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Teatro, educação e cidadania = estudo em uma escola do Ensino Básico

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Academic year: 2021

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TALITHA CARDOSO HANSTED

Teatro, Educação e Cidadania:

estudo em uma escola do Ensino Básico

CAMPINAS

2013

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Hansted, Talitha Cardoso, 1980-

H199t Teatro, educação e cidadania : estudo em uma escola do Ensino Básico / Talitha Cardoso Hansted. – Campinas, SP : [s.n.], 2013.

Han Orientador: Maria da Glória Marcondes Gohn.

Han Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Han 1. Teatro. 2. Educação. 3. Cidadania. 4. História. 5. Memória. I. Gohn, Maria da Glória Marcondes,1947-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Theatre, education and citizenship : study in a Brazilian school Palavras-chave em inglês: Theatre Education Citizenship History Memory

Área de concentração: Políticas, Administração e Sistemas Educacionais Titulação: Mestra em Educação

Banca examinadora:

Maria da Glória Marcondes Gohn [Orientador] Angela Randolpho Paiva

Vera Lúcia Sabongi de Rossi

Data de defesa: 13-12-2013

Programa de Pós-Graduação: Educação

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RESUMO

Esta pesquisa investiga o papel do teatro na escola e sua contribuição para a formação da cidadania. Para tanto, apresenta o histórico, as principais características e os procedimentos metodológicos do trabalho teatral desenvolvido no Instituto Educacional Imaculada, instituição da rede particular de ensino da cidade de Campinas. A dissertação busca estabelecer ligações entre as especificidades dos processos ali desenvolvidos e os valores de liberdade, igualdade e participação, entendidos, neste trabalho, como “valores cidadãos”. A pesquisa se propõe, também, a entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados durante as atividades teatrais são transferidos para outros campos da vida social, e como os sujeitos situam tais influências em suas trajetórias de vida. Para atingir tal meta, são apresentadas entrevistas com alunos e ex-alunos que fizeram teatro na referida instituição. Os entrevistados relatam memórias das experiências vivenciadas e refletem sobre a contribuição do teatro para a maneira como enxergam e vivenciam os valores cidadãos em diferentes contextos. No campo teórico, a dissertação explora relações entre teatro e cidadania em diferentes tempos e lugares, apresentando essa arte como linguagem artística profundamente ligada, desde suas origens, à vida social dos seres humanos. O estudo destaca aspectos que aproximam o trabalho teatral desenvolvido em escolas à educação não formal, área que tem como um dos principais objetivos a formação para a cidadania. A pesquisa faz também uma breve retrospectiva das relações entre teatro e educação ao longo da História, destacando algumas das principais tendências pedagógicas com a linguagem teatral, e evidenciando a pluralidade do potencial educativo dessa arte. Dentre as conclusões, destaca-se a compreensão de que a exploração e a apropriação da linguagem teatral constituem atividade propensa à instauração de processos emancipatórios e à conquista da autonomia, contribuindo significativamente para a formação da cidadania dos alunos. Sobressai, também, o entendimento de que os três valores cidadãos são intrínsecos a processos que se pautam pela exploração do teatro como linguagem artística.

Palavras-chave: Teatro. Educação. Cidadania. História. Memória.

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ABSTRACT

This research investigates the role of School Theatre and its contribution for citizenship education. It presents the history, the main features and the methodological procedures of theatre activities developed at Instituto Educacional Imaculada, a private school located in the city of Campinas (São Paulo state). The dissertation seeks to establish links between specific processes developed in that institution and the values of freedom, equality and participation, defined in this study as “citizenship values”. The research also proposes to understand if the citizenship values developed and/or exercised during theatrical activities are transferred to other fields of social life, and how individuals situate such influences in their life trajectories. To achieve this goal, we present interviews with students and alumni who have participated in theatrical activities at that institution. Respondents reported memories of experiences and reflected on the contribution of theatre to the way they see and experience the citizenship values in different contexts. In the theoretical field, the dissertation explores connections between theatre and citizenship in different times and places, presenting this art as a language deeply linked, from its origins, to the social life of human beings. The study highlights common aspects between theatre works developed in schools and non-formal education, area that has citizenship education as a main objective. The research also makes a brief retrospective of the relationship between theatre and education throughout history, highlighting some of the major trends in the teaching of theatre, and showing the plurality of the educational potential of this art. Among the findings, there is an understanding that the exploitation and appropriation of theatrical language are prone to promote emancipatory processes and the achievement of autonomy, contributing significantly to citizenship education. Another conclusion is the understanding that the three citizenship values are intrinsic to processes that explore theatre as artistic language.

Keywords: Theatre. Education. Citizenship. History. Memory.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO... Justificativa... Objetivos... Metodologia... Organização do trabalho... 1 TEATRO E CIDADANIA... 1.1 Contexto histórico... 1.2 Contexto educacional... 1.2.1 Formalidade e não formalidade... 1.3 Conclusões do capítulo...

2 TEATRO E EDUCAÇÃO... 2.1 Teatro e educação: breve sinopse... 2.2 Teatro e educação no Brasil... 2.3 Conclusões do capítulo...

3 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:

HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS GERAIS... 3.1 A escola e as artes: breve histórico ... 3.1.1 Atividades artísticas... 3.1.2 Atividades teatrais: da criação coletiva aos processos colaborativos... 3.2. Teatro hoje: espaço de convivência democrática... 3.2.1 Participação: um direito de todos... 3.2.2 Comprometimento: um exercício de cidadania... 3.2.3 Espetáculo teatral: uma obra coletiva... 3.2.4 Comunidade escolar e participação do espectador... 3.2.5 Espaço: um convite à liberdade...

xi 25 28 31 33 37 41 44 52 60 62 65 66 80 85 87 89 92 97 102 103 106 108 110 112

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3.3 Conclusões do capítulo... Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I...

4 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:

PROCESSO DE TRABALHO... 4.1 Coordenação do processo de trabalho... 4.1.1 Colaboração... 4.1.2 Diálogo aberto... 4.1.3 Processos decisórios coletivos... 4.2 Procedimentos metodológicos... 4.2.1 Aulas livres... 4.2.2 Montagem de peça teatral... 4.3 Conclusões do capítulo... Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II...

5 TEATRO E CIDADANIA NO IEI:

MEMÓRIAS DOS PARTICIPANTES... 5.1 Os atores... 5.2 Liberdade... 5.3 Participação... 5.4 Igualdade... 5.5 Conclusões do capítulo... CONCLUSÕES... REFERÊNCIAS... APÊNCICES... ANEXOS... xii 115 119 135 136 136 140 141 145 147 157 176 181 197 199 205 217 226 234 239 249 259 283

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A Liana, Lula e Daniel, sem os quais nada seria possível. Nem no Mestrado e nem na vida.

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Maria da Glória Gohn, pela imprescindível orientação. Sua experiência, visão de mundo e aprofundado entendimento sobre as mais diversas áreas do conhecimento foram inspiradores não apenas no sentido acadêmico, mas também pessoalmente.

À Profa. Dra. Vera Lucia Sabongi De Rossi e ao prof. Dr. Flávio Desgranges, pelas enriquecedoras contribuições à pesquisa.

Às Filhas de Jesus, por fazerem parte da minha educação e me permitirem participar da educação de tantos outros.

A Maria Lúcia Lins Henrique, Silvana Ribeiro da Cruz, Marisa Cassani, Luris Jalbut e Rosélia Jalbut, por todo o apoio, incentivo e carinho, em cada um de meus sonhos e conquistas.

A Raimunda Navarro, Daniela Mattano da Silva e Mara Menegon por me auxiliarem na pesquisa aos arquivos do IEI, tornando doce e simples o que poderia ser difícil e burocrático.

A Vera Bonilha, por ser essa eterna mestra, a quem sempre posso recorrer.

