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O Projeto Minerva em Sergipe: um relato dos seus partícipes

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Guaramiranga – Ceará

O PROJETO MINERVA EM SERGIPE: UM RELATO DOS SEUS PARTÍCIPES

José Carlos Santos1 Universidade Federal de Sergipe – carlosako@yahoo.com.br

Apresentação

Este estudo faz parte da monografia, O Projeto Miner-va em Sergipe: vozes dos seus atores, apresentada ao curso de pedagogia da Universidade Tiradentes no ano de 2004, de autoria de José Carlos Santos, orientado pela Professora Mestre, Tereza Cristina Cerqueira da Graça. Para o desen-volvimento da pesquisa foi utilizado o método qualitativo através de fontes bibliográficas e, predominantemente, orais. O objetivo é resgatar a trajetória do projeto minerva em Sergipe no período de 1970 a 1985, através da voz dos seus atores. O projeto minerva estava inserido numa modalidade de educação à distância que utilizava a tecnologia do rádio para a transmissão das aulas para todo o Brasil. Teve início na década de 1970 e fragmentou-se vindo a se extinguir, no estado de Sergipe, por volta de 1985. Este projeto tinha uma estrutura que organizava a transmissão das aulas via rádio com aporte escrito e distribuído aos alunos em forma de fascículo.

Antecedentes Históricos

Para tratar da educação através do rádio no Brasil é imprescindível fazer referência ao pioneirismo de Roquette-Pinto.2 Segundo Ruy Castro, em 1923, Amadeu Amaral ou-vira falar da nova invenção. Sabia que era uma forma de transmitir sons à distância, um misto de telégrafo com tele-fone, mas nunca escutara uma transmissão. Pensou ser uma coisa da alta ciência, cheia de aparelhos complicados. Ao ser convidado por Roquette-Pinto para conhecer seu inven-to deparou-se com uma geringonça armada entre o quintal de sua casa, a sala e a torneira da pia seria o embrião do que viria a ser a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada em 20 de abril de 1923, com programação educativa e cultu-ral. A aludida programação “espelhava-se” na educação escolarizada, a partir do momento em que transmitia lições, palestras, aulas de Português, Literaturas Francesa e Ingle-sa, História do Brasil, Geografias Naturais, Física, Química e cursos práticos sobre Rádio, Telegrafia, Telefonia e práti-ca de Silvicultura. Além desses conhecimentos, as emisso-ras irradiavam concertos, espetáculos teatrais, temporadas líricas e programas infantis.

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Em 01 de janeiro de 1932, o presidente Getúlio Vargas assinou o decreto-lei 21.111 que autorizava a veiculação de propaganda comercial pelas emissoras de rádio. Roquette-Pinto não concordava com a medida, pois achava que o rá-dio deveria ter função eminentemente educativa. Entretanto, à medida que o rádio se popularizou e seus concorrentes passam a usar o rádio comercialmente, Roquete-Pinto não teve mais como enfrentar a descomunal batalha. A doação foi oficializada no dia 7 de setembro de 1936. Assim, a Rá-dio Sociedade do Rio de Janeiro deixava de existir e nascia a Rádio Ministério da Educação.

Uma das primeiras experiências de educação escolarizada através do rádio no Brasil surgiu a partir das escolas radiofônicas, idealizadas pelo arcebispo de Aracaju Dom José Vicente Távora. No II Encontro dos Bispos do Nordeste, em 1958, na cidade de Natal/RN, Dom Távora, recém arcebispo empossado na Arquidiocese de Aracaju e assistente nacional da Juventude Operária Católica (JOC), apresentou um projeto que encaminhava o pleito para a con-cessão de uma emissora de rádio para a difusão de progra-mas educativos. Assim nasceu o Sistema de Rádio-educativo de Sergipe (SIRESE), mirando-se numa experiência vivida pela Arquidiocese de Natal, através do programa de alfabe-tização pelo rádio do Serviço de Assistência Rural (SAR), iniciado em 1958, por Dom Eugênio Salles.

