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Ajuste econômico e a atuação do FMI: a ideologia do ajuste em dois atos

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Academic year: 2021

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GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES

INTERNACIONAIS - PPGRI

BRUNO HAEMING

AJUSTE ECONÔMICO E A ATUAÇÃO DO FMI: a

ideologia do ajuste em dois atos

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AJUSTE ECONÔMICO E A ATUAÇÃO DO FMI: A

IDEOLOGIA DO AJUSTE EM DOIS ATOS

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais

Área de Concentração: Economia Política Internacional

ORIENTADOR: Professor Dr. Jaime Cesar Coelho

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ajuste em dois atos

Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis, 05 de Abril de 2018. ____________________________ Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques

Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

____________________________ Prof. Dr. Jaime Cesar Coelho

Orientador

Universidade Federal de Santa Catarina ____________________________

Prof. Dr. Ary Cesar Minella Universidade Federal de Santa Catarina

____________________________ Prof. Dr. Daniel Ricardo Castelan Universidade Federal de Santa Catarina

____________________________ Prof. Dr. Filipe Almeida do Prado Mendonça

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Ninguém caminha só. Se há um aprendizado desses dois anos de mestrado em relações internacionais, esse seria o principal.

Ao meu lado, tive pessoas muito especiais, que me deram apoio em momentos de grande tensão e trabalho duro, e para com elas guardo uma enorme dívida.

Em primeiro lugar, agradeço a meus pais, Jose Carlos Haeming e Mara Regina Haeming. Conto com vocês sempre, tenho o privilégio de desfrutar da sua companhia, amizade e amor incondicional. E por isso, e para com vocês, sou imensamente agradecido. Ao meu irmão Felipe, agradeço à paciência de aguentar luzes acesas do meu quarto, nas silenciosas madrugadas em que escolhi estudar, obrigado mano.

À minha namorada, Janine Porto Michels, não apenas agradeço como peço desculpas pelos momentos de ausência. Sei que de você exijo muito, pois realmente não é tarefa fácil aguentar meus horários trocados, humores torcidos e meus horários livres escassos. Devo-te muito mais do que possas imaginar. Em épocas de angustia, nervosismo e até de doença, você foi incansável, esteve ao meu lado e me deu todo o apoio que eu precisei.

Pode ter certeza, sem o seu apoio incondicional e seu amor este trabalho não teria saído do reino das ideias.

À Marielza Porto Michels, ou apenas Mari, pelo carinho e amor que apenas um coração sensível é capaz de expressar. Pelos cafés levados a mim no meio dos meus estudos, pelos abraços, carinho e por ser a mãe da pessoa mais especial que já conheci, te agradeço.

Agradeço também ao meu orientador, Prof. Dr. Jaime Cesar Coelho, a quem devo muito. Nesses anos de convivência pude contar com amizade, apoio, bons papos e uma construção intelectual que se materializou em grupos de estudo (GESECC), assim como em orientações de monografia e dissertação de mestrado.

No processo de escrita da dissertação, me senti ouvido tanto pessoalmente em encontros presenciais, quanto através das correções

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está no processo de aprendizado, é exímio em construir textos atravessados por reflexões incompletas, incertezas inerentes à construção do conhecimento e erros dos mais diversos que impõe uma dura tarefa: criticar o que é preciso ser criticado, mas sem suprimir a empolgação e a curiosidade de quem recebe a crítica. Afirmo que recebi da parte do orientador esse exato tratamento em todo o mestrado, em especial na escrita deste trabalho.

Aos meus colegas de PPGRI, também agradeço. Foram muitas as trocas em sala de aula e fora dela. Em especial, agradeço à Jozi Lawrence, uma amiga de coração imenso e dedicação a toda prova, também à Karolina Krespi pela amizade e pelo suporte nos momentos de incerteza que todos vivem no mestrado. Também a Guilherme Natan Fasolin, pelas trocas de ideias teóricas, metodológicas, acadêmicas e de vida, ao Tiago Mocellin, Guilherme Mattos, Ricardo Kotz, Bárbara Calderon, Alice Borba, Mariana Martins, Renan Jark, Mariana Cury, Ana Luci, Roberta Prata, Teresita Gil, Jonathan Hassel, enfim, todos os integrantes da turma de 2016.

Agradeço ao Tom Santos, Gabriel Basso e Lucas Rovaris pela parceria e pelo trabalho conjunto realizado durante o mestrado.

Agradeço a um amigo, colega e irmão: Diogo Oliveira. Um ser humano espetacular, que tive o prazer de conhecer em 2010 ao entrar na UFSC. Também fico imensamente feliz de ter podido compartilhar uma trajetória acadêmica e de vida, que veio desde a graduação em Ciências Econômicas até o mestrado em Relações Internacionais. A você devo muito da minha formação até aqui, tanto como pessoa quanto alguém que pensa a realidade. Não foram poucos os momentos que precisei desabar, falar da minha vida, debater ideias e sempre pude contar com você.

Agradeço também ao Gabriel Ursini, amigo e parceiro que esteve nessa caminhada acadêmica, compartilhando todas as facetas da vida no mestrado.

Agradeço aos meus ótimos amigos de uma vida, Lukas Pezzini, Marco Antonio Bertoncini Andrade, Victor Hugo Bertoncini Andrade, Franco Bertoncini Andrade, Keiny Lai, Luiz Maciel, Gustavo Petry ,

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ela seria muito difícil chegar até esses agradecimentos.

Um especial agradecimento ao Luis Giorgis Dias. Um amigo que ao longo de quase 15 anos está presente na minha vida, e no mestrado não foi diferente. Ajudou-me em muitos momentos, seja debatendo ideias ou até mesmo me dando abrigo em Porto Alegre.

Agradeço ao PPGRI, em especial aos professores coordenadores Dr. Clarissa Dri, e Dr Helton Ricardo Ouriques. Também agradeço à secretária Lucia: em suma, pelo esforço de todos em manterem um programa de pós-graduação em um cenário tão adverso como o Brasil da atualidade.

Agradeço a CAPES. O suporte financeiro é essencial no trabalho acadêmico, principalmente em um país que carece de investimento em pesquisa como o Brasil.

Enfim, agradeço a todos e todas que fizeram parte da minha trajetória, e fizeram possível a concretização deste trabalho de dissertação.

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que o FMI atuou. A partir disso, pretende-se identificar as continuidades e as mudanças na abordagem do Fundo nesses dois momentos distintos. O primeiro período se refere à crise da dívida dos países latino americanos na década de 1980. O FMI abordou a crise instituindo políticas que impuseram ajustes estruturais através de condicionalidades atreladas às suas modalidades de empréstimos. O resultado foi um período de aplicação de políticas liberalizantes no continente, consoantes com os interesses do sistema financeiro internacional e dos países do G7, ao fim resultado em uma longa recessão. O segundo período diz respeito à atuação do FMI junto à Troika, no período posterior a crise de 2008 na Europa. Da mesma forma que ocorreu na década de 1980, o FMI utilizou de uma abordagem similar, voltada para o ajustamento, contendo políticas de austeridade impostas via condicionalidades, obtendo os mesmos maus resultados econômicos e sociais. Logo, o trabalho concluiu que o FMI, mesmo atuando em momentos com peculiaridades, manteve as mesmas ideias associadas ao ajustamento, utilizando de condicionalidades para impor as reformas que julgou serem necessárias às economias. Em ambos os períodos as reformas foram associadas a força social das finanças internacionais. Palavras-chave: Fundo Monetário Internacional; Ajuste econômico; Condicionalidades; América Latina; Europa; Finanças Capitalistas; Financeirização.

