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Algumas reflexões sobre a atuação do psicólogo na instituição escolar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DHE- Departamento de Humanidades e Educação Curso de Psicologia

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR

TAÍSA BOELTER

Santa Rosa 2017

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TAÍSA BOELTER

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Drª Ângela Maria Schneider Drügg

Santa Rosa 2017

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RESUMO

A presente pesquisa pretende abordar a educação familiar e a educação escolar, sua relação entre a constituição do sujeito e a escolarização. Partindo desta perspectiva, o estudo analisa as funções materna e paterna, ou seja, o modo como elas operam no desenvolvimento psíquico do sujeito, bem como, os conceitos de espaço privado e espaço público. Por fim, o trabalho apresenta algumas reflexões sobre a atuação do psicólogo na Instituição escolar, abordando as temáticas da psicologização e a medicalização na educação, a relação professor-aluno e o processo de ensino- aprendizagem e a relação escola-comunidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 03

1 EDUCAÇÃO FAMILIAR X EDUCAÇÃO ESCOLAR... 04

1.1 A FUNÇÃO PATERNA...….. 12

1.2 ESPAÇO PRIVADO X ESPAÇO PÚBLICO... 14

2 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO PSICOLOGO ESCOLAR...… 16

2.1 PSICOLOGIZAÇÃO E MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO... 17

2.2 A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM... 19

2.3 RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE... 23

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 25

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INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso é fruto do interesse da acadêmica em atuar como futura psicóloga em Instituição Escolar, visto que, na trajetória acadêmica deste curso houve um trabalho de intervenção junto ao espaço escolar, a partir do estágio curricular com ênfase no Estágio Supervisionado e Seminário em Psicologia e Processos Educacionais I e II, que teve como objetivo contribuir com o saber da psicologia na área escolar.

Para concluir o Curso de Psicologia me propus a pesquisar sobre a atuação do Psicólogo na Instituição Escolar. Pensar a prática da psicologia na escola supõe ter presente vários espaços para reconhecer e refletir, ou seja, o espaço da escuta, da intervenção e o espaço do lugar profissional. Também, fez-se importante refletir sobre os limites da educação familiar e da educação escolar, pois hoje vivemos uma grande confusão do que é função da família e o que é função da escola.

Como processo metodológico, realizo uma pesquisa bibliográfica em obras e em artigos que remetem a psicanálise, que me auxiliaram a compreender os temas abordados sobre a psicologia escolar.

O presente texto está divido em dois capítulos. O primeiro com uma introdução à educação familiar e a educação escolar, seguido de um aprofundamento da função paterna e os conceitos de espaços privado e público. A família vai trabalhar com a primeira educação, independente do modo como ela está organizada é a primeira referência e quando isso não ocorre, vai produzir efeitos que vão aparecer na Instituição Escolar.

Segundo a psicanálise, o sujeito aprende pelo estabelecimento da transfe-rência, pela sublimação e recalcamento da sexualidade no Édipo. Nesse sentido, o aluno deseja conhecer e aprender se ele fez uma travessia edípica com sucesso, caso contrário, poderá inibir o seu desejo de conhecer.

No segundo capítulo destaca-se de modo especial, algumas reflexões sobre a atuação do psicólogo na instituição escolar. Serão trabalhadas algumas possibilidades de intervenção do psicólogo dentro da escola, pois no decorrer dos anos, o psicólogo tem ocupado cada vez mais espaço e para tanto, é necessário que haja a escuta e o olhar atento do profissional para as possíveis demandas neste ambiente. Traz, ainda, a reflexão sobre as seguintes relações: a psicologização e

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medicalização na educação, a relação professor-aluno e o processo de ensino-aprendizagem e a relação escola-comunidade.

Enfim, com a construção deste Trabalho de Conclusão de Curso pretende-se colocar à disposição do leitor, algumas considerações que possam servir de embasamento teórico aos profissionais e acadêmicos que pretendem atuar na área escolar, permitindo-lhes assim, levantar a curiosidade de aprofundar-se nos conceitos da psicologia escolar.

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1. A EDUCAÇÃO FAMILIAR X EDUCAÇÃO ESCOLAR

Na nossa cultura, a organização social está posta de forma que existe função que é da família e função que é da escola, ou seja, no espaço familiar o conhecimento é da experiência cotidiana. Na escola, uma das finalidades é a formação profissional, sendo assim, não tem como um fazer o que é função do outro.

A família não vai poder ensinar, mas pode produzir na criança um encantamento pelo aprender, vai mostrar interesse pelo aprendizado do filho. A criança vai para a escola para responder um ideal da família, da sociedade, então a criança aprende porque há um investimento por parte da família e da escola. Um processo de aprender, de vir a ser depende do Outro, tem que haver investimento em primeiro lugar da família e em segundo lugar da escola, pois o sujeito está alienado ao desejo do Outro.

No entanto, é de fundamental importância que a família trabalhe em conjunto com a escola, sabendo aproveitar os resultados positivos dessas relações, podendo resultar em princípios facilitadores para o ensino aprendizado da criança e uma melhor evolução na formação emocional e intelectual da mesma.

[...] tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa: preparar as crianças para o mundo; no entanto, a família tem suas particularidades que a diferenciam da escola, e suas necessidades que a aproximam dessa mesma instituição. A escola tem sua metodologia e filosofia para educar uma criança, no entanto ela necessita da família para concretizar o seu projeto educativo (PAROLIN, 2005, p.99).

A função da escola sempre foi à transmissão do conhecimento, porém nesse caminho foi ocupando funções que não eram suas, o que foi fragilizando esta instituição, perdendo a sua identidade. A escola teve vários momentos históricos, sendo que esses movimentos da educação que produziram a realidade que temos hoje.

Até o século XIX a dimensão da autoridade vinha pela via da família. A fragilidade que vivemos hoje quanto à autoridade, iniciou quando se começou a dividir as funções, ou seja, separar o que é da família, da escola, do pai, da mãe, da professora. Com isso as instituições se fragilizaram também, aparecendo à crise de autoridade.