Dom Távora criou a ZYM-22, Rádio Cultura de Sergipe, com 10 kws na antena, tendo a especial missão de transmi-tir para a população rural do estado, mensagens educativas. Monitores e supervisores com conhecimento das discipli-nas transmitidas e ainda com uma equipe de apoio com vá-rios profissionais como técnicos de rádio e datilógrafo. A estrutura compreendia um rádioemissor, rádios receptores, um centro executivo onde eram produzidos os materiais di-dáticos e pedagógicos, um centro de treinamento com refei-tório, alojamento e sala de projeção.

Dom Távora julgava imprescindível a participação de leigos nos trabalhos da Igreja, o que resultou na participação de estudantes universitários e secundaristas, assim como militantes leigos. A educação era vista como parte impres-cindível à construção de uma sociedade mais igualitária, de modo a melhorar as condições de vida das massas do cam-po. Entre 1959 e 1964, as escolas radiofônicas passaram por algumas mudanças e isso foi alterando a proposta inicial da educação de base. Os fatores que levaram a criação do SIRESE em 1959 terminaram por confundir-se com os obje-tivos que vieram a induzir a criação do MEB. Segundo Bar-ros, as altas taxas de analfabetismo na população adulta

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apontavam a necessidade de disseminação de conteúdos escolares básicos e requeria a locação e formação de pesso-al para o trabpesso-alho junto às comunidades. No dia 17 de junho de 1963, o Presidente João Goulart assinou um novo decre-to (nº 52.264) ampliando a área de abrangência do Movi-mento, que passou a marcar presença em todo o território nacional através do sistema de Radio - Educativo. Das equi-pes locais participavam supervisores e monitores. As aulas continuavam a ser produzidas pela Equipe Estadual em Aracaju. O sistema era composto de uma equipe de emis-são, equipe de recepção organizada, alunos e monitores.

Era atribuição do monitor, instalar a escola, matricular os alunos, tratar da arrumação e higiene da escola, além de estar presente em todas as aulas, acompanhando o interesse e o rendimento escolar dos alunos, assim como registrar a freqüência através de chamada diária e promover debates na classe sobre os temas apresentados durante as aulas.

Os supervisores, que geralmente eram pedagogos, professores, assistentes sociais ou estudantes de ensino superior, prestavam assistência direta às escolas-radiofônicas, orientando os monitores e as comunidades através de reuniões e dos programas radiofônicos que iam ao ar aos sábados.

A autora afirma que os temas trabalhados pelas es-colas radiofônicas são correlatos as “palavras geradoras” desenvolvidas pelo método do professor Paulo Freire. As aulas eram transmitidas ao vivo, mas, em circunstancias especiais, como período de treinamento ou supervisão nas escolas do estado, as aulas eram transmitidas através de programas gravados.

Na produção das cartilhas do MEB/SE esteve contem-plada a preocupação com as possibilidades de ligações com situações do cotidiano das populações rurais. Com isso, o aspecto educativo trabalhista e organizacional do homem ganhou um aspecto político, o que pode ser visto na cartilha

Viver é Lutar, que teve veiculação nacional.

O MEB foi além das questões puramente escolarizadas e buscou desenvolver nas comunidades, a valorização das culturas locais. Em Sergipe, a Animação Popular recebeu o nome de “Caravanas Populares” e também diferiam na sua essência, pois cumpriam um papel extremamente político. As Caravanas promoviam várias atividades lúdicas, encenações de teatro e cantorias e discutiam com as autoridades locais a viabilidade de instalação das escolas radiofônicas.

Com a instauração do Regime Militar, em 1964, o tra-balho do MEB sofreria séria descontinuidade. Dom Távora teve que prestar vários depoimentos a Policia Federal e ao

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Exército; as sedes do MEB sofreram seguidas invasões e muitos de seus supervisores foram perseguidos.

Entretanto, de acordo com BÁRCIA,3 a derrocada do MEB veio ocorrer de fato a partir de 1965, quando foi lançada a Cruzada do ABC (Cruzada de Ação Básica Cristã) como um movimento expansionista da educação de adultos no Brasil. No ano de 1970, o presidente Médici efetiva o funci-onamento do MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabeti-zação) que, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, objetivava reduzir o analfabetismo no país. Para a implan-tação desse movimento se contou com verbas das loterias esportivas.