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acted and by doing so, we pretend to identify the continuities and changes in the institutions approach in these two different moments. The first period assesses the Latin American debt crisis in the 1980 decade. In this opportunity IMF has approached the crisis by imposing structural adjustment policies attached to conditional lending facilities converging with the international financial system’s and G7 countries interests, and the output was a deep recession. The second period concerns the IMF approach within the Troika in the aftermath of 2008 crisis at Europe. Similarly to the 1980’s period, IMF had been in the same structural adjustment orientation by imposing austerity measures through conditional lending facilities. The result had been also a deep recession in Europe. Thus , this master thesis reckon that IMF, even though had acted in particular moments, kept the very same ideas associated with adjustment in both periods, using conditionality to impose the reforms they found necessary to the assisted economies. These reforms, in both periods, were closely related with international financial social forces. Keywords: International Monetary Fund; Economic Adjustment; Conditionality; Latin America; Europe; Capitalist Finance; Financialization.

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dólares U$S...112

Lista de Quadros Quadro 1. Diretores Gerais do FMI...61

Quadro 2. Principais Modalidades de Empréstimos do FMI (até a década de 1990) ...71

Quadro 3. Modalidades de empréstimos utilizadas nos ajustes estruturais na América Latina... 104

Quadro 4. Os empréstimos do FMI para os países europeus (PIG(S))...112

Quadro 5. Os Planos dos Secretários do Tesouro Americano para a América Latina...130

Lista de Gráficos Gráfico 1. Dívida Externa da América Latina...108

Gráfico 2. Saldo Balança Comercial América Latina (Milhões de Dólares U$S) 1980 - 1990...109

Gráfico 3. Variação do PIB dos PIG (S) ( em %)...121

Gráfico 4. Dívida dos PIG (S) ( em milhões de euros EUR)...124

Gráfico 5. Condicionalidades Estruturais do FMI (1985 a 2014) ...127

Lista de Figuras Figura 1. Elementos da Estrutura Histórica...49

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1.

Introdução ... 21

2.

Contexto de surgimento da Teoria do Ajuste

Econômico e da Balança de Pagamentos ... 29

2.1 Dinâmica do ajuste no capitalismo ... 30

2.1.2 A austeridade como palavra chave da ideologia do ajuste

econômico ... 32

2.1.2 O “fim” do Keynesianismo e a Ascensão do

Neoliberalismo: o contexto do (re)ssurgimento do ajustamento

... 34

2.2

O ajustamento como validação do neoliberalismo ... 43

2.3 As instituições e a regulação internacional neoliberal ... 50

CONCLUSÃO DO CAPÍTULO ... 52

3.

O FMI e os elementos e características gerais do Ajuste

Estrutural ... 55

3.1

O FMI pré década de 1970: identificando finalidade ... 55

3.1.1

E estrutura do FMI ... 60

3.2. Do diagnóstico de crise de liquidez à sentença do ajuste

estrutural ... 63

3.2.1

As

Condicionalidades

e

o

Diagnóstico

Macroeconômico do Ajustamento ... 64

3.2.2 A parceria FMI e Grupo Banco Mundial ... 75

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Europa ... 89

4.1

A crise e abordagem do FMI para os países

Latino-Americanos ... 89

4.1.1

A dinâmica institucional do Fundo sob e a influência

dos EUA ... 97

4.1.2 O resultado institucional: planos de ajuste estrutural para

AL ... 103

4.2 A abordagem do FMI no pós-crise de 2008 na Europa ... 116

4.2.1 A Troika como mecanismo de ação ... 117

CONCLUSÃO DO CAPÍTULO ... 135

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 138

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1. Introdução

A atuação do FMI é alvo de crítica há diversos anos, e durante muito tempo isso fomentou uma série de debates acerca dos limites e do escopo das ações que a instituição toma.

A presente dissertação irá abordar dois momentos em que o FMI atuou no período em que as condicionalidades dentro do Fundo se transformaram, ganharam peso nas modalidades de empréstimos e se tornaram alvo de críticas.

Como abordagem teórica, buscar-se-á um diálogo com a teoria que trata a questão do ajustamento econômico, e espaços autorizativos das moedas (COHEN, 1998; 2004).

Dentro da perspectiva adotada, esperam-se ferramentas que viabilizem a compreensão da dinâmica do ajustamento nas economias. A vantagem de tal perspectiva é o diálogo entre os efeitos econômicos que os processos de ajustamento possuem, e as relações de poder inerentes às atividades comerciais, e principalmente, às moedas que circulam entre Estados e mercado.

Cohen (1998) mostra que a moeda possui um caráter político, e a compreensão da “Geografia do Dinheiro” apenas é possível pela junção entre espaço e política. A variável “uso da moeda” é a expressão do poder das economias, se uma moeda possui um espaço geográfico amplo, isso significa que sua influência é maior vis a vis às moedas com menor uso.

Porém o fator central é que as moedas, Estados e mercados representam uma relação de poder. A geografia do dinheiro é a expressão política da relação desses agentes, que é traduzida pelo espaço autorizativo 1 das moedas. A utilização dessa terminologia significa

1 Aqui espaços autorizativo é o termo que representa elemento como poder e

influência nas relações entre Estados e mercado, que culminam no uso do dinheiro, e o resultado disso é o uso da moeda num determinado espaço que

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incluir no estudo as relações de poder que uma moeda possui, e que essas relações transcendem a geografia de um Estado, e não representam apenas o poder do Estado, mas todas as forças políticas e sociais que dão base para que uma moeda tenha um dado espaço autorizativo (COHEN, 1998).

A utilização de uma moeda em detrimento à outra significa uma relação de poder dos Estados e suas forças sociais. As moedas que possuem um espaço autorizativo maior, ou que são mais utilizadas, estão em relação hierárquica superior às menos utilizadas, e tal relação se estende para o Estado e as forças sociais que fazem parte dele2.

Cohen (2004) também aborda a dinâmica do ajuste nas relações econômicas. A moeda é um dos fatores que provoca o ajuste, já que constitui um preço chave nas economias, porém o ajuste é mais amplo do que o fator moeda. A economia, nas suas relações de produção e de troca, tem como resultado a criação de uma hierarquia, e essa demarcação é feita pela capacidade que os países possuem, dentro da lógica capitalista, de desviar (deflect) ou de postergar (delay) os ajustes.

O país que consegue desviar do ajuste é o país mais poderoso. O ajuste pode vir através de mudanças em preços de insumos, como as commodities, em fluxos de capitais que pressionam as reservas dos países, mudanças na política monetária de países centrais, ou até mesmo guerras ou crises econômicas. O fato é que uma série de eventos podem pressionar as economias, e impor o fardo do ajuste para elas.

Tendo isso em mente, Cohen (2004) propõe que ajustes são inevitáveis, e quem é capaz de desviar dos ajustes e repassá-los para

gera uma autoridade. Se a moeda possui grande espaço autorizativo, significa que exerce uma autoridade num determinado espaço.

2 A terminologia forças sociais é utilizada como ligação com a abordagem

neogramsciana que também é utilizada, mas por motivos explicativos. Cohen (1998) defende que a utilização da moeda não segue a lógica Westfaliana de centralização de poder somente nos Estados, pois os mercados cada vez interferem nos assuntos da moeda, e por ventura o seu apoio/não apoio a uma moeda gera tensões no espaço autorizativo delas: em suma, as relações de uso de uma moeda atravessam uma gama de interesses, que inclui o Estado emissor, forças de mercado e até outros Estados que veem benefício em apoiar o uso de uma moeda em detrimento à outras.