À família Rezende e a Ana Keiko, pelas belas fotos, e ao Toninho, pelas lindas cartas. A Letícia Cabral, pela capa, Linha do Tempo, filmagem e edição das entrevistas.

A Geovane Cougo, pela paciência e generosidade ímpares com que filmou, editou e produziu o DVD.

Aos ex-alunos e amigos Aninha, André, Bi, Fer, Tícia e Van, pelo muito que fizeram por esta dissertação e por nosso teatro.

A todos os alunos e ex-alunos de teatro do IEI, por fazerem parte da minha história e inspirarem a realização deste trabalho.

A Bianca Milan, parceira-irmã de palco e de vida, por tanto, que mal caberia aqui...

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Fachada da escola em diferentes épocas (1948 e 2013)... Figura 2 – Sala de aula (1964)... Figura 3 – Sala de aula (2012)... Figura 4 – Aluna da instituição apresentando-se perante plateia (década de 1950)... Quadro 1 – Oferecimento de atividades artísticas / ano 2013... Figura 5 – Apresentação de coral (década de 1950)... Figura 6 – Alunas em possível encenação teatral (sem data)... Figura 7 – Apresentação do espetáculo Geração Trianon (1997)... Figura 8 – Apresentação do espetáculo Morte e Vida Severina (1999)... Quadro 2 – Oferecimento das atividades de teatro / ano 2013... Figura 9 – O Homem do Princípio ao Fim (2011)... Figura 10 – Sonho de uma Noite de Verão (2010)... Figura 11 – Alunos ajudando a confeccionar cenários (2012)... Figura 12 – Estudantes de diferentes faixas etárias no camarim... Figura 13 – Esse Trem vai pra Onde? (2012)... Figura 14 – A Menina e o Pássaro (2012), Hércules (2012) e Planeta Sonho (2012)... Figura 15 – Auditório do IEI... Figura 16 – Alunos de teatro em diferentes ambientes: palco, sala adjacente e camarim. Figura 17 – Turma de teatro de quinto ano (2012)... Quadro 3 – Mandamentos do teatro...

xvii 90 91 91 92 93 94 96 98 98 103 105 105 109 110 111 111 113 114 116 125

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Figura 18 – Morte e Vida Severina (1999) ... Figura 19 – Perfeitópolis, o Musical (2009)... Figura 20 – Dionísio Sumiu (2013)... Figura 21 –Dizer que te amo (2013)... Figura 22 – Alunos em atividade de “Relaxação”... Figura 23 – Expressão corporal... Figura 24 - Sonho de uma noite de verão (2010)... Figura 25 - Auto da Compadecida (2012)... Figura 26 - Nossa Cidade (2001)...

129 131 139 144 150 152 159 159 159 Figura 27 - A Menina e o Pássaro (2012), O Homem do Princípio ao Fim (2011) e

A Droga da Obediência (2001)... 160 Figura 28 – Doze (2012)...

Figura 29 – Era uma Vez um Relógio (2008)... Figura 30 - A História da Semente (2009)... Figura 31 – Deu a Louca no Mundo da Fantasia (2009)... Figura 32 – Apresentação de Perfeitópolis, o Musical (2009)... Figura 33 – Esse trem vai pra onde? (2012) ... Figura 34 – Lendas que o Rio Contou (2007)... Figura 35 – Ensaio (2013)... Figura 36 – Final de apresentação (2012)...

161 161 162 162 163 163 163 172 180 Figura 37 – Sonho de uma Noite de Verão (a)... ... 181

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Figura 38 – Sonho de uma Noite de Verão (b)... 185

Figura 39 – O Homem do Princípio ao Fim (a)... 187

Figura 40 – O Homem do Princípio ao Fim (b)... 189

Figura 41 – Auto da Compadecida (a)... 191

Figura 42 – Auto da Compadecida (b)... 195

Quadro 4 – Atores... 200

Figura 43 – “Oração do teatro” (2013)... 246

Figura 44 – Final de apresentação (2013)... 247

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

IEI Instituto Educacional Imaculada

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

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“Aquilo na noite do nosso teatrinho foi de Oh.”

Guimarães Rosa (Primeiras Estórias)

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25 INTRODUÇÃO

O teatro é uma arte cujas origens remontam ao surgimento da humanidade. Das manifestações do homem primitivo – que tinha o costume de simular caças, imitar animais e personificar os espíritos em que acreditava – às mais modernas formas de representação, essa linguagem artística sofreu diversas modificações, mas sempre ocupou lugar de destaque na vida social humana. Diversos pesquisadores assinalam que o teatro continuamente refletiu o momento social e os pensamentos de cada época (BERTHOLD, 2006; DESGRANGES, 2011; COURTNEY, 1980).

Mesmo com o advento do rádio, do cinema e da televisão, que, ao registrarem o trabalho do ator, levaram alguns a proclamar a “morte do teatro”, essa linguagem artística continua a seguir sua trajetória própria. Reinventa-se, busca novos palcos, novos públicos, novos assuntos; e segue resistindo ao tempo. Afinal, os meios de comunicação não são capazes de reproduzir o seu elemento primordial e que tanta humanidade lhe confere: a presença do outro; presença viva, pulsante, participante. Como diria Paulo Autran, “o teatro não morreu. Enquanto houver alguém com capacidade de vivenciar uma história com sua voz, [...] sua cabeça e seu coração, haverá alguém para assisti-lo [...] haverá teatro” (apud GARDAIR; SCHALL, 2009, p. 697).

Por estar o teatro tão vinculado à história da humanidade, não é de se espantar que seu potencial educativo tenha sido objeto de discussão filosófica há muito tempo. Aristóteles, em sua Poética, já afirmava que a imitação é natural ao homem e que o ser humano aprende por meio dela. Courtney (1980) aponta um seleto grupo de pensadores que teceu considerações a respeito da aplicação do teatro em meios educacionais, formado por nomes como Francis Bacon, Michel de Montaigne, Thomas Eliot, Philip Sidney, Gottfried Leibnitz e Johann Wolfgang von Goethe.

O mundo contemporâneo, intensamente informatizado, caracterizado por ampla acessibilidade à informação, vive um paradoxo peculiar: enquanto as relações profissionais são cada vez mais pautadas pela necessidade de indivíduos flexíveis, com formação global e facilidade para trabalhar em equipe, muitas escolas continuam presas a modelos de educação que compartimentam o conhecimento humano em disciplinas aparentemente isoladas e que privilegiam a mera transmissão de informações. Diversos estudiosos, a exemplo de Morin (2000)

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e Gohn (2011), ao observar esse quadro, apontam para a necessidade urgente de uma reestruturação na área educativa: é preciso que se priorizem processos educacionais que possibilitem o desenvolvimento de habilidades ligadas à criatividade, aos relacionamentos interpessoais, à capacidade de transformar informações em conhecimentos. Em outras palavras, faz-se necessária uma educação que valorize o desenvolvimento das características ditas “humanas”, e que forme cidadãos livres, capazes de pensar e agir de forma autônoma.

O teatro, por estar diretamente ligado à natureza humana, tem se mostrado um bom aliado nessa formação geral do indivíduo. Como se verá no decorrer deste trabalho, experiências teatrais com indivíduos em idade escolar, desenvolvidas em diferentes partes do mundo, indicam que essa linguagem artística pode colaborar com processos de inclusão social e agir como catalisadora em processos emancipatórios, contribuindo, portanto, para a formação dos indivíduos como cidadãos.

A formação da cidadania tem sido, nas últimas décadas, apontada por diversos autores como um dos objetivos essenciais da educação formal. Para Ferreira (1993), por exemplo, a questão deve ser tratada como um imperativo social. Candau (1997) enfatiza que “uma escola deve ser um espaço onde se formam crianças e jovens para serem construtores ativos da sociedade na qual vivem e exercem sua cidadania” (p. 228). Para Weffort (1994), a escola não é a única instituição que deveria se ocupar da formação dos cidadãos, mas é, dentre todas, a mais importante.

