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O papel da Defensoria Pública no processo criminal e execução penal

ponto de que sejam realizados esforços extraordinários.

Assim, considerando a importância do órgão na área, nos próximos tópicos será feita uma análise de como se dá a atuação da instituição brevemente no processo criminal e execução penal.

2.2 O papel da Defensoria Pública no processo criminal e execução penal

A área penal, sobretudo, demanda uma atuação ainda mais minuciosa que as demais de exercício, isso porque está em jogo o direito à liberdade de um indivíduo, um dos primordiais à existência humana. Portanto, é necessária uma atenção especial neste ramo, de modo que se faça executar os direitos fundamentais, pautados a partir de vários princípios que, no decorrer da história humana, vieram a agregar e garantir o pleno exercício defensivo.

Esse exercício está diretamente ligado à participação de um operador do direito durante todas as fases de um processo criminal para fazer valer os direitos fundamentais do réu, inclusive do investigado durante a fase inquisitorial, mesmo que ele opte pelo silêncio. O direito à defesa vem sendo reconhecido como fundamental desde considerável tempo, suscitado inicialmente em 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e posteriormente, na Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica- em 1969, quando se consolidou como direito fundamental e princípio processual penal.

Estabelecido a partir da redação do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, inciso LV, “Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o princípio do contraditório e da ampla defesa é uma

forma de trazer dúvida ao processo, contradizendo as provas trazidas aos autos, de modo a impedir que a versão do ofendido seja aceita como a verdade real dos fatos.

Embora relacionados, o direito à defesa e direito ao contraditório são diversos, apesar de que estão estabelecidos no mesmo dispositivo legal. Para que

se proceda com a defesa, é necessário o contraditório. O direito de defesa é dividido em duas modalidades, defesa técnica e pessoal.

A defesa técnica é realizada pelo operador do direito, como exige a legislação penal através do artigo 261, caput, do Código de Processo Penal, para que se mantenha um equilíbrio técnico entre as partes, uma vez que o acusado, via de regra, encontra-se em situação de hipossuficiência e de vulnerabilidade devido à composição do polo passivo. Verifica-se que essa garantia é exigida no processo porque existe interesse social na correta apuração do fato, a fim de evitar, não só a condenação de um inocente, como também a que sejam utilizadas todas as possibilidades de uma defesa plenamente exercida, a garantir-lhe, inclusive, um cumprimento da pena legitimamente.

Por outro lado, a defesa pessoal é aquela produzida pelo próprio investigado/réu. Ela se subdivide em duas categorias, autodefesa positiva, quando o réu opta por relatar sua versão dos fatos através do depoimento pessoal, e negativa, quando opta pelo silêncio, garantido constitucionalmente (artigo 5º, inciso LXIII, CF/88), para evitar produzir provas contra si mesmo, direito a não autoincriminação. E, optando pelo silêncio, deve assegurar o magistrado que o mesmo não caracterize confissão nem seja utilizado em seu prejuízo.

Outro grande aliado à defesa é o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal/88 “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, segundo o qual

se evita a condenação de um inocente, muito embora seja visto por muitos como benefício àquele que cometeu o delito. Nesse sentido, Fábio Luís Mariani de Souza (2011, p. 208) descreve:

Temos que o principal motivo para o estabelecimento desta garantia é o fato de que, repugna muito mais à razão que um inocente receba uma condenação, e pague uma pena por algo que não cometeu, do que a eventual absolvição de um culpável, que permaneça impune, mesmo tendo praticado um ilícito penal.

Esse princípio também é muito debatido quando colocada em pauta a decretação de prisão preventiva no curso processual, isso porque antes de aplicar a

prisão preventiva e as medidas cautelares diversas da prisão, é necessário analisar a necessidade e possibilidade de aplicação ao caso concreto à luz do princípio da presunção de inocência.

De acordo com o princípio da excepcionalidade das medidas cautelares, a segregação deve ser o último recurso a ser aplicado e somente quando ineficazes as outras. Então, tem o magistrado a responsabilidade por dar uma resposta do Estado à conduta do agente, mas também não pode fazê-la de forma abusiva e desregrada, uma vez que exista a possibilidade, ainda que remota quando bem instruído o processo, de haver absolvição, tornando a medida desnecessária, o que pode custar tempo de vida do denunciado (JÚNIOR, 2011).

