Micobacteriose
em felino:
relato de caso tratado
com Marbopet
Msc. Luciano Marra Alves - Médico-Veterinário do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Goiás, campus Goiânia
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Introdução
As micobacterioses são enfermidades causadas por bactérias pertencentes ao gênero Mycobacterium e com características estruturais intermediárias entre fungo-bactéria. As doenças micobacterianas são incomuns em gatos, e podem acometer, também, os cães e o próprio homem.
Em felinos, as infecções normalmente se iniciam na região inguinal, ou ainda axilar, de flanco, e dorsal, podendo se expandir para o tecido subcutâneo adjacente, em direção à região abdominal, e até alcançar o períneo. Podem ser eliciadas por causas traumáticas, particularmente por brigas entre gatos ou desses com cães (por arranhadura e/ ou mordedura), mas também por perfurações com lanças de portões ou grades, objetos metálicos ou acidentes automobilísticos, ou, no pós-cirúrgico, por contaminação, a partir da área incisada.
As principais manifestações clínicas incluem lesões semelhantes a abscessos, com aspecto de placa ou goma, ou ainda pápulo-nódulo-tumoral, únicas ou múltiplas, podendo ocasionar espessamento do panículo, alopecia local, formação de fístulas e presença de exsudato sero-sanguino-purulento. Além das alterações cutâneas, pode causar pneumonia granulomatosa, ou, raramente, até doença sistêmica (apatia, hiporexia, febre, dentre outros sintomas).
O diagnóstico específico da enfermidade está normalmente baseado nos aspectos clínicos que a caracterizam associado à colheita de exsudato e/ou de tecido cutâneo de área acometida (por citologia aspirativa e/ou biópsia) para avaliação citológica e/ou histopatológica com o uso de coloração especial (para bacilos álcool-ácido resistentes - BAAR - microscopia óptica, aumento de 1000x/imersão), ou para realização de cultivo microbiológico em meios específicos para micobactérias.
De modo geral, indica-se como forma de tratamento para gatos infectados, a administração de antibiótico sistêmico por via oral (doxiciclina, fluorquinolonas e/ou claritromicina), cuja escolha deve estar idealmente embasada em estudos de sensibilidade in vitro. Recomenda-se empregá-los em dosagens as mais altas possíveis dentre aquelas recomendadas, uma vez que os tecidos subcutâneos não são muito vascularizados, o que pode dificultar a passagem do fármaco e, por consequência, a sua ação contra as micobactérias. O tempo de terapia é normalmente longo (superior a 2-3 meses), e na maioria das vezes a antibioticoterapia instituída isoladamente já é o suficiente para promover a cura clínica, porém, em alguns quadros mais graves, nos quais a remissão dos sintomas não ocorre da forma esperada, pode ser necessária ressecção cirúrgica dos tecidos adjacentes acometidos.
O prognóstico é variável, sendo considerado bom nos quadros unicamente tegumentares, mas pode ser reservado a mau naqueles com acometimento sistêmico.
Relato de caso
Uma gata sem raça definida, 4 anos, com pelagem bicolor (branca e preta), foi atendida no hospital veterinário da Universidade Federal de Goiás, campus Goiânia, com histórico de que 2 meses após se proceder cirurgia eletiva (ovariohisterectomia), com acesso cirúrgico pelo seu flanco esquerdo (sic), foi constatada presença de lesão local, com aspecto bolhoso, e de secreção sanguinolenta perilesional. Foi referido o posterior surgimento de novas coleções líquidas na área adjacente, com extravasamento de exsudação serosanguinolenta, dor e sensação de aumento de temperatura local ao toque, além da lambedura constante da região. Relatou-se, ainda, tratamento prévio com administração única de cefovecina e corticoterapia (prednisolona 1mg/kg, via oral, a cada 24 horas, por cerca de 3 semanas), e verificada remissão clínica parcial (melhora de aproximadamente 40% do quadro), mas com posterior recidiva. Quanto ao estado geral, animal apresentava normorexia, normodipsia, normoquesia, urina em volume, frequência, coloração e odor normais, bem como não foi mencionada qualquer alteração sistêmica. A gata convivia com outros dois felinos, ambos assintomáticos, todos sem acesso à rua, e contactantes humanos também hígidos.
Ao exame físico, constataram-se pápulas-nódulos-tumores de coloração eritemato-violácea em região tóraco-abdominal lateral esquerda, com consistência semi-dura, sensibilidade local bastante aumentada à palpação, bem como presença de alopecia, além de crostas melicérico-hemáticas aderidas (Figuras 1A e 1B).