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No final dos anos 60, 70, iniciou um novo modelo de educação onde a obrigatoriedade de frequência escolar passou a ser dos 7 aos 14 anos. Houve movimentos que criaram as chamadas Escolas de Pais, que eram movimentos populares com a finalidade de fazer formação para os pais sobre como educar os seus filhos. Pensando pela linha da psicologia, pode-se refletir sobre o quanto a Escola de Pais teve interferência no projeto de parentalidade, ou seja, foi necessário uma instituição para fazer escola para os pais.

Atualmente a alteração da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) por meio da Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, obriga as crianças brasileiras a serem matriculadas na educação básica a partir dos quatro anos de idade. Para atender essa obrigatoriedade a matrícula cabe aos pais e as redes municipais e estaduais de ensino tinham até 2016 para se adequar e acolher alunos de 4 a 17 anos.

Essa nova Lei trás efeitos na constituição do sujeito e na escolarização, pois a criança vai ir mais cedo para a escola e será necessário considerar o tempo em que a criança está vivendo, pois vai conseguir responder somente a partir do seu tempo constitutivo.

Hoje está muito presente no imaginário social o processo de exclusão se a criança não estiver na escola, assim como um adulto se ele não estiver no mercado de trabalho. Nesse sentido, a escola é constitutiva desse ser infantil, pois se sabe que na nossa cultura se entra na escola bebê e sai quase na vida adulta.

Uma realidade importante também, é que a maioria das questões relativas ao comportamento das crianças e a não aprendizagem estão se tornando uma patologia no discurso da escola e da família, sendo situações que tanto as escolas como a família, por vezes, poderiam resolver tranquilamente.

A escola se tornou técnica pelas exigências sociais e econômicas, tem o seu fazer centrado no pedagógico e muitas vezes se ocupa com questões que não são específicas dela, esses movimentos fazem com que elas vão perdendo a sua identidade.

Conforme a psicanálise, a formação da subjetividade não acontece de maneira natural, não é da ordem do biológico, pelo contrário, é constituída. Para Lacan (1963), os aspectos biológicos não são estudados pela psicanálise, mas sim o corpo inscrito no simbólico, ou seja, o corpo não se organiza por funções musculares

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ou fisiológicas, e sim pelas marcas simbólicas. O ritmo de desenvolvimento é marcado pelo desejo do Outro.

Mesmo que exista pensamento, concepções de que o ser humano nasce como uma página em branco, não levando em conta que existia uma história muito antes do seu nascimento, para a psicanálise, existe toda uma história inscrita desde antes de nascer, inscrita em outra parte (na subjetividade dos pais) e não no recém-nascido. O bebê se limitará a receber do outro as marcas dessa história, pois a criança já é referida no discurso de seus pais, o que significa que o bebê já é objeto de desejo destes e que está incluído em uma cadeia significante.

Inicialmente, os reflexos espontâneos dos movimentos do bebê vão aos poucos ocupar um espaço distinto do imaginário da mãe, pois seu papel não é o de simplesmente garantir a vida, mas ao mesmo tempo, de permitir o acesso ao prazer, ou seja, um contato satisfatório com o mundo. São marcas simbólicas que se reeditam na relação da mãe com o seu bebê ou com seu cuidador.

Essa relação está marcada também pelo que Lacan (1996) chamou de fase do espelho. Para o autor, o investimento da mãe, o olhar dela dirigido a imagem do filho que gostaria de ter, antecipa um sujeito que está por se constituir. O sujeito que está por advir foi formulado anteriormente, pois o bebê não nasce com o eu constituído, ele se desconhece, mas assume esta imagem antecipada e identifica-se com ela. Lacan atribuiu muita importância à presença do Outro, que participa por meio do investimento nessa imagem da criança como eu ideal depositário das expectativas dos sonhos mais antigos de seus pais.

O bebê tem uma impossibilidade de auto-sustentação até mesmo biológica, a FALTA A SER. Após o nascimento ingressa em um espaço que também é de outras pessoas, lugar de sons, olhares, tato, os quais qualificam os processos relativos ao funcionamento orgânico. É a partir do Outro (linguagem) dos significantes que a criança retira possibilidades de significação, de constituição psíquica. Atravessar o narcisismo outorga ser ao sujeito, ou seja, ser conquistado pela identificação que depende das funções da família. Vai ocorrer uma sustentação do pequeno sujeito que será física e metafórica.

A função materna é a condição para que se constitua um sujeito, sendo que alguém deve encarná-la, não podendo ser pensada isoladamente, ou seja, a função materna está suportada na função paterna que nos tempos de narcisismo tem por necessidade sustentar a célula narcísica: mãe-filho. Desde antes do nascimento do

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filho, a mãe tem em sua subjetividade uma primeira representação do filho como ser unificado, sexuado e autônomo, o primeiro dom libidinal que dá conta da localização do filho como objeto de desejo.

Temos três tempos lógicos na fase do espelho: primeiro a criança não percebe a imagem do seu corpo, toma-a como se pertencesse a um outro ser real, no segundo tempo, o outro do espelho não é real, mas uma imagem e a criança nos braços da mãe interrogará seu olhar, justamente para saber o que deve ver ali, no terceiro tempo a imagem do espelho é a sua, em um mundo em que tudo é mãe, a introdução na simbolização de algo como estranho é uma verdadeira crise de DES-SER, pois se há pelo menos um que é estranho a ela, ele também o é.

Então, é na alienação do bebe a imagem do Outro que este lhe apresenta uma imagem antecipada de seu corpo. Essa imagem no espelho diz do investimento narcísico materno, do reconhecimento simbólico que o Outro primordial faz ao bebê. Diante da imagem que ele vê refletida no espelho que em realidade é o discurso da mãe, a criança então identifica como sendo o objeto de seu. Trata-se de desejar ocupar o lugar de objeto do desejo desta e, para tal, identifica-se especularmente com aquilo que é o seu objeto de desejo, o falo.

(…) trata-se de que uma criança inclua a si mesma na relação como objeto do amor da mãe. Trata-se de que ela aprenda o seguinte: que ela traz prazer a mãe. Esta é uma das experiências fundamentais da criança. (…) este é o fundo sobre o qual se exerce tudo o que se desenvolve entre a mãe e ela (LACAN ,1996, p. 229).

Sendo assim, podemos pensar que a constituição psíquica depende de um Outro Primordial (esse Outro não provem de forma física, mas da dimensão simbólica). São as marcas que pré-existem e compõe a história do sujeito.

