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A crise do sistema carcerário no brasil e a atuação da defensoria pública

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Academic year: 2021

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VÍTOR SCHOLLES SILVA

A CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL E A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Msc. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2017

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Dedico o presente trabalho à minha família, por todo apoio e empenho depreendido em prol da construção do meu caráter e, sobretudo, pela confiança em mim depositada durante a formação acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais pelo amor, incentivo e apoio incondicional durante mais essa etapa da minha vida.

Ao meu irmãos Débora e Felipe e meus sobrinhos Lorenzo, Gustavo e Miguel, que sempre me motivaram, ainda que indiretamente, a buscar o crescimento pessoal.

Às minhas avós Lory (In memorian) e Olga, pelos exemplos de vida, que sempre me motivaram à seguir em frente.

Ao meu primo Cauê (in memorian) pelo exemplo e lições de coragem e persistência.

À esta universidade, a todo o corpo docente e funcionários do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais e, ainda, à minha orientadora, Patrícia Borges Moura, por ter aceito este desafio, pela prestatividade e paciência.

Aos meus irmãos da Ordem DeMolay por todo apoio e assistência durante a jornada até aqui percorrida e por estarem sempre me motivando a buscar a construção de um mundo melhor.

Aos colegas de Ministério Público, por todo conhecimento compartilhado e exemplo de comprometimento.

E, por fim, mas não menos importantes, aos ex-colegas e, se Deus quiser, futuros novamente, da Defensoria Pública, na pessoa do Dr. Eugenio, que abriu as portas desta Instituição pela qual muito tenho apreço e que despertou meu interesse pela área jurídica, mas para além disso, por ter desenvolvido meu lado humano e aberto meus olhos às mais diversas realidades sociais.

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“O Judiciário é a porta última dos angustiados, quem percorre os corredores dos fóruns depara-se com as mais profundas mazelas humanas personificada por faces marcadas ora pela dor, ora pela culpa, mas em ambos os casos pontificadas por um grau de esperança. Quem chega a uma audiência ou julgamento, seja como autor, seja como réu, nunca se encontra em tranquilidade plena uma vez consciente que o curso de sua trajetória poderá ser significativamente alterado pela decisão ali proferida”. Pedro Felipe de Oliveira Santos

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RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso é voltado à análise da atuação da Defensoria Pública na área da execução penal, como órgão facilitador no processo de acesso à justiça, e na sua constante luta em defesa dos direitos humanos, sobretudo, na busca pela sua efetivação no interior das casas prisionais brasileiras. Isso porque o sistema penitenciário brasileiro encontra-se em declínio, sem qualquer respeito à legislação e aos direitos mínimos garantidos ao cidadão, portanto, pertinente o debate do assunto para que futuramente se empreenda maiores esforços na defesa de melhores condições de vida intramuros. O presente estudo faz um retrospecto histórico desde o surgimento da segregação como forma de pena e da instituição do sistema prisional no país, que traz à tona as mazelas do cárcere, a precariedade dos presídios e as condições subumanas como algumas das problemáticas vividas diariamente pela massa carcerária. Todos esses obstáculos, hoje, são o reflexo de um Estado preocupado apenas com a exclusão dos transgressores e indiferente quanto às condições a que serão submetidos nas penitenciárias, tornando falha a ressocialização do segregado. Para isso, foram utilizadas obras literárias de autoria de Defensores Públicos e também dados estatísticos apresentados a partir de pesquisas realizadas com a população carcerária nos últimos anos.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário Brasileiro. Mazelas. Defensoria

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ABSTRACT

This course conclusion work is focused on the analysis of the Public Defender's actuation in the area of criminal enforcement, as a facilitator in the process of access to justice, and in its constant struggle to defend human rights, especially in the search for its effectiveness inside Brazilian prisons. It is because the Brazilian penitentiary system is in decline, without any respect for the legislation and the minimum rights guaranteed to the citizen, so it is pertinent to debate the subject so that greater efforts are made in the future to defend better conditions of life within the walls. The present study makes a historical retrospect since the emergence of segregation as a form of punishment and the institution of the prison system in the country, which brings to light the jail's problems, the precariousness of prisons and subhuman conditions as some of the problems experienced daily by the mass prisons. All these obstacles today are the reflection of a State concerned only with the exclusion of transgressors and indifferent to the conditions to which they will be subjected in penitentiaries, failing the re-socialization of the segregated. For this work, we used literary works by Public Defenders and also statistical data presented from research carried out with the prison population in recent years.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...8

1 A DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL E O ACESSO À JUSTIÇA ...11

1.1 Defensoria Pública: um breve resgate histórico ...14

1.2 Organização da Defensoria Pública no Brasil ...17

1.3 A Defensoria Pública como instituição fundamental à democratização do acesso à justiça ...19

2 A DEFENSORIA PÚBLICA E A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL: PARA ALÉM DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA ...21

2.1 Um diagnóstico do modo de ser (e de se fazer) da execução penal no Brasil: as mazelas do cárcere ...22

2.2 O papel da Defensoria Pública no processo criminal e execução penal ...32

2.3 Defensoria Pública e a conflitualidade intramuros: casos emblemáticos de motins e de rebeliões nas penitenciárias brasileiras com atuação da Força Nacional da Defensoria Pública ...39

CONCLUSÃO ...44

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho fará uma análise a partir da agravada crise que o sistema carcerário brasileiro enfrenta, como bem ressaltado nas salas de aula da graduação, e buscará avaliar a participação que a Defensoria Pública tem no processo de facilitação do acesso à justiça ao preso.

A escolha do tema se deu em razão da experiência adquirida pelo estágio junto à Defensoria Pública do Estado, na cidade de Ijuí/RS, em que foi possível ter contato direto com pessoas provenientes de diversos estratos sociais, em sua grande maioria de baixa instrução e de extrema vulnerabilidade social e econômica, a justificar, por parte dos agentes públicos, uma atenção especial aos seus anseios. Muitas dessas pessoas encontram-se detidas em estabelecimentos prisionais, ou são familiares de pessoas que vivem nessa condição, e que merecem um olhar ainda mais atento e cuidadoso, em especial se considerarmos as condições da vida nas prisões brasileiras.

Para além disso, o que mais chama atenção à temática são os dados do Conselho Nacional de Justiça, referentes ao ano de 2014, em que o Brasil foi classificado em quarto lugar no ranking mundial de maior população carcerária. A superlotação, as más condições de higiene, a dominação de facções e motins, são apenas algumas das mais relevantes doenças que acometem nosso sistema penitenciário. Conjuntamente, vão de encontro ao que preceitua a legislação brasileira e deixam de promover um dos princípios fundamentais, a justificar a vida no cárcere, qual seja, a ressocialização/reinserção social do segregado.

Em relação a toda essa problemática, saltam aos olhos alguns questionamentos: Qual a parcela de culpa do Estado frente aos vergonhosos

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números apresentados? E qual o papel da Defensoria Pública em vista do atual cenário do cárcere no Brasil?

Trazer para o centro das discussões a problematização do sistema prisional e mostrar como tem surtido efeitos negativos, inclusive fora dos presídios, com o aumento da criminalidade, por exemplo, é de suma importância, principalmente nos bancos acadêmicos, onde o espaço é propício para o debate e para a construção de opiniões.