O Projeto Minerva no Cenário Nacional

Em 26 de setembro de 1969, o Decreto nº. 25.239 criou a estrutura administrativa para a implementação do Projeto Minerva em nível nacional, com a finalidade de “oferecer formação supletiva de 1º grau através do rádio, cabendo ao Serviço de Radiodifusão Educativa (SRE) produzir o progra-ma.” Naquele ano, o Brasil tinha 17,9 milhões de analfabe-tos e, por isso, o presidente Médice lançou dois projeanalfabe-tos de educação: O MOBRAL para tratar da alfabetização de adul-tos e o Projeto Minerva, com educação à distância, a fim de proporcionar a formação escolar em nível das quatro últi-mas séries do Primeiro Grau.

O projeto tinha, além dos programas que iam ao ar através do rádio, um forte suporte pedagógico distribuído nas regiões, estados e municípios. A estrutura também con-tava com os chamados ‘fascículos’ que eram distribuídos com os alunos matriculados e também eram vendidos nas bancas de jornal para quaisquer pessoas interessadas.

Destinado à população carente, o projeto não se limi-tava às aulas pelo rádio. Além delas, se pensou numa espé-cie de agente que promovesse o esclarecimento das dúvidas, ficando então estabelecido que, quando possível, a comuni-dade assistida contaria com um monitor que deveria, após a transmissão do programa, dirimir as dúvidas e orientar os inscritos. Nos estados e/ou municípios havia os coordena-dores e os monitores que eram responsáveis por executar o aparato pedagógico, tomar conta dos rádiopostos e ainda promover uma avaliação do aprendizado. O projeto era le-vado aos alunos de três formas distintas: Recepção Isolada, Recepção Controlada, e Recepção Organizada.

Na Recepção Isolada, os alunos participavam apenas ouvindo o programa no rádio. A Recepção Organizada acon-tecia diariamente nos rádiospostos, onde os monitores

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tavam à disposição dos alunos, no expediente noturno, sem-pre após as transmissões, para orientá-los com a utilização dos fascículos.

Data de 1973 a aprovação pelo Conselho Federal de Educação do Ante-projeto do Curso Supletivo de 1º grau – 2ª fase que se iniciaria em agosto daquele ano, tendo sua conclusão em dezembro do ano seguinte. Em 1974 haviam inscritos no curso supletivo de primeiro grau, segunda fase (5ª à 8ª série) cerca de 80.534, alunos. A última etapa, Plano de Reforço, compreendia aulas de Língua Portuguesa e Ma-temática, com a duração de 30 minutos, sendo 15 para cada uma das matérias4.

Considerando o numero de alunos um sucesso, o Projeto Minerva resolveu dar uma mãozinha para o MOBRAL, insti-tuindo um curso de treinamento de alfabetizadores pelo Rádio. A parceria fez com que o MOBRAL se valesse da abrangência do Projeto Minerva que, em contrapartida, se utilizava da experiência do MOBRAL no quesito alfabetização.

Em paralelo, com a estrutura dos programas de con-teúdo educacional o Projeto Minerva elaborou programas culturais sobre assuntos diversos de interesse da popula-ção. O Projeto Minerva tinha sua estrutura montada de for-ma regionalizada onde equipes de profissionais atuavam sob a orientação nacional. Havia uma equipe pedagógica que determinava as diretrizes do curso e, nos estados, haviam coordenadores estaduais, supervisores municipais e monitores. A atribuição dos coordenadores nos estados era orientar os monitores na aplicação do projeto, pois esses ficavam responsáveis pelos rádiopostos, prestando assis-tência aos alunos que os freqüentava.

Os recursos financeiros vinham do Governo Federal a través do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-ção, Via PRONTEL – Programa Nacional de TeleducaEduca-ção, acrescidas de verbas do tesouro nacional. Além da exibição dos programas do rádio e da televisão eram distribuídos gratuitamente fascículos que auxiliavam os alunos com os conteúdos. A avaliação de resultados era feita através de folhetos de verificação, sobre conteúdos de língua Portugue-sa, Matemática, Ciências, Estudos Sociais e Moral e Cívica.

