• Nenhum resultado encontrado

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: Meios de Uniformização da Jurisprudência no Direito Processual Civil Brasileiro MESTRADO EM DIREITO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: Meios de Uniformização da Jurisprudência no Direito Processual Civil Brasileiro MESTRADO EM DIREITO"

Copied!
267
0
0

Texto

(1)

PUC-SP

Luiz Antonio Ferrari Neto

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: Meios de Uniformização

da Jurisprudência no Direito Processual Civil Brasileiro

MESTRADO EM DIREITO

(2)

Luiz Antonio Ferrari Neto

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: Meios de Uniformização

da Jurisprudência no Direito Processual Civil Brasileiro

Mestrado em Direito das Relações Sociais Subárea de Direito Processual Civil

Dissertação a ser apresentada à banca examinadora junto à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em direito, sob a orientação do professor Doutor João Batista Lopes

São Paulo

(3)

Banca Examinadora

_______________________________________

_______________________________________

(4)
(5)

Agradecimentos

Meus sinceros agradecimentos ao professor Doutor João Batista Lopes, brilhante, paciente e que, apesar de seu vasto conhecimento jurídico, sempre demonstrou ser uma pessoa simples e de fácil acesso, o que muito me auxiliou nas pesquisas e elaboração deste pequeno trabalho.

Agradeço também a atenção especial que me foi dispensada pelos professores doutores Olavo de Oliveira Neto e Rodrigo Barioni, por suas pontuais observações que foram fundamentais para a reflexão e conclusão desta dissertação.

(6)

Resumo

Utilizando-se dos métodos indutivo e comparativo e da pesquisa à legislação, doutrina e jurisprudência, analisaremos o incidente de resolução de demandas repetitivas, instituto ainda em discussão no meio acadêmico e no Congresso Nacional, diante da proposta apresentada ao Senado Federal pelo anteprojeto de Código de Processo Civil.

Num primeiro momento, visando à contextualização da ciência processual, traremos o panorama atual, com a problemática da constante busca pela cessação da lentidão do judiciário, sendo agregada a isto a constitucionalização do direito processual, as reformas no intento de acelerar a prestação da tutela jurisdicional e o problema da crescente necessidade de procura do judiciário diante da massificação das relações jurídicas.

Num segundo momento, por meio da análise de institutos existentes no direito pátrio que têm a finalidade de uniformizar a interpretação e aplicação do direito, trataremos da importância da jurisprudência e da necessidade de obediência ao posicionamento exarado pelos tribunais, na qual procuramos demonstrar que essa necessidade sempre esteve presente no Código de Processo vigente desde sua entrada em vigor, mas que apesar da tendência em se seguir precedentes, diferentemente do sistema de países da common law, a prática brasileira procura ignorar as peculiaridades fáticas para utilizar os julgados anteriores de forma abstrata, o que acaba, por vezes, desvirtuando a interpretação exarada pelos tribunais.

Num terceiro momento será analisada a proposta de inclusão do novo instituto previsto no Projeto de Código de Processo Civil, denominado incidente de resolução de demandas repetitivas, na qual compará-lo-emos com institutos existentes no direito estrangeiro e também com institutos previstos no direito vigente para, a partir dai, verificando as similitudes e diferenças, podermos nos aprofundar na sua natureza, competência, procedimento e resultados esperados, sem deixar de externar nossa opinião sobre pontos que possam ser aprimorado.

(7)

Abstract

Using the comparative and inductive methods and the research to the legislation, doctrine and jurisprudence, we analyse the incident of resolution of repetitive demands, institute that is under discussion at academia and Senate, because of the proposal submitted to the Senate by the draft of the Civil Procedure Law Code Project.

At first, aiming to contextualize the procedural science, we will bring the current situation with the problematic of its constant search of the cessation of the slowness of the judiciary, aggregating the constitutionalization of the procedural law, its reforms in the intent to accelerate the delivery of the jurisdictional activity and the problem of the growing necessity to demand justice because of the massification of the legal relations.

In a second step, by means of analysing the Brazilian institutes that has the objective of standardization the interpretation and application of the norms, we will treat about the importance of the jurisprudence and the necessity of obeying the precedents of the courts, which we will try to demonstrate that this necessity has always been present in the actual Civil Procedural Code since its beginning, but despite the tendency to follow precedents, unlike the countries of the common law system, the Brazilian practise seek to ignore the factual peculiarities to utilize the earlier judgements in an abstract way, which turns out, sometimes, distorting the interpretation drawn up by the courts.

In the third step we will analyse the proposal to include the new institute under the Project of the Civil Procedure Code, named incident to solve repetitive demands, in which we will compare it to another institutes existent in the foreign law and also to institutes that we have in the actual Brazilian law to, from there, checking out the similarities and differences, we could be able to delve in to the nature, competence, procedure and expected results, exposing our opinion about topics that could be improved.

(8)

Lista de abreviaturas e siglas

ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Arguição por descumprimento de preceito fundamental

AI Agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso excepcional

AgRg Agravo Interno

CC Código Civil

CDC Código de Defesa do Consumidor

CF Constituição Federal brasileira

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CPC Código de Processo Civil

CPR Civil Procedure Rules (Código de Processo Civil inglês, de 1998)

EAg Embargos de Divergência em Agravo

ED Embargos de declaração

EDv Embargos de divergência

GLO Group Litigation Order (ordem para litígio em grupo - procedimento do direito inglês para resolução de demandas em grupo)

HC Habeas corpus

IUJur Incidente de Uniformização de Jurisprudência

KapMuG Kapitalanleger-Musterverfahrengesetz (Lei alemã que trata do procedimento modelo para investidores em mercado de capitais)

(9)

LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

PL Projeto de Lei

Rcl Reclamação Constitucional

RE Recurso Extraordinário

REsp Recurso Especial

RISTJ Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça

RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

TJ Tribunal de Justiça

TRF Tribunal Regional Federal

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

(10)

Sumário

Introdução ... 14

CAPÍTULO I – PANORAMA ATUAL DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO ... 16

1 A constante busca pela cessação da lentidão do Judiciário ... 16

1.1 A Constitucionalização do Direito Processual ... 17

1.2 A Emenda Constitucional 45/2004 e as reformas processuais decorrentes como forma de garantir uma tutela jurisdicional efetiva ... 19

2 A evolução da sociedade e a massificação dos negócios jurídicos ... 22

3 A necessidade de o Judiciário garantir a segurança jurídica na resolução das demandas ... 28

CAPÍTULO II – IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E NECESSIDADE DE SUA UNIFORMIZAÇÃO ... 37

4 A existência de mecanismos dentro do sistema processual vigente que visam a impedir a existência de decisões conflitantes ... 37

4.1 O incidente de uniformização de jurisprudência ... 38

4.1.1 Origem do instituto ... 41

4.1.2 Procedimento... 43

4.1.3 Vinculação da Câmara / Turma ao decidido pelo Pleno ou Órgão Especial ... 46

4.1.4 A falta de eficácia prática do instituto em face da ausência de vinculatividade e baixa persuasão do incidente sobre os demais julgados ... 48