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outros, é o mais forte. Outros países apenas buscam meios de postergar o ajuste, utilizando políticas fiscais, monetárias, contraindo dívidas ou aumento as suas reservas.

O elo entre as dinâmicas de ajuste e as dinâmicas monetárias é o fato de que países com maiores possibilidades de desviar dos ajustes são os que possuem maiores domínios autorizativos.

Além de uma pujança econômica, e meios geopolíticos de manter um status de poder no sistema internacional, as instituições são parte importante para que as relações econômicas, monetárias e os espaços autorizativos das moedas se preservem, que são as bases dessas relações de poder: o FMI é uma instituição internacional central nesse sentido.

Indo no mesmo sentido, Cox (1996) traz uma importante contribuição para a compreensão da Estrutura Histórica no sistema internacional. O autor mostra que as instituições, as capacidades materiais e as ideias atuam de maneira relacional, e é a partir delas que um bloco histórico de diferentes forças sociais se conforma3.

Dentro dessa dissertação, compreende-se que as forças sociais das finanças constituem a força motriz do sistema internacional, em que ideias e instituições interagem para sustentar a hegemonia dessa força social.

O FMI é uma instituição que tem desde a sua fundação a prerrogativa de proteger as moedas, zelar pela estabilidade do sistema monetário e financeiro, e por isso exerce um papel de vigilante, garantindo que os movimentos dos ciclos econômicos e crises não desestabilizem as economias, o sistema financeiro, moeda e mercados.

Porém, aqui se buscará entender o porquê de, a partir das mudanças na instituição, ela deixar de exercer sua função de estabilizadora do sistema econômico e monetário internacional, e passar a caminhar na dialética das finanças capitalista: ao promover a (nova) estabilidade do sistema capitalista, acabar promovendo as mesmas forças que levam a crises e momentos de caos.

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Ao estudarmos a intervenção do FMI em dois atos, tem-se como hipótese que a instituição em seu papel político de manutenção do sistema, tenha se mantido nessa lógica de atender aos interesses da força social hegemônica no sistema internacional: a força social das finanças.

Como primeiro momento, nós escolhemos a intervenção do FMI na América Latina. Isso se deu pela “inovação” introduzida na forma de emprestar dinheiro pelo Fundo: as condicionalidades para Ajustamento Estrutural.

As condicionalidades já existiam desde 1952, porém no primeiro momento elas foram de caráter generalista, apenas designando metas para os países em relação as suas políticas, porém dando poucas restrições em relação à forma como essas metas seriam atingidas. Já a condicionalidade estrutural funciona de maneira distinta, pois instrui em detalhes os caminhos que os países devem seguir, focando em aspectos estruturais das economias, como a mudança de relação entre Estado e mercado, prescrevendo políticas de austeridade fiscal, privatizações, flexibilização das relações trabalhistas e sistemas de impostos (VREELAND, 2007; KENTIKELENIS, STUBBS e KING, 2016).

De fato, aconteceram na América Latina as mudanças exigidas pelas condicionalidades, todavia essas mudanças possuem um contexto que se relaciona com a força social das finanças, que reemergiu apoiada pelos Estados e Instituições na década de 1960, e se consolidou nas décadas de 1970 e 1980.

O ressurgimento das finanças se deu através do euromercado de divisas, localizado na da city londrina, foi pioneiro do pós guerra deum sistema de transações financeiras que “burlava” os acordos de Bretton Woods de vigilância dos fluxos financeiros. Em função do aumento de escala desse mercado, o sistema como um todo foi questionado, a moeda internacional se deteriorou frente às demais, e houve incertezas acerca da possibilidade dos EUA em ser a hegemonia capitalista (HELLEINER, 1994; MEDEIROS e SERRANO, 1999; SERRANO, 2002).

As forças financeiras gestadas nesse contexto alteraram o espírito deBretton Woods e tomaram a liderança político-econômica do sistema capitalista, fato que se refletiu nas instituições financeiras internacionais. As instituições foram se adaptando às alterações

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sistêmicas da correlação de forças, que por sua vez se alterava em conformidade com a dinâmica da acumulação.

Pauly (1997) mostra que as forças sociais que impulsionaram as mudanças dentro do FMI possuem endereço: Wall Street e os banqueiros. Elas ocorreram nos pilares fundamentais da atuação do FMI: a alteração do padrão monetário dólar-ouro, o regime cambial e a mobilidade do capital.

O fim dessas ideias e políticas liberou as forças de mercado na década 1970, com o aval do Fundo, que via na tomada de lugar do Estado pelos mercados algo valoroso, e que levaria a melhor uso dos recursos (PAULY, 1997). Foi nessa onda de liquidez avalizada pelo FMI e pelos Estados, que os países Latino americanos enxergaram a possibilidade de manterem seus projetos de desenvolvimento, e acabaram por aumentar a sua dívida externa. O fim desse processo se deu pelo “Choque Volcker”, que foi o abrupto aumento da taxa de juros americana pelo então presidente do FED4, Paul Volcker, à casa dos 20%

ao ano.

Tavares e Melin (1997) descrevem esse movimento como a retomada da hegemonia norte americana. O resultado disso para os países latino americanos foi a escassez de liquidez nos mercados internacionais, e a necessidade de sanarem os problemas que o encarecimento das dívidas (tomadas a taxas flutuantes) tiveram nas suas economias.

Na década de 1980 o FMI conduziu um processo de intermediação entre o sistema financeiro privado mundial, em que ele garantiria uma parte dos recursos para o processo de saída da crise dos países latino americanos, assim como imporia uma disciplina nos ajustes através do uso de condicionalidades, ou condicionalidades atreladas à liberação de parcelas dos empréstimos. Apenas cumprindo uma série de requisitos relacionados às reformas estruturais nas economias, é que os países teriam as parcelas dos empréstimos liberadas e conseguiriam renegociar sua situação com o sistema financeiro privado.

Havia um interesse convergente das economias centrais que, em um primeiro momento gozaram do mercado latino americano para

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empreender uma estratégia agressiva de empréstimos, mas que no momento da virada, juntaram-se para que o sistema financeiro dos seus países não tivesse um default (DELVIN e FFRENCH-DAVIS, 1995).

O impacto dessas políticas de ajustamento trouxe anos de crise e instabilidade econômica para os países do continente latino americano. Em função das causas da crise serem ligadas às finanças, e a intervenção do FMI, via ajustamento, indicar uma ligação entre o Fundo e a necessidade de proteger esse novo “paradigma” do sistema capitalista, ligado à virada neoliberal, é que se escolheu estudar esse período.

No período dois, será abordada a crise dos países da zona do euro, em especial a franja europeia, que foi denominada como PIG(S); Portugal; Irlanda, Grécia e Espanha.5

A comparação foi suscitada por uma percepção crescente nos meios especializados de que o FMI estaria questionando algumas de suas premissas fundamentais após a crise de 2008, em especial no que tange à defesa do livre fluxo de capitais, algo que viria de encontro às premissas liberalizantes da globalização financeira que a instituição defendia desde a década de 1970. Assim, julgou-se que uma abordagem comparativa, elegendo dois períodos de crise, ambos com potencial de alcance sistêmico, como pertinentes no auxílio da averiguação de possíveis alterações no padrão de comportamento institucional.

