfaz na legislação, dessa maneira, a sociedade não deveria temer quanto à aplicação da mesma, visto que a própria influencia em sua criação. Contudo, essa analogia não merece prosperar, visto que, não é o cenário que se encontra da sociedade para com o Poder Judiciário brasileiro.

Dessa forma, atenta-se, rigorosamente, para o princípio da Segurança Jurídica. Esse princípio, na visão de Fernando da Fonseca Gajardoni et. al. (2018, p. 68), “é princípio mater da Constituição, verdadeira vértebra do Estado Democrático de Direito, como consta da cabeça do artigo 5º”.

Tal é a importância deste princípio que este encontra-se, mesmo implícito, em diversos outros princípios que regulam o Direito brasileiro, tais como o da legalidade e da proteção à confiança (CANOTILHO apud GAJARDONI et. al., 2018, p. 68). Alguns doutrinadores também relacionam este princípio com a coisa julgada, contudo, este não será objeto de análise, visto que, prima-se pela atenção à segurança jurídica das decisões, especialmente, as de aplicação erga omnes.

Não obstante, considera-se o que afirma Horácio Wanderlei Rodrigues e Eduardo de Avelar Lamy (2018, p. 233) quando menciona que o “fundamento político do instituto da coisa julgada reside no fato de que àquele que teve seu direito reconhecido deve ser garantida a segurança jurídica para o gozo dos bens decorrentes da decisão”. E, por certo, esta definição relaciona-se diretamente com a afirmativa de estabilidade das decisões judiciais como um todo.

No tocante, por conseguinte, às jurisprudências – relacionadas como fruto da influência do common law no direito brasileiro – Gajardoni et. al. (2018, p. 68) afirma que o princípio da segurança jurídica tem como objetivo, evitar que:

as pessoas sejam surpreendidas por modificações do direito positivo ou na conduta do Estado. Consequentemente, não pode o Poder Público adotar novas providências em contradição com as que foram por ele próprio emanadas, surpreendendo os que acreditaram nos atos estatais.

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Nesse sentido, a segurança jurídica objetiva garantir que o acesso à justiça, em expansão – como já comentado anteriormente –, sirva-se de um Direito mais estável. Dessa maneira, ao observar o princípio da segurança jurídica nas decisões, obtém-se, para um maior número de casos, soluções iguais e justas aos litigantes, e não somente a estes, mas aos que, a partir destes, poderão solver seus litígios com base nas decisões uniformes.

Ocorre que, as diversas formas de interpretar os casos, por vezes similares, de forma distinta, coincidem na contribuição para o aumento da insegurança jurídica processual. Em vista disso, ao constatar-se que as jurisprudências estão imersas a constantes modificações, nota-se certa dificuldade do legislador em aplicar o

common law à luz do princípio da segurança jurídica. Conforme Nader (2018, p. 83),

nesse sentido:

Pensa-se que o Direito-escrito, especialmente por códigos atualizados, é meio mais apto a promover o valor segurança jurídica do que o Direito costumeiro. O acesso ao conhecimento das normas disciplinadoras estaria à vista do pesquisador, enquanto que o teor normativo dos costumes desafiaria estudos na fonte jurisprudencial e na história dos fatos.

Denota-se, então, que a problemática reside no fato de que não é o Direito-escrito, nem o Direito costumeiro que garantirá a segurança jurídica para as decisões. Mesmo porque, o espaço jurídico configura-se, atualmente, na coexistência de dois sistemas – common law e civil law – e, mesmo assim, não se tem conseguido direcionar o campo das decisões, reafirmando a insegurança jurídica.

Na perspectiva de Rodrigues e Lamy (2018, p. 363):

De qualquer forma, o crescimento da importância da jurisprudência nos sistemas jurídicos está vinculado à busca por segurança jurídica para o jurisdicionado, concebida como previsibilidade, com base nos precedentes judiciais. Isso leva à busca pela uniformização jurisprudencial, no intuito de suprir a incapacidade que os códigos possuem para regular toda a complexidade da sociedade contemporânea.

Ou seja, dessa afirmação obtém-se dois fatos: 1º) é necessária a uniformização jurisprudencial; e 2º) o Direito brasileiro está imerso à uma sociedade complexa. Na visão de Luís Roberto Barroso (2010, p. 67):

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A observância dos precedentes liga-se a valores essenciais em um Estado democrático de direito, como a racionalidade e a legitimidade das decisões judiciais, a segurança jurídica e a isonomia. No Brasil dos últimos anos, o papel da jurisprudência teve tal expansão que alguns autores passaram a incluí-la no rol das fontes formais do direito.