No mesmo sentido, a presente obra vislumbra dar maior visibilidade para atuação da Defensoria Pública no atendimento dos indefesos, agregando maior reconhecimento a esta instituição que muito contribui para o desenvolvimento de uma sociedade justa.

Então, partindo desses pressupostos, o trabalho será divido em dois capítulos. O primeiro será um estudo da atuação da Defensoria Pública como órgão de gestão social. Inicialmente, perfazendo um retrospecto histórico sobre o seu surgimento e colocando em análise seu desenvolvimento dentro do contexto social brasileiro, numa abordagem das dificuldades de estabelecimento e de concretização, enquanto instituição mais jovem do ordenamento jurídico. Por fim, finalizará com uma análise do seu papel enquanto órgão facilitador do acesso à justiça e sua importância na democratização da busca pela defesa dos direitos da população marginalizada, sobretudo daqueles que vivem no cárcere.

Já no segundo capítulo será analisada a atuação da Defensoria Pública na área penal. Inicialmente demonstrando a forma de execução penal no Brasil e, então, serão apontados algumas das falhas do sistema carcerário, o papel que a Instituição desempenha neste cenário e, por fim, dar-se-á visibilidade ao trabalho realizado pela Força Nacional da Defensoria Pública na solução dos conflitos e defesa dos direitos humanos buscando sempre o melhoramento das condições de vida intramuros.

Para tanto, serão utilizadas obras literárias, alguns de autoria de Defensores Públicos e também dados estatísticos apresentados a partir das

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pesquisas realizadas com a massa carcerária nos últimos anos, quais se encontram disponíveis nos sites institucionais dos órgãos responsáveis.

Como o presente trabalho de conclusão de curso fará uma análise crítica da realidade carcerária, tema abordado que merece atenção especial, busca-se que, ao final, o leitor possa ter adquirido maior conhecimento das precariedades dos estabelecimentos prisionais e, posteriormente, produza transformações neste cenário.

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1 A DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL E O ACESSO À JUSTIÇA

As normas, mesmo que não escritas, sempre estiveram presentes na vida humana, portanto, para análise do instituto do acesso à justiça, há que se fazer incialmente uma análise história quanto a composição das leis no transcorrer do tempo.

Segundo Weinmann (2004, p. 22), antes do contrato social, vivia-se sob

estado de natureza, realidade primitiva descrita a partir da expressão “o homem é o

lobo de outros homens” (apud, HOBBES, 1651), quando não havia Estado

constituído e, portanto, prevalecia a imposição da força física.

Com o crescimento da vida em sociedade, a administração da justiça também apresentou evoluções. No entanto, o novo Estado não gozava de leis consolidadas, portanto, ainda pecava na distribuição da justiça, regime caracterizado pela autotutela ou autodefesa, e o juiz dessa época era a própria parte e imputava a outro sua sentença (força).

Com o fito de diminuir os conflitos, a sociedade foi se dinamizando e tornando-se mais civilizada, adotou-se a aplicação de normas provenientes dos costumes (mores)1, as regras eram repassadas oralmente e de geração para

geração.

Aos poucos, os problemas desse regramento começaram a ficar aparentes e se viu a necessidade no surgimento do Direito e, consequentemente, das normas a que hoje somos submetidos. Portanto, incialmente um grupo seleto de pessoas, tais como padres, sacerdotes, chefes e anciãos, passaram a tomar as decisões em nome dos conflitantes (WEINMANN, 2004) e, por intermédio dessa evolução, surgiu a heterocomposição, sendo caracterizada pela participação de um terceiro, estranho ao feito, imparcial, a quem ficava o encargo de solucionar a lide. Nesse processo o indivíduo abre mão de parte da sua liberdade de promover a justiça (autotutela) e dá poderes para que outro assim o faça. Ao Estado, por meio

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do Poder Judiciário, cabe promover a paz social através da distribuição da justiça (BORGES, 2010).

No Brasil, a assistência jurídica se deu em reflexo da colonização portuguesa, com forte influência da Igreja Católica, em que a defesa da população pobre era apenas figurativa. Os primeiros rastros se deram a partir das Ordenações Filipinas, quando se instituiu que as partes hipossuficientes pagariam apenas metade das custas processuais quando possuíssem condições para tanto, enquanto a parcela restante era paga pelos municípios. Portanto, não se tratava, de fato, da assistência judiciária gratuita, mas o objetivo era semelhante (SOUZA, 2011).

Sinala-se, como figura preocupada com os direitos dos menos afortunados, e de papel relevante na fomentação da Assistência Judiciária Gratuita, Nabuco de Araújo, Presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, que, no ano de 1870, impulsionou a então “justiça para o pobre”. Alertando a sociedade, sobretudo da importância na garantia do direito de acesso à justiça a todos os cidadãos, indiferentemente das condições econômicas, determinou que alguns membros do Instituto prestassem auxílio jurídico a pessoas de baixa renda, com o fito de garantir-lhes o direito ao contraditório e à ampla defesa (SOUZA, 2011).

A Constituição Federal de 1934, corroborando com a ideia, positivou, em seu artigo 113, o direito de acesso gratuito à Justiça. No mesmo sentido, com o intuito de eliminar diferenças e promover a todos a chance de recorrer ao Poder Judiciário, a Constituição Federal de 1988, no seu inciso LXXIV, garante, mesmo aos cidadãos mais desprovidos de renda e instrução, assistência jurídica integral e gratuita, desde que demonstre sua condição de hipossuficiência.

Segundo as palavras de Cappelletti & Garth (1998, p. 8):

a expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

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Por isso, o acesso à justiça é considerado como um direito fundamental, assim como os demais garantidos pela Carta Magna, e talvez um dos mais importantes. Isso porque, é através dele que o cidadão recorre ao Estado, postulando o cumprimento dos demais direitos, sem o quê, não passariam de ideais que não se concretizariam:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI e GARTH, 1998, p. 12)

Partindo desse pressuposto, o direito de acesso à justiça não garante apenas o ajuizamento de uma demanda gratuitamente, mas que todos possam defender seu direito, quando sentirem que o mesmo está sendo prejudicado. Não há de se falar em acesso à Justiça, sem considerar o trabalho realizado pela Defensoria Pública, em sua constante luta em prol dos direitos não só individuais, como transindividuais, e contra os obstáculos que prejudicam a efetividade da tutela jurisdicional.

O conceito de Defensoria Pública encontra-se respaldado no art. 134,

caput, da Constituição Federal de 1988 (CF/88)2, o qual se adequou com a redação

determinada no art. 1º da Lei Complementar n. 80/94, a seguir transcrito:

Art. 1º. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

Nesse sentido, constitui-se a Defensoria Pública como um órgão essencial à jurisdição brasileira, seja pela promoção do acesso à justiça, seja pela atenção que dá aos princípios fundamentais garantidos pela atual Constituição Federal. Nesse contexto, dá-se uma atenção especial ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao da igualdade material.

2 Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

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No que tange à sua atuação na seara penal que, como de conhecimento geral, é comumente direcionada à população marginalizada, a instituição busca proporcionar aos assistidos a defesa penal pública, materialmente eficaz, na medida de suas limitações estruturais, uma vez que ainda jovem, não contempla sede e funcionários disponíveis para atendimento em todas as comarcas brasileiras.

Então, embora de serviços indispensável, a Defensoria Pública tem seu desenvolvimento desproporcional frente aos demais órgãos essenciais à função jurisdicional do Estado, é o que passa a ser analisado no próximo tópico.