Prates e Farhi (2014) debatem a trajetória da discussão ocorrida no FMI, levantando suspeitas e questionamentos acerca do real comprometimento da instituição em manter seu discurso afastado da ortodoxia dos mercados e ajuste econômico.

Logo, faz-se importante o estudo do FMI dentro do arranjo político denominado de Troika. A Troika era composta por Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI.

A história do FMI dentro da Troika remete-nos à 1998, quando a União Europeia deu o “passo seguinte”, passando a ser uma união monetária. As premissas que basearam a constituição da União

5 A Espanha entra como membro do PIG(S), mas não faz parte do estudo por

não ter recebido aporte diretamente do FMI, apenas um auxílio técnico junto à Troika.

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Monetária Europeia (UME) são baseadas nas mesmas ideias defendidas pelo FMI sobre globalização financeira (IEO. 2016).

Somando-se a isso, a constituição de um bloco monetário unitário, que conecta os países apenas pela moeda, sem nenhum mecanismo de redistribuição fiscal, gera uma série de problemas de desigualdades, que por consequência demandam ajustamentos assimétricos (AGLIETTA, 2012, LAPAVITSAS el al, 2012 e COHEN 2015)

Aglietta (2012) mostra que o centro nevrálgico da crise de 2008 iniciada nos EUA, passou a ser a parte periférica da Europa. Isso porque os países europeus adentraram à UME gozando de incentivos fiscais, mas principalmente de uma moeda que aumentou o poder de comprar das suas economias, e que trouxe um período de crescimento econômico.

Todavia o endividamento veio a reboque, muito em função das diferentes realidades econômicas entre os países centrais e periféricos do continente, impondo ajustes expressos no aumento das dívidas. O setor bancário ajudou na rápida disseminação da crise, e já em 2010 a Grécia teve de ser resgatada pela Troika.

As políticas de ajustamento impostas aos PIG(S) trouxeram, assim como na América Latina, uma série de problemas para as economias, sentidos principalmente entre 2010 e 2013.

Logo a pergunta de que moveu a comparação pretendida foi: houve mudanças de princípios norteadores do FMI em relação ao ajustamento econômico e políticas de austeridade nos períodos comparados?

Como hipótese principal tem-se que: O FMI não mudou sua abordagem em relação ao ajustamento econômico nos dois períodos, pois ela corresponde à manutenção de um sistema atrelado às forças sociais das finanças, e que exigem tais políticas. Portanto, não havendo alterações substantivas na dinâmica da acumulação e na estrutura histórica, as funções institucionais obedecem a princípios norteadores similares nos períodos comparados.

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A metodologia que será empregada para responder à pergunta e verificar a hipótese levantada6 é qualitativa, baseando-se em

perspectivas teóricas da Economia Política Internacional que abordam a questão do ajustamento, moeda e formação de estruturas históricas derivadas de forças sociais hegemônicas do capitalismo.

O trabalho está organizado em 5 partes. No parte 1 desenvolvemos a presente parte introdutória, colocando as bases teóricas para a presente dissertação e contextualizando o problema, os objetivos e a hipótese; na parte 2 será exposta a teoria do ajustamento, identificando o contexto do surgimento das políticas e ideias que transformaram a economia política internacional, também se observará as principais características da estrutura do FMI e o nascimento das condicionalidades, com o objetivo de dar suporte para à compreensão das mudanças no Fundo e o impacto que elas ocasionaram na intervenção do FMI nos dois períodos aqui estudados; a parte 3 abordará a crise da dívida latino-americana da década de 1980, com foco em identificar as mudanças dentro do FMI que culminaram em uma intervenção associada às grandes potências econômicas, e ao neoliberalismo; a parte 4 fala da atuação do FMI junto à Troika, em decorrência dos impactos da crise de 2008 na Europa, identificando o mote central da atuação do FMI e as políticas adotadas para os PIG(S), e por fim; o 5 traz as considerações finais da presente dissertação, objetivando resgatar os principais pontos das partes anteriores, colocando em perspectiva a atuação do Fundo e respondendo à pergunta de pesquisa e abordando a hipótese proposta.

6 O termo “verificar a hipótese” é utilizado como ferramenta discursiva. Não há

uma análise de inferência de dados para que uma hipótese seja verificável, o estudo é de abordagem qualitativa.

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2. Contexto de surgimento da Teoria do Ajuste Econômico e da Balança de Pagamentos

A terminologia ajustamento, ou ajuste, em composição com a palavra econômico, foi escolhida em função da sua corrente utilização no debate econômico e de políticas públicas, mas também pela importância que ela tem enquanto uma categoria de economia política internacional.

Ao definirmos um significado mais detalhado para uma palavra já conhecida, há o risco de se incorrer em repetições, todavia o objetivo maior é conseguir delimitar o seu significado dentro do contexto do presente trabalho, mostrando que apesar de seu sentido ser conhecido, ele necessita de uma explicação para cumprir os objetivos dentro do presente trabalho.

Em tempo, é necessário reiterar que se trata de um problema de economia e de política, ou economia política, que são em nossa visão elementos conectados, e que interagem de maneira muitas vezes contraditória, mas que produzem resultados passíveis de observação nas relações entre a sociedade e o Estado, mais precisamente na relação entre países, e desses países com as instituições internacionais: isso configura um problema correlato à área de economia política internacional.

Contudo, a escolha desse capítulo em separar a categoria ajustamento, ou ajuste econômico, em uma parte primordialmente resultante da observação da dinâmica da economia capitalista e outra do campo das ideias e ideologia atrelada a tal dinâmica, vem de uma necessidade metodológica. Uma vez que a visão dominante acaba atribuindo argumentos técnicos para justificar políticas de ajustamento e austeridade, dividi-las acaba por ser necessário para mostrar que i) a dinâmica capitalista possui um efeito inercial de ajustes, muitas vezes apenas se utilizando de uma dada estrutura de poder para promove-los, e ii) mesmo adotando o primeiro ponto como premissa, a construção de políticas públicas em geral não é fruto de movimentos naturais, as estruturas de poder são construções sociais, levadas a cabo pela atuação de Estados, instituições e indivíduos, cujo veículo de transmissão do ajuste é a ideologia.

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Logo, o capítulo terá dois elementos centrais para serem expostos: 1) o ajustamento em termos econômicos, como resultado da economia política, em sua dinâmica capitalista em âmbito internacional, assim como a conjuntura político-econômica que trouxe tais políticas à tona, 2) a questão ideológica que permeia as políticas de austeridades, a base e o mecanismo de reprodução de tais políticas7.

2.1 Dinâmica do ajuste no capitalismo

No campo da Economia, o “Ajuste Econômico” significa todo o rol de políticas econômicas que respondem a estímulos da dinâmica econômica internacional ou pretendem causar mudanças nessa dinâmica em algum grau.

Medem-se tais mudanças através da observação de variações macroeconômicas de preços-chave – taxa de câmbio, taxa de juros,

commodities, produtividade, nível de comércio, ou de agregados como

Produto de uma economia – que muitas vezes mostram a hierarquia internacional na forma como afetam os diferentes países.

O efeito das mudanças de preços-chave é uma redistribuição de recursos entre as economias, e a forma como um país se posiciona durante tais mudanças traduz seu poder: sua autonomia e/ou influência (COHEN, 2004).

Tanto mais poderoso é um país, quanto mais ele consegue desviar dos efeitos que mudanças nos preços internacionais provocam, mas também será poderoso se ao mudar sua política de preços-chave, outros países forem afetados por ela. Essa dinâmica de autonomia e

7 Vale frisar que, as políticas de austeridade que são um “nome de batismo”

alternativo para ajustamento/ajustamento econômico, sendo que seu uso ao longo do capítulo será alternado, mas querendo expressar o mesmo fenômeno: políticas de cunho neoliberal, que alteram a relação entre sociedade e Estado, buscando diminuir a importância do último.