O espaço dedicado a atividades teatrais em instituições de ensino no território nacional é, de modo geral, ainda incipiente, mesmo após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei no 9.394/96) ter estabelecido o ensino da arte como componente curricular obrigatório nos diversos níveis da Educação Básica. A respeito da pouca valorização do teatro no sistema educacional brasileiro, Pupo (2011, p. 15) reflete: “Se considerarmos a escola como o coração do projeto democrático, o enfrentamento dessa lacuna é mais do que nunca oportuno e, ainda mais do que isso, urgente”. Nesse sentido, entendemos que o estudo de trabalhos teatrais desenvolvidos em instituições escolares que valorizam e incentivam o teatro em seus projetos pedagógicos pode contribuir tanto para a ampliação do debate sobre o tema como para a elaboração de trabalhos teatrais adaptados a outras instituições de ensino.

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É exatamente nesse sentido que esta pesquisa se apresenta. Trata-se de um estudo que tem por objeto as atividades teatrais extracurriculares desenvolvidas no Instituto Educacional Imaculada (IEI), instituição da rede particular de ensino da cidade de Campinas, que vem desenvolvendo, há dezessete anos, trabalhos com teatro. Esta pesquisa visa investigar o papel dessas atividades teatrais na formação dos alunos, como cidadãos. Para atingir tal meta, a dissertação se dedica a apresentar a metodologia de trabalho com teatro desenvolvida na referida escola e entrevistas realizadas com sujeitos que vivenciaram o processo descrito, como estudantes de Ensino Médio. Trabalha-se com a hipótese de que atividades teatrais, realizadas durante a vida escolar, podem favorecer o desenvolvimento da cidadania, em especial no que diz repeito aos valores de liberdade, igualdade e participação, compreendidos, neste estudo, como “valores cidadãos”.

De acordo com Morin (2000), o objetivo principal de toda educação é ensinar a viver. Para ele, esse processo exige que conhecimentos sejam transformados em sapiência, e que essa sapiência seja incorporada para toda a vida. Tendo isso em vista, esta pesquisa se propõe também a entender se os valores cidadãos desenvolvidos e/ou exercitados durante as atividades teatrais são transferidos para outros campos da vida social dos indivíduos, e como esses sujeitos situam tais influências dentro de suas trajetórias de vida. Para tanto, foram selecionados para as entrevistas alunos e ex-alunos de teatro do IEI de diferentes idades, e buscou-se verificar se eles reconhecem em si, em contextos diversos de suas vidas atuais, influências da atividade vivenciada na escola.

As categorias centrais abordadas pelo trabalho são “Cidadania” e “Relações entre Teatro e Educação”. As principais referências teóricas para a categoria “Cidadania” são José Murilo de Carvalho, Maria da Glória Gohn e Maria Victoria de Mesquita Benevides. O conceito de cidadania com o qual trabalham esses estudiosos conduziu à elaboração do termo “valores cidadãos” e ao estabelecimento de relações entre o fazer teatral e a formação da cidadania.

Na categoria “Relações entre Teatro e Educação”, os principais referenciais teóricos são Flávio Desgranges, Margot Berthold, Ricardo Japiassu e Richard Courtney. A leitura de obras dos autores mencionados norteou a contextualização histórica das relações entre teatro e educação, bem como o entendimento a respeito das principais correntes metodológicas que caracterizam o ensino do teatro na contemporaneidade.

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É importante destacar, ainda, que esta pesquisa trabalha com o suposto geral de que a formação via atividades teatrais articula dimensões da educação formal escolar, prevista na LDB de 1996, com dimensões da educação não formal, que correspondem a aprendizagens advindas de experiências práticas coletivas ao longo da vida. O teatro na escola – ambiente formal de ensino – , quando se propõe a construir saberes ligados à socialização e à solidariedade, a estimular a participação, a aceitação do diferente e o reconhecimento de diferenças históricas e culturais, aproxima-se dos objetivos da educação não formal e, como ela, pode contribuir para a formação do cidadão participativo, consciente de seus direitos, com autonomia de pensamento e ação. Assim, “Educação Formal e Não Formal”, embora não se configurem como objeto em si da pesquisa, constituem também categoria importante a ser abordada. Neste campo, tomamos Jaume Trilla e Maria da Glória Gohn como principais referências teóricas.

Justificativa

A justificativa para a escolha do objeto de estudo desta pesquisa contém fortes elementos de ordem pessoal: sou professora de todas as turmas de teatro do Instituto Educacional Imaculada e, como ex-aluna desse mesmo estabelecimento de ensino, participei ativamente da fundação de seu primeiro grupo teatral. Portanto, nesta seção, em que se explicitam os motivos que conduziram à seleção da temática pesquisada, tomo a liberdade de narrar – propositadamente, na primeira pessoa do singular – alguns episódios destas duas trajetórias que se mesclam e complementam: a história do teatro na referida escola e minha própria história de vida, na tessitura de momentos vivenciados tanto como estudante quanto como professora da instituição.

Cursei Ensino Fundamental e Médio no IEI, entre os anos de 1984 e 1998. A escola, àquela época, não oferecia aulas de teatro, mas, de tempos em tempos, nos era passada a tarefa de realizar apresentações teatrais como atividades avaliativas de algumas disciplinas – trabalhos aos quais me dedicava com entusiasmo e afinco. Quando estava no primeiro ano do Ensino Médio, em 1996, professoras de Língua Portuguesa e Literatura solicitaram minha ajuda na preparação da feira cultural que a escola estava organizando. Minha incumbência foi orientar um grupo de alunos de sétima e oitava séries em uma apresentação oral de poemas. O trabalho realizado

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obteve boa repercussão, e aquela equipe de estudantes, que se identificou com a atividade, decidiu continuar unida para montar peças teatrais. Tornamo-nos, dessa forma, o grupo oficial de teatro do colégio. Depois daquele primeiro trabalho, realizamos, juntos, diversas encenações de peças teatrais. Eu participava delas atuando, mas era também a “diretora” do grupo e, como tal, propunha os textos a serem encenados, organizava os ensaios, ajudava na construção dos personagens e era a responsável pelo grupo.

Em 1999 – quando ingressei no curso de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Unicamp – solicitei ao colégio autorização para continuar orientando o grupo de teatro da escola, em trabalho de caráter voluntário, e o pedido foi aceito. No ano de 2000, fui contratada provisoriamente como professora de teatro e, em 2001, fui efetivada na instituição. Com o passar dos anos, o teatro foi, gradativamente, ganhando mais espaço dentro da escola. Hoje, é oferecido a alunos desde o quinto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio (a conquista de espaço das atividades teatrais na escola será melhor detalhada no capítulo 3).

Ainda durante minha graduação, deixei de atuar nas encenações dos alunos, como costumava fazer no princípio; minha satisfação passou a ser prepará-los e testemunhar seu desenvolvimento. Comecei a me preocupar com os processos de apropriação da linguagem teatral e em como instaurá-los junto aos jovens estudantes.No início, para conduzir esse trabalho, baseava-me nos conhecimentos sobre a arte do ator que ia adquirindo na universidade e também em muito do que eu própria costumava fazer, como aluna de cursos livres de teatro, quando adolescente. Assim, fui, de maneira um tanto quanto intuitiva, desenvolvendo uma maneira própria de trabalhar com pessoas que nunca haviam entrado em contato com o teatro. Em meu segundo ano de faculdade, um de meus professores, conhecendo meu interesse pela área educacional, colocou-me em contato com material teórico sobre teatro-educação, apresentando-me obras de Viola Spolin, Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, Ingrid Dormien Koudela, Sandra Chacra e Richard Courtney.