1.1 Defensoria Pública: um breve resgate histórico

Como referido, antes da vigência da atual Constituição Federal, não havia a designação de um órgão específico para o atendimento dos indivíduos hipossuficientes. Por isso, o grande objetivo do texto constitucional de 1988 foi a promoção da igualdade, fazendo valer a proteção a direitos fundamentais, sobretudo, o do acesso à justiça. No entanto, para viabilizar esse acesso, necessário se fez a criação de canais que promovessem o cumprimento das novas leis.

Após a institucionalização do Ministério Público, como o “advogado da sociedade”, e a Advocacia Pública, defendendo os interesses da Administração Pública por intermédio de seus Procuradores, viu-se a necessidade de criação de um órgão equivalente e a eles equiparado, capaz de garantir o acesso à justiça da comunidade marginalizada.

Assim, após a tácita criação a partir do texto constitucional, foi implantada a Defensoria Pública, por intermédio da Lei Complementar 80/1994, de 13 de novembro de 1994, que criou e organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados Membros. Por força da previsão constitucional, trata-se de uma instituição essencial à jurisdição do Estado, que presta atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, seja ela econômica, ou por razão da idade, gênero, estado físico e/ou mental, e por circunstâncias sociais, étnicas e/ou culturais. Quanto à criação do órgão, Maria Tereza Sadek (2001, p. 9) relata que:

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Não se adentram as portas do judiciário sem o cumprimento de ritos e a obediência a procedimentos. Entre eles está a necessidade de defesa por profissionais especializados - os advogados. Ora, o acesso aos advogados, por sua vez, depende de recursos que na maior parte das vezes os mais carentes não possuem. Assim, para que a desigualdade social não produza efeitos desastrosos sobre a titularidade de direitos, foi concebido um serviço de assistência jurídica gratuita - a Defensoria Pública.

No cenário nacional, a Defensoria Pública passou a ter autonomia e independência para o desempenho institucional, a partir da Reforma do Poder Judiciário, por intermédio da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que alterou o art. 134 do texto constitucional.

Destacam-se outras duas significativas contribuições à Instituição em questão. A primeira delas deu-se com a publicação da Lei Complementar nº 132, de 07 de outubro de 2009, que estabeleceu a função institucional de promoção, difusão e conscientização dos direitos humanos e a legitimidade para propor ações civis públicas com o fito de defender direitos coletivos. E, de igual modo, a Emenda Constitucional nº 80, de 04 de junho de 2014, que reforçou o papel da Defensoria Pública nas resoluções de conflitos extrajudiciais de forma prioritária, bem como, determinou que, dentro de oito anos, todas as unidades jurisdicionais deveriam ser contempladas com os serviços dos Defensores Públicos.

Em que pese o notório crescimento da Instituição desde sua criação, vê-se a necessidade de sua prevê-sença em todas as comarcas brasileiras, o que é um problema da atualidade. De acordo com dados do IBGE, enquanto 82% da população brasileira, que recebe até três salários mínimos mensais é propensa a gozar dos serviços prestados pela instituição, em apenas 28% das comarcas do Brasil há amparo da Defensoria Pública, ou seja, grande parte das pessoas que necessitam do atendimento, sequer tem acesso ou conhece o órgão (BURGER e KETTERMANN, 2015).

Exemplificando, num conjunto de 160 milhões de pessoas, somente têm acesso aos serviços da instituição, 45 milhões de cidadãos. Do mesmo modo, de acordo com o Portal do Atlas do Acesso à Justiça no Brasil, divulgado pelo Ministério da Justiça, existem somente 3,93 Defensores Públicos para cada 100 mil habitantes

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(ANADEP, 2013). Números expressivos que denunciam a necessidade de maior atenção aos interesses de grande parte da população brasileira que encontra-se à margem da sociedade.

Denota-se a disparidade no atendimento à população hipossuficiente entre os Estados da Federação, quando analisados os dados apresentados pela ANADEP3, no ano de 2013, os quais retratam a falha distribuição dos serviços da

Defensoria Pública entre as comarcas do país, conforme apresentado na tabela abaixo: COMARCAS Contempladas com serviços da DPE Não contempladas com serviços da DPE Porcentagem de comarcas atendidas (%) AP 12 0 100,0 RR 7 0 100,0 DF 1 0 100,0 AC 15 0 100,0 TO 40 4 95,2 RJ 75 6 92,6 MS 40 14 74,1 PB 50 28 64,1 RO 12 10 54,5 PA 56 51 52,3 AL 29 28 50,9 MT 36 43 45,6 RS 70 93 42,9 ES 25 40 38,5 MG 105 190 35,6 CE 48 88 35,3 SE 12 25 32,4 PI 17 77 18,1 SP 41 231 15,1

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MA 15 109 12,1 RN 7 58 10,8 PE 15 136 9,9 BA 24 254 8,6 AM 2 58 3,3 GO 0 119 0,0 PR 0 156 0,0 SC 0 110 0,0 TOTAIS 754 1926 28,1

Veja-se que, na atual conjuntura brasileira, a ausência da prestação de serviço semelhante ao desempenhado pela Defensoria Pública pode ser visto como um empecilho à redução das desigualdades sociais, sobretudo, quando se trata do acesso do cidadão hipossuficiente ao Poder Judiciário, em que poderá reclamar por seus direitos constituídos, e que muitas vezes são desconhecidos dessa parcela da população.

Nesse sentido, refuta-se ao trabalho da instituição não somente no auxílio jurisdicional, mas também, enquanto órgão informativo, uma vez que é também responsável pela instrução das massas menos favorecidas que, por vezes, deixam de buscar seus direitos por desconhecê-los.

1.2 Organização da Defensoria Pública no Brasil

A assistência jurídica integral ofertada pela Defensoria Pública não se limita apenas à representação das partes perante o Poder Judiciário, mas compreende todo um trabalho realizado de natureza preventiva, consultiva e pedagógica em relação ao exercício de direitos (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Estudo Diagnóstico, 2004).

Para alcançar tais objetivos, a instituição organiza-se em três ramos: Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Estados.

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O encargo para chefiar cada uma das instituições incumbe aos Defensores Públicos-Gerais, os quais possuem atribuições que refletem a autonomia do órgão, ao definir seus limites de prerrogativas e atuação. Para tanto, caracterizam-se mais relevantes e expressivas as autonomias funcional, administrativa e financeira da instituição. Assim, por intermédio da atuação do Defensor Público-Geral, quando no exercício de suas funções, é assegurado o poder para promover iniciativa legislativa de projeto de lei para a criação ou a extinção de cargos de seus membros e servidores, assim como a fixação de seus vencimentos, a decisão sobre sanções disciplinares, a deflagração de concursos públicos e o provimento de cargos.

A forma de nomeação do Defensor Público-Geral varia. Nos Estados do Acre, Amazonas, Espírito Santo e outros, por exemplo, dá-se pela livre escolha realizada pelo chefe do executivo, dentre qualquer dos componentes da classe.

Nos estados do Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e outros e na Defensoria Pública da União (DPU), disciplinada pela Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, o chefe é nomeado pelo chefe do executivo, Governador ou Presidente da República, após ser selecionado em lista tríplice, a qual é formada por intermédio do voto secreto, plurinominal e obrigatório dentre os membros da instituição.