4.1.5 A uniformização de jurisprudência nos juizados especiais federais ... 51

4.2 A declaração incidental de inconstitucionalidade realizada pelos Tribunais .... 53

4.3 Recurso Especial e Recurso Extraordinário ... 58

4.3.1 Requisitos de sua admissibilidade ... 64

4.3.2 Hipóteses de cabimento dos recursos excepcionais ... 75

4.3.3 Recursos Excepcionais representativos de controvérsias ... 79

4.4 Os Embargos de Divergência ... 86

(11)

4.4.2 Hipóteses de cabimento ... 89

4.4.3 Divergência ... 98

4.4.4 Sobre o aresto paradigma ... 101

4.4.5 Procedimento... 104

4.5 Assunção de competência ... 105

5 As deficiências do sistema e a busca por novos institutos visando à isonomia e à segurança jurídica ... 109

5.1 A má interpretação do princípio da livre convicção motivada – a ausência de “discricionariedade” judicial ... 111

5.2 A necessidade de obediência aos posicionamentos dos Órgãos Judiciais Superiores ... 121

5.3 A insegurança gerada pela ausência de harmonização da jurisprudência ... 122

5.3.1 A demora na resolução de causas controversas pelos tribunais superiores como geradora do aumento do número de demandas ... 125

5.4 A necessidade de estabilização da jurisprudência com fulcro na segurança jurídica e isonomia ... 128

5.5 A ideia de se seguirem precedentes – a tendência no Brasil de adoção do sistema de precedentes existente nos países de common law ... 130

5.5.1 Breve histórico sobre a formação dos precedentes no direito inglês ... 130

5.5.2 Breve histórico sobre a formação dos precedentes no direito brasileiro ... 132

5.5.3 Diferenças entre o sistema jurisprudencial da Civil Law e o sistema de precedentes da Common Law ... 135

5.5.4 A volta à vinculatividade no intento de aproximação ao sistema de precedentes 141 5.5.5 A criação dos enunciados de súmula vinculantes reforçando a obediência aos posicionamentos das Cortes Superiores ... 143

5.5.6 O julgamento dos recursos repetitivos e a tendência à objetivação do controle de constitucionalidade realizado em sede de recurso extraordinário ... 147

CAPÍTULO IV – INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - Nova tentativa de prestar a tutela jurisdicional de forma isonômica e num prazo razoável ... 151

6 O surgimento da ideia e suas razões ... 151

(12)

7.1 Musterverfahren do direito alemão ... 154

7.1.1 Procedimento... 156

7.2 Group Litigation Order do Direito Inglês ... 160

7.3 Institutos assemelhados no direito pátrio ... 163

7.3.1 Similitudes e diferenças entre o incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de inconstitucionalidade ... 164

7.3.2 Similitudes e diferenças entre o incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de uniformização de jurisprudência ... 168

7.3.3 Similitudes e diferenças entre o incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos representativos de controvérsia... 172

8 O incidente de resolução de demandas repetitivas no PL 8.046/2010 – estudo detalhado ... 174

8.1 Conceito, natureza jurídica e finalidade ... 174

8.2 Idêntica questão de direito ... 179

8.3 Requisitos de sua admissibilidade ... 185

8.4 Competência ... 189

8.5 Legitimidade para instaurar o incidente ... 193

8.6 Intervenção de terceiros no incidente de resolução de demandas repetitivas . 195 8.7 Procedimento ... 199

8.8 A importância de se criar um banco de dados ... 207

8.9 Ausência de escolha de “caso modelo” e de representantes ... 209

8.10 Desistência, transação, reconhecimento jurídico do pedido, renúncia da demanda e o incidente de resolução de demandas repetitivas ... 212

8.11 Recorribilidade e legitimidade recursal para atacar a decisão que julgou o incidente ... 214

8.12 Suspensão do processo ... 217

8.13 Julgamento do incidente - criação de precedente e limites do precedente ... 220

8.14 (In)constitucionalidade na criação de precedente vinculativo ... 226

(13)

8.17 O incidente de resolução de demandas repetitivas e a busca pela razoável

duração do processo ... 232

8.18 A evolução da sociedade e a possibilidade de alteração de entendimento fixado no incidente ... 235

9 A possibilidade de dois Tribunais de segundo grau julgarem o incidente de maneira diversa ... 238

10 Comparativo do incidente de resolução de demandas repetitivas com as ações coletivas previstas no microssistema (Lei 7.347/85 e Lei 8.078/90) ... 239

11 Análise crítica do instituto ... 241

12 Conclusão ... 245

(14)

Introdução

Muitos são os problemas que levam à grande taxa de congestionamento do Judiciário (quantidade insuficiente de juízes e servidores, estrutura administrativa por vezes precária, informatização ultrapassada, baixa conscientização da população etc.). Em decorrência do objeto do presente trabalho, entretanto, não nos cabe perquirir com maior aprofundamento tais deficiências.

O Estado deve fazer sua parte, treinando constantemente os funcionários do Judiciário (juízes e serventuários), modernizando e informatizando os tribunais; a população deve também fazer a sua parte, pautando suas condutas de acordo com as normas preestabelecidas e procurando resolver suas demandas por meio da conciliação; os advogados devem orientar seus clientes sobre os riscos da demanda; enfim, muito precisa ser feito e revisto, não nos cabendo aqui lucubrar sobre quais seriam essas mudanças e quais seus impactos, haja vista não se tratar de uma pesquisa empírica.

Como estudiosos da ciência processual devemos nos ater a essa ciência para tentar aprimorá-la como forma de contribuir para uma justiça mais efetiva.

O processo, como instrumento posto à disposição da jurisdição para a obtenção de sua finalidade, que é dar a cada um aquilo a que lhe é de direito, tem sua duração fisiológica que não pode ser deixada de lado sob pena de se ferirem mais do que princípios constitucionais, verdadeiras cláusulas pétreas.

Assim, a Constituição brasileira prevê, a exemplo de outras, o direito de acesso à justiça. Sabemos que esse acesso tem que ser efetivo, pois justiça tardia não pode ser considerada justiça.

Por outro lado, justiça célere, a qualquer custo, também não é justiça. Nossa Constituição prevê a razoável duração do processo como princípio e não a celeridade.

(15)

Dentre outros institutos de fundamental importância para a ciência processual, procuramos nos debruçar sobre a forma de resolução de litígios que podem se repetir perante a sociedade e a necessidade de resolução de modo uniforme desses litígios individuais.

Uma das formas de se uniformizar esses litígios seria por meio da tutela de modo coletivo desses direitos individuais. A evolução e o estudo da tutela coletiva de direitos e da tutela de direitos coletivos nos últimos anos é visível. Não obstante, a nossa legislação sobre tutela coletiva de direitos tem seus pontos de restrição, o que também contribui para o aumento da quantidade de processos individuais, mais especificamente, os que versam litígios de massa.

Com a massificação das relações jurídicas, por via de consequência, há maior procura pelo Judiciário. A necessidade de adaptação deste para atender essas demandas é crucial para a própria existência de um Estado Democrático de Direito.

Diante dessas ineficiências é que surge a tendência de se obedecer aos posicionamentos exarados pelos Tribunais e de se objetivar os julgados por estes proferidos.