O contato com a literatura especializada na área levou-me à compreensão de que muito daquilo eu costumava propor aos jovens estudantes com quem lidava relacionava-se com as pesquisas brasileiras sobre o caráter lúdico de atividades teatrais. Constatei, sobretudo, que já vinha trabalhando, sem saber, com o sistema de jogos teatrais, desenvolvido por Viola Spolin, e com muitos jogos e exercícios propostos por Augusto Boal (esses dois autores serão mencionado

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no capítulo 2, e a ligação entre suas obras e o trabalho desenvolvido na instituição pesquisada será exposta no capítulo 4). Continuei, então, trabalhando na mesma linha que já vinha desenvolvendo, acrescentando a ela novos conhecimentos que a leitura me proporcionava. Além disso, fui também incorporando ao trabalho novas práticas que meu trabalho como atriz, frequentemente, me apresentava.

A literatura especializada abriu-me novos horizontes também no sentido de ampliar meu entendimento sobre a importância do trabalho artístico com indivíduos em idade escolar. Tudo o que lia era compatível com aquilo que meus próprios alunos, seus pais e demais professores costumavam me relatar a respeito das contribuições que as atividades teatrais traziam para suas vidas, tais como melhora na autoestima, superação da timidez, desenvolvimento do senso de coletividade e maior facilidade nos relacionamentos interpessoais. Esses relatos – não raro, emocionados – que ouvia e ainda ouço sobre conquistas atingidas por meio do teatro motivam-me a continuar trabalhando com teatro-educação e impulsionam-motivam-me a querer aprofundar motivam-meus estudos nessa área, buscando respostas a questionamentos como os seguintes: por que a experiência com teatro costuma ser tão significativa para indivíduos em idade escolar? Que papel esses sujeitos conferem à vivência teatral para sua formação e, consequentemente, para a construção de suas histórias de vida? A gestão de suas carreiras, por exemplo, é de algum modo influenciada pela experiência com teatro vivida no colégio? Os saberes construídos e as habilidades adquiridas com a prática teatral contribuem para a cultura cidadã desses indivíduos, no que diz respeito a olhar e analisar o mundo e sua complexidade? Podem os processos teatrais desenvolvidos na escola em questão favorecer processos emancipatórios?

Perguntas como essas, que há muito me intrigam, levaram-me a elaborar a pesquisa aqui apresentada, em que investigo a contribuição de processos teatrais, desenvolvidos em ambiente escolar, para a formação de indivíduos como cidadãos. O foco na cidadania, além da curiosidade individual, justifica-se pela relevância social da temática, em especial no que tange a contextos educativos. Vale observar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 22, estabelece que a Educação Básica tem como finalidade assegurar ao educando “[...] a formação comum indispensável para o exercício da cidadania [...]” (BRASIL, 1996), e que os Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados na esteira da LDB, apresentam como propósito geral “[...] apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como

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cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres” (BRASIL, 1997, n.p.). Na parte em que trata especificamente sobre Arte, o documento enfatiza a seleção de conteúdos que colaborem para a formação do cidadão.

Cabe, então, perguntar: como pode a linguagem teatral, em suas singularidades, colaborar para essa formação? Ao descrevermos o trabalho com teatro realizado no Instituto Educacional Imaculada, buscamos respostas a esse questionamento. De tal modo que esta pesquisa, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma análise das particularidades de processos teatrais desenvolvidos em determinada escola em sua relação com liberdade, igualdade e participação, configura-se também como um estudo da especificidade do próprio teatro, entendido como linguagem artística, em sua relação com a cidadania.

Objetivos

Geral

Verificar de que forma a experiência de fazer teatro na escola contribui para a formação da cidadania. São focalizadas, neste objetivo geral, três perguntas centrais:

1) Como se dá a formação da cidadania via atividades teatrais em um determinado contexto educacional?

2) Como a experiência de fazer teatro na escola contribui para a maneira como os indivíduos enxergam e vivenciam a cidadania em diferentes campos de suas vidas?

3) Qual a singularidade da contribuição do teatro para o desenvolvimento dos valores cidadãos (liberdade, igualdade e participação)?

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32 Específicos

 Investigar relações entre teatro, educação e cidadania em diferentes tempos e espaços.

 Descrever a metodologia de trabalho com teatro desenvolvida extracurricularmente dentro de uma comunidade escolar de Ensino Básico, com sistematização de cada uma das fases do processo e caracterização dos elementos práticos e conceituais de como ocorrem as atividades.

 Identificar, na metodologia de trabalho com teatro descrita, características e procedimentos específicos que contribuam para a construção da cidadania.

 Verificar como se dá a articulação entre as práticas escolares regularmente atribuídas à educação formal e elementos conceituais usualmente associados à educação não formal.

 Identificar contribuições do teatro escolar para a construção das trajetórias de vida de indivíduos, buscando respostas aos seguintes questionamentos: que significados os sujeitos atribuem à experiência teatral vivenciada? Quais as contribuições na memória? Qual a percepção dos sujeitos sobre cada um dos valores cidadãos – liberdade, igualdade e participação – com relação às atividades teatrais das quais participaram? Qual a percepção acerca desses mesmos valores em suas vidas atuais? Essa visão atual foi influenciada pela experiência com teatro?

 Verificar se os sujeitos reconhecem influências da experiência teatral em sua maneira de enxergar e vivenciar a cidadania nos seguintes campos de suas vidas atuais:

1) ambiente de trabalho ou estudantil; 2) relações afetivas;

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33 Metodologia

Esta é uma pesquisa qualitativa que transita pelos campos da História e da Memória, tais como compreendidos por Burke (1992, 2002, 2005), Le Goff (1996), Ricoeur (1968) e Seixas (2001, 2002). História, que se conta tanto no estabelecimento de relações, em diferentes tempos e espaços, entre o teatro e os campos da cidadania e da educação, quanto no resgate da cronologia e de diferentes situações vivenciadas no trabalho teatral desenvolvido na escola estudada. Memória, que se visita sob a ótica de diferentes “narradores”: a própria pesquisadora, que na condição de professora de teatro e ex-aluna da instituição pesquisada, fez e faz parte desse lugar e o apresenta, historicamente, revisitando sua própria memória; e sujeitos (alunos e ex-alunos) que também participaram da história do teatro na escola em foco e que ali construíram suas próprias histórias. Nessa perspectiva, entendemos que “o tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta” (LE GOFF, 1996, p. 13, grifo do autor).

Nessa reconstrução de memórias, em que as histórias contadas por todos os participantes contribuem para a elucidação do objeto, interessa-nos não olhar o passado como “aquilo que passou”, mas como uma experiência que se reflete no presente e nos ajuda a compreendê-lo, além de permitir lançar o olhar para o futuro. Dessa forma, espera-se que a pesquisa componha um painel de representações atuais de experiências vivenciadas e memórias passadas que, reunidas, apontem para a dimensão da importância do teatro na formação de indivíduos, como cidadãos. Tal meta ajuda a esclarecer a concepção de memória com a qual trabalhamos; concepção, esta, que se reflete nas palavras de Jacy Seixas:

A memória não é jamais como aparece superficialmente, ou seja, como uma retrospectiva, um resgate passivo e seletivo de fatias do passado que vêm, como um decalque, compor ou ilustrar nosso presente; seu movimento, ao contrário, é antes de mais nada o de prolongar o passado no presente. A memória não é regressiva (algo que parte do presente fixando-se no passado); ela é prospectiva e, mais do que isso, é projetiva, lançando-se em direção ao futuro (SEIXAS, 2002, p. 45).

Para alcançar os objetivos gerais e específicos traçados, o trabalho se vale de fontes documentais diversas: entrevistas, fotos, programas de peças teatrais, documentos escritos

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(provenientes tanto dos referenciais teóricos já mencionados quanto dos arquivos da escola estudada e do acervo pessoal da pesquisadora), além de depoimentos de funcionários e ex-alunos da instituição, que não foram submetidos às entrevistas, mas que contribuíram para a reconstrução das memórias presentes neste trabalho, como será detalhado mais adiante.