A função materna é de acolhimento, dar um lugar, fazer com que o sujeito se sinta um, quando chega a função paterna que introduz a Lei social, este um vai ser pertencente a um grupo, então, o sujeito não é mais único, ele não perde a sua individualidade, mas é pertencente a uma cultura.

Para a Psicanálise, o indivíduo humano não é um objeto da natureza, mas um sujeito que, para existir, precisa do cuidado e atenção de outro ser humano. O psicanalista inglês D. W. Winnicott (2006) vai dizer que não existe o bebê, mas sim o

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bebê com sua mãe. Enfatiza que a mãe intervém como ativa construtora do espaço mental da criança, formando com ela quase que uma verdadeira unidade.

A mãe “suficientemente boa”, segundo este autor, ajuda a formar a mente do bebê, possibilitando-lhe a experiência da onipotência primária, base do fazer criativo: o bebê crê que ele cria o mundo. Essa percepção criativa do mundo é uma experiência do self, núcleo singular do sujeito. Winnicott acredita que a localização do self no corpo não é uma experiência dada desde sempre, mas sim fruto do desenvolvimento saudável. A relação com a mãe leva o bebê a administrar a própria espontaneidade e as expectativas externas. A mãe suficientemente boa aceita, consciente ou inconscientemente, as expressões do bebê: a fome; os incômodos; o prazer; o desejo. Ela não impõe o que pensa ser o certo, mas permite ao filho ter experiências nas quais ele é sempre sujeito. Assim, o bebê forma seu verdadeiro self.

Para Winnicott (2006), o adulto saudável é aquele que teve, na infância, nas primeiras semanas e meses, estabelecidos os alicerces de sua saúde psíquica. Para o bebê tornar-se sujeito, é imprescindível que o mesmo seja, desde o início, reconhecido como pessoa e não como objeto. Por exemplo, o bebê não se importa tanto que lhe deem a alimentação substancial na hora precisa, mas que seja alimentado por alguém que ama alimentá-lo. Para constituir-se, o bebê não pode dispensar-se do prazer da mãe ao exercer a função materna. Se cada tarefa do cuidado é executada com prazer isso é estruturante para o sujeito.

Para Lacan, temos três funções importantes da família para a criança ingressar na escola, ou seja, a primeira educação, as primeiras castrações e a introdução da linguagem materna.

A linguagem tem um processo consciente e inconsciente, é poder se apropriar dos códigos (nome, lembrança, imagem), na escola a criança vai se apropriar de outros códigos (escrita).

A maturação psíquica necessária para usufruir da educação escolar implica o processo de estruturação do sujeito, ou seja, as funções materna e paterna têm que ter se constituído na criança, pois quando a criança chega à escola precisa se reconhecer. Os professores vão fazer a transmissão do conhecimento e precisa ser instaurado o vínculo com eles, então se a criança não tem essa maturidade (quem eu sou, se reconhecer na sua história, nas suas relações) não vai conseguir construir o vínculo com os professores para ampliar seus conhecimentos.

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Isso pode ter reflexos também na adolescência que é o momento psíquico no qual o jovem busca construir uma nova posição subjetiva, e sabe-se que na escola é muito mais intensa a questão da indisciplina.

A adolescência é uma fase de transição da vida infantil em busca da vida adulta, fase essa que é marcada por muitos sofrimentos, muitas angústias e desafios. O adolescente está deixando a posição de infans e buscando construir uma nova identidade, começando uma nova simbolização em busca da emancipação.

Deixa de ser criança para tornar-se independente da segurança que lhe ofereciam os pais desde seu nascimento. Faz luto pela perda da posição infantil, em que quase tudo estava ao alcance do seu gozo, para frustrar-se com as dificuldades da vida adulta. Segundo Flach no texto O Trabalho com Adolescentes em Conflito com a Lei (2011, p.52), o comportamento dos adolescentes se dá de forma simbólica, sendo assim, é através dos mesmos que eles buscam o reconhecimento social.

Os adolescentes buscam firmar um lugar de reconhecimento perante a sociedade, e quando não o conseguem de forma passiva, silenciosa e calma se manifestam de forma que é interpretada pelos outros como grosseira e violenta. Para tanto, o espaço de fala na Psicologia é muito importante durante o desenvolvimento desta etapa de vida, sendo uma possibilidade do sujeito expor em palavras o seu sofrimento e também de organizar seus pensamentos.

Percebe-se, que esse lugar de fala e reconhecimento para o adolescente é pouco disponibilizado e valorizado tanto pela família, como pela escola. É importante que o adolescente tenha apoio e um espaço para falar sobre os sentimentos e dúvidas que surgem durante essa fase, principalmente para alguém que possui ferramentas para auxiliá-lo no processo de elaboração e simbolização durante esta trajetória.

Quando há falhas no exercício das funções materna e paterna vamos ter patologias que vão explodir na escola, são questões que vão se apresentar quando a criança começa a se socializar e podem apresentar problemas de aprendizagem, de conduta, de sexualidade, entre outros.

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1.1. A FUNÇÃO PATERNA

Para melhor elucidar o modo como a função paterna opera no desenvolvimento psíquico, vamos introduzir os tempos do Complexo de Édipo.

Segundo Lacan (1995), no primeiro momento, a criança encontra-se numa relação de indistinção com a figura paterna, ao sair do estádio do espelho a criança ainda está numa relação imediata com a mãe (ou com quem a exerça), a criança se põe no lugar do objeto que ela acredita faltar a mãe, ocupando então o lugar do falo. A criança pensa que para agradar a mãe é preciso e basta ser o falo, nesse tempo do édipo ela está presa na dialética ser ou não ser o falo e está alienada ao desejo da mãe.

No segundo tempo do Édipo, entra a figura paterna na relação mãe-filho, a criança é inserida na castração. A mediação paterna vem sob a forma de privação, ele vem para mostrar a mãe que ela não pode reter o seu produto, e ao filho que ele não pode dormir com a própria mãe. O pai aparece então, como sendo o falo, como o rival que vai tirar o lugar do filho junto a mãe, a criança começa a ter dúvidas, pois há um deslocamento do objeto fálico. Ela percebe que o pai significa a Lei e que a mãe também está submetida a essa Lei, o desejo da mãe está submetido a Lei do desejo do Outro, ou seja, o desejo da mãe é dependente de um outro, que tem o objeto de seu desejo, o pai possuidor do falo e da palavra do pai.