Para além desses, também é de suma importância à garantia do exercício de defesa, o princípio da jurisdicionalidade, porque não há possibilidade de, num Estado Democrático de Direito, admitir-se a aplicação de sanção criminal sem a instauração de um processo e, como requisito essencial, para a regular tramitação do expediente, necessária se faz a apresentação de defesa, sob pena de nulidade da sentença (JÚNIOR, 2011).

Assim como preceitua Fábio Luís Mariani de Souza (2011), não pode haver ação, processo, jurisdição e pena, sem acusação e, primordialmente, sem defesa. Essas categorias são elementos constitutivos, complementares e essenciais para o processo penal democrático. “A falta de qualquer destes elementos nulifica

todo o procedimento, portanto, nulla culpa, nulla poena, sine judicio, sine accusation e sine defensione”.

Embora haja esses princípios e ainda outros, de nada adiantariam sem a participação dos operadores do direito para suscitá-los no curso do processo. No entanto, observa-se que, por muito tempo e até hoje, erroneamente, o advogado de defesa ou Defensor Público, é visto como um elemento que prejudica a atuação do Estado, favorecendo a impunidade e demonstrando possível ineficiência da justiça criminal.

Ao contrário desta irracional e absurda imagem caricaturada sobre a missão da defesa e do defensor, entendemos que a assistência profissional do advogado, atribui colorido real ao direito de defesa, no âmbito do processo penal, personificando o papel do verdadeiro “fiscal da lei”, no sentido de zelar rigorosamente pela correta observância dos direitos fundamentais penais de caráter processual e, quanto ao mérito, contradizer e gerar a dúvida sobre as cargas acusatórias. Tais prerrogativas atribuídas ao

defensor – que objetivam garantir a independência de sua função – tem

origem no fato de que o direito de defesa deriva do princípio da dignidade da pessoa humana e corresponde à obrigação de reconhecer o imputado como sujeito de direitos e não como mero objeto.

A figura do defensor no processo penal é equiparada de um intérprete, porque o réu geralmente é pessoa de pouco conhecimento jurídico, logo não saberia promover a própria defesa frente ao juízo. Então, incumbe ao advogado ou Defensor Público a tarefa de traduzir a termos técnicos a versão suscitada pelo réu, de modo que se faça entender perante o magistrado.

Percebe-se que o papel da defesa no processo penal é atuar de forma à promover uma atuação equiparada à acusação, coisa que o réu não faria por si só, tornando o processo mais democrático possível e, fazendo valer os direitos garantidos pela Constituição Federal, pautando-se pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Pois, de nada adiantaria a garantia constitucional, se os brasileiros dela não pudessem usufruir e exigir seu cumprimento, em especial quando se tratem de pessoas hipossuficientes, econômica, social e culturalmente, que necessitam de um amparo especial, sob pena de tornar “letra morta” a simples declaração dos direitos.

Por isso, entendendo que a defesa técnica é um direito indispensável, a legislação determina que ela seja prestada mesmo contra a vontade do réu, em decorrência do direito à liberdade e do direito à ampla defesa, que se sobrepõe aos demais. Prova disso é que, por exemplo, no caso de condenação, mesmo que o réu seja conivente com a sentença, demonstrando desinteresse em recorrer quando intimado por Oficial de Justiça, poderá seu procurador apelar independentemente de seu consentimento pois prevalece a posição de que sejam praticados os atos mais favoráveis ao réu.

Nesse sentido, a Defensoria Pública, a partir dos princípios já abordados e do direito de acesso à justiça, atua no sentido de garantir o efetivo acesso de todos os cidadãos, não somente aos tribunais, mas a uma ordem jurídica justa, buscando igualdade de poderes entre as partes que compõe polo ativo e passivo da demanda penal. Em suma, a atuação da instituição visa eliminar o máximo de entraves que se coloquem em desfavor do réu, e postular por uma sentença justa, pautada nas questões técnicas suscitadas nos autos, sem a influência de aspectos externos, como por exemplo, as diferenças sociais, econômicas e culturais dos litigantes.