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influência frente aos ajustes mostra uma hierarquia entre os Estados, em termos de moeda, e capacidade econômica.8

Ao haver mudanças em preços-chave, como taxas de juros, taxa de câmbio de países como efeito da ampliação do espaço autorizativo 9

de países de moeda forte, países com moeda fraca sofrem com os custos das mudanças nos preços internacionais, ou nos fatores produtivos, colocando as suas economias em uma situação frágil de declínio da produtividade e do produto nacional (COHEN, 1998). 10

Um exemplo conhecido de abrupta variação de preço de uma

commoditie é a mudança da política de preços da OPEP (Organização

dos Países Exportadores de Petróleo), que nos anos 1970 reage a uma mudança geopolítica e global com um aumento do preço do barril (HARVEY, 2003).

São relevantes serem citadas as mudanças na forma do padrão de acumulação, como reorganização espacial da produção de bens e a ascensão das finanças, como houve nos EUA na década de 198011. Esses

8 Um exemplo conhecido de abrupta variação de preço de uma commoditie é a

mudança da política de preços da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que nos anos 1970 reage a uma mudança geopolítica e global com um aumento do preço do barril (HARVEY, 2003).

9 Por espaços autorizativos, entende-se o que Cohen (1998) define como sendo

o espaço geográfico-político pelo qual as moedas circulam, e possuem liquidez. São moedas fortes, com alta circulação e aceitação no comércio internacional. Uma moeda é forte na medida do tamanho do espaço autorizativo dela: quanto mais amplamente utilizada e difundida, maior seu espaço autorizativo e mais forte ela é.

10 No longo prazo as mudanças econômicas acarretam em uma nova inserção

internacional dos países de moeda fraca, colocando suas economias e moedas em menor grau de importância, algo que pode ser observado na deterioração estrutural das balanças de pagamento desses países.

11 As literaturas sobre a ascensão das finanças e mudanças no padrão de

acumulação, como em Braga (1997); Braga e Cintra (2004); Chesnais (1998, 2005), ou Harvey (1989, 2003) que fala de deslocamento espacial das forças produtivas, mostram que as decisões políticas constituem uma estrutura que tem a economia como motor de ação. Essas perspectivas metodológicas, mas também hipóteses, que para a análise deste trabalho são insuficientes. O ajuste econômico conta com um poder de persuasão ideológico advindo de um contexto da dinâmica econômica, mas não se encerra nela. Buscar-se-á

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exemplos, obviamente, dependem de decisões políticas, mas seu impulso vem da conjuntura de estagnação econômica e do caráter instável do capitalismo (MIGLIOLI, 2004; KEYNES, 2010).

Portanto, tais mudanças são resultantes do embate de forças econômicas que buscam espaço para reverter o quadro de crise de acumulação, tanto em termos monetários para a circulação de suas moedas e aumento da sua influência externa sob outros países COHEN (1998), quanto em termos de deslocamento produtivo para o aumento da acumulação pela possibilidade de aumentar as taxas de lucros ocupando e transformando outros espaços (spacial fix) (HARVEY, 2003).

Mas observando os mecanismos pelos quais o ajuste econômico atua, Cohen (2004) debate que a dinâmica do capitalismo se dá a partir da categorização dos países em duas classes: os que conseguem, na melhor das hipóteses, postergar (delay) o ajuste, e os que conseguem desvia-lo para outrem (deflect). Os países que desviam são o caso de autonomia discutido acima, possuindo uma diversificação econômica que os torna menos suscetíveis aos ciclos de negócios e a mudanças de preços macroeconômicos.

Muitas vezes são esses países, com poder de desviar (deflect,) que agem através de políticas econômicas, utilizando sua moeda forte, capacidade produtiva e comercial para aumentar sua competitividade frente outros países ou até mesmo mitigar e transferir para outros países conflitos distributivos e sociais domésticos, provocando mudanças de preços da sua moeda, e afetando diversos elos da sua rede de relações econômicas.

2.1.2 A austeridade como palavra chave da ideologia do ajuste econômico

identificar neste trabalho, que argumentos puramente econômicos são insuficientes para o debate do ajustamento, especialmente no que tange a aceitação de políticas de austeridade e da implementação delas pelas instituições, em especial o FMI.

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A austeridade é um processo econômico e político, na medida em que seus efeitos mudam as relações econômicas e sociais domesticamente ou na sua região. Todavia, a forma de utilização da terminologia “austeridade” se escora em uma compressão de que existe um componente ideológico no rol de ações que um Estado (ou um conjunto de estados) ou instituições toma para lidar com problemas fiscais, na balança de pagamentos ou problemas monetários de taxa de juros e de câmbio. 12

As políticas econômicas remetidas à austeridade são vistas socialmente como positivas, como a melhor alternativa para uma a economia em um processo de crise, e que pensar fora de tal lógica é anticientífico (MCDONALD, HOGAN, OROURKE, 2016).

Nessa linha de pensamento de políticas econômicas, os que não respeitam os preceitos austeros e responsáveis terminam por aumentar seu endividamento, ter crise na balança de pagamentos, inflação e desequilíbrios externos.

Os pontos centrais das políticas de austeridade pouco mudam, e isso fica claro em manifestações oficiais de muitas Organizações Internacionais (OI), que adaptam a linguagem utilizada para recomendar políticas para países em crise, com um rol bastante rígido de ideias relacionadas ao papel da restrição fiscal, do setor privado como agente central do desenvolvimento econômico e da inovação13, e livre

movimentação de capitais (HARVEY, 2005).

A concepção de austeridade e o conjunto de políticas que envolvem sua construção não são uma novidade na forma de pensar as relações sociedade e mercado, muito menos como uma espécie de ferramenta diferente na análise econômica como a escola austríaca apresentou14 (BLYTH, 2013).

12 Há outras formas de se realizar política fiscal, porém na presente dissertação

se aceita que são essas as principais formas.

13 O pensamento tem a premissa de que apenas pelos valores da competição de

mercado que se chegaria a relações mais eficientes entre Estado e mercado

14 Blyth (2013) identifica os economistas pioneiros dessa tradição como, Carl

Menger, seguido por Ludwig Von Mises e Friedrich Von Hayek. A escola austríaca defende uma visão de mundo sem Estado nas relações econômicas. Os mecanismos de mercado são evolucionários e se aperfeiçoaram ao longo do

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Como mostra Blyth (2013, p.46), a austeridade tem precedentes históricos, com raízes em “John Locke, David Hume e Adam Smith”, sendo vinculada a preceitos morais, os quais partiam do princípio de que a resignação aos prazeres presentes era uma forma natural de atender as necessidades espirituais. Logo, os resultados futuros, riqueza e prosperidade, seriam uma consequência de um comportamento alinhado a ética do trabalho e da abstenção dos prazeres mundanos15.

A despeito da sua origem histórica, para a escola austríaca a austeridade foi apresentada como inovação, pretensamente abandonando o moralismo como retórica e focalizando seu discurso nos mecanismos causais de suas ideias e teorias. Nessa visão as práticas de intervenção estatal seriam uma forma de desequilibrar os processos evolutivos do mercado16, e que apenas o mercado poderia dar conta de corrigir

eventuais desequilíbrios, uma vez que o capitalismo e seu sistema de preços relativos era intrinsecamente estável.