(16)

CAPÍTULO I – PANORAMA ATUAL DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

1 A constante busca pela cessação da lentidão do Judiciário

A preocupação com a lentidão do Judiciário na resolução dos conflitos e o crescente número de demandas não é assunto novo, nem problema localizado. Há também essa preocupação em diversos outros países.

Como destacado por Maria Elizabeth de Castro Lopes, os principais processualistas já se debruçaram sobre a revisitação de conceitos processuais; o empenho de defender a constitucionalização do processo civil; busca pela efetividade; informalidade do processo; quebra de paradigmas e também sobre o fortalecimento dos poderes de direção e instrução conferidos ao juiz1, tudo no intuito de aprimorar essa ciência.

Como estudioso do direito processual podemos apenas destacar alguns dos principais pontos que levaram o legislador a realizar reformas setoriais no processo pátrio, bem como ainda leva o legislador a buscar novos mecanismos processuais, com o fim de tentar dar à sociedade uma resposta aos direitos consagrados na Constituição: o direito de acesso ao Judiciário, para obtenção da tutela jurisdicional pleiteada, num prazo razoável, obedecendo aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A partir das constantes preocupações, e considerando a finalidade da ciência processual, Dinamarco nos traz os escopos nos quais a jurisdição deve estar baseada (escopos social, político e jurídico)2.

Pode-se destacar também a alteração do eixo metodológico, que, no início do século passado, estava voltado para o estudo da ação e atualmente está voltado para o estudo da tutela3.

1 LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O juiz e o princípio dispositivo. São Paulo: RT, 2006, p. 64-65 2 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009 3 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 1. 4. ed. São Paulo:

(17)

Com essas considerações iniciais, passamos a nos aprofundar em alguns dos pontos enfrentados pela comunidade jurídica na busca incessante da eliminação da morosidade processual4.

1.1 A Constitucionalização do Direito Processual

Na evolução do direito constitucional, na qual podemos destacar a preocupação com a proteção dos direitos de primeira, segunda e terceira gerações, também constatamos um salto na preocupação com direitos processuais mínimos que devem ser garantidos aos cidadãos5.

A preocupação com os direitos de segunda geração surgiu com o término da primeira guerra, quando se passaram a reconhecer direitos sociais. Pode-se citar como exemplo a Constituição de Weimer de 19196. Após isso, três outros fatos históricos marcaram a humanidade: a segunda guerra mundial, o fascismo e o nazismo7. Por conta disso foi proclamada, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, prevendo direitos processuais básicos. Com essa evolução, houve por consequência a

4 Muitas são as causas que levam à lentidão da prestação da tutela jurisdicional pelo Estado num prazo

razoável (falta de informatização, falta de mão-de-obra etc.) Não nos cabe, nesse trabalho, levantar quais são as causas dessa lentidão, nem quais seriam as melhores soluções, tendo em consideração nosso objetivo.

5 Podemos destacar alguns instrumentos históricos que visavam à proteção dos direitos mínimos das pessoas,

como a declaração de Virgínia de 1776, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e a Constituição Americana de 1791. Esses primeiros documentos visavam à proteção dos chamados direitos de primeira geração. (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 5-6). Cappelletti fala na “positivação” do direito natural, passo que foi dado com as instituições das Constituições rígidas, se iniciando com a Constituição dos Estados Unidos. (CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado (trad. Aroldo Plínio Gonçalves). 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 56)

6 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 41

7 Após fazer um histórico sobre a ascensão e queda do jusnaturalismo e sobre o positivismo filosófico, para

falar sobre o pós-positivismo, Luís Roberto Barros destaca que “[...] a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido”. (BARROSO, Luis Roberto.

(18)

constitucionalização dos direitos fundamentais8, sendo incluídos entre eles os direitos processuais9.

Destaca Joan Picó I Junoy que

Tras la Segunda Guerra Mundial, se produce en Europa y especialmente en aquellos países que en la primera mitad del siglo XX tuvieron regímenes políticos totalitarios, un fenómeno de constitucionalización de los derechos fundamentales de la persona, y dentro de éstos, una tutela de las garantías mínimas que debe reunir todo proceso judicial. Se pretendía con ello evitar que el futuro legislador desconociese o violase tales derechos, protegiéndolos, en todo caso, mediante un sistema reforzado de reforma constitucional10.

Por conta disso verificamos a constitucionalização de muitos dos princípios processuais, para que os cidadãos pudessem obter proteção contra eventuais abusos do Estado. No Direito Pátrio, após um período de ditadura militar, fomos coroados com uma Constituição que possui um imenso rol de direitos fundamentais, destacando-se como direitos constitucionais processuais, dentre outros, o do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, do acesso ao Judiciário, da isonomia, da motivação das decisões judiciais, do juiz natural, do dispositivo.

Para a proteção dos direitos e garantias das pessoas faz-se necessário proteger também os direitos processuais, haja vista que de nada adiantaria a proteção dos direitos das pessoas se estas não tivessem a garantia de se socorrer a um processo hígido para a própria proteção de seus direitos constitucionalmente assegurados. Para a própria existência de um Estado Democrático de Direito é que existem garantias processuais mínimas previstas em nível constitucional:

[...] la verdadera garantía de los derechos de la persona consiste precisamente en su protección procesal, para lo cual es necesario distinguir entre los derechos del hombre y las garantías de tales derechos, que nos son otras que los medios procesales mediante los cuales es posible su realización y eficacia11.

8 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? (trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris, 1993, p. 61-63. Afirma o autor que os “direitos fundamentais constituem o elemento central de quase todas as constituições do século XX, especialmente das promulgadas como reação aos abusos e perversões dos regimes ditatoriais que conduziram à segunda guerra mundial”, afetando também países que não foram vítimas de regimes ditatoriais e países do common law.

9 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 453-524;

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 541-541 e 550-554

(19)

Com a constitucionalização dos direitos fundamentais e, mais precisamente, dos direitos processuais, o próprio legislador ordinário encontrou limites para sua atuação no campo processual, pois para a elaboração de leis processuais passou a ter que observar os ditames da Constituição12.

A partir do início do século XXI os doutrinadores de direito constitucional passam a falar de um pós-positivismo, constitucionalismo pós-moderno ou ainda neoconstitucionalismo.

Com vista nessa nova tendência, busca-se dar maior efetividade à Constituição, “[...] deixando de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais”13. Passa-se a haver preocupação com a concretização dos direitos fundamentais14.

Apesar das grandes garantias asseguradas pela Constituição de 1988, o Constituinte Derivado entendeu que havia necessidade de alteração na Constituição para adequação do direito processual e do Judiciário à realidade desse novo século.

Isso porque houve aumento de procura pelo Judiciário para a solução dos conflitos e este precisa responder aos anseios da sociedade para que cumpra sua função constitucional.