Tendo em vista que nos propomos a estudar as especificidades das atividades teatrais desenvolvidas em um dado colégio, situado em determinado tempo e espaço, utilizamos, em alguns momentos, procedimentos da metodologia do estudo de caso. Afinal, de acordo com Stake (1995 apud ANDRÉ, 2005, p. 18-19), o “estudo de caso é o estudo da particularidade e da complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade dentro de importantes circunstâncias”. Entendemos que nosso objeto de estudo – atividades teatrais extracurriculares desenvolvidas em um estabelecimento de ensino e suas contribuições para a formação da cidadania – apresenta natureza multideterminada e complexa: as memórias dos indivíduos sobre o processo teatral vivenciado durante a vida escolar e as percepções da própria pesquisadora, como professora da instituição estudada, são, evidentemente, permeadas pela subjetividade e influenciadas por uma série de variáveis. Neste ponto, o estudo de caso oferece algumas pistas interessantes para a pesquisa sobre a escola em foco:

O estudo de caso pode ser um meio de se fazer ciência, principalmente quando a natureza do fenômeno observado é multideterminada e interessa conhecer de modo profundo e abrangente a singularidade de cada situação, mesmo que, em última instância, busque-se um conhecimento que, de alguma forma e em alguns aspectos, possa ser generalizável (HELOANI; CAPITÃO, 2007, p. 31).

Na citação acima, como se nota, os autores destacam a aplicabilidade do estudo das particularidades de um caso específico, ainda que o intuito final seja chegar a um conhecimento passível de generalização. Esse é o caminho traçado nesta pesquisa. Como se verá ao longo da dissertação, são muitas as maneiras de se trabalhar com a linguagem teatral em contextos escolares. Existe, na atualidade, uma multiplicidade de metodologias para o trabalho com teatro, além da possibilidade de cruzamento entre as diversas práticas existentes. Diante desse quadro, emerge a necessidade de se estudar processos de trabalho em suas singularidades e buscar entender se cada trabalho específico contribui ou não para o desenvolvimento de valores

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cidadãos. A partir dos resultados obtidos, é possível compreender se na situação estudada há elementos que podem ser apontados como importantes para a formação da cidadania; é também possível destacar indícios para sabermos quais desses elementos podem ser replicados ou adaptados a outras situações (outras instituições de ensino, por exemplo). Desse modo, optamos pelo estudo de um caso particular como um dos encaminhamentos metodológicos, dados estes dois motivos: a especificidade da experiência teatral vivenciada e selecionada para esta dissertação; e a possibilidade de generalização do conhecimento que a pesquisa oferece – tanto do ponto vista do entendimento das relações entre o teatro na escola e a formação da cidadania quanto no que tange a possíveis contribuições para trabalhos teatrais desenvolvidos em contextos diversos.

André (2005, p. 52) destaca que um dos elementos fundamentais de um estudo de caso é a “descrição densa” do fenômeno estudado, com vistas a dar ao leitor a “sensação de ter estado lá”. Nesse sentido, dedicamo-nos a descrever as atividades teatrais realizadas na escola abordada por este estudo de maneira detalhada, por meio da apresentação do histórico do teatro na instituição e da descrição pormenorizada da metodologia desenvolvida. Além disso, apresentamos características gerais e dados históricos da própria instituição de ensino e das demais linguagens artísticas ali oferecidas, para delinear o contexto sócio-histórico no qual o evento estudado se desenvolve.

Para a reconstituição histórica, contribuíram para a pesquisa, por meio de depoimentos registrados em redes sociais, muitos ex-alunos – além daqueles que foram entrevistados –, especialmente pertencentes ao primeiro grupo de teatro da escola. A participação desses antigos estudantes – hoje profissionais das mais diversas áreas – foi importante no sentido de relembrar fatos e datas importantes da história do teatro no colégio em questão. Para o levantamento de dados históricos relativos à escola e às demais linguagens artísticas ali desenvolvidas, contou-se com a contribuição de professores e demais funcionários que trabalham na instituição há pelo menos duas décadas.

A pesquisa levantou também dados do acervo documental do Instituto Educacional Imaculada, em que constam livros-ata, quadros curriculares, planos de trabalho e quadros de contratação de professores de quase todos os anos desde a fundação da escola, ocorrida em 1952. As fotos que ilustram os capítulos em que se apresenta a instituição e o trabalho teatral ali

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desenvolvido fazem parte dos arquivos da escola, dos acervos de ex-alunos que contribuíram para a pesquisa e do acervo pessoal da pesquisadora.

Com relação às entrevistas, optou-se pelas semiestruturadas, aquelas em que, de acordo com Moreira (2004, p. 55),

O entrevistador pergunta algumas questões em uma ordem pré-determinada, mas dentro de cada questão é relativamente grande a liberdade do entrevistado. Além disso, outras questões podem ser levantadas, dependendo das respostas dos entrevistados, ou seja, podem existir questões suplementares sempre que algo de interessante e não previsto na lista original de questões aparecer.

As entrevistas foram realizadas com uma pequena amostra de indivíduos que, enquanto estudantes de Ensino Médio do IEI, participaram de atividades teatrais extracurriculares1 por no mínimo dois anos. Foram investigadas as memórias que esses sujeitos mantêm do processo vivenciado e as relações que estabelecem entre tal vivência e diferentes campos de suas vidas na atualidade (ambiente de trabalho ou estudantil, relações afetivas e participação na vida pública). Os entrevistados são pertencentes a dois grupos distintos: aqueles que participaram de atividades teatrais na escola em tela há mais de quatro anos, e aqueles que fizeram teatro na instituição em anos mais recentes (entre 2011 e 2013). Os primeiros são indivíduos maiores de 21 anos, que já estão inseridos no mercado de trabalho, e que, pelo maior distanciamento histórico das atividades teatrais, possibilitaram a compreensão das contribuições do teatro, a longo prazo, para suas trajetórias de vida e para a sua atuação como cidadãos no mundo. Os segundos – aqueles que fizeram teatro na instituição em anos recentes – são indivíduos com idade até 18 anos, que ainda cursam Ensino Médio ou que ingressaram há pouco tempo no Ensino Superior. Alguns deles ainda participam das atividades teatrais na instituição pesquisada. Suas percepções ajudam a

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A instituição pesquisada também oferece aulas de teatro em caráter curricular, conforme será descrito no capítulo 3. A opção pelas atividades extracurriculares como objeto de estudo advém dos seguintes fatos: as atividades extracurriculares na escola em tela são desenvolvidas em maior escala – em termos de oferecimento a diferentes séries, número de turmas, quantidade de alunos atingidos e tempo das aulas – que as curriculares (vide Quadro 2, capítulo 3); as atividades extracurriculares, por terem caráter de adesão voluntária e não apresentarem a necessidade de seguir um currículo padronizado, possibilitando a adaptação dos conteúdos à necessidade de cada contexto (questões que serão melhor explicitadas no decorrer da dissertação), aproximam-se mais das características da educação não formal e podem, portanto, configurar terreno propício à formação da cidadania.

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compreender como se dá o desenvolvimento dos valores cidadãos via processos teatrais e se a experiência recente já se reflete em diferentes aspectos de suas vidas.

Para situar o trabalho no universo teórico que lhe diz respeito, foi realizado um levantamento bibliográfico pertinente à área selecionada para a pesquisa, englobando estudos de referenciais teóricos nos campos da cidadania, educação formal e não formal, história do teatro e teatro-educação. Na apresentação do material estudado, buscou-se estabelecer relações entre os campos abordados e contextualizar, historicamente, tais ligações. Ainda com vistas à contextualização histórica, este trabalho contempla a produção da Linha do Tempo “Teatro e Educação: breve sinopse”, em que são dispostas algumas das principais relações entre essas duas áreas, estabelecidas por filósofos, pesquisadores e autores de teatro, desde a Idade Antiga até a atualidade. A linha também destaca as principais correntes metodológicas de trabalho com teatro desenvolvidas a partir do século XX.