Por conseguinte, no sentido de atribuir às decisões jurisprudenciais a segurança necessária, tanto para os litigantes, quanto para promoção da pacificação social, observa-se, por exemplo, a perspectiva de Neves (2018, p. 103, grifo nosso), quando trata sobre o campo da jurisdição voluntária, o mesmo afirma que:

uma sentença proferida em jurisdição voluntária não pode ser absolutamente instável, revogável ou modificável a qualquer momento e sob qualquer circunstância. Alguma estabilidade ela deve gerar, até mesmo por questão de segurança jurídica.

Extrai-se, sob esta perspectiva, o que deve ser o prisma de qualquer decisão. Quando uma decisão deixa de cumprir seus papeis basilares, ela não fere apenas o ordenamento, fere o acesso à justiça de quem o tem, ou seja, a sociedade. Donizetti (2017, p. 1733), a respeito do sistema processual vigente, entende que:

[...] a nova sistemática processual é imediatamente aplicável aos processos em andamento, independentemente da data da propositura da ação. Segue-se a máxima “tempus regit actum”. Contudo, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, devem ser preservados os atos já praticados com base na lei anterior.

Então, encontra-se claro que, o princípio da Segurança Jurídica objetiva não apenas proteger as decisões já firmadas, mas também as futuras. Pois, a segurança deve ser estabelecida para todos os demais casos que venham a enfrentar a esfera judicial, para que os prováveis novos litigantes possam embasar-se em uma estrutura segura, e ingressar com a ação não apenas para “tentar a sorte” no judiciário.

É de tamanha importância esse princípio, pois, frente à iminente litigiosidade e morosidade do Poder Judiciário brasileiro, quando se cria um cenário de estável, toda a máquina conseguirá reestabelecer-se. Para Marco Félix Jobim (apud GAJARDONI et. al., 2018, p. 68):

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[...] entende-se que tanto o princípio da efetividade processual, como o da duração razoável do processo, o da segurança jurídica e aqueles outros que fazem parte do denominado direito processual constitucional, fazem parte sim de um todo, anteriormente denominado de devido processo legal, mais atualmente sendo modificada sua nomenclatura para processo justo, sob outros enfoques. (…) o princípio que realmente rege o processo civil atualmente é o do processo justo. Não pode ele ser entendido como um único princípio qualquer, mas como uma soma de vários. Assim, torna-se o direito fundamental à razoável duração do processo um princípio processual constitucional de equivalente importância e autônomo a qualquer outro princípio processual, apenas perdendo força perante o processo justo, que nada mais é do que um conceito que agrega diversos outros princípios.

O que se perfaz desse entendimento, portanto, é o fato de que a segurança jurídica processual é um dos componentes necessários para consumar o devido processo legal. E, para tanto, cabe ressaltar que tal princípio não se aplica somente vislumbrando garantir que uma pessoa seja julgada e condenada, mas sim, a conferir um processo no qual sejam garantidos todos direitos fundamentais inseridos na Constituição Federal (RODRIGUES, LAMY, 2018).

Corrobora Leal (2018, p. 87), nesse sentido, ao traduzir que:

O Judiciário, nas esperadas democracias plenárias, não é o espaço encantado (reificado) de julgamento de casos para revelação da justiça, mas órgão de exercício judicacional não mais segundo o modelo constitucional do processo, mas em sua projeção atualizada e crítico-discursiva (neoinstitucionalista) de intra e infraexpansividade principiológica e regradora. O devido processo coinstitucional é que é jurisdicional, porque o processo é que cria e rege a dicção procedimental do direito, cabendo ao juízo ditar o direito pela escritura da lei no provimento judicial.

Dessa maneira, logicamente não se pode auferir similar capacidade de interpretação a todos os magistrados que ditam o Direito jurisprudencial. Mesmo porque, existem diversas técnicas de interpretação compondo a hermenêutica jurídica. Portanto, o posicionamento que se espera, no ambiente jurídico processual, é aquele que, simplesmente, contemple os princípios constitucionais, de modo a consumar igualdade nas decisões e aperfeiçoar a aplicação do common law. Pois, conforme aponta Marinoni (2010, p. 3):

O direito processual costuma se preocupar com a igualdade no processo - ou seja, com a igualdade de tratamento no interior do processo – e com a igualdade ao processo - isto é, com a simétrica disponibilidade de técnicas processuais -, mas se esquece, por desprezo à realidade da vida e dos tribunais, da igualdade perante as decisões. O dizer, insculpido na velha placa colocada sobre a cabeça dos juízes, de que a lei é igual para todos,

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constitui escárnio a aqueles que, diariamente, assistem colegiados de um mesmo tribunal, ou mesmo tribunais estaduais ou regionais distintos, proferindo decisões diferentes para casos absolutamente iguais.