1.2 A Emenda Constitucional 45/2004 e as reformas processuais decorrentes como forma de garantir uma tutela jurisdicional efetiva

Diante da busca incessante pela eliminação da morosidade judicial e por uma maior efetividade do direito processual, acrescido também do apelo da mídia, em 8 de dezembro de 2004 foi promulgada a Emenda Constitucional 45, apelidada de emenda da “reforma do

12 “[...] na medida em que princípios e regras específicos de uma disciplina ascendem à Constituição, sua

interação com as demais normas daquele subsistema muda de qualidade e passa a ter um caráter subordinante. Trata-se da constitucionalização das fontes do direito naquela matéria”. (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista eletrônica sobre a reforma do Estado. vol. 9. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, 2007, p. 19. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf Acesso em 26.03.2012 às 10h30)

13 LENZA, Pedro Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 9

14 Hoje, com a existência dos princípios processuais no texto da Constituição Federal, ela passa a ser o ponto de

(20)

Judiciário”. Por meio dela houve a inclusão do princípio da razoável duração do processo, alteração de competências entre o STF e o STJ, alteração de competências na Justiça do Trabalho (deslocando uma gama maior de assuntos para ser tratado por esta justiça especializada), criação de enunciados de súmula com efeito vinculante, criação do Conselho Nacional de Justiça, dentre outros pontos15. Não fosse apenas isso, a partir dai foi firmado o I Pacto Republicano de Estado para uma justiça mais ágil, que contou com as assinaturas dos chefes dos Três Poderes. Como decorrência, quarenta e um projetos de lei foram encaminhados ao Congresso Nacional visando a uma melhora na prestação da tutela jurisdicional pelo Estado16. Muitos desses projetos acabaram sendo aprovados e sancionados17. Após, em 13 de abril de 2009 foi assinado o II Pacto Republicano e já foi proposto pelo Min. Cesar Peluzo (então presidente do STF) a assinatura do III Pacto Republicano.

Por conta dessa alteração na Constituição Federal e da junção de esforços para tentar melhorar a sistemática processual, foram sancionadas leis alterando até mesmo conceitos enraizados, como o da separação de processos entre cognição e execução18; houve alteração no regime do recurso de agravo contra as decisões interlocutórias19; a criação de uma sistemática que possibilitou a improcedência liminar pelo juiz de primeiro grau; a alteração dos requisitos para a interposição do recurso extraordinário; a criação de procedimentos para o julgamento de recursos por amostragem; a previsão de informatização do processo; e a edição de enunciados de súmula vinculante.

As reformas já realizadas no direito processual civil, apesar de trazerem alguns resultados positivos não tiveram o condão de solucionar os problemas existentes, que a cada dia se tornam maiores. A sociedade clama por um Judiciário mais célere20. Em 2009, por

15 Vale lembrar que parte do projeto da Emenda Constitucional voltou para a Câmara dos Deputados em razão

de alterações votadas e aprovadas no Senado Federal (PEC358/05). Essa PEC ainda se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados.

16

A quantidade de projetos referem-se não apenas à área processual civil.

17 Podemos destacar, a guisa de exemplo, as Leis 11.187/05; 11.232/05; 11.276/06; 11.277/06; 11.280/06;

11.382/06; 11.417/06; 11.418/06 e 11.672/08.

18 Sobre o tema, ver: CARNEIRO, Athos Gusmão. Do cumprimento de sentença conforme a Lei 11.232/05.

Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? Revista AJURIS. Rio Grande do Sul. ano 33, n. 102, 2006, p. 51-78

19 Apesar disso, afirma Cassio Scarpinella Bueno que a regra contida na Lei 11.187/05 não alterou a sistemática

do recurso de agravo, apenas a tornou mais explicita, pois a alteração já havia ocorrido com a Lei 10.352/2001. (BUENO, Cassio Scarpinella. Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006)

20 [...] “aqui e alhures não se calam as vozes contra a morosidade da justiça. O vaticínio tornou-se imediato:

(21)

determinação do Senador José Sarney, então presidente do Senado, por meio do Ato 379/2009 foi instituída comissão de juristas encarregada de elaborar proposta de anteprojeto de Código de Processo Civil visando acelerar a tramitação de processos perante o Judiciário, desafogando os Tribunais e garantindo à sociedade um processo mais célere. Segundo a Exposição de Motivos do Projeto:

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo.

[...]

O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo.

A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa. Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.

Constata-se, por meio dessa evolução, uma luta constante por parte da doutrina e também da sociedade por maior agilidade do processo, mas essa agilidade não pode ser concedida a qualquer custo. Como dito, a Constituição fala em razoável duração do processo, o que não pode ser confundido com celeridade desenfreada e sem respeito aos demais princípios constitucionais, devendo haver equilíbrio entre devido processo legal e efetividade21. Esse é o dilema secular existente no direito processual civil para se garantir um

processo justo e equo22.

desprestígio a índices alarmantes de insatisfação aos olhos do povo”. (Trecho extraído da carta do Min. Luiz Fux, ao encaminhar o anteprojeto de CPC ao Senado Federal)

21 “[...] os valores processuais denominados ‘segurança jurídica’ e ‘celeridade’ são universalmente

(22)

Essa luta constante, todavia, não fica limitada à maior efetividade do processo. Também envolve maior busca por isonomia e segurança jurídica. Assim, os institutos processuais precisam ser aperfeiçoados para evitar a existência de decisões antagônicas, o que traz previsibilidade, isonomia e também segurança jurídica.

2 A evolução da sociedade e a massificação dos negócios jurídicos

No curso recente da evolução do direito processual, desde meados do século XIX, houve grande transformação dessa disciplina como ciência autônoma, destacando-se desde a importante polêmica entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther, seguindo-se com importantes obras de Oskar von Bullow, Dekengolb y Plosz e Adolf Wach e demais obras que contribuíram sobremaneira para essa evolução.

A sociedade, em paralelo, também vinha sofrendo transformações, geradas, dentre outros motivos, pela revolução industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII e expandida pelo mundo em meados do século XIX23. Posteriormente, com a evolução da

(FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais. 3. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 301

22 Destaca-se que a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais,

datada de 04.11.1950 já trazia direito a uma razoável duração do processo: Art. 6º. “Right to a fair trial. 1 In the determination of his civil rights and obligations or of any criminal charge against him, everyone is entitled to a fair and public hearing within a reasonable time by an independent and impartial tribunal established by law. Judgment shall be pronounced publicly but the press and public may be excluded from all or part of the trial in the interests of morals, public order or national security in a democratic society, where the interests of juveniles or the protection of the private life of the parties so require, or to the extent strictly necessary in the opinion of the court in special circumstances where publicity would prejudice the interests of justice”. Texto semelhante também foi introduzido no Pacto de San Jose da Costa Rica datado de 22.11.1969 (art. 8º)

23

Enzo Roppo, ao tratar da evolução do contrato, afirma que o aumento das relações negociais decorreu do surgimento do capitalismo, que acabou por contribuir para a sistematização da teoria dos contratos e sua evolução: “E se se tornar necessária uma confirmação indirecta desta estreita ligação entre a exaltação do papel do contrato e a afirmação de um modo de produção mais avançado, atente-se em que não pode certamente atribuir-se ao mero acaso o facto de as primeiras elaborações da moderna teoria do contrato, devidas aos jusnaturalistas do séc. XVII e em particular ao holandês Grotius, terem lugar numa época e numa área geográfica que coincidem com a do capitalismo nascente; assim como não é por acaso que a primeira grande sistematização legislativa do direito dos contratos (levada a cabo pelo código civil francês, code Napoleon, de 1804) é substancialmente coeva do amadurecimento da revolução industrial, e constitui o fruto político directo da revolução francesa, e, portanto, da vitória histórica conseguida pela classe – a burguesia – à qual o advento do capitalismo facultou funções de direção e domínio de toda a sociedade”. (ROPPO, Enzo.