Organização do trabalho

Esta pesquisa apresenta como foco central o teatro e busca relacioná-lo a duas grandes áreas: a cidadania e a educação. Tendo isso em vista, os capítulos que compõem o trabalho estão divididos, em linhas gerais, do seguinte modo: o primeiro versa sobre relações entre teatro e cidadania; o segundo explora relações entre teatro e educação; e os três seguintes abordam teatro e cidadania em um contexto educacional específico. Os dois primeiros capítulos, portanto, são dedicados à análise teórica das categorias abordadas pela pesquisa, e os demais à apresentação e análise do caso selecionado para o estudo.

O capítulo 1, especificamente, aborda a categoria “Cidadania”, relacionando-a com a prática teatral em contextos diversos. A princípio, são apresentados os conceitos de cidadania, valores cidadãos e teatro abarcados pela pesquisa. Em seguida, são estabelecidas relações entre os conceitos apresentados, primeiro do ponto de vista da história do teatro e, em seguida, do ponto de vista do contexto educacional. É também nesse capítulo que se apresenta a categoria “Educação Formal e Não Formal” e se discutem suas relações com a temática da cidadania e a prática teatral em contextos escolares.

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O capítulo 2, por sua vez, dedica-se à categoria “Relações entre Teatro e Educação”. É traçado, em linhas gerais, um panorama histórico das relações entre os dois temas, desde a Antiguidade até os dias atuais. Nesse panorama, são apresentadas contribuições de filósofos e outros estudiosos que teceram considerações a respeito do potencial educativo do teatro. O panorama também dá notícia sobre as principais tendências pedagógicas com essa arte, desenvolvidas a partir do século XX. O capítulo apresenta, ainda, uma breve retrospectiva da relação entre teatro e educação especificamente no contexto escolar brasileiro.

O capítulo 3 dá início ao estudo da instituição selecionada e do trabalho com teatro ali desenvolvido. São levantados aspectos históricos e características gerais tanto da escola quanto das disciplinas ligadas às artes por ela oferecidas. No que diz respeito ao teatro, a exposição histórica permite compreender como a atividade, ao longo dos anos, foi se estruturando e ganhando espaço no colégio. Na apresentação do histórico e das características gerais do teatro na escola estudada, são destacadas relações entre a atividade e a temática da cidadania. Ao final do capítulo, há uma seção especial, intitulada “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte I”, em que a pesquisadora narra situações específicas que exemplificam as características apresentadas e se relacionam aos valores cidadãos.

O trabalho de teatro desenvolvido na instituição pesquisada incorpora elementos de algumas das correntes metodológicas apresentadas no capítulo 2. Trata-se de uma metodologia específica, e é à sua exposição que se dedica o capítulo 4. O processo de trabalho em questão divide-se, em linhas gerais, em duas grandes fases: “aulas livres” e “montagem de peça teatral”. Cada uma dessas fases é abordada em seção específica, em que se expõem os procedimentos metodológicos adotados e seus respectivos objetivos pedagógicos. Mais uma vez, são apontados aspectos que ligam a temática da cidadania ao trabalho com teatro desenvolvido na instituição, agora sob a perspectiva específica dos processos teatrais ali desenvolvidos. Esse capítulo também conta com uma seção final intitulada “Singularidades dos processos teatrais do IEI – parte II”, em que se analisam programas2 de peças teatrais realizadas na instituição. A partir desses materiais,

2

Denominam-se “programas” os livretos entregues ou vendidos aos espectadores antes de apresentações teatrais, em que, de modo geral, apresentam-se os nomes dos profissionais envolvidos na montagem e informações sobre o texto, os autores, a encenação, entre outras. No IEI, são confeccionados programas das peças de estudantes de Ensino Médio e o material é distribuído gratuitamente ao público, na entrada do auditório.

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são descritas particularidades de cada um dos processos de montagem, que servem de exemplo às características do trabalho expostas no capítulo e apresentam ligações com os valores cidadãos.

No capítulo 5, as relações entre cidadania e atividades teatrais são estudadas a partir das entrevistas realizadas com indivíduos que participaram dos processos descritos no capítulo 4. A análise busca compreender se a vivência teatral experimentada pelos sujeitos se reflete na maneira como eles compreendem e vivenciam os valores de liberdade, igualdade e participação em diferentes aspectos de suas vidas.

O trabalho é finalizado com as Conclusões, em que se busca destacar os aspectos mais relevantes da pesquisa, responder a determinados questionamentos colocados no decorrer do trabalho, e indicar reflexões e algumas conclusões a que o percurso traçado permitiu chegar.

Em anexo à dissertação, segue um DVD contendo imagens das entrevistas realizadas para o trabalho. O material também inclui fotos e vídeos de peças teatrais dirigidas pela pesquisadora e encenadas por estudantes de Ensino Médio da escola estudada nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013.

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1 TEATRO E CIDADANIA

“Uma companhia de teatro democrática, igualitária e

libertária, apresentando peças de grande diversidade, poderia expressar o ideal de um mundo no qual eu quero viver.”

Trevor Nunn3 (Ensemble Theatre Conference, 2004).

Cai a noite. Dezenas de alunos reúnem-se no pátio da escola. Estão ansiosos e apreensivos. Posicionam-se em círculo. Alguns tomam a palavra. Agradecem, incentivam, encorajam. Todos se emocionam. E silenciam. Dão-se as mãos. Repetem, então, seguindo a professora: “Eu seguro minha mão na sua, para que tudo aquilo que eu não posso e não quero fazer sozinho, possamos fazer todos juntos!”. As palavras são proferidas com seriedade e entusiasmo. Concentração. Adrenalina. Continuam todos ansiosos e apreensivos. Porém preparados, agora. Abraçam-se. Deixam o pátio. Cada qual toma seu lugar. Abrem-se as cortinas.

A cena descrita repete-se todos os anos, com variadas turmas de estudantes, no Instituto Educacional Imaculada, em Campinas – SP. Ela ocorre sempre alguns minutos antes de as turmas de teatro realizarem suas apresentações no auditório da instituição. Trata-se de uma espécie de ritual preliminar coletivo, que favorece a concentração e o sentimento de pertencimento ao grupo. A frase4 proferida em uníssono, de certa forma sintetiza o cerne desta dissertação: a construção de valores ligados à cidadania. Ao se posicionar em círculo, de mãos dadas com colegas, e dizer “eu seguro minha mão na sua”, cada estudante coloca-se em posição de igualdade com os demais; ao afirmar “tudo aquilo que eu não posso [...] fazer sozinho, possamos fazer todos

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Trevor Nunn é diretor de teatro, cinema e televisão. É o atual diretor artístico da companhia teatral inglesa Theatre Royal Haymarket, cargo que também ocupou na Royal Shakespeare Company (de 1968 a 1986) e no Royal National Theatre (de 1997 a 2003).

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A frase em questão costuma ser utilizada também em meios profissionais, e é conhecida, por alguns grupos, como “oração do teatro”.

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juntos”, o aluno afirma o valor da participação de todos no processo; e, ao acrescentar “e não quero fazer sozinho”, o indivíduo exprime sua liberdade de escolha, e a opção por estar ali.