Dessarte, objetivando contemplar um amplo número de processos, sem abandonar os princípios constitucionais, essencialmente o da segurança jurídica, de modo a perfazer nas decisões a equidade e celeridade processual, sem desrespeitar, todavia, as partes, é que o Código de Processo Civil, em 2015, propôs o instrumento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, também chamado de “IRDR”. Que, na abordagem de Humberto Theodoro Júnior (2018, p. 690), “surge como uma tentativa de conferir maior grau de segurança jurídica aos julgados e como forma de propiciar mais agilidade na tramitação dos processos”.

Ademais, a fim de esclarecer a atuação desse incidente, suas prerrogativas de aplicação, instrumentalidade e objetivos, é que o próximo capítulo abordará diretamente acerca de suas particularidades. Não obstante, apresentará a perspectiva do incidente de resolução de demandas repetitivas como resposta ao problema da insegurança jurídica, bem como, paralelo à realidade prática, uma análise dos entendimentos já consolidados pela forma incidental.

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2 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS: UMA RESPOSTA À INSEGURANÇA JURÍDICA

Como já mencionado, haja vista a recorrente pretensão em solucionar demandas pela via judicial, o Estado se viu na incumbência de garantir à sociedade a mais justa forma de abranger, nas decisões do judiciário, a satisfação do direito pretendido sem, contudo, afastar-se dos princípios basilares da isonomia, devido processo legal, segurança jurídica e celeridade.

Observando que, grande parte das demandas judiciais tinham mesma questão de direito pretendido em juízo e, em consequência, no judiciário abundava a quantidade de ações pendentes, em 2009 a Comissão de Juristas encarregada de elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil elaborou o Incidente de Resolução das Demandas Repetitivas, o IRDR.

Nesse sentido, o presente capítulo tem por finalidade abordar a atuação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, retratando, acerca de seu conceito e propósitos, a perspectiva funcional que o mesmo tem proporcionado desde sua criação. Sobremaneira que, no intento de extrair maior proveito do tema, estabelece-se uma abordagem crítica, no tocante aos reflexos das teses por ele firmadas em contraste com à subjetividade dos magistrados julgadores.

2.1 Incidente de resolução de demandas repetitivas: conceito e propósitos

A proposta inicial do IRDR foi, sem dúvidas, desafogar o judiciário apresentando respostas de forma eficiente e eficaz aos conflitos, considerando que, “as relações sociais giram em torno de “interesses massificados, interesses homogêneos, cuja tutela não pode correr o risco de ser dispensada pela Justiça de maneira individual e distinta” (TEODORO JÚNIOR, 2018, p. 940).

Ou seja, com o advento das inovações na vida em sociedade, os problemas enfrentados que chegam à apreciação do judiciário são, cada vez mais, parecidos em suas particularidades, especialmente, nas questões de direito. Ocorre que, todos estes, objetivam soluções igualitárias para suas demandas, o que nem sempre tem

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sido possível nos casos concretos, dada a subjetividade dos magistrados nas interpretações das normas.

Dessa maneira, em 2015 o Incidente de Resolução das Demandas repetitivas surge adotando técnicas que permitem a resolução de questões de forma concentrada, ou seja, não mais individualizada em análise de um único processo, mas voltando-se para a resolução em um ou alguns julgamentos, com a posterior aplicação da decisão aos casos seriados (TEMER, 2018).

Desse modo, corrobora Bueno (2018, p. 1042):

O instituto quer viabilizar uma verdadeira concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos Tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do Tribunal competente para julgá-lo. Pode até ocorrer de haver recurso especial e/ou extraordinário para o STJ e/ou para o STF, respectivamente, viabilizando que o “mérito” do incidente alcance todo o território nacional.

Prima parte, quando se fala em IRDR, torna-se importante salientar seu alcance, de maneira que, a sua aplicação não se restringe a uma comarca específica – que esteja passando por grande acúmulo de processos atrasados – mas a este cenário dimensionado em escala nacional. Sobremaneira que, uma decisão de caráter incidental proporciona a vinculação dos demais, peculiaridade que o diferencia das demais decisões jurisprudenciais, por exemplo.