(23)

sociedade vimos o surgimento do Fordismo e com ele o surgimento da cultura da produção em massa e também da economia de escala24.

Nessa evolução, os negócios jurídicos, que séculos antes eram poucos, passaram a crescer ano após ano. Em decorrência da evolução da sociedade, ampliam-se os meios de comunicação, e as pessoas que não tinham acesso a informações básicas passam a tê-la.

Vai-se implementando, ao longo da evolução histórica de nossa sociedade, a ideia do consumismo, sendo a economia de escala grande atrativo para os empresários, que poderiam lucrar a partir da produção em grande quantidade de produtos em série. Surge a massificação25 e com ela a estandardização dos negócios jurídicos26.

Durante essa evolução, constatou-se o êxodo rural e a concentração das pessoas em grandes metrópoles, cada vez mais inchadas (sem deixar de mencionar o crescimento populacional).

O acesso aos meios de comunicação, de fundamental importância nesse processo, decerto faz com que as pessoas alimentem o desejo por bens de consumo, porém, ao mesmo tempo, também leva a essas mesmas pessoas mais informações sobre seus direitos e garantias.

Com isso, a justiça, que até pouco tempo era elitizada – pois os conflitos surgidos eram, em sua grande maioria, decorrentes de discussões sobre posse, propriedade, inventário, ou seja, justiça acessível apenas àqueles que detivessem conhecimento e fortuna – passa a abrir suas portas para a população em geral.

24

RODRIGUES, Ruy Zoch. Ações repetitivas: casos de antecipação de tutela sem o requisito de urgência. São Paulo: RT, 2010, p. 31

25 “Os fenômenos do nascimento do welfare state e do crescimento dos ramos legislativo e administrativo

foram por si mesmos, obviamente, o resultado de um acontecimento histórico de importância ainda mais fundamental: a revolução industrial, com todas as suas amplas e profundas consequências econômicas, sociais e culturais. Essa grandiosa revolução assumiu uma característica que se pode sintetizar numa palavra certamente pouco elegante, mas assaz expressiva: ‘massificação’. Todas as sociedades avançadas do nosso mundo contemporâneo são, de fato, caracterizadas por uma organização econômica cuja produção, distribuição e consumo apresentam proporções de massa”. (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?

(trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 56-57)

26 “Um fenómeno similar de despersonalização das relações contratuais e de automatismo na actividade

(24)

Em reporte importante realizado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth constata-se a evolução do acesso à justiça, o que foi classificado como três “ondas renovatórias”27.

Num primeiro momento buscou-se ampliar o acesso aos necessitados. Diversas pessoas não tinham (e ainda hoje muitas delas não têm) condições de arcar com as despesas processuais e com os honorários necessários para contratar um advogado. No Brasil, a lei que regula o acesso à justiça, por meio da concessão da assistência judiciária gratuita, é a 1.060/1950. Ocorre que essa expansão ao acesso à justiça ocorreu bem posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a criação das defensorias públicas (ressalte-se que nem todas elas estão plenamente aparelhadas para atender a população carente, a exemplo do que se verifica no Estado de São Paulo, porquanto apesar de ter Defensoria Pública, ainda necessita de convênios com a OAB e faculdades para dar vazão às demandas da população carente).

Com o aumento da densidade demográfica e a expansão dos meios de comunicação, com o consequente incremento da quantidade de negócios jurídicos que as pessoas passaram a realizar diariamente (massificação), acrescidos do maior acesso à informação e da facilitação de acesso aos necessitados, as portas do Judiciário foram abertas para a resolução desses conflitos, que até então não eram solucionados pelo Judiciário.

Num segundo momento (segunda onda renovatória), procurou-se ampliar o acesso à justiça para proteger direitos dispersos, que não possuíam legitimados certos. Surge a necessidade de regulamentação e proteção de direitos difusos, junto com a necessidade de proteção de negócios celebrados pela população com grandes corporações, decorrentes dos negócios de massa. Isso porque muitos dos danos sofridos são de pequena monta e o custo/benefício de se demandar para ter a proteção individual não compensa na maioria das vezes, fazendo com que a população não tenha seu direito protegido e que as grandes corporações beneficiem-se de sua própria torpeza. Assim, pessoas que individualmente não teriam interesse em litigar passam a ser agrupadas para que tenham maior força perante a outra parte da demanda, com vistas a uma equalização entre as partes do processo e viabilidade de se demandar, já que o grupo tem maior poder do que o indivíduo isolado. Com

27 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. (trad. Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre:

(25)

isso o Ocidente28 se volta à criação / aperfeiçoamento de mecanismos visando à proteção dos chamados direitos metaindividuais29.

Numa terceira etapa, chamada por Garth e Cappelletti de “enfoque de acesso à justiça”30, em que se busca a efetivação do acesso a justiça, constata-se a necessidade de dar vazão às demandas propostas perante o Judiciário. Nesse período, mecanismos tais como reformas procedimentais, mudança na estrutura do Judiciário, criação de novos tribunais etc. são adotados para tornar o acesso à justiça real e efetivo, haja vista que não adianta abrir as portas para novas demandas e para que a população em geral tenha acesso ao Judiciário sem que haja modificação no sistema processual, procedimental e na estrutura do Judiciário etc. para que os litígios possam ser resolvidos num prazo razoável.

Essa evolução do acesso à justiça, no entanto, não foi acompanhada de uma correspondente evolução do Judiciário, o qual, estagnado, hoje se vê abarrotado de processos que aguardam, quase sem esperanças, um provimento final efetivo.

Nas últimas décadas podemos nos lembrar também da grande massificação de negócios jurídicos surgidos com a privatização de alguns serviços que eram até então prestados pelo Estado (energia elétrica, telefonia). Um telefone fixo, por exemplo, custava tanto quanto um carro popular. Com a privatização e expansão da telefonia, hoje uma linha telefônica praticamente não tem preço comercial.

Acrescente-se ainda a nova transformação pela qual estamos passando, desde a quebra de fronteiras, por meio da globalização, até a instantaneidade das informações, sem deixar de

28 Segundo reporte de Masaaki Haga feito no XIII Congresso Mundial de Direito Processual no ano de 2007,

em Salvador, no Japão não há um sistema processual capaz de lidar com os litígios envolvendo direitos dos consumidores. Há estudos e também houve forte movimento para adoção de um sistema baseado nas class actions norte-americana, todavia, há discussões sobre se esse modelo não seria uma forma de sanção contra as sociedades empresárias. Também há discussão sobre o due process of law em razão do pequeno número de entes que poderiam litigar sem autorização. (GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado. São Paulo: RT, 2008, p. 227-228

29 “[...] as características da vida contemporânea produzem a emersão de uma série de situações em que, longe

de achar-se em jogo o direito ou o interesse de uma única pessoa, ou de algumas pessoas individualmente consideradas, o que sobreleva, o que assume proporções mais imponentes, é precisamente o fato de que se formam conflitos nos quais grandes massas estão envolvidas, e um dos aspectos pelos quais o processo recebe o impacto desta propensão do mundo contemporâneo para os fenômenos de massa: produção de massa, distribuição de massa, cultura de massa, comunicação de massa, e porque não, processo de massa? (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ações coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo. n 61. São Paulo: RT, 1991, p. 187 e ss.)