No terceiro e último tempo do Édipo, momento do declínio do Complexo de Édipo, entra em cena o fim da rivalidade fálica com o pai em torno da mãe, nessa fase ocorre a simbolização da Lei, a mãe e a criança inscrevem-se na dialética do ter. A mãe não possuindo o falo, pode ir a busca de quem o tem e sabe onde procurar, ao lado do pai. O filho vai renunciar a ser o falo, irá a busca de vir a possui-lo e para isso vai trilhar o caminho da identificação com o pai. A menina por sua vez, renuncia a ser o objeto de desejo da mãe, posicionando- se de outro modo na dialética de ter pois ela está do lado da falta, ela não tem falo por isso se identifica com a mãe e assim como a mãe sabe onde ir busca-lo, no lado do pai.

O processo de castração é um organizador psíquico, o sujeito vai se reconhecer como faltante e a partir disso ele consegue usufruir da escola. Esse mecanismo é inconsciente. Lacan (1963) define a castração como uma operação simbólica sobre o objeto imaginário (o falo) operado por um agente real (o pai real),

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mas não se deve confundir o pai real e o genitor da criança, o pai da castração é o pai que depende da estrutura significante, esse pai detém o objeto de desejo da mãe, sendo também detentor desta. Então, a castração coloca-se como a renúncia ao gozo incestuoso que leva o sujeito a reconhecer a Lei de proibição do incesto e a depender do pai para a obtenção do título fálico do qual o pai é possuidor.

O falo é no complexo de castração uma dádiva que o pai vai dar ou não a criança, para a investidura futura no sujeito. Quando o sujeito atravessa a operação da castração ele integra na sua estrutura inconsciente a significação fálica dos objetos de gozo. O sujeito reconhece que o acesso aos objetos implica uma dádiva, uma perda. Essa integração da castração pelo pai real se traduz no inconsciente como definiu Lacan, pela Metáfora Paterna, através da qual o desejo do sujeito passa a ter uma significação fálica.

A função paterna é reconhecida pelo discurso materno, mas sabe-se que no contexto atual, pelas diferentes formas de organização das famílias, muitas crianças não têm o reconhecimento da função paterna e isso não significa que a mãe não faça essa função, pois muitas mães assumem sozinhas os filhos, ou seja, fazem função materna e paterna. Também, tem muitas mães que não o fazem e não autorizam o pai a fazer, a intervir na educação do filho, não produzindo para a criança o reconhecimento do pai, ficando falha a função, isso pode ocorrer também com casais que vivem juntos.

A paternidade esta vinculada a maneira de um homem dirigir-se a uma mulher e não ao que inicialmente dá aos filhos e filhas. Seu lugar de pai está assegurado para seus filhos na medida em que o receba do desejo de sua mulher. Pode-se dizer que a modernidade, ao promover a mulher e deslocá-la da posição de a-sujeito na relação conjugal, nos leva a fazer o reconhecimento desse fato. Daí em diante temos que é o discurso materno que deve assegurar a palavra paterna, para que ela conquiste eficácia (CABESTANI, 2008, p. 44).

O discurso do pai precisa de reconhecimento para fazer função e sabemos que enquanto uma criança não estiver organizada com as suas questões subjetivas fica complicado o processo de apropriação dos conhecimentos do mundo externo.

Nesse sentido, muitas dificuldades que encontramos na escola ocorrem porque a criança não conseguiu se organizar na sua relação com o outro. Portanto, não significa que todos os problemas de aprendizagem escolar vão ser decorrentes da desestruturação familiar, mas precisamos estar atentos para conhecer um pouco

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a história da criança, com o objetivo de buscar elementos que podem estar comprometendo o processo da aprendizagem.

Muitas vezes a escola reproduz o ambiente familiar, a figura do pai e da mãe é representada na figura da professora, da diretora. Quando, por exemplo, um aluno que em casa a mãe diz que é muito tranquilo e na escola a professora diz que não suporta, ou vice-versa, questionamos sobre que representações essas figuras de autoridade estão produzindo. Precisamos estar atentos a estas relações porque se transferem as representações familiares para representações na escola e isso produz efeito no ambiente escolar, principalmente da sala de aula.

1.2. ESPAÇO PRIVADO X ESPAÇO PÚBLICO

O modelo de sociedade que vivemos hoje tem colocado a criança cada vez mais cedo na escola, sendo geralmente a escola o primeiro espaço público que a criança vai frequentar. É importante considerar que os espaços público e privado têm funções diferentes, o primeiro é da ordem da parentalidade1 e o outro da

conju-galidade, sendo que o segundo se realiza a partir de escolhas e o outro de não es-colhas.

A escola como um espaço público é da ordem da conjugalidade, pois há esco-lhas, já na família como espaço privado há laço. Os laços de parentalidade não se escolhe, quem produz esse laço afetivo é um filho, ou seja, esse sujeito vai garantir a produção do laço e das funções materna e paterna. Os pais só podem se autorizar a função materna/paterna se tiverem o vínculo da parentalidade, sendo essas as funções que vão constituir um sujeito, caso contrário, não se produz identidade. Quando a criança chega à escola, essas questões têm que estar organizadas.

Uma questão muito presente hoje nas escolas, é com relação a separação dos casais e os novos relacionamentos dos pais, isso faz com que a conjugalidade as vezes se confunde com a parentalidade, como por exemplo, uma criança tem seu pai, a mãe possui um novo relacionamento e solicita que a criança chame seu novo companheiro de pai, ou seja, o laço conjugal da mãe se transfere para o laço

paren-1Segundo Cabestani (2006, p.127), “com respeito à parentalidade, dizemos que há função paterna e função materna, o que demarca a diferença em relação à visão biológica ou sociológica de família e paternidade. Isso porque a psicanálise trabalha com o conceito de função, ou seja, aquilo que não se restringe ao biológico ou social”.

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tal do filho e sabe-se que a obrigatoriedade da nomeação não faz função, apenas confunde a criança.