Dentre os empecilhos que prejudicam o acesso à justiça no cenário brasileiro, seja a esfera que for, e que motivam a atuação da Defensoria Pública destacam-se: a) a discrepante desigualdade socioeconômica da população; b) desconhecimento de seus direitos, por parte dos assistidos; c) legitimidade para agir em casos de direitos coletivos; d) necessidade de operador do direito para o ajuizamento das demandas; e) excesso de formalismo e demora na tramitação processual; f) deficiências estruturais do sistema judicial; g) medo, insegurança e outros sentimentos que dificultem à parte a recorrer ao Judiciário (SOUZA, 2011).

Na área de execução penal, a realidade não é diferente da comumente vivida nas demais esferas de atuação da Defensoria Pública, e também reflete a imagem de um sistema de execução de penas falho, como bem ressaltado no título anterior.

O trabalho desempenhado pela instituição vem salvaguardado pela Lei nº 7.210/84, que considera a Defensoria Pública como órgão essencial à execução penal e a ela garante uma série de direitos, com o intuito “de entregar o direito das

pessoas presas das mais diversas formas promovendo a defesa dos interesses individuais ou coletivos em sentido lato, destes e sempre visando a ressocialização do preso” (SILVA & NETO, 2012, p. 169).

Nesse sentido, a legislação atribui à instituição, através do disposto no artigo 81-A, o dever de lutar em prol da regular execução penal, senão vejamos:

Art. 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva.

No entanto, o fato de o indivíduo estar cumprindo pena não significa que necessariamente deva ser atendido pela Defensoria Pública. A atuação da instituição não é exclusiva na área, isso porque advogados inscritos no conselho da classe também podem atuar em favor dos segredados. Porém, o que muito ocorre é que o detento contrata os serviços do profissional do direito para a propositura de um pedido, assina procuração e após o julgamento do pedido fica sem assistência jurídica, mesmo que ainda vigente a procuração.

Nessa situação e, no caso de negligência do defensor ao deixar de postular pedido de benesses em favor do segregado, tratando-se a Defensoria Pública, de instituição que possui legitimidade de atuar em favor daqueles em situação de vulnerabilidade, poderá atuar realizando pedidos que garantam o cumprimento do seu direito.

Para além dos direitos individuais, a instituição em comento também tem legitimidade para postular pedidos em prol da coletividade e, inclusive da massa carcerária. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, é possível, através do firmamento de termo de ajustamento de conduta (TAC) e, nos últimos casos, de uma ação civil pública, resguardar os direitos dos presos em só uma demanda voltada ao interesse difuso, coletivo direcionado a uma casa prisional que esteja desrespeitando os direitos mínimos dos segregados.

Silva e Neto (2012, p. 171) dissertam nesse sentido:

Na espécie do interesse coletivo em sentido estrito o pleito será para que haja o saneamento da ofensa aos direitos dos presos que estão cumprindo pena ou estão presos provisoriamente ou estão cumprindo medidas de segurança no momento da propositura da medida cabível.

Na espécie do interesse individual homogêneo o pleito será indenizatório pelos maus-tratos sofridos no âmbito da casa penal. Trata-se nesse caso de demanda de caráter divisível, pois nela se analisará a perda maior ou menor de cada um dos reclusos.

Na esfera da tutela coletiva, a hipossuficiência jurídica dos prejudicados, e que se fizeram valer do âmbito individual, dá lugar à hipossuficiência organizacional, ou seja, aqueles grupos de pessoas que têm seus direitos violados enquanto conjunto e que tem dificuldades em recorrer da problemática por fatores diversos.

Além disso, a análise das condições econômicas do grupo desprivilegiado de pouco importa para a propositura de uma ação coletiva. Da mesma forma, como analisado quando abordada a circunstância para ajuizamento da ação individual, tratando-se de um conjunto que esteja sendo submetido à situação de vulnerabilidade, a Defensoria tem legitimidade para propor as medidas cabíveis para que sejam salvaguardados os direitos mínimos dos indivíduos.

Nesse diapasão, dá-se ênfase ao trabalho desempenhado pela Defensoria Pública Sem Fronteiras6 na sua atuação dentro dos presídios brasileiros,

promovendo a todos o direito de acesso à justiça e, sobretudo, na sua incessante luta em prol da defesa dos Direitos Humanos. Acrescenta-se a importância da atuação da Força-Tarefa nos conflitos intramuros, como será analisado a seguir.

2.3 Defensoria Pública e a conflitualidade intramuros: casos emblemáticos de

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