30 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. (trad. Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre:

(26)

lado, por óbvio, a constante evolução tecnológica, que está também revolucionando a forma como os negócios jurídicos estão sendo celebrados31.

Vemos, com isso, que pessoas que até bem pouco tempo sequer tinham um aparelho de TV em suas casas hoje têm computadores, possuem aparelhos telefônicos fixo e móveis. Isso é muito positivo e mostra que, apesar do grande abismo decorrente da desigualdade social, nossa sociedade está cada vez mais inclusiva.

Todavia, essa grande gama de negócios jurídicos celebrados por todos acaba, de certa forma, trazendo consigo problemas até então inexistentes, ou existentes em quantidade diminuta.

O Estado, com isso, tem a função de resolver os conflitos surgidos e não solucionados, haja vista que a partir do momento em que foi proibida a autotutela (como regra), ele trouxe para si a função de por um ponto final nesses conflitos, com vistas a uma utópica paz social.

O problema é que o Estado não consegue se desincumbir de seu papel a contento, pois são tantas as lides surgidas e diversos os problemas que o Judiciário enfrenta para solucioná-las, que estamos à beira de um caos.

Para tentar solucionar parte desse caos, dentre outras medidas, foram trazidas para o direito pátrio as ações coletivas.

Verificando-se a existência de demandas envolvendo direitos comuns, surge a necessidade de proteção desses direitos, ditos metaindividuais32. Diante de litígios decorrentes de uma origem comum, como ações indenizatórias decorrentes de acidente aéreo ou decorrente da comercialização de produtos defeituosos ou viciados, não há porque permanecer com o sistema tradicional para a resolução dessas questões.

Em decorrência desses “novos” direitos surge a segunda “onda renovatória”. A ideia descrita por Cappelletti e Garth é a de proteção de pessoas em grupo contra grandes instituições, devidamente organizadas, seja para dar maior isonomia, seja para tornar viável a

31 Uma simples compra e venda realizada presencialmente passa a ser realizada a distância, inclusive

internacionalmente, gerando diversas consequências, como até mesmo outros negócios jurídicos, como o transporte da mercadoria, por exemplo. O contrato que existia em meio físico, passa a existir em meio eletrônico. O dinheiro físico, muitos deixam até de ver, porque ele sai de uma conta e entra em outra por meio de transações eletrônicas. Compras que eram individuais, agora são feitas coletivamente etc.

32 Como o foco do trabalho é a análise do direito individual, pedimos vênia para deixar de tratar da tutela

(27)

defesa desses direitos, pois pode não ser financeiramente viável a defesa individual dessas pessoas.

Mas não são apenas essas as razões para que os direitos individuais sejam tutelados de forma coletiva33. A proteção coletiva de direitos individuais também tem a função de reduzir o número de demandas perante o Judiciário. Afinal, diversas demandas seriam concentradas numa única demanda, sem falar na segurança jurídica trazida para o sistema, pois se evitaria que julgamentos em sentido contrário sejam proferidos em “casos idênticos”, o que por fim garantiria a isonomia.

Noticia-se que a difusão das class actions ocorreu em 1938, nos Estados Unidos, com a Rule 23 da Federal Rules of Civil Procedure34. As class actions norte-americanas têm inspiração no direito inglês, no qual é possível encontrar antecedentes mais remotos35.

No Brasil, para a proteção desses novos direitos podemos destacar, dentre outras, a Lei de Ação Popular (Lei 4.717 de 1965), a lei que trata da intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras (Lei 6.024 de 1974), a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347 de 1985), a Lei de proteção aos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei 7.913 de 1989), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 1990) e a Lei do Mandado de Segurança Individual e Coletivo (Lei 12.016 de 2009).

Apesar da existência de diversas leis que pretendem reger o sistema de tutelas coletivas no direito pátrio, verifica-se que muitas demandas acabam sendo solucionadas por meio do processo individual. Muitos são os problemas36 enfrentados na solução do litígio de

33 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 4.

ed. São Paulo: RT, 2009, p. 34

34

HODGES, Christopher. Multi-Party Actions. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 3

35 Afirma Castro Mendes que na época medieval já houve acontecimentos que indicam a origem das demandas

coletivas: Noticia-se que o primeiro caso na Inglaterra teria surgido em 1199, perante a Corte Eclesiástica de Canterbury, na qual um pároco, Martin, teria ajuizado demanda versando direitos em face dos paroquianos de Nuthamstead. Todavia, há quem afirme que há situação mais remota, na França, quando em 1179, na cidade de Paris, os aldeões da vila de Rosnysous-Bois teriam reivindicado o fim da condição de servos. (LEAL, Marcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 21-22; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional. 2. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 38)

36 Há quem afirme a falência do processo coletivo como instrumento de combate à massificação: AMARAL,

(28)

forma coletiva no direito pátrio37, o que faz com que as demandas continuem na sua grande maioria, sendo resolvidas pelo modelo tradicional de processo.

3 A necessidade de o Judiciário garantir a segurança jurídica na resolução das demandas

Utilizando-se das palavras de Donaldo Armelin, podemos destacar que segurança jurídica:

Constitui um elemento fundamental para a sociedade organizada, um fator básico para a paz social, o que implica estabilidade de situações pretéritas e na previsibilidade de situações futuras. No plano da atuação jurisprudencial, a previsibilidade das decisões judiciais insere-se para o usuário da jurisdição como um fator de segurança que o autoriza a optar por um litígio ou por uma conciliação. É fundamental que quem busque a tutela jurisdicional tenha um mínimo de previsibilidade a respeito do resultado que advirá de sua postulação perante o Judiciário38.

O tema segurança não é novo. Evitando-se a instabilidade social e a surpresa, a sociedade buscou pautar-se pela segurança jurídica. Segurança esta que, por via de consequência, traria estabilidade para o sistema.