Os discursos atuais sobre família e a parentalidade denunciam a desorganização, ou desestruturação das famílias, a ausência de definições claras sobre as responsabilidades parentais e a falta de limites como causas da crescente violência entre jovens e da maioria das dificuldades que acometem crianças e adolescentes, sejam relativas a problemas de aprendizagem, comportamentais ou emocionais. Mas, ao construirmos esse tipo de representação simplificadora, sem considerarmos a historicidade e o contexto em que encontramos formas diferentes de famílias, estamos partindo de um modelo que consideramos o ideal, provavelmente o da família nuclear, para definir que as outras formas de organização são desorganizadas (CABESTANI, 2008, p. 54).

Sabe-se que durante muito tempo quando a escola encaminhava algum aluno para atendimento psicológico, uma das primeiras observações nas anotações dos escritos era de que o aluno pertencia a uma família desestruturada, se o aluno não tinha a característica da família nuclear composta, já vinha como um indicativo de que o problema ocorria a partir disso.

Se a criança teve as funções de parentalidade bem trabalhadas em um ambiente suficientemente bom, quando a criança vai passar para o espaço cultural não vai ter problemas maiores, caso contrário, vai ter fragilidade, dificuldade para ir para a nova instância.

A escola que trabalha na dimensão cultural vai fazer a promoção dos ensinamentos passados pela família. Nesse sentido, podemos dizer que aqui está a fragilidade do processo educacional escolar, pois se a criança não teve os ensinamentos da família, a escola vai promover a partir de onde?

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2. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR

No Brasil, por meio da Lei n° 4.119 de 27 de agosto de 1962, a profissão do psicólogo é reconhecida. Porém, somente na década de setenta é que houve uma maior inserção de psicólogos na rede pública e particular de ensino, a atuação do profissional estava alicerçada numa perspectiva clínica, para atender individualmente às crianças com problemas de aprendizagem.

Assim, a figura do psicólogo escolar esteve muito voltada aos problemas de aprendizagem, esse modelo inicial de trabalho era clínico e individualizado, ele era centrado no aluno, sem considerar outros fatores, então, a demanda para o psicólogo era geralmente de avaliação, a partir da aplicação de testes psicométricos que pudessem identificar se a criança tinha algum deficit cognitivo ou um transtorno de aprendizagem.

Nesse primeiro momento, o psicólogo teve que responder a essas demandas, pois não tinha uma atuação bem definida dentro da escola, sendo que foi necessário um tempo para conseguir construir uma identidade, um lugar. Inicialmente, o lugar do psicólogo na escola era concreto, pois ele tinha uma sala, mas, ao mesmo tempo, permanecia a margem porque ficava isolado, ou seja, não participava das reuniões, das atividades, do convívio junto com os professores e alunos.

Nesse sentido, foi questionada a atuação do psicólogo na escola, e o próprio profissional também se questionou porque estando dentro da escola começou a perceber que existiam outros fatores que influenciavam as queixas que a escola trazia em relação ao aluno.

Naquele momento histórico, foi se percebendo que era necessário pensar novos dispositivos de intervenção, pois já se tinha embasamento teórico que ajudava a entender essas situações, mas ainda não se sabia muito bem como intervir na realidade escolar. Fez-se necessário então, criar novos dispositivos e ao mesmo tempo, em que surgiu a necessidade de considerar outros fatores implicados nos problemas de aprendizagem, como por exemplo, a relação do professor e do aluno e a relação da família com a escola. Esses fatores ultrapassam a criança, sendo necessário olhar o contexto e o entorno. A partir disso, foi se pensando novas formas de atuação da psicologia na escola, mas sabe-se que ainda persistem algumas dessas questões e que há um trabalho em construção.

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Atualmente, o trabalho do psicólogo na escola busca situar-se na intersecção entre o campo pedagógico e psicológico, não tendo nem condutas pedagógicas e também não sendo apenas clínico. Ele deve reconhecer a demanda e assim estabelece a transferência. Por isso, a forma de escuta do psicólogo é sempre clínica, pois se trata de uma ferramenta própria do profissional e ao mesmo tempo, sua atuação deve contribuir com a transformação social.

2.1. PSICOLOGIZAÇÃO E MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

Hoje, entre as grandes questões que permeiam as discussões da psicologia na educação estão a psicologização e a medicalização da queixa escolar, ou seja, ainda se privilegia o papel do aluno na queixa escolar e se desconsidera outros fatores, como a relação professor-aluno, fatores estruturais, o ambiente da sala de aula, número de alunos por turma, se o professor está planejando sua aula, entre outros. Todos esses fatores precisam ser considerados quando nos deparamos com queixas de que uma criança tem problemas de aprendizagem, que ela é indisciplinada, não se concentra. Estas são queixas com que o profissional escolar se depara o tempo todo.

Nesse sentido, o movimento da escola em encaminhar para o médico e o psi-cólogo, por vezes é não querer saber e não se implicar no sintoma que o aluno está apresentando. Nesse sentido, o psicólogo deve questionar essas queixas, na busca de responsabilizar também a escola para trabalhar nesses fatores que são intra-escolares e que influenciam nos problemas dos alunos.

Na psicologização, percebe-se que a escola e o professor enxergam o problema como estando fora de suas possibilidades de atuação, não conseguem perceber o que poderiam fazer para auxiliar naquela dificuldade, considerando as dificuldades de aprendizagem apenas como um problema psicológico. Nesse momento, solicitam o auxílio do psicólogo, que é visto como alguém que tem o saber, a técnica necessária para tratar esses problemas.

Pensando em questionar a psicologização e medicalização, o Conselho Federal de Psicologia utilizou-se da Campanha “não a medicalização da vida”.

A psicologização tem a visão que a dificuldade de escolarização é problema individual da criança encaminhada, o qual estaria relacionado a problemas emocionais ou de caráter estritamente psicológico. A medicalização é um

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processo que transforma artificialmente questões não médicas em problemas médicos, envolve a individualização de questões que são coletivas e ao mesmo tempo, a biologização dos problemas, que é quando questões sociais, econômicas, políticas, são vistas como problemas biológicos (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011 p. 13).