2.1.2 O “fim” do Keynesianismo e a Ascensão do Neoliberalismo: o contexto do (re)ssurgimento do ajustamento

A necessidade de “ajustar”, surge como uma forma de impor uma disciplina. No caso das políticas econômicas, o ajuste se dá em termos fiscais e monetários, diminuindo-se o volume de gastos e freando-se as políticas monetárias de cunho expansionista. Logo, há

tempo, logo qualquer intervenção estatal seria contraproducente. O fato é que a defesa da austeridade e políticas de ajustamento eram defendidas desde o século XIX por essa vertente, e ficaram no ostracismo por pouco mais de 3 década após Bretton Woods. Nesse sentido, a escola austríaca e sua visão de mundo não apresentam nenhuma novidade.

15 Gastar mais do que ganha é uma forma de subverter a lógica austera. 16 Aqui se refere à ideia de que com o passar dos tempos, o mercado ficou tão

complexo e refinado, que consegue por si próprio alocar os recursos para os processos mais eficientes, e colocar em destaque os agentes mais produtivos. Ao haver intromissão do Estado, essa possibilidade se encerra, já que nenhum tecnocrata conseguiria agir de forma a dar conta da complexidade do mercado, e em função da incapacidade natural de assimilar todas as informações, não conseguiria tomar a decisão correta, sendo duplamente injusto e ineficiente.

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uma redefinição da quantidade e do volume de gastos do governo, em outras palavras, a importância do Estado na sociedade é modificada quantitativamente e qualitativamente.

No caso das políticas econômicas que tiveram a alcunha de neoliberais, sua função era de terminar um ciclo anterior de organização de cunho intervencionista, seja na versão desenvolvimentista na periferia ou na versão do estado de bem-estar no centro, grosso modo identificada com um perfil keynesiano de gestão da política macroeconômica. Em Hall (1989), é possível identificar o tipo de impacto que as políticas keynesianas causaram no mundo, formando uma nova era.O autor mostra como ideias impactaram a formulação de políticas públicas, e como as políticas públicas são expressões dos arranjos de poder político, social e econômico de um país ou região.

Como as ideias surgem em um ambiente de disputa, dizia-se que todos eram keynesianos já que foram essas ideias prevaleceram frente as demais, produto de uma necessidade concreta da época: a reconstrução da ordem mundial pós segunda guerra, o que exigia uma presença muito ativa do Estado.

Os Estados detinham uma preocupação com a construção de uma sociedade livre dos problemas relacionados ao desemprego involuntário e a consequente queda de demanda agregada. Isso ocorreu pois o keynesianismo, enquanto teoria econômica, havia ganhado a disputa de ideias, muito em função das suas proposições e do conjunto de ideias teóricas e políticas econômicas pretenderem solucionar os conflitos sociais e econômicos percebidos como os causadores da crise de 1929 e como referido anteriormente pelo contexto propício à aceitação de políticas ativas macroeconômicas. O keynesianismo, como estudado, foi hegemônico após a segunda grande guerra (HALL, 1989).

Os problemas que estavam na pauta das políticas públicas giravam em torno da retomada do crescimento e desenvolvimento econômico, derrubar o desemprego e aumentar a confiança dos agentes econômicos eram tarefas fundamentais dos gestores públicos.

Em termos mais específicos, o economista inglês John Maynard Keynes, em Keynes (2010), trata a questão do emprego como um dos elementos centrais, questionando as concepções de desemprego dominantes à época, e em direto debate com Professor Pigou, a quem

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ele atribuía grande parte da influência intelectual no assunto. Ao contrário do que defendia Pigou, para Keynes (2010) existiam não apenas dois tipos de desemprego, mas três: friccional, o voluntário e o involuntário.

O primeiro desemprego, o friccional, se relacionava com os movimentos do capitalismo, de ascensão e queda da riqueza nacional, logo variando temporariamente o número de empregados na economia. O segundo partia da vontade do indivíduo em permanecer fora do mercado de trabalho, e dessa forma buscar outro emprego ou mudar de atividade. Para Keynes, as concepções anteriores eram insuficientes para explicar momentos de crise profunda em que o desemprego se dava involuntariamente.

Não à toa a preocupação em Keynes (2010) gira em torno do desemprego involuntário. Essa nova categoria se relacionava com a impossibilidade das economias empregarem seus trabalhadores, pois não havia nem dinheiro nem incentivo para o investimento. O resultado era uma crise/recessão que durava mais tempo do que o necessário, caso não fossem adotadas medidas contra cíclicas. 17

Também era central para Keynes a incerteza. Ele definiu o indivíduo como avesso a incertezas, mas que não podendo livrar-se delas, agiria no presente tentando prever como no futuro estariam as condições econômicas, se haveria capacidade de consumo para que o investimento presente se realizasse. Não havendo consumo, o investimento minguaria, dessa forma impedindo o crescimento econômico.

17 Na visão de Keynes as condicionantes para o emprego estavam atreladas ao

investimento. Se o empresariado enxergava possibilidades de investimento, ele o fazia. Depreendendo disso, o investimento na teoria keynesiana está dependendo da demanda efetiva, ou em outras palavras, a quantidade de investimento de um empresário vai ser compatível com a capacidade de vender suas mercadorias. No mesmo diapasão, em uma economia com uma demanda efetiva baixa, ou declinante, não há incentivos para o investimento, e sem investimento não há emprego e nem renda, e sem emprego e renda a demanda efetiva míngua. Ao final das contas, o estado poderia intervir na espiral descendente do desemprego e da renda, promovendo políticas de promoção do pleno emprego, aumentando a demanda efetiva, e por consequência os investimentos.

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As ideias de Keynes foram uma quebra paradigmática no pensamento econômico, uma revolução. Dentre elas, mais precisamente nos últimos capítulos do seu Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda, escrito em 1936, Keynes (2010) define o papel das políticas públicas que visavam interferir nas variáveis econômicas, investimento e oferta de moeda, sendo o Estado responsável pela manutenção do pleno emprego e mitigador dos ciclos econômicos inerentes ao capitalismo.

Como explica Hall (1989), a profunda mudança que ocorreu daí em diante foi sentida não apenas como uma forma de gerir políticas públicas, mas também um tipo de governança que possibilitou um arranjo novo de coalizões políticas e a formação de um engajamento político nas sociedades de diversos países.

Pelo viés ideológico, as ideias de Keynes foram capazes de construir um poderoso discurso em torno do pacto social baseado na promessa de que o Estado trabalharia para garantir o pleno emprego, como premissa fundamental do Estado de bem-estar social (HALL, 1989).

Villarreal (1984), mostra que a condução das políticas keynesianas tomaram rumos diferentes das que o próprio Keynes tinha escrito, e a estrutura de crescente endividamento dos governos se defrontou com a realidade dos choques macroeconômicos dos anos 1970. A variação dos preços de oferta, como por exemplo, o do petróleo ocorrido em 1971, foi fator interveniente decisivo para a queda nas taxas de crescimento nas economias centrais, gerando um fenômeno que foi chamado de estagflação18.

Tendo isso em mente, o que se conhece como ajustamento tem seu delineamento nesse período histórico. Propôs-se solucionador de diversos problemas que, em outro momento deste trabalho serão abordados, mas que se confrontavam diretamente com o centro das políticas econômicas. Tal movimento contestava as políticas keynesianas, imputando os fenômenos de estagnação do crescimento e inflação ao gasto excessivo dos governos e aos desequilíbrios econômicos que a intervenção estatal nos mercados trouxera.