A própria criação do Estado teve por objetivo trazer a segurança para a sociedade. Thomas Hobbes destacou que o homem, num estado natural, era governado por sua própria razão, podendo fazer o que quiser, inclusive quanto à outra pessoa e isso não traria segurança para os homens, mesmo para os mais fortes ou astutos, razão pela qual celebraram um pacto, dando poderes a um soberano e obedecendo assim as leis emanadas deste39. Rousseau, por sua

37 Apenas para se ter uma ideia da imensa problematização enfrentada na solução dos litígios de forma coletiva,

podemos citar a limitação das matérias que podem ser objeto de ação coletiva (havendo um rol de matérias que não podem ser objeto de ação civil pública – art. 1º da Lei 7.347/85); discussão sobre a necessidade de autorização e relação de associados para ajuizamento de ação coletiva; convivência entre ações individuais e ações coletivas, podendo ainda haver contrariedade entre decisões dessas ações; dificuldade em se estabelecer o juízo competente para apreciar a demanda coletiva; redução dos efeitos da coisa julgada, limitada “ao âmbito de competência do juiz prolator da decisão”; o não impedimento de ajuizamento de ações individuais, apesar da existência de coisa julgada no processo coletivo; inexistência de regulamentação das chamadas defendant class actinos. O aprofundamento do estudo sobre esses temas pela doutrina já levou a diversas propostas de alteração do sistema legal de tutela coletiva.

38 ARMELIN, Donaldo. Observância à coisa julgada e enriquecimento ilícito – postura ética e jurídica dos

magistrados e advogados. Conselho da Justiça Federal. Caderno do CEJ 23, p. 292

39 “[...] it followed that in such condition every man has a right to everything, even to one another’s body. And

(29)

vez, afirmara que o homem para viver em sociedade precisaria abrir mão de sua liberdade natural. Haveria uma “alienação total, de cada associado, com todos os seus bens, à comunidade inteira”40. Com isso deixar-se-ia de viver num estado natural passando a viver num estado de direito.

Em tempos mais modernos e para os países de civil law, a legislação e a codificação surgiu da própria ideia de isonomia. A criação de leis abstratas trouxe a ideia de aplicação uniforme do direito. Isso traria não só isonomia, mas também maior segurança jurídica41.

Como bem destacou Recasens Siches a segurança se enquadra como um dos desejos básicos da sociedade. E a lei tem papel importante para se garantir essa segurança:

Debido al hecho de que el hombre se representa el futuro y se preocupa por éste, las satisfacciones actuales no son suficientes, mientras que se perciba el porvenir como incierto. Ese deseo de seguridad incita a la creación u al desarrollo de técnicas para evitar el daño que los peligros de la Naturaleza puedan producir; para dominar fuerzas de la Naturaleza con el fin de ponerlas al servicio regular de las necesidades humanas; para garantizar unas buenas condiciones de vida; para prevenir enfermedades y para curarlas etc. Ahora bien, tales deseos de seguridad llevan también – y esto lo que importa subrayar aquí – a buscar el amparo del grupo social mediante normas e instituciones de Derecho positivo. En efecto, el deseo de seguridad es uno de los motivos radicales que lleva al hombre a producir Derecho positivo, gracias al cual pueda, hasta cierto punto, estar cierto y garantizado respecto de la conducta de los otros, y sepa a qué atenerse respecto de lo que uno pueda hacer en relación con ellos, y de lo que ellos puedan hacerle a uno42.

Quando da codificação do direito, no início do século XIX, impediu-se que os juízes interpretassem as leis. A função dos juízes era simplesmente a de aplicar o direito abstrato ao caso concreto sem maiores considerações43.

man, how strong or wise soever he be [...]” (HOBBES, Thomas. Leviathan. Forgotten Books. 1651. Republicado em 2008, p. 89. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=-

Q4nPYeps6MC&printsec=frontcover&dq=o+leviat%C3%A3+ho&hl=pt-BR&sa=X&ei=aT7oT-PIHoim8ASQ37mVAQ&sqi=2&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false acesso em 25.06.2012 às 7h00). Para uma análise da evolução sobre o entendimento filosófico sobre segurança jurídica: MACIEL, José Fabio Rodrigues. Teoria geral do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios, sistema. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 17-47

40 ROUSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social. (trad. Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010, p. 33 41 Para Rodrigues Maciel, todavia, numa análise do direito em evolução “as regras fixas e já conhecidas levam

enorme vantagem sobre o empenho em adaptar-se diariamente às constantes evoluções e involuções sociais”. Contudo, “essa postura contraria à própria natureza do homem, acaba por gerar a falsa noção de segurança jurídica e coloca em risco a existência de um sistema jurídico realmente estável”. Isso em decorrência da inexistência de uma única verdade. (MACIEL, José Fabio Rodrigues. Teoria geral do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios, sistema. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 14).

42 SICHES, Luis Recasens. Introducción al estudio del derecho. 12. ed. México: Porrúa, 1997, p. 63

43 Destaca Alfredo Buzaid que a somente em 1837 foi concedida à Corte de Cassação francesa o poder de

(30)

Todavia, a aplicação das normas abstratas a todos os casos sem maiores distinções, como, por exemplo, a própria ideia de que todos são iguais, quando na verdade não o são, fez com que houvesse uma evolução na aplicação das normas, sob pena de se gerar injustiças e também insegurança44.

Com a evolução da sociedade e, principalmente após as duas grandes guerras e à queda dos sistemas nazista e fascista, viu-se a necessidade de se estabelecerem direitos mínimos em nível constitucional. Vê-se a partir desse momento histórico a preocupação com a introdução de princípios mínimos nas Constituições. A exemplo, nossa Constituição de 1988, vinda depois de um período ditatorial, é repleta de princípios45.

Com as constituições sendo principiológicas, fez-se necessário maior labor interpretativo para conhecimento do real significado dos textos legais.

Acrescentando-se a isso, também houve maior inclusão de normas abertas no direito positivo, deixando ao magistrado, na análise concreta do caso, verificar qual a melhor interpretação da situação (termos como boa-fé objetiva, função social do contrato, função social da propriedade, moralidade administrativa etc). Isso traz maior complexidade para a interpretação das normas.

Por conta da alta carga valorativa aplicada ao direito e também pela simples razão de que a vida em sociedade é muito mais rica e cheia de detalhes do que pode prever o legislador, os juízes têm a necessidade de analisar o caso concreto e de interpretar o direito para sua aplicação. Não é mais possível, em pleno século XXI, aceitar a ideia de que os juízes sejam meras bouches de la loi.

A própria necessidade de os magistrados terem de decidir e interpretar a lei decorre da necessidade de segurança jurídica diante das lacunas existentes no próprio ordenamento46. A

através da exegese jurisprudencial; essa função surge só mais tarde, através da lenta e segura evolução, que amplia sua atividade e lhe confere, especialmente depois da lei de 1º de abril de 1837, o poder positivo de interpretar o direito, elevando-o à eminência de máximo regulador e guia da jurisprudência, a que deviam conformar-se os juízes”. (BUZAID, Alfredo. A crise do supremo tribunal federal. Revista de direito processual civil. ano III. vol. 6. Saraiva: São Paulo, 1962, p. 28)

44 “Na formulação do sistema jurídico, caso realmente se queira privilegiar a segurança, deve-se levar em conta

a diversidade cultural, fugindo da homogeneização do direito”. (MACIEL, José Fabio Rodrigues. Teoria geral do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios, sistema. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 41).

45 Não que inexistisse um rol de garantias mínimas em constituições anteriores (a exemplo da Constituição de

1934).

46 Como exemplificado por Recasens Siches, há a necessidade de o juiz interpretar a lei para que não haja

(31)

simples existência de direito positivado não era suficiente para garantir a segurança jurídica esperada.