O Conselho Federal de Psicologia realizou esta campanha porque se constatou um aumento muito expressivo do metilfenidato, a nossa popular ritalina, de 70.000 mil caixas vendidas no ano de 2000 para dois milhões de caixas em 2010. O Brasil se colocou como o 2° maior consumidor dessa droga no mundo, dado preocupante em razão de que hoje todas as questões da vida precisam de uma medicação para ser tratadas, ou seja, se deixa de pensar e refletir sobre outras formas que poderiam ser utilizadas para resolver os problemas das crianças.

Na nossa sociedade alguns fatores que contribuem para esse aumento do uso de medicamento é o acúmulo de tarefas na vida dos sujeitos, as coisas mudam muito rapidamente e essa questão da velocidade faz com que as pessoas não tenham paciência para lidar com os seus problemas à longo prazo e o medicamento muitas vezes, possui a promessa de solução rápida, sem exigir nenhum esforço, ficando a pessoa passiva frente aos seus problemas.

Também, se percebe que existe hoje uma nova relação com o corpo, isso devido aos avanços tecnológicos, ou seja, estes proporcionaram novas formas de realizar exames, como ressonância magnética, eletroencefalograma, tomografia, fazendo com que se entendam os processos corporais de uma forma diferente de como eram vistos antigamente. Na modernidade a dor e a doença eram avaliadas mediante o olhar clínico e o discurso do paciente, não existiam os exames, era necessário ouvir e a pessoa relatava os seus problemas. Sobre essa questão Becker (2000) aponta,

Nos últimos 30 anos tem havido um deslocamento das categorias nosográfias para o terreno dos dados, não se questiona o que quer dizer esse ponto, essa palavra ou esse gesto fora do lugar, que foi o que trouxeram a psicanálise e a antipsiquiatria que introduziram no campo da psicose a pergunta sobre a lógica e a significação do estado ali em jogo, a trajetória que estamos descrevendo foi se apagando esse esforço por ver isso que está no sujeito com todas as dificuldades que lhe tivessem, no que tivessem para dizer e foi se substituindo pelo dado ordenado segundo uma nosografia que apaga o sujeito (p. 48).

Então, essa nova relação com o corpo passa por todas essas questões, por exemplo, no início do século XX com o surgimento da psicanálise começou-se a

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questionar sobre os sintomas que as histéricas apresentavam. A psicanálise mostrou que existe ali uma significação, ou seja, que problemas psíquicos poderiam se transformar em problemas corporais.

Hoje se percebe que existe uma interpretação diferente, não tem mais essa visão de que o sintoma deve ser algo interpretado, decifrado, hoje ele é um transtorno, está incomodando a pessoa e então deve ser suprimido, eliminado. Para a psicanálise, nem sempre o sintoma tem que ser eliminado porque ele pode estar tendo uma função, muitas vezes têm uma função estrutural para esse sujeito. Essa busca por soluções rápidas, essas concepções psicopatológicas atuais que são baseadas no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), uma visão sintomática, é uma tendência muitas vezes da própria escola e até das próprias famílias para se desresponsabilizar pelos problemas que ocorrem, tudo isso influenciando o aumento do uso de medicamentos. Esses fatores agem numa logica que se retroalimenta porque o medicamento vem ajudar nessa tendência que todos os seres humanos têm de projetar o problema no outro.

Levando em consideração as críticas ao psicologismo e a excessiva medicalização, o psicólogo em sua relação com a escola deve implicá-la no momento que trazem uma queixa sobre um aluno, para que possa se questionar também sobre seu papel no sintoma que a criança está apresentando.

2.2. A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM Pela psicanálise a relação professor-aluno se dá sempre através do vínculo que se estabelece, é o que vai promover ou não o desejo de saber. Se não houver esse vínculo não vai haver aprendizagem. Para que aconteça qualquer processo de aprendizagem, a primeira condição é o vínculo que se instaura na relação professor aluno.

Na condição humana o processo de aprendizagem acontece porque tem o investimento de alguém, precisa do Outro que o introduza em uma cultura. Por isso, tem que ter o vínculo, a transferência2, ou seja, quem aprende tem que acreditar que

2Freud em 1912 publicou a primeira obra exclusivamente dedicada à transferência, denominada “A di-nâmica da transferência”, na qual explica como a transferência é necessariamente ocasionada no tra-tamento psicanalítico e como ela exerce seu papel. De acordo com a teoria freudiana, a ligação emo-cional que o paciente desenvolve em relação ao analista representa a transferência do relacionamen-to que o paciente teve com seus pais e que, inconscientemente, projeta no analista.

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o outro tem algo a lhe ensinar e quem ensina tem que depositar neste outro o investimento da possibilidade do vir saber.

No processo de ensino-aprendizagem não existe apenas um sujeito, precisa ter o sujeito que ensina e o que aprende, não existe um determinante, ou seja, um que só ensina e um que só aprende. Nesta relação recíproca vai ter situações de ensino e de aprendizado, então nesse processo precisa ser reconhecido o movimento e a dinâmica do desejo e da transferência.

A pessoa deseja porque existe uma falta, então só vai haver o processo de ensino e de aprendizagem se houver desejo, ou seja, se houver a falta e ela é recíproca, não pode ser falta só para quem aprende, a falta também está no movimento do ensinar e do aprender. Nas proposições Freudianas a falta vai ser sempre um mecanismo inconsciente porque “eu não sei o que me falta”, então é um processo constituinte do sujeito.

Sendo o professor aquele que ocupa o lugar de quem sabe, é ele quem deve provocar no aluno o desejo de aprender. Somente quando isso ocorre se estabelece a transferência entre ambos.

Só é possível ensinar na medida em que houver transferência, quer dizer, suposição de saber. É nesta suposição que vai se fundar a autoridade do professor para a criança (e, aliás, não apenas para a criança). Por isso, é necessário que o sujeito suposto saber sustente as construções imaginárias da criança para que o discurso tenha efeito (PEREIRA,1991, p. 213).

Também é importante considerar, que cada criança tem o seu momento de aprender, quando o aluno não responde rapidamente nesse processo gera uma an-gústia no professor e nos pais do aluno que não aprende. Por esse motivo, é enca-minhado para avaliação psicológica, sendo necessário o psicólogo observar todo o contexto, pois uma avaliação, um diagnóstico de um aluno vai ter uma implicância para o resto da vida dessa criança.