Nesse sentido, outro aspecto comparativo que ressalta a importância do incidente é que, diferente das decisões em formato de jurisprudência usuais – que, assim como ele, também servem de parâmetro para os demais julgados –, uma decisão proferida por meio do IRDR não apresentará oscilações em curto espaço de tempo, por exemplo, o que reforça a ideia da segurança jurídica.

Na visão de Donizetti (2017, p. 410):

O tribunal que processa o incidente tem o dever de velar pela uniformização e pela estabilização de sua jurisprudência. Para tanto, antes de decidir a questão, poderá ouvir as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia (art. 983).

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Todavia, o IRDR não surgiu do simples acaso, é fruto de outro procedimento exitoso. Ocorre que, antes da elaboração do IRDR pelos juristas comissionados, já acontecia no âmbito recursal, algo parecido – o recurso especial e o recurso ordinário repetitivos. Dinamarco (2016, p. 216), define que esta técnica é:

admissível quando em um número significativo desses recursos repetem-se as mesmas questões de direito (CPC, art. 1.036, caput). O Tribunal toma dois ou mais recursos como paradigmas e a tese jurídica que ali vier a ser fixada repercutirá nos processos pendentes, para que (a) não tenham seguimento os recursos extraordinários ou especiais já interpostos contra decisão coincidente com a orientação fixada no julgamento paradigma (CPC, art. 1.040, inc. I), (b) os acórdãos divergentes da posição assumida sejam reexaminados pela turma julgadora no tribunal de origem (CPC, art. 1.040, inc. II) e ( c) nas causas pendentes de julgamento em primeiro e segundo graus de jurisdição seja aplicada a tese fixada (CPC, art. 1.040, inc. III).

Nota-se, portanto, que dessa ideia surge o Incidente de Resolução das Demandas Repetitivas, o qual está previsto legalmente nos artigos 976 a 987 da Lei 13.105/2015, inserido no Capítulo VIII, no Livro III da Parte Especial. Para melhor definição, trata-se de um procedimento inserido no contexto de um procedimento maior (DINAMARCO; LOPES, 2016).

Neves (2018, p. 1495) elucida que:

Nos termos do art. 976, caput, do Novo CPC, é cabível o incidente de resolução de demandas repetitivas, conhecido por IRDR, quando houver simultaneamente a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Nesse sentido, depreende-se do caput do artigo 976 a necessidade de requisitos para dar início ao procedimento, sendo estes, em sua totalidade, indispensáveis. Em outras palavras, é necessário que demandas versem sobre mesma questão unicamente de direito e ofereçam risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Ainda, na visão de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 1053):

não se exige que exista causa pendente de análise pelo tribunal para admitir o IRDR, bastando que haja multiplicação de demandas com a

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mesma questão exclusivamente de direito em trâmite pelo Judiciário brasileiro, com risco para a isonomia e para a segurança jurídica.

Sendo assim, depreende deste conceito que das questões que podem ser objeto do incidente, as mesmas não devem tratar acerca de matéria de fato. Ora, até porque, seria ilógico pensar em um instrumento jurídico para resolver matéria de fato, quando impossível, por exemplo, a situação jurídica de milhares de processos em tramitação discutindo acerca da oitiva ou não de determinada testemunha.

Significa dizer que acerca dos fatos, nas demandas repetitivas, “estes devem ser incontroversos. Pode haver, porém, mais de uma questão de direito controvertida (MARINONI, et. al., 2017, p.1048).”

Partindo, por conseguinte, para a análise quanto à repetição de processos, a legislação não estabelece qual quantidade é considerada suficiente a suscitar o procedimento, o que na visão de Gonçalves (2018, p. 757) é compreendido da seguinte maneira:

A lei não diz quantos processos são necessários para se considerar que há a multiplicidade, o que deverá ser analisado no caso concreto. Se o órgão julgador entender que ela ainda não existe, indeferirá o incidente, ficando aberta a possibilidade de nova suscitação, quando o requisito faltante for preenchido (art. 976, § 3º).

Todavia, levando-se em consideração a proposta objetiva do Incidente, em desafogar o judiciário, subentende-se que, perfaz necessária uma considerável demanda. Até mesmo, pelo fato de que a ideia em estabilizar as decisões se faz útil, justamente, para casos não solvidos até o momento que possuem a característica comum de matérias de direito. Ou seja, o que os impede ou prolonga sua duração é a mesmo direito controverso, de maneira que dependem muito mais estes – em grande demanda – do que poucos de matéria não tão comum na seara jurídica.