Ao retornarmos à teoria geral do direito e à filosofia verificamos que uma das finalidades do direito é garantir a isonomia e a segurança jurídica. Gustav Radbruch aponta, dentre os valores inerentes ao direito, a segurança jurídica47. E isso é fundamental num Estado Democrático de Direito, pois não se pode falar em garantias mínimas como a liberdade, por exemplo, sem que seja garantida segurança jurídica48. Sobre o tema Jean-Louis Bergel afirma que as finalidades do direito são múltiplas e que as opiniões sobre isso são díspares49.

É certo que as normas jurídicas devem possuir aplicação de forma isonômica, sob pena de se trazer não apenas desigualdade50, mas também insegurança jurídica e tanto um quanto outro são princípios garantidos por nossa Constituição Federal de 1988.

Verificamos isso pela própria leitura de nossa Constituição que garante, desde seu preâmbulo, a “segurança”. Esse direito é reforçado no art. 5º, caput e art. 6º. Por certo que a Constituição não fala de forma expressa sobre o direito à segurança jurídica, mas esse direito decorre implicitamente dela, pois a crise do direito gera insegurança jurídica, que pode levar à instabilidade social, levando a crises e fazendo com que o Estado deixe de cumprir sua função última que é a pacificação social51. Muitas outras garantias constitucionais são pautadas na segurança jurídica, tais como a da proibição de a lei prejudicar o direito adquirido, o ato

que é proibido o embarque com cão, uma pessoa que queira embarcar com um urso conseguirá embarcar. Todavia, se um cego pretender embarcar com um cão guia, terá tal possibilidade vetada.

47 “Esta exige positividade do direito: se não se pode identificar o que é justo, então é necessário estabelecer o

que deve ser jurídico, e de uma posição que esteja em condições de fazer cumprir aquilo que foi

estabelecido” (RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. (trad. Marlene Holzhausen). São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 108 – grifos no original)

48

SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico-jurídico. São Paulo: LTR, 1996, p. 17

49 Citando M. Villey, destaca o autor que “Segundo os autores, o direito deve tender para ‘a justa partilha, a boa

conduta dos indivíduos, para a utilidade, a segurança, o bem-estar deles’... ou para ‘a potência da nação, o progresso da humanidade, o funcionamento regular do organismo social’ ... Outros evocam, além das finalidades tradicionais que a justiça, a ordem a segurança ou progresso são, finalidades políticas, como a famosa trilogia da liberdade, igualdade e fraternidade ou garantias mais especialmente econômicas e sociais materializadas pelas aspirações atuais do direito ao trabalho, à saúde, à solidariedade etc.” (BERGEL, Jean Louis. (trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão). Teoria geral do direito. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 22)

50 Não se desconhece a existência sobre discussões filosóficas sobre o que seria isonomia, verdade e outros

temas tão caros à filosofia. Não obstante, diante do objeto do presente trabalho, pedimos vênia para avançarmos no tema sem adentrar nessas peculiaridades.

51 “Numa época em que ‘crise é a palavra-chave para a economia, para as relações sociais, a saúde, a educação

(32)

jurídico perfeito e a coisa julgada e as garantias processuais (tais como o direito de acesso ao judiciário, o devido processo legal, o juiz natural, o duplo grau de jurisdição dentre outros)52,

haja vista que este tem por finalidade garantir também a própria existência de um Estado Democrático de Direito.

Não obstante, de forma expressa a Constituição menciona a possibilidade de edição de enunciados de súmula com efeito vinculante para extirpar “grave insegurança jurídica” (art. 103-A, § 1º).

A importância da segurança jurídica para o direito é tão grande que já houve a instituição de sistemas jurídicos injustos, mas mesmo nesses, havia a segurança jurídica. Mesmo nos sistemas autoritários, nazistas e fascistas, onde se pode falar da existência de barbáries e injustiças, não se pode falar sobre insegurança jurídica. Não se pode verificar sistema jurídico sem que haja segurança. “O valor segurança é intrínseco ao direito”53.

A segurança jurídica traz estabilidade e confiança. Traz previsibilidade. Ela não se confunde com certeza, apesar de seu relacionamento estreito. A segurança jurídica deve ser verificada de forma objetiva e a certeza é decorrência dessa segurança trazida pelo sistema jurídico:

A segurança vem das leis firmes que o Estado promulga para o bem dos cidadãos e da sociedade; e a certeza do sujeito advém do conhecimento dessas leis, da valoração de seu conteúdo (compreende que é um bem para si e os demais; “fazer o bem, evitar o mal” é o conteúdo da previsibilidade do homo medius, razoável, comum). [...] a segurança objetiva das leis dá ao cidadão a certeza subjetiva das ações justas, segundo o Direito [...] Certeza é confiança em algo que a Segurança projeta em cada um de nós: a Segurança externa nos dá Certeza interna54.

Assim, não é a certeza que traz segurança jurídica55. Com isso, concluímos que a

criação de um sistema legal visa a garantir segurança jurídica (de modo objetivo). Entretanto,

52

Durante mesa redonda realizada em Aix-en-Provence, na França, os participantes entenderam como elementos da segurança jurídica a não retroatividade, confiança legítima, continuidade da ordem jurídica, clareza dos texto e conhecimento das regras jurídicas. (AMARAL, Guilherme Rizzo. Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de resolução de demandas repetitivas”. Revista de Processo. ano 36. vol. 196, São Paulo: RT, 2011, p. 237 e ss.)

53

FREIRE, Fernando José de Barros. Previsibilidade dos efeitos do direito e segurança jurídica. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito) – PUC-SP. São Paulo, 2007, p. 42-43

54 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosófico-jurídico. São

Paulo: LTR, 1996, p. 26-27 – grifos no original.

55 Para José Fabio Rodrigues Maciel, “O que traz a real segurança jurídica não é a certeza sobre a decisão que

Referências

Documentos relacionados

DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. APROVAÇÃO DO PLANO. EXECUÇÕES INDIVIDUAIS CONTRA A RECUPERANDA.. quando houver

In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) Direito Jurisprudencial. 129 MARINONI, Luiz Guilherme.. Da mesma maneira, não há que se falar que a eficácia vinculante das

- Paradidático: “Recordações do escrivão Isaías”.. Cronograma da

• R$ 350,00 (trezentos reais) para as equipes femininas. A taxa de inscrição será destinada ao pagamento dos seguintes custos:.. CIRCUITO DF-GO-TO DE RUGBY SEVENS 2017 CERRADO

Informamos aos usuários do PLAMES - Assistidos, Pensionistas e Vinculados de FURNAS - a listagem dos novos Credenciamentos e Descredenciamentos médicos:.. I

Recurso extraordinário - Direito Previdenciário e Processual Civil - Repercussão geral reconhecida - Competência para o processamento de ação ajuizada contra

tomada no momento da morte pela alma separada do corpo não pode ser.. deve ser tomada pelo ser humano durante sua condição histórica, na sua

Ementa do acórdão de admissibilidade: PROCESSO CIVIL - INCIDENTE DE UNIFOR- MIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA CONVERSÃO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - FIXAÇÃO DE