Portanto, a transferência se torna essencial no processo de ensino-aprendizagem, sendo ela uma ligação de amor, um vínculo que se estabelece entre os sujeitos. É através dela que o aluno pode resignificar o seu interesse pelo aprender, através da satisfação do professor em ensinar.

O vínculo transferencial que se instituiu na relação professor-aluno é um vínculo de alteridade, por isso já vem sustentado pelo ideal familiar. É importante refletir hoje qual o investimento que uma criança recebe da família para estar na

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escola? O que se quer de um filho quando se coloca na escola? Hoje se sabe que é pela obrigatoriedade da educação, não se questiona mais o valor da escola no imaginário familiar.

O processo de ensino-aprendizagem é um processo dinâmico, no qual diversas questões influenciam, segundo Carvalho (2004), alguns fatores são intrínsecos aos alunos (pobreza, família desestruturada, violência, abuso sexual, transtornos do desenvolvimento, etc), e outros são externos (qualidade dos docentes, escola, etc). Esses fatores fazem parte da realidade escolar, e podem interferir no processo de ensino-aprendizagem.

O professor é uma figura representativa na constituição subjetiva. Por vezes, os professores não se dão conta do quanto eles significam a partir do que eles falam, do que fazem, do que eles apontam, marcam a vida principalmente das crianças e dos adolescentes. O professor é uma figura de autoridade muito importante na formação do aluno, no processo cognitivo e na questão da afetividade. Freud em seu artigo “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” (1914), trás algumas reflexões sobre a transferência na educação a partir de sua experiência como estudante,

É difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou a personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo que esta seunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores” (1914, p.248).

Ainda segundo Freud (1914), na escola os professores passam a ser,

Nossos pais substitutos. Foi por isso que, embora ainda bastante jovens, impressionaram-nos como tão maduros e tão inatingivelmente adultos. Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso. (1914, p.249, 250).

É importante observar, que o professor também trás para a sala de aula seu inconsciente, seu desejo, suas experiências e a forma como ele vai transmitir o co-nhecimento vai se refletir nas relações com os alunos. Percebe-se, que alguns

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pro-fessores tem dificuldade em criar estratégias para lidar com as questões do dia a dia.

No vínculo transferencial não é possível indiferença, ou é pelo prazer ou pelo desprazer. Muitas vezes, o processo de aprendizagem se dá na transgressão, na provocação, na hostilidade, como ocorre muitas vezes com os adolescentes que estão sempre testando o professor.

Sabe-se que a lógica do adolescente é destituir a Lei, é ver até onde o profes-sor vai sustentar a sua autoridade, independente de quem seja o profesprofes-sor, o ado-lescente vai medir a força da autoridade. Uma das dificuldades que se coloca é que, por vezes, o professor toma para si, de forma pessoal, o desafio do adolescente, e se dirige ao aluno também de forma agressiva. Ele precisa reconhecer que a forma como ele se dirige ao aluno é o que faz a diferença, pois é o vínculo transferencial o que sustenta o processo de aprendizagem.

Atualmente os sujeitos que temos na escola são crianças e adolescentes que estão vivendo uma nova forma de laço social, ou seja, onde parece não existir a autoridade, a referência de alguém que tem um saber e a figura do professor como autoridade.

O laço social hoje não se estabelece mais como anos atrás em que se dava pela via do conhecimento, pela relação com o saber, onde alguém tinha o saber e alguém precisava aprender. Dentro dessa nova configuração que se apresenta a escola, por vezes, não reconhece mais quem são esses alunos, pois o sujeito mudou, mas o ideal da escola continua sendo de um aluno comportado e submisso.

No intuito de identificar àquilo que pode estar interferindo nesse processo, cabe ao psicólogo trabalhar com os alunos que apresentam dificuldades, podendo se manifestar através do comportamento em sala de aula, no desenvolvimento das atividades propostas, entre outros.

Ainda, o psicólogo vai estar na escola para reconhecer e criar espaços de fala sobre como são construídas as relações entre os professores e os alunos, sendo um facilitador para que professor e aluno possam falar sobre sua relação, escutar o discurso da escola sobre ser professor e ser aluno, porque a partir disso se cria um imaginário de boas relações ou más relações.

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2.3. RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

A relação escola comunidade passou por mudanças ao longo dos anos, ou seja, inicialmente a escola era uma Instituição que estava inserida em uma comunidade, situada a partir do local, comunidade, pertencimento e geralmente os alunos que frequentavam a escola eram da comunidade. Hoje em dia, as escolas recebem alunos de todas as comunidades e por vezes, de outros municípios, então, a escola também pela sua demanda e organização, acabou perdendo um pouco a sua referência de pertencimento a uma comunidade.

É necessário que as famílias criem o hábito de participar da vida escolar dos filhos, que percebam a importância de se relacionar com a escola na busca de um objetivo em comum, educação de qualidade para as crianças. Por outro lado, a escola deve ser a responsável por criar meios de aproximação com as famílias e a comunidade, orientando e mostrando que educar não é papel exclusivo das escolas e sim papel de todos. Pois, como diz Piaget (2007, p. 50), “toda pessoa tem direito à educação, é evidente que os pais também possuem o direito de serem senão educados, ao menos, informados no tocante à melhor educação a ser proporcionada a seus filhos”.

Atualmente existe uma cultura que os pais são chamados na escola somente para resolver problemas de seus filhos. A escola deve convocar a família para vir para escola, para apresentar a sua proposta pedagógica e a partir disso construir possibilidades de comunicação. Tem que haver parceria, ou seja, a escola precisa conhecer a família dos seus alunos e a família precisa conhecer a proposta pedagógica da escola, para assim, produzir uma sintonia.

A partir da experiência curricular em Instituição Escola pude perceber que uma das principais reclamações dos profissionais que atuam nas escolas é sobre a ausência e a falta de comprometimento dos pais nas atividades escolares do filho. Também, tendem a culpar a família pelas inúmeras dificuldades dos alunos, por exemplo, baixo rendimento, falta de interesse, indisciplina. Porém, sabe-se que culpar a família pelas dificuldades do aluno, por vezes, acaba afastando ainda mais a família da escola.