Procederam-se os seguintes exames laboratoriais cutâneos: citologias aspirativas por agulha fina de parte dos aumentos de volume, pelas quais se verificou extravasamento de secreção purulenta ao se proceder as punções, e à avaliação microscópica (microscopia óptica, corante panótico, aumento de 1000x - imersão), foi constatada presença de neutrófilos íntegros e degenerados, grande quantidade de macrófagos com citoplasma reativo e escassos linfócitos, e bactérias com formato cocóide (½ a 1+), não tendo sido detectado nenhum outro agente; e exame histopatológico de 3 fragmentos colhidos por biópsia incisional, nos quais se observaram padrões lesionais semelhantes, caracterizados pela presença de infiltrado inflamatório multinodular coalescente severo rico em neutrófilos e macrófagos, além da formação de alguns piogranulomas circundando espaços opticamente vazios (lipocistos). Foi, ainda, realizada coloração especial para fungos (PAS), que resultou negativa, e para BAAR (Fite-Faraco), que foi positiva e evidenciou presença de agentes com aspecto de bacilos no interior de alguns
dos lipocistos (Figuras 2A e 2B). Tais alterações foram conclusivas e correspondiam ao quadro de dermatite e
paniculite piogranulomatosa por micobactéria (micobacteriose atípica ou oportunista).
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felino (particularmente degeneração retiniana), ocasião na qual se optou pela troca desta pela marbofloxacina
(2mg/kg a cada 24 horas, via oral - Marbopet® 27,5mg - Ceva Saúde Animal) em monoterapia. Após 40 dias
de tratamento com o fármaco, foi verificada melhora de cerca de 70%, porém, persistência de lesão eritemato-violácea extensa em região tóraco-abdominal lateral esquerda, com aspecto de celulite, além de fístulas locais (Figura 1C), e aos 135 dias de tratamento, constatou-se remissão total do quadro clínico, inclusive repilação plena da área (Figura 1D) e, por conseguinte, foi interrompida a terapia e procedeu-se a alta clínica do animal.
Não foram referidas e/ou identificadas possíveis eventos adversos, bem como não se detectaram alterações laboratoriais (hemograma, perfil renal e hepático) no paciente durante todo o período de administração do fármaco.
Conclusões
Embora não licenciada no Brasil para utilização em gatos, a marbofloxacina é mundialmente empregada no tratamento de algumas enfermidades felinas, tendo demonstrado ser eficaz na terapia contra micobacteriose na espécie no presente caso.
Figuras
A
C
B
D
Figura 1 - Gata, sem raça definida, 4 anos, com diagnóstico de micobacteriose, apresentando, em região tóraco-abdominal esquerda: A e B Lesões pápulo-nódulo-tumorais, alopécicas, com presença de crostas melicérico-hemáticas, previamente à instituição de terapia; C - Remissão de cerca de 70% do quadro após 40 dias da instituição da terapia com marbofloxacina (Marbopet®), mas com persistência de lesão
eritemato-violácea extensa, além da presença de fístulas (setas); D - Melhora total do quadro após 135 dias de terapia com marbofloxacina (Marbopet®),
inclusive com repilação local plena. Fonte: Msc. Luciano Marra Alves.
Um outro estudo foi realizado com 12 animais da raça Beagle com idade variando entre 1 e 5 anos, naturalmente infectados por Giardia sp.
Seis animais do grupo tratado receberam 01 comprimido para cada 10kg de Canex®
Plus 3 (produto à base de Pamoato de Pirantel, Praziquantel e Febantel), por três dias consecutivos, e seis animais do grupo controle foram mantidos sem tratamento.
Dos animais tratados, 100% apresentaram-se negativos para cistos no 7º, 8º e 9º dias após o término do tratamento, ao passo que no grupo controle todos os animais foram positivos para a pesquisa de cistos nos mesmos tempos. Concluiu-se que a administração de Canex®
Plus 3 na dose recomendada (01 comprimido para cada 10kg de peso corporal), durante 3 dias consecutivos, foi eficaz no controle de giardíase em cães (SESPO; 2011).
Eficácia Giardicida do Canex
®Plus 3
6 5 4 3 2 1 0 Tratado Controle
Número de animais com presença de
cistos de Giardia sp. D-5 D-4 D-3 D-2 D-1 D0 D+7 D+8 D+9 Período de Avaliação TRATAMENTO
A
B
Figura 2 - Exame histopatológico de fragmentos cutâneos de gata, sem raça definida, 4 anos, demonstrando: A e B - Presença de alguns bacilos (circulados) no interior de lipocistos, estruturas essas compatíveis com micobactérias (coloração Fite-Faraco, microscopia óptica, aumento de 1000x - imersão).
Fonte: Dra. Juliana Werner.
Referências
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