A ‘Escola do Ar’ em Sergipe

A professora Geovana de Oliveira Lima vivenciou o processo de implantação do Projeto Minerva em Sergipe, no ano de 1970, quando ainda estudava na Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe. Na sua época, a Coordenação do Curso Madureza Ginasial pelo Rádio – Projeto Minerva

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cionava na sede da Secretaria de Educação, no Edifício Walter Franco. A professora Josefa Aires de Góis Santos começou a trabalhar no Projeto Minerva em 1975, quando funcionava atrelado à estrutura do ensino supletivo da Se-cretaria de Educação do Estado. Esse departamento funci-onava no prédio anexo à Escola Normal, onde hoje é Fundação Aperipê. Lá se instalava a coordenação geral com supervisor e uma equipe de apoio. Ambas atuaram na con-dição de coordenadoras.

A professora que conseguimos localizar chama-se Iara Maria Souza Santos.5 Começou a trabalhar no Projeto Minerva no ano de 1981, após ter feito concurso publico para ingressar na rede estadual de ensino. Foi atuar no Conjunto Costa e Silva, num centro social onde estava instalado um rádioposto.

Geovana Lima informou que as inscrições eram feitas diretamente nos rádiopostos com os monitores. É o que con-firma a professora Iara Santos que, disse não lembrar como era feita a propaganda do Projeto Minerva, mas que a pro-cura era acentuada. Portanto, isso nos leva a crer que proje-tos mais recentes, como o Alfabetização Solidária ou Brasil Alfabetizado - do atual governo, tomaram a fórmula do Pro-jeto Minerva, isto é, primeiro se recrutam os monitores e esses são quem recrutam os alunos; onde não tiver alunos, não tem monitor.

As duas coordenadoras entendem que o Projeto Minerva funcionava como um curso preparatório para os exames de Madureza. Segundo a professora Ayres Santos, a preparação do pessoal para atuar no projeto era feita bimestralmente, através de treinamento oferecido pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura, através da sua coorde-nação geral, situada na cidade do Rio de Janeiro. Esses en-contros reuniam coordenadores, supervisores e monitores. Além do treinamento oferecido no Rio de Janeiro, os profis-sionais recebiam manuais explicativos com a metodologia e as técnicas de arregimento da população.

Segundo as ex-coordenadoras, a capital sergipana podia contar com 100% dos monitores de nível superior; o que não ocorria nas demais cidades, onde muitos professo-res públicos sequer possuíam o segundo grau normal (pe-dagógico). Então, nesse caso, o projeto admitia também professores leigos, embora exigisse experiência pedagógi-ca. Sobre a escolha para a montagem dos rádiopostos, a pro-fessora Ayres, alegou:

Cada delegacia, hoje diretoria regional, antigamen-te era outra nomenclatura. Cada órgão desses tinha

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suas próprias demandas e a gente sempre contava muito com o apoio das igrejas e com as escolas pú-blicas. Então, era assim que a gente identificava onde tinha demanda e a possibilidade de instalar um rádio. Onde fosse possível, a gente estava lá.

As informações acima não são confirmadas pela profes-sora Iara Santos que nunca passou por qualquer treinamento. Os aparelhos de rádio eram os disponíveis na comu-nidade, uma vez que o radio era objeto acessível à boa par-te da população, mesmo que fosse pequeno e à pilha. Havia casos em que o aparelho pertencia ao espaço cedente; em outros locais “o monitor levava seu radinho na mão. O rádio fazia parte da estrutura e era oferecido no pacote do proje-to, mas o monitor é que era o responsável por ele”. É que diz aprofessora Iara Santos, que dava aulas numa classe com 12 alunos e, diariamente, levava seu radinho. Ligava na tomada e dava sua aula.

Dessa forma, o rádio aparece como um instrumento tecnológico auxiliar no processo ensino-aprendizagem, pois funciona, no caso da Recepção Organizada, como um recur-so a mais. Ele não é o protagonista do procesrecur-so, pois se os monitores eram professores e já tinham uma prática peda-gógica e ainda, tendo o rádio uma participação de 30 minu-tos numa aula com duração de 3 horas, ele apenas contribuía na explanação dos conteúdos, submetido, portanto, à auto-nomia do monitor (professor). Nessa situação, parece que o monitor sabe tudo aquilo que o rádio diz e, aos olhos dos alunos, lhes transmite confiança.