É fundamental uma mudança nas atitudes dos pais e professores, o impor-tante não é encontrar um culpado pelas situações ocorridas nas escolas, mas sim buscar juntas soluções para tais situações. É do espaço escolar como detentor dos

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conhecimentos, métodos e técnicas de ensino, que deve partir a iniciativa de aproxi-mar a família e escola, envolvendo-as em atividades realizadas na escola, como co-memorações, palestras, reuniões, confraternizações com toda comunidade e orien-tando-as sobre a importância de um trabalho de parceria.

Uma ligação estreita e continuada entre os professores e os pais leva mais que a uma informação mútua: este intercâmbio acaba resultando em ajuda recíproca e, frequentemente, em aperfeiçoamento real dos métodos. Ao aproximar a escola da vida ou das preocupações profissionais dos pais, e ao proporcionar, reciprocamente, aos pais um interesse pelas coisas da escola, chega-se a uma divisão de responsabilidades (PIAGET, 2007, p.50).

Tendo em vista o momento que vive a educação no país, stress por parte dos professores, despreparo de alguns, desvalorização profissional, dificuldades de aprendizagem apresentada pelas crianças, violência e considerando o quanto é importante a participação das famílias no processo de aprendizagem, é de grande interesse das escolas que esta interação ocorra. Pode-se dizer que é papel da escola promover esta interação, garantindo uma troca de informação e de ideias, orientando as famílias e mostrando o quanto é importante sua participação na educação das crianças.

Ainda, a partir da vivencia do estágio, pude perceber uma grande confusão dos pais com relação às tarefas de casa dos filhos, ou seja, os pais não sabem de que maneira a professora ensinou o conteúdo e às vezes o modo como a mãe ou o pai aprendeu é muito diferente. Nesse sentido, a família somente precisa mostrar interesse pelo aprendizado do filho, ou seja, que as tarefas da escola que o filho está fazendo têm um reconhecimento pela família.

O psicólogo escolar pode contribuir no sentido que criar esse laço entre família e escola, não um fazer papel do outro, mas ter um mesmo olhar sobre a criança, pois precisa haver uma convivência entre família e escola para pensar algumas estratégias de melhor organização daquilo que a escola propõe e do que a família espera. No entanto, esta não é uma tarefa fácil, mas não impossível, pois ter uma educação de qualidade com o apoio das famílias e comunidade é imprescindível e para que isso se torne realidade é preciso agir.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste estudo, foi possível compreender o que é função da família e o que é função da escola, como sendo duas instituições com importantes responsabilidades educacionais e de formação da criança.

Percorremos caminhos que nos mostram a importância da função materna e paterna no processo de estruturação do sujeito e que quando houver falhas por parte da família nesse processo, seus efeitos podem aparecer dentro da escola.

A função paterna precisa de reconhecimento para fazer função e sabemos que enquanto uma criança não estiver organizada com as suas questões subjetivas fica complicado o processo de apropriação dos conhecimentos do mundo externo. Nesse sentido, muitas dificuldades que encontramos na escola podem ocorrer porque a criança não conseguiu se organizar na sua relação com o outro.

Com relação ao processo de aprendizagem, precisamos pensar e ter sempre um olhar no todo, pois a aprendizagem do aluno não diz somente do que ele dá conta e sim do contexto em que ele está inserido.

Nessa relação de ensino-aprendizagem não existe apenas um sujeito, precisa ter quem ensina e quem aprende, nessa relação recíproca vai ocorrer situações de ensino e de aprendizagem.

Sendo assim, o psicólogo escolar nunca pode perder do seu campo de ação a questão do vínculo que se produz, pois o processo de ensino aprendizagem vai se dar entre os sujeitos que estão implicados no processo, discutir todas as sintomatologias que aparecem na escola e o que se implica também para além da escola, porque o sujeito não é da escola, ele está na escola, tanto os professores quanto os alunos, como também os demais sujeitos implicados.

Hoje em razão da obrigatoriedade da educação não se questiona mais o valor da escola, esse imaginário de que na escola vai ter alguém que vai fazer uma transmissão de um laço cultural, a aposta de que “o meu filho vai ser alguém” por ele estar ali, não passa mais pelo imaginário familiar.

O modelo de sociedade que vivemos hoje tem separado o que é da ordem do privado e o que é do público, ou seja, nas Leis está definido até onde é competência da família, do Estado, das Instituições. Tempos atrás não havia essa distinção entre o campo privado e público, o que se vivenciava no espaço público

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também vinha de um espaço familiar. A escola trabalha na dimensão cultural, vai fazer a promoção dos ensinamentos passados pela família.

Para pensamos na crise de autoridade, na fragilidade das funções parentais é necessário entender tudo o que foi acontecendo ao longo dos anos, ou seja, se produziu o rompimento de um modelo de educação familiar e com isso as instituições públicas em um determinado momento se empoderaram. No entanto, hoje nem as instituições têm mais poder de educação e nem os laços de parentalidade. Nesse sentido, é necessário entender todos esses movimentos e com isso poder significar essa problemática e dar continuidade, pois se precisa propor novos laços e novas formas de educação, pois se sabe que não foi ao acaso que se produziu esse rompimento.

A participação na vida escolar dos filhos é de suma importância para o desempenho do aluno, pois quando os pais acompanham a criança em todo o seu processo de desenvolvimento educacional, está se sente valorizada e importante na vida de seus pais, esses sentimentos somente contribuem para o seu aprendizado.

Quanto maior for à parceria entre escola e a família, mais positivos serão os resultados da aprendizagem da criança. De acordo com Parolin (2005, p. 36), a qualidade do relacionamento que a família e a escola construírem será determinante para o bom andamento do processo de aprender e de ensinar do estudante e o seu bem viver em ambas as intuições.

O psicólogo dentro da escola se ocupa da escuta dos discursos, das quei-xas, pois é enquanto o discurso circula que os profissionais que ali estão se impli-cam em seu fazer e assim, podem se responsabilizar pelo que fazem. É através da fala que o sujeito organiza seu pensamento, e assim pode melhor planejar ações que modifiquem aquilo que pode ser melhorado.

Por fim, os resultados do trabalho mostram que a psicologia tem um olhar di-ferenciado para lidar com os problemas da escola e que historicamente, a escola sempre procurou um olhar da psicologia na solução de resolver problemas.

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