No caso da DPU, após a escolha, o candidato é submetido à aprovação pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal para um mandato de dois anos, como determina o artigo 6º, da Lei Complementar n. 80/1994.

O Conselho Superior da Defensoria Pública, componente significativo da instituição, como relatado por Thiago Rodrigues do Vale (2009), é o órgão máximo deliberativo e colegiado da instituição, cuja competência é exercer o poder normativo, aplicar sanções disciplinares, organizar concursos para o ingresso na carreira e decidir quanto à destituição do Corregedor-Geral. É presidido pelo Defensor Público-Geral que, além de seu voto como membro do conselho, tem o de minerva, quando não trata de matéria de remoção e promoção, sendo as

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deliberações por maioria de votos. A participação do Defensor Público-Geral, do Subdefensor Público-Geral e do Corregedor-Geral é obrigatória no Conselho Superior.

No que tange à estrutura orçamentária, a instituição obtém recursos dos orçamentos gerais dos Estados e da União. Quanto à composição dos fundos, a criação de receitas vinculadas auxiliam na estruturação do órgão, como é o exemplo do Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública no Rio Grande do Sul, para o onde são direcionadas verbas provenientes de honorários sucumbenciais, receitas de convênios firmados e outras (VALE, 2009).

Verifica-se que, embora tenha um planejamento organizacional, a Defensoria Pública ainda não consegue dispor seus serviços a todo o povo brasileiro, mesmo que indispensável, como abordado. Para tanto, na medida do possível, driblando todas as dificuldades vividas no dia a dia forense, os profissionais da instituição empenham o melhor dos seus esforços na defesa das liberdades civis, religiosas e intelectuais, e asseguram o cumprimento dos direitos mínimos do cidadão brasileiro, facilitando o acesso à justiça, como será discutido no próximo tópico.

1.3 A Defensoria Pública como instituição fundamental à democratização do acesso à justiça

O novo modelo de Estado, instituído a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado Democrático de Direitos, teve sua origem na Europa e no Welfare State4, com o qual se busca a efetivação dos direitos

fundamentais, e se originou a partir da mobilização da população brasileira em busca da democracia.

Tratando-se, a Defensoria Pública, de órgão essencial à jurisdição brasileira, é responsável pela garantia da assistência jurídica aos hipossuficientes, a defesa de direitos e interesses individuais e transindividuais, e ainda está

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empenhada na conscientização da população de seus direitos e deveres (OLIVEIRA, 2015). Portanto, verifica-se que, pelos serviços prestados pelo órgão, sua manutenção é relevante à sociedade brasileira, sobretudo porque democratiza o acesso à justiça.

Nesse sentido, todo o cidadão em situação de vulnerabilidade é digno de um tratamento não difamatório, vexatório ou que possa causar constrangimento, mas que seja humano, que atenda seus anseios e lhe preste os cuidados e a assistência necessários.

Partindo desse pressuposto, a situação econômica há muito tempo deixou de ser parâmetro de atendimento da Defensoria Pública, a qual teve de adequar suas funções institucionais para o amparo das pessoas em situações de vulnerabilidade, seja ela por razão da idade, gênero, estado físico e/ou mental e por circunstâncias sociais, étnicas e/ou culturais, como referido.

O desenvolvimento humano é proporcional ao aumento dos direitos do indivíduo, por isso, o processo de assistência às pessoas é tão dinâmico, em especial, àqueles com pouca instrução, que necessitam atenção especial para que seus direitos sejam assegurados da mesma forma como os demais indivíduos, promovendo um desenvolvimento social democrático, bem como, evitando disparidades sociais no que tange ao acesso à justiça.

Para tanto, ao Defensor Público compete atuar nas comarcas brasileiras com o autêntico espírito humano. Isso porque estará diariamente tratando com pessoas das mais variadas classes sociais e, em sua grande maioria, provenientes de estratos sociais menos favorecidos, que vêem o serviço prestado pela Defensoria Pública como último recurso para reivindicar seus direitos.

Assim, também na esfera penal a Defensoria Pública tem possibilitado o acesso à justiça por meio de uma defesa técnica que busca resguardar as garantias processuais e evitar a restrição de direitos. Nesse contexto, pautando sua atuação na defesa dos Direitos Humanos e no princípio de dignidade da pessoa humana, que muito tem sido abalada, sobretudo quando o assistido se encontra segregado

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do convívio social. Fato é que a atual situação do cárcere é alarmante, a qual será analisada no próximo capítulo, tornando os serviços da instituição indispensáveis para que sejam resguardados, de imediato, os direitos mínimos do réu.

2 A DEFENSORIA PÚBLICA E A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL: PARA ALÉM DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Muito se engana quem acredita que a Defensoria Pública seja um órgão que presta apenas o auxílio jurídico ao cidadão em situação de vulnerabilidade, por mais que essa seja a regra. Para além dessa ótica, a instituição desempenha papel muitas vezes diverso àquele pré-estabelecido. Suporte psicológico e amparo material são apenas algumas das atividades extras às atividades-fim realizadas por seus agentes, pouco reconhecidas pela população, mas que estão muito presentes do dia a dia forense da instituição.

A Defensoria Pública como órgão essencial à jurisdição do Estado justifica-se porque, além do amparo jurídico, é devido ao trabalho prestado em favor da população, pouco vista pela maioria, que se dá àqueles que muitas vezes são deixados de lado, àqueles que vivem à margem da sociedade, marginais marginalizados pelos grupos preponderantes, que necessitam atendimento especializado frente à sua insipiência.

Não pouco frequente, o papel desempenhado pelo servidor da Defensoria Pública se assemelha ao do psicólogo, de pai, mãe e amigo das pessoas que a ela recorrem, como a última instância para ver sanada sua problemática. A demonstração de afeto e a preocupação com aos anseios da população carente são o diferencial da instituição, como referem Silva e Neto (2012, p. 157): “A Defensoria

Pública deve trazer seu modo de atuação para execução penal como educação em direito, ênfase na atuação extrajudicial, proximidade com os presos e seus familiares e nos processos judiciais”.

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Na justiça penal e, em especial, na área da execução penal, o órgão representa a grande massa de segregados que vivem em situação de vulnerabilidade dentro dos presídios, onde não recebem a devida e completa assistência, dada a omissão e o descaso estatal.

Por isso, no presente capítulo, serão abordadas as formas de atuação da Defensoria Pública frente à demanda dos presos e, ainda, far-se-á uma análise crítica às más condições do sistema carcerário brasileiro, face às mazelas, que vergonhosamente representam o quarto lugar no ranking de maior massa carcerária mundial.

2.1 Um diagnóstico do modo de ser (e de se fazer) da execução penal no Brasil: as mazelas do cárcere

Antes de analisar a atual situação do cárcere no Brasil, não seria fora de propósito tratar da finalidade e da funcionalidade da pena no decorrer da evolução humana. Para tanto, será feita uma análise histórica e crítica, a partir das diferentes escolas penais no tempo.

Como sinalado, nos primórdios da humanidade, quando ainda muito forte o poder das divindades, fazendo uso desse pressuposto para justificar o direito de punir, as penas eram caracterizadas pela crueldade, através de castigos físicos, quando não da morte. Já na metade do século XVIII, característico período humanitário, marcado por forte participação de pensadores da época, o poder divino foi deixado de lado, dando espaço à razão como meio para chegar-se a uma condenação justa. John Howard, personalidade marcante nesse período, destacou-se por destacou-seus estudos na área de execução penal e sua luta constante pela classificação dos segregados, daí nasceu o penitenciarismo e a busca pela humanização das prisões. (AZEVEDO & FURLAN, 2013).