Igualdade, participação e liberdade são os valores destacados por Carvalho (2010) na exposição daquilo que, em seu entendimento, seria o ideal de cidadania. O autor aborda a cidadania como um fenômeno complexo, histórico e de definição não estanque. O conceito de cidadania com o qual o estudioso trabalha diz respeito a uma combinação entre os três valores destacados. O autor pondera que essa combinação, ainda que talvez inalcançável de maneira plena, tem servido de parâmetro para que se avalie a qualidade da cidadania em diferentes países e momentos históricos. Em consonância com Carvalho, Gohn (2012, p. 195) coloca que “[...] o conceito de cidadania é amplo e complexo e abrange várias dimensões”. Dentre tais dimensões, a autora destaca a individual (cidadania relativa aos direitos e deveres dos indivíduos) e a coletiva (direitos e deveres de grupos), ponderando que, em ambas, liberdade e igualdade sempre foram categorias centrais. O conceito de cidadania com o qual trabalha Gohn encontra eco nas obras de Marshall (1967), Arendt (1981), Paoli (1989), Teles (1991) e Weffort (1993). Para o conceito de “cidadania ativa” com o qual trabalha Benevides (1991), participação é valor fundamental: quando o povo toma parte na função de legislar, combatem-se as tradições oligárquica e patrimonialista, tão arraigadas na sociedade brasileira. A mesma autora destaca liberdade e igualdade como valores indispensáveis ao exercício de uma educação voltada para a democracia (Benevides, 1996).

Este trabalho toma como referência a visão sobre cidadania apontada pelos autores citados, abarcando liberdade, igualdade e participação sob o termo “valores cidadãos”5

. Como se verá no transcorrer deste capítulo, são muitas as relações que se podem estabelecer entre os valores citados e a prática teatral, tanto do ponto de vista da história do teatro quanto em contextos educacionais.

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O conceito de cidadania, para os autores que são nossa referência, é trabalhado em várias dimensões, abrangendo questões sociais, políticas, econômicas e culturais dos indivíduos na sociedade, e suas relações com o Estado. Eles adotam a perspectiva do ponto de vista histórico, como processo social em construção. Nesta pesquisa, não é nosso intuito realizar uma análise ampla da cidadania junto ao grupo investigado. Interessa-nos, aqui, compreender o potencial emancipatório de atividades teatrais com indivíduos em idade escolar, do ponto de vista da formação desses indivíduos como cidadãos, observando de que modo os valores apresentados (liberdade, igualdade e participação) influenciam seu pensar e agir. Esses três valores constituem, portanto, um recorte de um conceito mais abrangente de cidadania; conceito este que, no que se refere ao reconhecimento jurídico da dignidade do indivíduo, engloba os direitos de ser livre, de ser igual e de participar.

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Antes de abordar tais relações, vale colocar que quando nos referimos a teatro, nesta pesquisa, não o estamos compreendendo do ponto de vista “estático”, entendido por Alain Girault (1975, apud PAVIS, 1999) como o local da representação, em geral constituído por um espaço onde se atua (palco) e um espaço de onde se olha (sala). Estamos, sim, considerando-o do ponto de vista “dinâmico”, que, de acordo com o mesmo autor, corresponde à “[...] constituição de um mundo ‘real’ no palco em oposição ao mundo ‘real’ da sala e, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma corrente de ‘comunicação’ entre o ator e o espectador” (GIRAULT, 1975, p. 14 apud PAVIS, 1999, p. 373).

De modo análogo, quando falamos aqui em teatro, não nos referimos ao texto dramático propriamente dito. Mesmo quando mencionamos certos textos escritos – como no caso daqueles de autoria de William Shakespeare, como se verá mais adiante –, fazemo-nos cientes de que estes foram escritos com vistas à encenação.Nesse sentido, ao utilizar a palavra “teatro”, aproximamo-nos mais daquilo a que se costuma chamar “teatralidade” 6.

Abrangemos ainda, sob o termo “teatro”, o trabalho do ator (seja ele profissional, seja estudante), não apenas no momento da representação de um determinado espetáculo, mas também em todo o processo que a precede, e que usualmente envolve pesquisa, criação e ensaios. Além disso, abarcamos em nossa concepção de teatro os processos desenvolvidos com base em jogos de improvisação teatral, sem que haja, necessariamente, a vinculação com a produção de peças teatrais7. A respeito dos jogos improvisacionais, Desgranges (2011) é enfático no sentido de defender que eles devem ser considerados teatro, uma vez que nas oficinas em que se realizam essas práticas, o encontro entre ator e espectador – fundamental para que o fenômeno teatral aconteça, como se verá mais adiante – acontece de modo intenso (diversas cenas são improvisadas, e os participantes ora se colocam na posição de atores, ora na de espectadores).

Estabelecidos os conceitos de cidadania e teatro abarcados por este trabalho, passemos agora à analise das relações entre esses dois temas, em diferentes tempos e espaços. Em uma

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Pavis (1999, p. 372) explica que o conceito de teatralidade foi provavelmente formulado com base na mesma oposição existente entre literatura e “literalidade”, sendo, portanto, “[...] aquilo que, na representação ou no texto dramático, é especificamente teatral (ou cênico)”. Nesta concepção, o texto dramático, quando lido ou concebido sem que haja a representação mental da encenação, opõe-se à teatralidade.

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Na escola enfocada nesta pesquisa, os alunos de teatro participam de jogos de improvisação (vide capítulo 4, subcapítulo 4.2.1); tomam parte, também, em processos de montagens de peças teatrais, durante os quais vivenciam etapas de pesquisa, criação e ensaios (capítulo 4, subcapítulo 4.2.2).

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primeira seção, abordaremos o teatro como fazer artístico, não relacionado especificamente a contextos escolares, destacando exemplos de práticas e textos teatrais de diferentes épocas que, de alguma forma, se relacionam com questões ligadas à cidadania. Em seguida, exploraremos o contexto educacional – tanto formal quanto não formal – destacando exemplos de iniciativas em que a prática teatral está ligada ao exercício dos valores cidadãos.

1.1 Contexto histórico

A primeira relação que se pode estabelecer entre teatro e cidadania reside naquilo que constitui a própria essência do teatro: a coletividade. Tanto na dimensão do fazer teatral (aqui compreendido como ofício de atores, encenadores e todos aqueles que participam diretamente da criação e encenação de um espetáculo), quanto na relação entre atores e espectadores, a presença do outro – ou, para utilizar um dos termos relevantes nesta pesquisa, a participação – é condição fundamental para que o fenômeno teatral aconteça. Como lembra Ledubino (2009), fazendo referência a uma afirmação comum no meio teatral, mesmo para a realização de um monólogo, é necessária a participação de uma equipe (que pode contar com diretor, técnicos, figurinista, cenógrafo, entre outros); e ainda que um espetáculo seja totalmente concebido e executado por uma mesma pessoa, há de se considerar que, ao final do processo, a obra será apresentada a um público, “[...] momento imprescindível para a efetivação do ato teatral” (p. 12).

Falar em teatro seria, portanto, em última análise, falar em relação. Relação esta que se pode estabelecer “[...] entre autor, encenador, ator e todos os outros membros da equipe de realização; entre as personagens e, de maneira global, entre o espetáculo e o público” (PAVIS, 1999, p. 337). Esta última relação – entre palco e plateia – é considerada, por diversos autores, como a própria essência do teatro. Spolin (2000, p. 11), por exemplo, coloca que “sem a plateia não há teatro. [...] Ela dá significado ao espetáculo”. Para Bertold Brecht, “[...] a verdadeira relação de ordem política, ideológica e social do teatro é conseguir estabelecer o diálogo entre o espetáculo e a plateia” (PEIXOTO, 1998, p. 9). Patrice Pavis, por sua vez, entende que a definição mínima de teatro está inteira contida nesta afirmação de Jerzy Grotowski: “o que se

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passa entre ator e espectador. Todas as outras coisas são suplementares” (GROTOWSKI apud PAVIS, 1999, p. 337).