Isso não significa, porém, que pequena quantidade de processos com matéria de direito a ser solucionada, não possa ser objeto do IRDR. De outro modo que, o que não se pode deixar de observar é que indispensável é a repetição de mesma matéria de direito a ser suscitada nas demandas, eis que requisito do Incidente.

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Nesse sentido, vem ocorrendo algumas discussões doutrinárias, de maneira que Neves (2018, p. 1496) manifesta-se em compreender:

o temor de parcela da doutrina de que não se pode esperar que o caos se instaure em primeiro grau, com milhares de decisões conflitantes, para só então se instaurar o incidente'. E nesse sentido essa corrente doutrinária defende que a mera existência de algumas dezenas de processos, que versem sobre uma mesma matéria jurídica que, inexoravelmente, gerará muitos outros, já seja o suficiente para a instauração do IRDR'.

Em relação, portanto, a essa problemática da repetição de demandas, bem como, à quantidade de processos que perfazem as mesmas, torna-se possível observar que não é caso particular enfrentado pelo judiciário brasileiro. Diversos países têm trabalhado em desenvolver técnicas para obstruir o crescimento de tais casos reincidentes.

É o caso, por exemplo, do que ocorre na Alemanha, conforme Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Sofia Temer (2015, p. 3), com a chamada:

Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz ou Lei sobre o

Procedimento-Modelo nos conflitos jurídicos do mercado de capital), com vigência temporária, inicialmente até outubro de 2010, mas que foi prorrogada, ato contínuo, até outubro de 2012 e, em seguida, para 01.11.2020. E, também, em 2008, nos moldes da primeira espécie de Musterverfahren e praticamente repetindo o texto do § 93a da Verwaltungsgerichtsordnung, o procedimento-modelo também é adotado no ramo jurisdicional alemão que cuida da assistência e previdência social (Sozialgerichtsgesetz).

De maneira que, ainda no viés dos autores supra, o procedimento-modelo alemão consiste em, num cenário de inúmeras ações homogêneas, julgar-se um caso piloto – com questões fáticas ou jurídicas comuns aos demais processos, onde, a partir de então, é firmado entendimento passível de estender-se aos demais casos (MENDES; TEMER, 2015).

Todavia, utilizando-se a técnica de um caso modelo, afim de gerar um precedente de aplicação para demais demandas, poderia se pensar em eventual comprometimento do princípio do contraditório. Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 1054), manifestam-se no sentido de que:

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para que se mantenha a constitucionalidade da figura, ou se convoca todos os possíveis interessados a participar da decisão do incidente, ou, ao menos, se chama para intervirem no incidente todos os legitimados para a tutela coletiva de interesses.

Em tela, novamente, para o judiciário brasileiro, mostra-se necessário que o Incidente, que já tem por escopo fundamental atender princípios consolidados – segurança jurídica, razoável duração do processo, celeridade – consiga observar os demais, no sentido de que perfaça em sua ordem, decisão justa aos litigantes.

Esse entendimento sustenta-se na visão de Miguel Reale (1986, p. 60) “Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade”. Em contrapartida, Dinamarco (2016, p. 217), quando trata do comparativo entre o IRDR e o tema de recursos repetitivos, acerca do contraditório manifesta-se no sentido de que:

Essa inerente deficiência de contraditório nesse tipo de procedimento é remediada por normas que (a) tomam obrigatória a intervenção do Ministério Público (CPC, art. 1.038, inc. III), (b) estimulam a participação no procedimento de pessoas, órgãos e entidades que tenham interesse na controvérsia (CPC, art. 1.038, inc. 1), (c) oferecem a possibilidade de ser realizada audiência pública para ouvir pessoas com experiência e conhecimento na matéria a ser julgada (CPC, art. 1.038, inc. II) e (d) disciplinam a escolha do caso a ser afetado como representativo da controvérsia e a identificação da questão repetitiva a ser apreciada (CPC, arts. 1.036, §§ 1 º, 4º, 5º e 6º, e 1.037, incs. 1 e III).

Nesse sentido, no que tange à legitimidade para a instauração do incidente, pode-se observar a atuação do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, quando esse não for parte requerente “e a Defensoria Pública no exercício de sua função como custos vulnerabilis” (BUENO , 2018, p. 1045). De forma que o Incidente preocupa-se com a aplicação dos princípios consolidados, sobremaneira que, de igual modo, oportuniza a oitiva de demais interessados, além do fiscal da lei.

É o que aponta Gonçalves (2018, p. 757):

O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, no prazo comum de 15 dias. Ele poderá ainda designar audiência pública, para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, solicitando em seguida dia para o julgamento. Na data designada, o relator fará a

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