Segundo Azevedo e Furlan (2013), John Howard, após ser nomeado xerife do Condado de Bedfordshire, e conhecer a realidade da prisão do Condado, decidiu analisar as formas de segregação existentes na Inglaterra. Então, em 1777, com o lançamento da sua obra (The State of Prisions in England and Wales), fez

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sérias críticas ao sistema carcerário e propôs mudanças severas. Dentre elas, destacam-se a separação dos segregados em categorias e a criação de estabelecimentos específicos para cada grupo. O cárcere passou de local onde o prisioneiro aguardava sua condenação, portanto de caráter temporário, quando se utilizavam castigos físicos visando à confissão, para o local definitivo onde a pena iria ser executada.

O modelo suscitado por Howard foi idealizado na obra A View of Hard

Labour Bill (1778), por Jeremy Bentham, expoente do período humanitário. Para ele,

a pena necessariamente deveria ser aplicada quando tivesse alguma utilidade, abandonando-se então, sua aplicabilidade como forma de retribuição à conduta adotada pelo infrator:

Ainda no período humanitário, um grande expoente foi Jeremias Bentham, para quem a pena só deveria ser aplicada se houvesse alguma utilidade, combatendo, portanto, a pena como uma retribuição pura. Foi Bentham quem idealizou o “Panótipo”, um tipo de estrutura prisional em que o preso é visto, mas não vê ninguém, impedindo a formação de massas carcerárias ou multidões que se fundem no sistema (AZEVEDO & FURLAN, 2013, p. 139).

A Escola Clássica, caracterizada por defender a adoção da pena como retribuição ao mal causado à sociedade, utilizando-se do pretexto de manter a paz social, aplicava penas físicas de modo a evitar futuros delitos, e não apenas com o intuito de vingar o abalo causado. Portanto, considerando que todos os homens gozavam de livre-arbítrio, Francesco Carrara (apud AZEVEDO & FULAN, 2013), consagrado autor do período, acreditava que a pena deveria ser uma retribuição à escolha daquele que optou por transcorrer no delito. Para tanto, nesse período, vê-se a predominância de uma visão utilitarista da pena.

O final do século XIX, marcado pelo positivismo penal e pela formulação do pensamento social em bases científicas, dependeu do aparecimento de condições históricas, exigindo a análise da vida social em sua especificidade e concretude e do amadurecimento do pensamento científico através de ciências como a sociologia, a antropologia, a psiquiatria e a psicologia (AZEVEDO & FURLAN, 2013).

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Nesse contexto, a reação empregada passou a ser questionada, uma vez que a delinquência originava-se da omissão do próprio Estado. Por isso, o crime passou a ser analisado como uma falha social ou psicológica, logo, se viu a necessidade de abandonar o caráter retributivo da pena e adotar um método utilitário, de modo a proteger a sociedade do “criminoso” e, da mesma forma, propor meios para sua ressocialização. Passou-se a adotar, ao lado da finalidade retributiva, a finalidade preventiva da pena.

Para Enrico Ferri (apud AZEVEDO & FURLAN, 2013, p. 141), importante pensador do período, “o Estado deveria prevenir o crime com atitudes econômicas,

administrativas e políticas. Caso o crime fosse praticado, a pena seria a ‘ultima ratio’ de defesa social”.

Assim, considerando que esse equilíbrio entre retribuição e prevenção tem sido adotado por grande parte da doutrina mundial e no ordenamento jurídico brasileiro, superada a breve análise histórica da teoria da pena, há de se adentrar ao mérito da sua forma de aplicação, sobretudo no cenário nacional.

Para tanto, não há como se precisar uma determinada data em que o cárcere passou a ser utilizado como forma repressiva à conduta delituosa dos infringentes. Porém, verifica-se que os primeiros passos da caminhada da história do sistema carcerário se deram muito antigamente, e de forma muito diversa da comumente utilizada no cenário brasileiro.

De acordo com Machado, Souza e Souza (2013), a privação de liberdade como pena tem sua origem na Idade Média. Foi possível estabelecer que era utilizada inicialmente nos mosteiros, quando os religiosos transgrediam as normas pré-estabelecidas à sua função, então eram conduzidos ao exílio, se refugiavam em celas e eram submetidos à reflexão. No cárcere, devaneavam acerca de suas atitudes visando o arrependimento e também o perdão divino. Partindo desse pressuposto, os ingleses, no período compreendido entre os anos de 1550 e 1552,

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em Londres, construíram a House of Correction5 que tinha o propósito de separar da

sociedade civil daqueles que transgrediam as normas.

Ocorre que, a difusão desse ideal se deu de forma diversa do inicialmente proposto, uma vez que o cárcere passou de uma ideologia reflexiva para um sistema punitivo baseado na custódia e tortura àqueles que estavam a ele submetidos, e no Brasil a história não fora diferente. Até 1830, quando ainda não se existia um Código Penal instituído e o Brasil ainda era uma colônia portuguesa, portanto, submetido às Ordenações Filipinas, as penas previstas eram de morte, penas corporais como açoite, mutilação, queimaduras e tortura, e multas, não existia a segregação como forma finalística. Portanto, a prisão funcionava apenas como um meio de prevenir a fuga do delinquente enquanto ele ainda aguardava seu julgamento e não como forma de execução da pena (SANTIS & ENGBRUCH, 2013).

Com o evento da Constituição de 1824, abandonou-se a execução das penas cruéis, mantendo-se apenas a de morte e as galés (trabalhos forçados) e determinando a reforma das cadeias, de modo que se apresentassem “seguras,

limpas e bem arejadas havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme a circunstâncias, e natureza dos seus crimes”. A partir do Código Criminal

do Império, instituído no ano de 1830, a segregação foi introduzida como pena no cenário brasileiro (SANTIS & ENGBRUCH, 2013).

Como as reformas impostas pela Constituição de 1824 não estavam sendo efetivas em relação à melhoria dos estabelecimentos prisionais, o Império viu-se pressionado a buscar a aplicabilidade dessas normas, por isso, através da Lei Imperial de 1º de outubro de 1828, criou-se as Câmaras Municipais e, dentre suas atribuições, destaca-se a do artigo 56 do título legal:

Art. 56. Em cada reunião, nomearão uma commissão de cidadãos probos, de cinco pelo menos, a quem encarregarão a visita das prisões civis, militares, e ecclesiasticas, dos carceres dos conventos dos regulares, e de todos os estabelecimentos publicos de caridade para informarem do seu estado, e dos melhoramentos, que precisam.

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Às comissões incumbia visitar e descrever as situações dos presídios no Brasil e, ao final, elaborar relatórios que demonstrassem o que fora visualizado e propor melhorias aos estabelecimentos. Logo nos primeiros relatórios apresentados foi possível verificar a grande disparidade entre a realidade e o ideal proposto. Constatou-se pouca assistência ao segregados, em especial, carentes de assistência médica, nutricional e sanitária, por exemplo, bem ainda, o compartilhamento do cárcere entre presos condenados e não condenados (SANTIS & ENGBRUCH, 2013).