Segundo Geovana Lima, “Depois da aula pelo rádio, aí começava a tarefa do monitor que era justamente a de retomar, clarificar e reforçar o conteúdo abordado”.

Quando terminava a Voz do Brasil e começava o Pro-jeto Minerva todos paravam para ouvir o rádio. Iara disse que o programa era apresentado por um casal, “ambos ti-nham uma voz muito bonita, a mulher tinha a voz rouca, mas muito nítida!”. Em alguns momentos, os alunos recla-mavam do rádio que “não era lá muito bom. Ao contrário apresentava um chiado, um barulho... Era elétrico com sua estrutura de madeira e válvulas”. Terminado o programa, o rádio era desligado e continuavam as atividades.

Segundo a professora Iara Santos, as matérias eram divididas de acordo com o dia. A participação dos monitores na elaboração do material nacional era feita de modo indi-reto, uma vez que coordenadores e supervisores eram quem levavam para os encontros com as equipes do MEC os questionamentos e as observações dos monitores. Os

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níveis entre as salas e entre os monitores são assim analisa-dos pela professora Ayres Santos: “Então, nós tínhamos muito esse feedback, por que os supervisores trabalhavam com os monitores e a gente com os supervisores. A gente tinha muito encontro em nível de MEC onde levava as su-gestões. Nós tínhamos grandes monitores, que hoje são grandes nomes na área educacional”. Geovana Lima carac-teriza a clientela do projeto, como formada por adultos, numa faixa etária de 30 a 60 anos, na sua maioria, “mulheres com muita vontade de aprender”. Com relação à aceitação do projeto em Aracaju, ela avalia que não se pode comparar um projeto daquele aos dias de hoje, pois os estímulos são bem diferentes. E o êxito depende também do aluno.

Nós não tínhamos um grande número, de 12, 18, 20 alunos. Então, normalmente havia um interesse por parte dos alunos. Quando há um interesse por parte dos alunos e quando o monitor responde, aí eles não achavam tão ruim. Você não vai comparar a presença do prof. da disciplina, com seu conteúdo específico, a um monitor que tem uma visão mais geral. Pra mim foi um estímulo, não seria o ideal, mas eu trabalho muito em cima do real. Não seria o ideal, mas era o real. Era onde chegava o primeiro grau. Era uma al-ternativa de atendimento do primeiro grau.

Iara Santos também assegurou que havia provas des-tinadas aos alunos do Projeto Minerva, que eram realizadas no Colégio Tobias Barreto, onde eram reunidos todos os alu-nos do Projeto Minerva de Aracaju. Nas cidades do interior, onde havia rádioposto, também se aplicavam provas. Ela viajou muitas vezes para aplicar provas no interior.

Analisando o desempenho do aluno, face as suas par-ticularidades culturais e sócio-econômicas, quando inda-gada sobre os altos índices de reprovação nos exames de Madureza, Geovana Lima declara:

Considerando-se as características de uma cliente-la adulta que retoma os seus estudos depois de um período significativo de ausência do processo edu-cacional formal e, ainda, levando-se em conta as próprias condições individuais, de escolaridade e sócio-econômicas do aluno. Muitas vezes era preci-so fazer uma caminhada de construção ou recons-trução da aprendizagem para uma adequação à experiência de ensino que estava sendo desenvol-vida. Tínhamos presente este aspecto em nosso

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balho. Sempre procurávamos contextualizar os con-teúdos apresentados dentro da nossa realidade.

O projeto também se desenvolveu junto aos presidiá-rios. Professora Ayres Santos disse que havia um monitor na Penitenciária Estadual, localizada na capital (bairro Amé-rica). não era uma programação ideal, mas era uma alterna-tiva de abrir perspecalterna-tiva para esses alunos que quisessem prosseguir ou não, nós tivemos bons resultados com essas pessoas, que continuaram que avançaram”.

Nos anos 80, as atividades do projeto junto ao presídio continuavam. Iara Santos lembra que “quem tomava conta do rádioposto era uma monitora, que se chamava Shirley”. Numa ocasião, Iara foi aplicar uma prova lá e disse:

Fui muito bem recebida e bem tratada pelos inter-nos!. [...] Guardo marcantes lembranças daquela turma de jovens internos. A maioria deles não tinha o curso primário e conseguimos que a Secretaria de Educação elaborasse provas para a obtenção do certificado desse grau de ensino, que foi aplicada no próprio presídio.