18 A estagflação foi a nomenclatura dada a união entre dois fenômenos, a

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A contra-revolução monetarista19, foi o nome dado para um

movimento ideológico que tinha como agenda promover a interrupção da ação do Estado desde o pós segunda guerra mundial. As políticas keynesianas eram vistas não mais como promotoras do emprego, mas como inflacionárias, usando o gasto do governo e a política fiscal de maneira irresponsável e discricionária (VILLARREAL, 1984). O pensamento emergente, influenciado pela escola austríaca e com forte ancoragem no setor financeiro, via as políticas keynesianas como fontes permanentes de desequilíbrio, ou seja, que produziam o aumento da oferta de emprego no curto prazo comprometendo a produtividade de maneira estrutural, via má alocação da poupança.

As ideias contrarrevolucionárias vingaram no rastro das mudanças macroeconômicas e geopolíticas mundiais, e principalmente, sob o descrédito do keynesianismo aplicado pelos países, que o autor chama de neokeynesianismo20. A condição de inflação alta e

desemprego, somada à incapacidade de outras teorias oferecerem uma explicação através do pensamento vigente (ligado ao keynesianismo), abriu espaço para a ortodoxia econômica, que tinha a austeridade como a solução dos problemas e via no Estado de bem-estar um inimigo a ser combatido (VILLARREAL, 1984).

A teoria monetarista, representada pela Escola de Chicago, “ocupou” o lugar nos “corações e mentes”, sendo em nossa visão uma

19 Foi chamada de contra-revolução pois, no que tange a teoria econômica, não

superou o keynesianismo ao propor uma nova forma de pensar, ou mesmo de ver a sociedade de outra maneira, mas trouxe para o debate ideias que vigiam anteriormente às ideias keynesianas.

20 O termo utilizado, neokeynesianismo, se direciona para uma parte dos

adeptos da teoria keynesania, que Villarreal (1984) mostra serem diferentes das originais de Keynes. Isso se ocorre pela aplicação das políticas estatais. Para Keynes, o gasto do estado deveria ser focado em aumento e manutenção do emprego, sendo feito através da ótica fiscal (redução de impostos e aumento de gasto), e através de uma política monetária que incentivasse o investimento. Na prática do neokeynesianismo, tanto a política monetária era frouxas em excesso, quanto o gasto do governo era feito em áreas que excediam o escopo que Keynes imaginou, indo para áreas diversas da sociedade. Justificava-se tal gasto pelo impacto na geração de emprego e renda que o gasto em áreas como a militar e tecnológicas causariam, todavia isso não foi passível de comprovação, apenas o déficit público aumentou.

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proposição ideológica que se adequava às transformações políticas e econômicas que estavam acontecendo.

O fator central das ideias monetaristas, que tinha Milton Friedman como seu maior representante, era combater os malefícios do excesso de atuação do Estado. De acordo com o monetarismo, o maior efeito do excesso de Estado era uma enorme quantidade de dinheiro circulando na economia21, o que provocava inflação e distorcia a

alocação ótima dos fatores. A solução para esse problema seria deixar para o mercado resolver os impasses distributivos entre capital e trabalho (VILLARREAL, 1984).

Portanto, a teoria monetarista trouxe uma solução para o problema da inflação, a partir de um corolário: toda a inflação é um fenômeno monetário. Alterações na quantidade de moeda, ou outras maneiras de estimular a demanda de uma economia, tinham um impacto contestável no longo prazo, e se revertiam em uma piora em termos de desemprego, crescimento e inflação, ou seja, os supostos efeitos positivos do curto prazo das políticas expansionistas eram sobrepujados em larga medida pelos efeitos deletérios do longo prazo.

Villarreal (1984) argumenta que a conclusão dos monetaristas era de que a economia funcionaria melhor caso o governo não interviesse no seu funcionamento, e mesmo com oscilações de produto, no longo prazo, o mercado por si levaria ao crescimento, pois os recursos seriam naturalmente melhores empregados.

Em Villarreal (1984), identifica-se a falta de inovação teórica dos monetaristas, que reformulam a teoria monetária, apenas incluindo fatores “modernos”, ou nomenclaturas diferentes para problemas candentes à realidade em que foi proposta, teoricamente tirando do Estado toda a atribuição possível dos formuladores de políticas econômicas, e de políticas monetárias, já que a única variável que poderia mudar na formulação teórica da moeda, seria a variável “preços”, ou a inflação, sendo a moeda neutra em termos de produto e emprego.

21 Isso se dava pela maior quantidade de dinheiro ser a causadora das recessões

e crises. A quantidade de produto seria menor do que a quantidade de dinheiro circulando na economia, causando inflação na moeda nacional, e no mesmo diapasão a perda do poder de compra que a inflação ocasionaria, teria como resultado um empobrecendo a população em geral.

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A partir disso, a política pública seria apenas uma ferramenta de adequação, voltada para criar ou retirar moeda de acordo com demanda e oferta de dinheiro, sem que haja um ativismo dos formuladores de políticas públicas no crescimento econômico. Poder-se-ia assim culpar as políticas econômicas que prometiam o contrário (emprego), de apenas deslocarem artificialmente a demanda efetiva em períodos de baixo emprego resultando no aumento da inflação. Para os monetaristas, no longo prazo a economia caminharia para o mesmo patamar em termos de emprego e crescimento do produto que havia anteriormente à interferência do Estado.22

Uma das mais notórias categorias contrarrevolucionárias é a “taxa natural de desemprego”, ela seria dada pelas características naturais de cada economia, como produtividade, composição entre a relação capital e trabalho, entre outros elementos. Basicamente, a taxa de desemprego da economia teria um patamar que seria intrínseco a sua realidade econômica, ou seja, sempre existiria um dado nível de desemprego para as condições estruturais da relação capital e trabalho (tecnologia), e as mudanças nessa taxa no curto prazo seriam apenas momentâneas (VILLARREAL, 1984, p.98).

No momento em que o governo buscasse alterar o nível de emprego, estimulando a demanda agregada e provocando o crescimento econômico por estímulos fiscais (gasto do governo) ou monetários (políticas expansionistas), o efeito seria deletério, provocando no curto prazo um trade off entre taxa de desemprego e taxa de inflação: a Curva de Phillips23.

22 É importante frisar que o modelo de Milton Friedman aceita que a rigidez na

curva de Philips aconteceria pela forma como os agentes veriam a economia com expectativas adaptativas. Ela leva em conta que a inflação passada se repetirá no futuro. Se a inflação passada foi alta, os agentes precificarão os bens esperando que haja o mesmo aumento no futuro. O resultado é uma diminuição do impacto das políticas de expansão da demanda agregada, tornando a curva de Philips inelástica.

23 A curva de Philips é uma relação entre desemprego e aumento dos salários,

concebida na década de 1960, pelo economista William Phillips. Ao final da mesma década, Milton Friedman popularizou o estudo em questão, afirmando que se trataria de uma relação entre desemprego e inflação, o que é aceito desde então. Logo, se há uma política do governo que estimule a demanda agregada,

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Nessa visão, o resultado de curto prazo de políticas governamentais é crescimento e emprego versus aumento de preços. Já no longo prazo, o efeito das políticas monetárias seria percebido pelos agentes econômicos, que ajustariam suas expectativas de preços baseadas no aumento passado de preço, assim como a dinâmica de políticas expansionistas seria percebida como inflacionária. O resultado é uma curva de Philips vertical, ou inelástica, em que as políticas de expansão da demanda apenas elevariam a inflação, sem impacto no desemprego.