Por volta do ano de 1842, em razão da permanência dos relatórios descrevendo as precárias condições do cárcere, passou-se a discutir novas modalidades de estabelecimento prisionais, dentre elas, a arguida pelo positivista Jeremy Bertham e os olhos foram voltados à classificação e ressocialização dos segregados. Por conta da adoção desse novo sistema, que por sinal também fora falho, e influenciados por doutrinas internacionais, os juristas penais brasileiros criaram o Código Penal, em 1890. A nova legislação abolia castigos físicos, morte e prisão perpétua como penas, e adotava quatro outros tipos: prisão celular, reclusão, prisão com trabalho e prisão disciplinar (SANTIS & ENGBRUCH, 2013).

Ocorre que, apesar de a nova legislação da época dar um ar de melhoria, na prática, os presídios não conseguiram se adaptar à demanda de segregados e da organização estabelecida, dando espaço a um grande desafio do sistema carcerário até hoje enfrentado, a falta de vagas.

No século XX, com o intuito de manter controle sob o número de segregados sob a custódia do Estado, foram instituídas categorias que qualificavam os detentos em contraventores, menores, processados, loucos e mulheres (AZEVEDO & FURLAN, 2013).

Tratava-se de contraventores os antissociais (mendigos, ébrios...) e a esses era destinado o asilo de contraventores. Os menores eram recolhidos ao asilo

de menores, que empreendia meios de corrigir a delinquência infantil. Os “loucos”

eram destinados aos manicômios, onde recebiam tratamento médico e as mulheres eram segregadas em locais apropriados à sua condição sexual. Importante sinalar

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que já à época, o Estado, preocupando-se com a possível inocência daqueles que se viam processados, eram conduzidos a celas separadas daqueles que se encontravam já em cumprimento da pena (MACHADO, SOUZA & SOUZA, 2013).

Muito embora o objetivo da época tenha seus aspectos positivos, o Sistema Carcerário Brasileiro não caminhou em direção à sua glória, contrariamente, a prisão no Brasil entrou em declínio, atingindo uma situação que ensejou a declaração do “Estado de Coisas Inconstitucional”, pelo STF, em setembro de 2015, quando da análise da Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental ADPF 347/2015, proposta pelo PSOL- Partido Socialismo e Liberdade, com o intuito de reconhecimento desta circunstância em decorrência das constantes lesões aos preceitos fundamentais dos segregados em razão da omissão estatal. Para tanto, aquele modo de executar a pena fundamentado no Sistema Penitenciário Progressivo, instituído a partir do modelo Inglês e Irlandês, que avalia o comportamento do segregado como fator decisivo na progressão de regime de modo a promover a eficiência da função ressocializadora do cárcere, entrou em colapso (MOURA, 2016).

O indivíduo que transgride a norma e que é submetido ao cárcere conhece sua realidade obscura, uma sociedade à parte daquela conhecida, um mundo paralelo, se assim podemos dizer. Dentro dos presídios, em sua grande maioria, regem-se normas específicas, diversas daquelas preestabelecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, com um código de condutas interno, responsável por controlar a organização do estabelecimento prisional e de cada um dos segregados.

Ao interno incumbe o dever de se associar e acatar às normas impostas por aqueles indivíduos com maior poder de influência sobre os detentos por força da dominação de facções, de modo que a não aderência acarretaria em castigos físicos, quando não sua execução. Portanto, não restam alternativas ao segregado senão adequar-se ao modelo determinado pelo grupo dominante. Ou demonstra lealdade à massa carcerária, ou sua vida no cárcere será inviabilizada.

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A problemática reside no fato de que as normas que os detentos impõem uns aos outros não visam o crescimento pessoal, de modo que sejam cultivados bons valores, estruturando uma possível ressocialização. Pelo contrário, visam o favorecimento de um determinado grupo, envolvido com a prática de novos delitos e fomentam o fortalecimento das facções a que são vinculados, o que possibilita o recrutamento de novos membros, a esse efeito intitula-se o fenômeno da prisionalização.

O fato é que, dentro das cadeias brasileiras não tem sido praticada a ressocialização, nem fomentada devidamente a reinserção social. Não se aprende a viver em sociedade, contrariamente, dentro das penitenciárias se consolidam as condutas criminosas construídas fora do cárcere. Segundo Cláudia Luiz Lourenço (2002, p.55) “O interno entra numa instituição como ‘graduado’ e sai com um ‘doutorado’”.

Sem qualquer sombra de dúvida, o reflexo negativo do cárcere na mentalidade do segregado vai resultar em maiores problemas, quando dentro dos presídios através de motins buscando melhores condições de vida ou pela disputa de territórios entre facções, ou na sociedade, quando o liberto volta a delinquir, por não conseguir se adequar às normas de fora da penitenciária, ou por não conseguir viver dignamente, com trabalho, acesso à educação, para não dizer o básico.

Ficticiamente, ao sair do cárcere, o indivíduo fica marcado, estereotipado negativamente, por um símbolo representativo à condição de “ex-detento” que vai refletir na sua vida fora do presídio. Dentre os reflexos, é possível sinalar a aversão social, falta de oportunidades de emprego e educação, ausência de amparo psicológico, entre outros fatores que contribuem para que o indivíduo volte a delinquir para sobreviver por conta do fenômeno da estigmatização.

Essa problemática muito tem a ver com a omissão do Estado, não só dentro dos presídios, mas também fora. Ele assume a responsabilidade pelo segregado durante todo período do cumprimento da pena, mas, quando expira a pena, mesmo que demore muitos anos para que isso ocorra, simplesmente é

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deixado à deriva num ambiente diverso do qual ele estava acostumado, sem qualquer tipo de amparo, não só estatal, mas por vezes, familiar.

O que aparenta é que o Estado liberta o detento, após o cumprimento da pena, sem condições de propiciar-lhe uma reinserção na sociedade, como se seu trabalho tivesse sido cumprido, restando ao indivíduo, após anos de distanciamento do convívio social, muitas vezes abandonado pela família, procurar meios próprios para sobreviver e, quando não encontra, volta a cometer delitos, e retorna à vida no cárcere.

E por falar em retorno à vida no cárcere, estará novamente sujeito às mazelas do meio carcerário, entre as quais está a alimentação inadequada que por vezes recebe. Diz-se isso porque, apesar da certeza da alimentação diária, essa não garante qualidade do alimento e adequadas condições sanitárias. As más condições de armazenamento, distribuição e manejamento dos alimentos prejudica ainda mais a situação do cárcere, disseminando o descontentamento entre os segregados e, por vezes, motivando rebeliões. Segundo relato de Luis Antônio Pedrosa, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Maranhão, em entrevista concedida ao Portal Conectas Direitos Humanos (2016), que tratava da situação do presídio de Pedrinhas/MA, dois anos pós-rebelião, relatou:

Os próprios presos costumam chamar as rebeliões de reivindicações. Na grande maioria das vezes, eles só estão pedindo para não ter que comer marmita estragada, não ter que beber água suja e poder dormir sem contato com ratos e baratas. Não é uma questão de demonstração de poder, mas um pedido de respeito à dignidade humana.

Então, as considerações expostas demonstram que, muitas vezes, as rebeliões e os motins que ocorrem são, também, uma forma de reivindicar por melhores condições de vida por parte dos custodiados, e revelam um verdadeiro descaso por parte do Estado. Segundo Relatório Final das atividades da Defensoria Sem Fronteiras no Rio Grande do Norte (2017), foi possível constatar que alguns estabelecimentos prisionais forneciam duas escovas de dente para cada cela, as quais eram habitadas por cerca de 20 detentos, que tinham de compartilhar o material.