Para Geovana Lima, o Projeto Minerva em Sergipe foi, na ocasião, uma experiência válida, uma contribuição à edu-cação em Sergipe. Como professora de sala de aula, Iara tem uma avaliação diferente das ex-coordenadoras; parece ter críticas que preferiu não expor claramente.

As ex-alunas que conseguimos localizar foram Aracy de Souza Gouveia Rodrigues, na ocasião, residente na cida-de cida-de Itabi e Rita Barbosa Souza, da cidacida-de cida-de Pinhão. Dois municípios do interior sergipano que, na década de 70, ti-nham uma população muito pequena e eram pouco desen-volvidos em termos de urbanização.

Aracy Gouveia, quando ingressou no Projeto Minerva, já estava casada e era professora leiga. Ouvia as aulas pelo rádio depois que chegava do trabalho e colocava as duas filhas pequenas para dormir.

Rita Barbosa Souza Barretto nasceu em Pinhão numa família numerosa. Estudou até a quarta série primária na sua cidade natal, prosseguindo os estudos através do Projeto Minerva, pois seu município não contava com curso ginasial. Além do seu pai, que aprendeu a ler sozinho através de livretos de cordel, sua segunda irmã mais velha é responsável pelo prosseguimento dos seus estudos e dos outros irmãos. Com a implantação do Projeto Minerva, Rita teve a oportunidade de concluir seu primeiro grau estudando pelo rádio. “Eu tinha uns 15 anos. tinha uma professora de Língua Portuguesa. Se não

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me engano, uma delas era Rosália Bispo Santos. Na época era mais ou menos assim… a gente respondia as atividades”.

É curioso que nenhuma das coordenadoras tenha mencionado essa correspondência, via correio, entre pro-fessores (coordenadores ou monitores) e alunos de que fala Rita Barbosa. Ela se utilizava da modalidade de Recepção Isolada, sendo uma das alunas desse tipo de recepção que chegou a obter 2.130 alunos cadastrados no ano de 1971.

Rita lembra como era preciso disciplina, sobretudo, quando não se tem o incentivo de outros alunos que pos-sam discutir os assuntos ou estudar junto. Vinha a Aracaju pegar seus fascículos na Secretaria de Educação, os respon-dia e mandava de volta pelo correio. “A gente recebia. Me parece que os manuais, a gente vinha pegar na Secretaria de Educação ali no edifício São Carlos em frente ao cine Pálace”. Sobre a correspondência com a professora de Por-tuguês, Rita lembra que, por diversas vezes, a professora elogiava sua caligrafia e sua organização. “Era numas cartinhas, ela mandava umas cartinhas. Eu sempre caprichei na letra e ela elogiava minha letra. Uma vez fiz uma redação que o assunto era um piquenique. Eu tinha feito uma reda-ção muito boa. Eu tinha um desempenho melhor na Língua Portuguesa que eu sempre gostei.” Rita veio prestar exa-mes em Aracaju. Nossa entrevistada prosseguiu seus estu-dos, fazendo o ensino médio na cidade de Propriá. Já o chamado terceiro ano do ensino médio ela fez num curso normal (pedagógico) na cidade de Simão Dias. Com a ajuda do Estado e da Prefeitura conseguiram um transporte e, na companhia de onze colegas, percorriam 25 km de Pião a Si-mão Dias para estudar. Só eu que sou professora!”

Já estudando em Propriá, Rita foi convidada para re-ceber o seu certificado de conclusão de 1º grau numa gran-de festa feita na Rádio Cultura gran-de Aracaju. Era um evento de grande importância política para o projeto e a emissora, como vimos já tinha uma história de apoio à educação à dis-tância em Sergipe.

Rita não era exatamente o perfil de aluno do Projeto Minerva, entretanto, a adolescente aproveitou a oportuni-dade, dada a ausência do ginásio na sua cidade. Entretan-to, “A gente tinha vergonha de dizer no começo que fez um curso supletivo, Hoje eu assumo tranquilamente, mas antes eu tinha vergonha de dizer que eu fiz um curso supletivo… Ah, você fez madureza! ...