As economias teriam seu limite de crescimento dado pelas condições econômicas naturais, como a taxa natural de desemprego, e o governo nada poderia fazer para acelerar o ritmo, ou proteger um país de ciclos de negócios ou crises, sem que violasse as leis de mercado. Dessa forma, o mercado deveria ser o responsável por “gerenciar” o desempenho econômico, cabendo ao Estado apenas o papel de resguardar as condições básicas para que o mercado funcionasse: forças policiais e garantias contratuais.

Esse modelo pressupõe a igualdade entre os Estados. Uma vez que o mercado seria o grande avaliador das condições econômicas e dos melhores investimentos, as economias teriam apenas de se formatar de acordo com as necessidades de mercado para que, de fato, se desenvolvessem;

Em síntese, proclama-se a volta ao liberalismo econômico dos clássicos, ainda que, naturalmente, isso não se dê numa situação competitiva. Nesse liberalismo, supõe-se que todos os países têm possibilidades iguais de êxito, mesmo que partam de posições inteiramente diferentes (VILLARREAL, 1984, p. 132).

Logo, qualquer mudança na estrutura de uma economia, segundo a perspectiva monetarista, está vinculada com o interesse de mercado. É o mercado que direcionará os recursos necessários para o crescimento econômico, assim como um nível de poupança suficiente

levando a taxa de desemprego para baixo em 3%, o resultado é que haja um aumento da inflação em 3%.

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para viabilizar investimentos e assim melhorar a relação capital/trabalho e suas tecnologias. Em suma, há uma forma de pensar as relações econômicas e sociais que tira e condena intervenções do Estado, e qualquer movimento contrário colocaria em risco o mercado e seus mecanismo espontâneos e autorreguláveis.

O ideário monetarista de Milton Friedman, e por sua vez, a base da ideologia do ajuste, possui cinco pilares, ou condições básicas do liberalismo incorporadas pela teoria monetarista; “i) livre mercado, ii) Estado reduzido, iii) menor intervenção do Estado na economia, iv) desincentivo a monopólios e v) soberania dos consumidores no mercado” (VILLARREAL, 1984, p.114).

Todos esses pontos foram adotados pelos monetaristas/liberais que chegaram de fato ao poder, no entanto a crítica aos monopólios e à soberania dos consumidores foi colocada de lado. Nos EUA, por exemplo, houve políticas incoerentes, diminuindo-se impostos para os mais ricos, mas utilizando-se uma política monetária de elevação das taxas de juros e encarecimento do custo do dinheiro.

Em resumo, era um tipo de monetarismo bastardo, e como Villarreal (1984) aborda, ele se apropriou de parte do liberalismo que interessou à classe política e econômica dominante, mas que não deixou o mercado agir como deveria na teoria, com homogeneidade e sem favorecimentos a grupos de interesse.

O ponto central, como pontua Blyth (2013), é que o momento histórico é de um surgimento de uma teoria que, mesmo com inconsistências lógicas, domina o debate público a partir da década de 1970.

A ideia de políticas públicas ativas e com participação do Estado para gerar o crescimento econômico é abandonada. Porém, o resultado da adoção de prescrições monetaristas não produziu o efeito virtuoso preconizado pelos economistas da oferta, ao contrário a política monetarista americana não apenas colocou os EUA numa situação de baixo crescimento anual, mas levou o resto do mundo para o mesmo caminho (VILLARREAL, 1984).

Ideias que não se comprovaram e antes tinham sido desbancadas pela revolução keynesiana, como já elucidado, foram dominantes na agenda política da década de 1970. Uma vez que não

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havia outro modelo explicativo da realidade mais conveniente para as mudanças que estavam em curso na economia política mundial. Mesmo sem conseguir explicar tudo que se propunha, de ser contraditória ou de não dar orientações claras do que se fazer em alguns momentos, colocou-se essa teoria num patamar acima das demais pela simples retórica de exclusão: em suma pode se dizer que, se não a monetarista, nenhuma outra política funcionaria (VILLARREAL, 1984; BLYTH, 2013).

2.2 O ajustamento como validação do neoliberalismo

Se a visão monetarista possui viés ideológico, na medida em que atribui ao mercado a única solução para os problemas econômicos (crescimento, inflação, desemprego e crise), a questão ideológica fica ainda mais latente no chamado “monetarismo bastardo” ao se utilizar da mesma retórica do monetarismo “clássico”, porém sem o compromisso de levar a cabo a liberalização ampla da economia e da diminuição da importância do Estado.

O monetarismo bastardo pôde ser percebido na economia americana com o presidente Ronald Reagan, que aplicava uma política econômica elitista, na medida em que elevou os juros (freando a inflação e valorizando o dólar), em adição à políticas de isenção tributária para setores de maior renda, todavia com aumento do gasto militar: essa foi a chamada “Reaganomia”24 (VILLARREAL,1984,

p.115).

A aplicação do monetarismo de Milton Friedman, na prática, foi diferente da proposta teórica, sendo chamada de monetarismo bastardo, e que mais tarde se convencionou chamar de neoliberalismo. Faz-se necessário explorar a motivação de tal distanciamento entre ideia e prática.

24 Como efeito se tem a preservação das taxas de lucros das empresas, queda

dos salários na economia, diminuição dos gastos sociais em contrapartida a uma expansão dos gastos militares. É um tipo de arranjo econômico-social que privilegiava setores ricos das sociedades, e dava espaço para outros, ligados a indústria militar e ao setor financeiros (VILLARREAL, 1984).

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Pode-se encontrar nas obras de Hall (1989) e Gourevitch (1989), fatores para explicar o argumento de que há uma distância relativa entre uma concepção teórica e a aplicação prática, em governos e em políticas públicas. Isso ocorre, pois, as formulações de políticas públicas nada mais são que a representação e a formatação de ideias, resultantes de interações de poder em uma sociedade, que através do Estado e suas políticas buscam arbitrar os diversos conflitos de interesses da sociedade.

É verdade que, de acordo com o exposto acima, era esperado um monetarismo diferente do que a teoria “dura” havia proposto, todavia a diferença do keynesianismo aplicado de fato e o monetarismo bastardo são os motivos que levaram à aplicação diferente em relação à teoria.

No keynesianismo do pós-guerra as motivações que uniam tão diferentes nações em um único objetivo eram a retomada da atividade econômica capitalista, a reconstrução das forças produtivas e do tecido social pela destruição em massa do conflito. Naquele contexto, as diferenças surgiam de acordo com características próprias da sociedade, seus partidos políticos, nível de produtividade e conhecimento, posição geopolítica e outros fatores pertinentes ao esforço de reconstrução (HALL, 1989).

De certa forma, o monetarismo bastardo também pode ser visto como agregador, na medida em que foi a resposta para os problemas econômicos vividos nas décadas de 1970 e 1980, todavia o discurso neoliberal conseguia encobrir a principal força social que lhe dava sustentação material, os interesses do capital financeiro. O foco concentrava-se no ataque ao Estado como fonte da estagnação e de seus males associados como o desemprego e a inflação. Na prática os interesses monopolistas e a concentração e centralização do capital eram escondidas dentro do discurso da liberdade e da globalização.

A força social por detrás de tal mudança esteve relacionada à emergência das finanças. Foi através da ascensão das finanças que as mudanças no capitalismo ocorreram, e o monetarismo bastardo e suas ideias que dialogavam com tais mudanças ganharam espaço e lhe deram o discurso para a legitimação de seus interesses por meio das políticas públicas.

Referências

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