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O problema nisso tudo é a série de outras adversidades e transtornos que são desencadeadas nesse ambiente hostil, como por exemplo, é o caso das proliferações de doenças. Os presídios brasileiros são fonte de doenças como AIDS, DST, Sífilis, Hepatites, Tuberculose e muitas outras. Além da falta de assistência médico-hospitalar, os detentos são confinados em celas com outros tantos, sem que haja sequer uma atenção para tentativa de diagnóstico de doenças.

Tais déficits são uma afronta à Constituição Federal, sobretudo ao artigo 6º, caput, o qual prevê ser a saúde direito de todos independente da condição, “São

direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia...”,

quando fica obrigado o Estado a assegurar a prestação de saúde e boas condições de vida aos cidadãos, independentemente de onde estejam, seja na sociedade civil, seja dentro de uma penitenciária.

Para além disso, nessa situação se encontra mais um obstáculo da segregação, e talvez o mais importante, e que mais reflete o cenário prisional brasileiro, a superlotação dos presídios. A crítica que se fez ao fato de que os detentos tinham de compartilhar a escova de dente não é só em relação à falta de higiene, mas no fato de que existiam, pelo menos, 20 segregados em uma única cela, ou que tipo de “moradia” é essa que o Estado proporciona?

Um dos fatores que contribuem para a dificuldade enfrentada no cárcere é a má administração e a falta de controle sobre os estabelecimentos, sobretudo, na contagem de prazos para concessão de benefícios aos detentos, bem como na falta de controle das prisões provisórias, que se prolongam devido à morosidade processual. Verifica-se que, por vezes, indivíduos são mantidos no presídio quando já gozavam de direito à liberdade ou progressão de regime, devido a um juízo omisso e a um advogado negligente.

A morosidade da justiça é um fator determinante que contribui para o crescimento da massa carcerária, haja vista que, com a demora no julgamento das demandas penais, muitos presos preventivamente permanecem no cárcere por tempo indeterminado, quando sequer lhes foram facultadas ou propostas medidas cautelares de coerção pessoal diversas da prisão. É possível constatar uma

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preocupação muito grande em dar uma resposta estatal, por intermédio da prisão, ao indivíduo investigado pela prática de um delito, mas pouca atenção ao ambiente a que esse cidadão será submetido.

A superlotação é uma realidade vivida em todo território o nacional, como se verifica pela tabela que segue abaixo, extraída a partir do material do Conselho Nacional do Ministério Público sobre “A Visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro-2016”, em que representa através das regiões nacionais, os excessos de presos frente às vagas ofertadas e qualificam segundo as categorias de sexo:

ESTADOS

2014

Homens Mulheres

Capacidade Ocupação Taxa de

lotação Capacidade Ocupação

Taxa de lotação CENTRO-OESTE 25.590 44.325 173,21% 2.563 3.043 118,73% NORDESTES 37.595 67.009 178,24% 2.610 4.407 168,85% NORTE 17.801 30.149 169,37% 1.478 2.223 115,00% SUDESTE 175.669 288.590 164,28% 14.629 17.739 114,55% SUL 47.327 58.797 124,24% 3.848 3.855 112,98% GERAL 303.982 488.870 160,82% 25.128 31.267 124,43% ESTADOS 2015 Homens Mulheres

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Capacidade Ocupação Taxa de

lotação Capacidade Ocupação

Taxa de lotação CENTRO-OESTE 27.760 50.778 182,92% 2.666 3.593 134,77% NORDESTES 44.396 82.541 185,92% 3.100 5.467 176,35% NORTE 24.393 36.261 148,65% 1.867 2.147 115,00% SUDESTE 186.485 303.710 162,86% 15.880 18.191 114,55% SUL 49.876 60.485 121,27% 3.227 3.646 112,98% GERAL 332.910 533.775 160,34% 26.740 33.044 123,58%

Os números acima demonstram de forma muito clara a discrepância entre a demanda e oferta de vagas nas penitenciárias brasileiras e, embora tenham diminuído as porcentagens no ano de 2015, ainda assim extrapolam o limite preestabelecido.

Portanto, as dificuldades diariamente enfrentadas pelos apenados são inúmeras e em decorrência, principalmente do descaso do Estado, responsável pela manutenção das cadeias, que pouco se preocupa com o bem-estar dos segregados e o programa ressocializador do sistema. Embora devesse ser cerceado apenas o direito de ir e vir dos segregados, eles também são privados daqueles direitos essenciais, inerentes à condição de pessoa humana, garantidos pela Constituição Federal, como se pode observar.

Sem muita visibilidade, os presos utilizam-se das rebeliões para denunciar as degradantes condições do cárcere. Nesse cenário, a Defensoria Pública busca resguardar os direitos básicos dos segregados através do atendimento nos presídios e, ainda, por intermédio do projeto da Defensoria Sem

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Fronteiras, quando da ocorrência de motins ou quando a situação é degradante a ponto de que sejam realizados esforços extraordinários.

Assim, considerando a importância do órgão na área, nos próximos tópicos será feita uma análise de como se dá a atuação da instituição brevemente no processo criminal e execução penal.

2.2 O papel da Defensoria Pública no processo criminal e execução penal

A área penal, sobretudo, demanda uma atuação ainda mais minuciosa que as demais de exercício, isso porque está em jogo o direito à liberdade de um indivíduo, um dos primordiais à existência humana. Portanto, é necessária uma atenção especial neste ramo, de modo que se faça executar os direitos fundamentais, pautados a partir de vários princípios que, no decorrer da história humana, vieram a agregar e garantir o pleno exercício defensivo.

Esse exercício está diretamente ligado à participação de um operador do direito durante todas as fases de um processo criminal para fazer valer os direitos fundamentais do réu, inclusive do investigado durante a fase inquisitorial, mesmo que ele opte pelo silêncio. O direito à defesa vem sendo reconhecido como fundamental desde considerável tempo, suscitado inicialmente em 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e posteriormente, na Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica- em 1969, quando se consolidou como direito fundamental e princípio processual penal.

Estabelecido a partir da redação do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, inciso LV, “Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o princípio do contraditório e da ampla defesa é uma

forma de trazer dúvida ao processo, contradizendo as provas trazidas aos autos, de modo a impedir que a versão do ofendido seja aceita como a verdade real dos fatos.

Embora relacionados, o direito à defesa e direito ao contraditório são diversos, apesar de que estão estabelecidos no mesmo dispositivo legal. Para que

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se proceda com a defesa, é necessário o contraditório. O direito de defesa é dividido em duas modalidades, defesa técnica e pessoal.

A defesa técnica é realizada pelo operador do direito, como exige a legislação penal através do artigo 261, caput, do Código de Processo Penal, para que se mantenha um equilíbrio técnico entre as partes, uma vez que o acusado, via de regra, encontra-se em situação de hipossuficiência e de vulnerabilidade devido à composição do polo passivo. Verifica-se que essa garantia é exigida no processo porque existe interesse social na correta apuração do fato, a fim de evitar, não só a condenação de um inocente, como também a que sejam utilizadas todas as possibilidades de uma defesa plenamente exercida, a garantir-lhe, inclusive, um cumprimento da pena legitimamente.