Embora nenhuma das ex-coordenadoras, nem a pro-fessora tenham mencionado algum tipo de discriminação e atitude preconceituosa, a ex-aluna os ressalta, como acaba-mos de ver. Ela admite ter recebido muita influencia da sua

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irmã que não perdia a oportunidade de lhe oferecer tudo quan-to pudesse contribuir para sua formação, desde jornais e re-vistas até as informações sobre cursos que aconteciam em Aracaju e outras cidades do estado. Rita Barbosa é um exem-plo vivo disto. Ela também teve o incentivo familiar e, certa-mente, sua família a colocaria no ensino regular se esse existisse na sua cidade. Para ela, o Projeto Minerva foi funda-mental na sua formação de professora e gestora de escola

“porque se não fosse esses cursos, a gente ainda tava lá”. Aracy tinha um rádio de pilha, que comprou exclusi-vamente para ouvir as aulas do Projeto Minerva. Não tem lembrança da vinheta do projeto, apenas disse que havia uma melodia de abertura. A música servia para alertá-la de que o Projeto Minerva estava começando. Então, enquanto tocava a vinheta ela ia ajeitando as coisas, “mas quando começava a aula eu parava diante do rádio e ficava atenta”.

Araci nunca deixou faltar pilha para o seu rádio “a gente comprava carga, eu sempre fui assim prevenida”.

Quando estudou pelo projeto Minerva já tinha dois filhos e também trabalhava.

Em um ano, acompanhando as aulas do rádio, ela con-seguiu concluir o primeiro grau com sucesso. Araci ficou sabendo do Projeto Minerva por intermédio de sua tia que trabalhava no Hospital de Cirurgia em Aracaju e, também estudou pelo projeto. Foi essa tia quem deu o primeiro in-centivo para Araci estudar pelo rádio.

Como Rita Barbosa, após o ensino médio, prestou o vestibular na Universidade Federal de Sergipe, e também foi aprovada. A história de Aracy é marcada por sacrifícios em torno da aquisição de uma formação escolar, cada vez mais elevada. Aracy é gestora de uma escola publica municipal na Cidade de Aracaju e já foi homenageada pelo seu trabalho.

Considerações Finais

Acreditamos ter desvelado aspectos importantes da realização concreta do Projeto Minerva em Sergipe, vascu-lhando o cotidiano daqueles que o vivenciaram. E, mais ain-da, a pesquisa nos encaminhou para a convicção de que o Projeto Minerva foi uma porta que se abriu para muitos sergipanos alijados da escolarização formal.

Para professores e coordenadores foi uma oportuni-dade de ampliar conhecimentos, experiência docente e gerencial. O percurso da pesquisa nos remeteu a diversas lacunas que deixamos para outros pesquisadores, pois a história do Projeto Minerva em Sergipe ainda está por ser resgatada. Esta é uma contribuição inicial.

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Referências Bibliográficas

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NOTAS

1 Aluno do mestrado em educação pela Universidade Fede-ral de Sergipe. E-mail: carlosako@yahoo.com.br

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2 Edgar Roquett-Pinto, nasceu no Rio de Janeiro em 25 de setembro de 1884, filho de Manoel Menélio Pinto e Josefina Roquette Carneiro de Mendonça; faleceu no Rio de janeiro em 28 de agosto de 1954. Terceiro ocupante da Cadeira 17, eleito em 20 de outubro de 1927, na sucessão de Osório Du-que-Estrada e recebido pelo Acadêmico Aloísio de Castro em 3 de março de 1928. Recebeu os Acadêmicos Afonso Taunay em 6 de maio de 1930 e Miguel Osório de Almeida em 23 de novembro de 1935. (Citação e referências a docu-mentos eletrônicos. http://www.radiomec.com.br/ roquettepinto/ohomemmultidao.asp

17de nov. de 2004 13h50min.)

3 BÁRCIA, Mary Ferreira: Educação Permanente no Brasil, vozes Petrópolis 1982.

4 Niskier. P. 453.

5 Formada em Letras pela UFS. É professora da rede estadu-al e da rede municipestadu-al de ensino de Aracaju.

Referências

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