Justamente por ser o teatro uma relação, da qual participam atores e espectadores, essa forma de arte sempre esteve, de alguma maneira, ligada à vida em sociedade. Portanto, diferentes momentos históricos podem ser considerados para explicitar vínculos entre teatro e cidadania. Neste contexto, podemos mencionar a sociedade grega, tida como berço da democracia e também do teatro, conforme tradicionalmente o conhecemos no mundo ocidental. De acordo com Berthold (2006, p.103), “o teatro é uma obra de arte social e comunal; nunca isso foi mais verdadeiro do que na Grécia antiga. Em nenhum outro lugar, portanto, pôde alcançar tanta importância como na Grécia”.

O teatro, à época, era uma verdadeira experiência coletiva. O cidadão grego8 tinha o costume de assistir às apresentações teatrais, das quais participava efusivamente, manifestando aprovação com ruidosas palmas e desagrado com assobios e batidas de pés. Essa liberdade de expressar a própria opinião era bastante importante para o espectador grego:

A liberdade de expressar sua opinião foi algo de que o antigo frequentador de teatro fez uso amplo e irrestrito, considerando a si próprio, desde o mais remoto início, um dos elementos criativos do teatro (BERTHOLD, 2006, p. 114).

Os festivais de teatro da Grécia antiga, conhecidos como “Dionisíacas”, atraíam milhares de pessoas. Os governos da maioria das polis entendiam essa arte como ferramenta de educação de seu povo (este ponto será retomado no capítulo 2) e estimulavam, inclusive financeiramente, os cidadãos a frequentar o teatro. Muitas das peças gregas que chegaram até nós, especialmente as comédias, tratam de temas políticos e fazem menção explícita aos governantes da época. É o caso, por exemplo, de As Vespas (422 a.C) e As Rãs (405 a.C.), ambas de Aristófanes (?448 a.C.-?380 a.C.): na primeira, o autor posiciona-se contra a organização dos tribunais de Atenas; na segunda, explora as tensões políticas e os conflitos internos existentes na polis no final do século V.

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A concepção de “cidadão”, na antiga Grécia, excluía mulheres, crianças, estrangeiros e escravos. Estes últimos, porém, podiam frequentar festivais de teatro, contanto que tivessem licença de seus amos para tal (BERTHOLD, 2006).

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Outro exemplo histórico que evidencia a ligação do teatro a questões relativas à cidadania é o teatro shakespeariano. Barbara Heliodora, conceituada especialista na obra de William Shakespeare, dedica um capítulo inteiro de seu livro Reflexões Shakespearianas (2004) à analise do tema. O capítulo intitula-se A Lei e a Cidadania em Shakespeare. Nele, a autora analisa diversas obras do dramaturgo do ponto de vista da cidadania e enumera a quantidade de vezes que palavras como “justiça”, “lei”, “governo”, “ordem”, “comunidade” e “dever” são encontradas nas peças de Shakespeare, demonstrando que o autor, constantemente, se voltava para tais assuntos. Heliodora (2004, p. 241) destaca que o dramaturgo, desde suas primeiras peças até a última delas, revela um significativo interesse “[...] quanto ao bom governo e à relação entre governantes e governados, que se expressam, necessariamente, por meio do respeito à lei e à responsabilidade da cidadania, muito embora este último termo, como tal, não fosse ainda corrente”.

Ainda de acordo com Heliodora (2004), Shakespeare deixa claro, ao longo de sua carreira, seu conceito de bom governo: aquele que zela pelo bem de sua comunidade. Conceito este que, vale frisar, é escrito para ser comunicado9. Assim, ao fazer transparecer em sua obra seu conceito de bom governo, Shakespeare quer transmiti-lo a seus contemporâneos, como comprovam os desfechos de todos os seus textos: em nenhuma de suas peças existe a possibilidade de qualquer tipo de final feliz não atrelado a um bom governo. Nas comédias, o desfecho alegre sempre ocorre atrelado à situação política em que o bom governante prospera; “nas tragédias fica, pelo menos, a esperança de que a lei e a cidadania, graças à recomposição final, tenham sua vez” (HELIODORA, 2004, p. 351).

Assim como na Grécia antiga e na produção shakespeariana, em tempos mais recentes a situação política continua a ser enfocada pelo teatro. No século XX, diferentes contextos políticos e socioeconômicos, no Brasil e no mundo, fizeram despontar teatros concebidos e encenados tendo como principal objetivo a denúncia de situações de injustiça social, opressão e

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De acordo com Burgess (1978), William Shakespeare não parecia pensar em suas peças como literatura; seu interesse era exclusivamente a plateia, no momento da representação. A esse respeito, Heliodora (2004) coloca que algumas das características da obra de Shakespeare demonstram claramente que, quando escrevia seus textos, o dramaturgo já o fazia pensando nos atores que os encenariam, no palco em que seriam representados e na plateia que os assistiriam.

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47 arbitrariedade de poder. É o caso do “teatro épico”10

, de Bertold Brecht, (1898-1956), dramaturgo alemão que utilizava o teatro como instrumento de luta política contra as contradições econômicas e sociais da sociedade burguesa. É também o caso do “teatro do oprimido”11

, de Augusto Boal, (1931-2009), dramaturgo e diretor teatral brasileiro, que pretendia conscientizar politicamente o público, transformando a visão sobre as relações tradicionais de produção material nas sociedades capitalistas (BOAL, 1979).

Desgranges (2011) destaca que o período compreendido entre o final dos anos de 1950 e o início da década de 1970 foi marcado por uma forte efervescência social em todo o mundo – com lutas por libertação nacional na América Latina, movimentos pacifistas nos Estados Unidos contra a guerra no Vietnã, e protestos de estudantes e trabalhadores na Europa – e que essa agitação foi acompanhada por um intenso movimento artístico-teatral:

A produção teatral estava preocupada e engajada na luta política que se instalava com urgência de uma tomada de posição em diversos países do mundo, voltando seus trabalhos para a denúncia dos mais diferentes abusos e a reflexão acerca das necessidades imediatas desta luta (DESGRANGES, 2011, p. 54).

Diversos grupos teatrais que surgiram naquela época tinham o intuito de fazer da arte dramática um verdadeiro instrumento revolucionário, não apenas denunciando ao espectador as mais diversas injustiças, mas provocando-o a agir. Nessa busca, a função da plateia começou a ser revista, e o termo “espectador” questionado: não bastava que o público assistisse à apresentação; era preciso que ele fosse convidado a se tornar um parceiro de criação, de modo a interferir nas cenas. Era o que ocorria, por exemplo, nas encenações do grupo norte-americano

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“Teatro épico” foi o nome dado “[...] a uma prática e a um estilo de representação que ultrapassam a dramaturgia clássica, ‘aristotélica’, baseada na tensão dramática, no conflito, na progressão regular da ação” (PAVIS,1999, p. 130). É, portanto, um teatro que, ao contrário do teatro dramático, não busca o envolvimento catártico do público, e sim a sua reflexão sobre a encenação apresentada. Desgranges (2011, p. 46) explica que enquanto o teatro dramático aborda questões relacionadas à vida privada (como família e relações amorosas), “o teatro épico trata da vida pública, levando para o palco questões da esfera e do interesse da coletividade (a política, os negócios, a guerra)”.

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O “teatro do oprimido” consiste em uma série de procedimentos baseados na improvisação teatral, que pretendem “[...] ajudar o espectador a se transformar em protagonista da ação dramática, para que, em seguida, utilize em sua vida as ações que ensaiou na cena” (DESGRANGES, 2011, p. 70). Trata-se de uma poética teatral inspirada na estética brechtiana, nas ideias de Frantz Fanon e na Pedagogia Libertadora de Paulo Freire. No teatro do oprimido, há uma democratização do acesso ao palco, já que o espectador tem papel ativo nas encenações, convertendo-se em espectATOR (JAPIASSU, 2009).

Referências

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