Por outro lado, a defesa pessoal é aquela produzida pelo próprio investigado/réu. Ela se subdivide em duas categorias, autodefesa positiva, quando o réu opta por relatar sua versão dos fatos através do depoimento pessoal, e negativa, quando opta pelo silêncio, garantido constitucionalmente (artigo 5º, inciso LXIII, CF/88), para evitar produzir provas contra si mesmo, direito a não autoincriminação. E, optando pelo silêncio, deve assegurar o magistrado que o mesmo não caracterize confissão nem seja utilizado em seu prejuízo.

Outro grande aliado à defesa é o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal/88 “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, segundo o qual

se evita a condenação de um inocente, muito embora seja visto por muitos como benefício àquele que cometeu o delito. Nesse sentido, Fábio Luís Mariani de Souza (2011, p. 208) descreve:

Temos que o principal motivo para o estabelecimento desta garantia é o fato de que, repugna muito mais à razão que um inocente receba uma condenação, e pague uma pena por algo que não cometeu, do que a eventual absolvição de um culpável, que permaneça impune, mesmo tendo praticado um ilícito penal.

Esse princípio também é muito debatido quando colocada em pauta a decretação de prisão preventiva no curso processual, isso porque antes de aplicar a

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prisão preventiva e as medidas cautelares diversas da prisão, é necessário analisar a necessidade e possibilidade de aplicação ao caso concreto à luz do princípio da presunção de inocência.

De acordo com o princípio da excepcionalidade das medidas cautelares, a segregação deve ser o último recurso a ser aplicado e somente quando ineficazes as outras. Então, tem o magistrado a responsabilidade por dar uma resposta do Estado à conduta do agente, mas também não pode fazê-la de forma abusiva e desregrada, uma vez que exista a possibilidade, ainda que remota quando bem instruído o processo, de haver absolvição, tornando a medida desnecessária, o que pode custar tempo de vida do denunciado (JÚNIOR, 2011).

Para além desses, também é de suma importância à garantia do exercício de defesa, o princípio da jurisdicionalidade, porque não há possibilidade de, num Estado Democrático de Direito, admitir-se a aplicação de sanção criminal sem a instauração de um processo e, como requisito essencial, para a regular tramitação do expediente, necessária se faz a apresentação de defesa, sob pena de nulidade da sentença (JÚNIOR, 2011).

Assim como preceitua Fábio Luís Mariani de Souza (2011), não pode haver ação, processo, jurisdição e pena, sem acusação e, primordialmente, sem defesa. Essas categorias são elementos constitutivos, complementares e essenciais para o processo penal democrático. “A falta de qualquer destes elementos nulifica

todo o procedimento, portanto, nulla culpa, nulla poena, sine judicio, sine accusation e sine defensione”.

Embora haja esses princípios e ainda outros, de nada adiantariam sem a participação dos operadores do direito para suscitá-los no curso do processo. No entanto, observa-se que, por muito tempo e até hoje, erroneamente, o advogado de defesa ou Defensor Público, é visto como um elemento que prejudica a atuação do Estado, favorecendo a impunidade e demonstrando possível ineficiência da justiça criminal.

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Ao contrário desta irracional e absurda imagem caricaturada sobre a missão da defesa e do defensor, entendemos que a assistência profissional do advogado, atribui colorido real ao direito de defesa, no âmbito do processo penal, personificando o papel do verdadeiro “fiscal da lei”, no sentido de zelar rigorosamente pela correta observância dos direitos fundamentais penais de caráter processual e, quanto ao mérito, contradizer e gerar a dúvida sobre as cargas acusatórias. Tais prerrogativas atribuídas ao

defensor – que objetivam garantir a independência de sua função – tem

origem no fato de que o direito de defesa deriva do princípio da dignidade da pessoa humana e corresponde à obrigação de reconhecer o imputado como sujeito de direitos e não como mero objeto.

A figura do defensor no processo penal é equiparada de um intérprete, porque o réu geralmente é pessoa de pouco conhecimento jurídico, logo não saberia promover a própria defesa frente ao juízo. Então, incumbe ao advogado ou Defensor Público a tarefa de traduzir a termos técnicos a versão suscitada pelo réu, de modo que se faça entender perante o magistrado.

Percebe-se que o papel da defesa no processo penal é atuar de forma à promover uma atuação equiparada à acusação, coisa que o réu não faria por si só, tornando o processo mais democrático possível e, fazendo valer os direitos garantidos pela Constituição Federal, pautando-se pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Pois, de nada adiantaria a garantia constitucional, se os brasileiros dela não pudessem usufruir e exigir seu cumprimento, em especial quando se tratem de pessoas hipossuficientes, econômica, social e culturalmente, que necessitam de um amparo especial, sob pena de tornar “letra morta” a simples declaração dos direitos.

Por isso, entendendo que a defesa técnica é um direito indispensável, a legislação determina que ela seja prestada mesmo contra a vontade do réu, em decorrência do direito à liberdade e do direito à ampla defesa, que se sobrepõe aos demais. Prova disso é que, por exemplo, no caso de condenação, mesmo que o réu seja conivente com a sentença, demonstrando desinteresse em recorrer quando intimado por Oficial de Justiça, poderá seu procurador apelar independentemente de seu consentimento pois prevalece a posição de que sejam praticados os atos mais favoráveis ao réu.

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Nesse sentido, a Defensoria Pública, a partir dos princípios já abordados e do direito de acesso à justiça, atua no sentido de garantir o efetivo acesso de todos os cidadãos, não somente aos tribunais, mas a uma ordem jurídica justa, buscando igualdade de poderes entre as partes que compõe polo ativo e passivo da demanda penal. Em suma, a atuação da instituição visa eliminar o máximo de entraves que se coloquem em desfavor do réu, e postular por uma sentença justa, pautada nas questões técnicas suscitadas nos autos, sem a influência de aspectos externos, como por exemplo, as diferenças sociais, econômicas e culturais dos litigantes.

Dentre os empecilhos que prejudicam o acesso à justiça no cenário brasileiro, seja a esfera que for, e que motivam a atuação da Defensoria Pública destacam-se: a) a discrepante desigualdade socioeconômica da população; b) desconhecimento de seus direitos, por parte dos assistidos; c) legitimidade para agir em casos de direitos coletivos; d) necessidade de operador do direito para o ajuizamento das demandas; e) excesso de formalismo e demora na tramitação processual; f) deficiências estruturais do sistema judicial; g) medo, insegurança e outros sentimentos que dificultem à parte a recorrer ao Judiciário (SOUZA, 2011).

Na área de execução penal, a realidade não é diferente da comumente vivida nas demais esferas de atuação da Defensoria Pública, e também reflete a imagem de um sistema de execução de penas falho, como bem ressaltado no título anterior.

O trabalho desempenhado pela instituição vem salvaguardado pela Lei nº 7.210/84, que considera a Defensoria Pública como órgão essencial à execução penal e a ela garante uma série de direitos, com o intuito “de entregar o direito das

pessoas presas das mais diversas formas promovendo a defesa dos interesses individuais ou coletivos em sentido lato, destes e sempre visando a ressocialização do preso” (SILVA & NETO, 2012, p. 169).

Nesse sentido, a legislação atribui à instituição, através do disposto no artigo 81-A, o dever de lutar em prol da regular execução penal, senão vejamos:

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