RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
AUTOR(A/S)(ES) :UNIÃO
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RÉU(É)(S) :EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
ADV.(A/S) :PAULO FAINGAUS BEKIN
RÉU(É)(S) :ANTHONY STEPHEN HARRINGTON
DECISÃO
EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA – IMUNIDADE DE ESTADO ESTRANGEIRO – PRECEDENTE – NEGATIVA DE SEGUIMENTO.
1. O Gabinete prestou as seguintes informações:
Com a inicial de folha 2, a União formalizou ação de execução fiscal de dívida ativa contra a Embaixada dos Estados Unidos da América, visando o recebimento de R$ 3.995,40 (três mil, novecentos e noventa e cinco reais e quarenta centavos) concernentes ao não pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e da multa pelo não recolhimento.
Na manifestação de folhas 19 e 20, os Estados Unidos da América relatam que o crédito tributário decorreria da importação de produtos, ocorrida em 1996, sob o regime de admissão temporária, para exibição em feira promocional em São Paulo. Apontam a contratação, na época, de serviço de despachante, tendo a Embaixada firmado termo de responsabilidade relativo à suspensão do tributo, no qual se comprometeu a informar à Receita Federal a reexportação das mercadorias ou o pagamento do valor devido em caso de nacionalização. Apesar de haver constatado que certa sociedade
não possuir meios de verificar o cumprimento das obrigações fiscais, não tendo, ainda, localizado o despachante. Asseguram, por fim, que os bens não permaneceram em posse da missão diplomática, nem foram por ela alienados. Sustentam a ausência de responsabilidade pelo pagamento do tributo e evocam a imunidade de jurisdição.
À folha 28 à 30, a União ressalta a necessidade de dilação probatória para aferir as alegações da executada, o que seria possível apenas mediante o ajuizamento de ação de rito ordinário ou a apresentação de embargos à execução. Argui a inexistência de imunidade absoluta quando embaixada atua como ente privado. Evoca jurisprudência e requer o prosseguimento da execução.
O processo foi remetido ao Supremo ante o disposto no artigo 102, inciso I, alínea “e”, do Diploma Maior.
A Procuradoria Geral da República preconiza a relativização da teoria da imunidade de jurisdição ante ato praticado a título particular, e não de império ou diplomático. Opina pela impossibilidade de enriquecimento sem causa dos estados estrangeiros quando atuam como entes privados comuns, sob pena de violação ao princípio da boa-fé e aos postulados de Direito Internacional. Aponta que, afastada a imunidade, o estado estrangeiro fica responsável, no caso, pelo pagamento do tributo, porquanto a importação foi efetuada em nome da Embaixada dos Estados Unidos.
2. Anoto haver o Plenário do Tribunal, no Agravo Regimental na Ação Cível Originária nº 543/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, por maioria, assentado a imunidade absoluta de Estados estrangeiros no tocante ao processo de execução fiscal. Eis a ementa confeccionada, publicada no Diário da Justiça de 24 de novembro de 2006:
União contra a República da Coréia. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que, salvo renúncia, é absoluta a imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição executória: orientação mantida por maioria de votos. Precedentes: ACO 524-AgR, Velloso, DJ 9.5.2003; ACO 522-AgR e 634-AgR, Ilmar Galvão, DJ 23.10.98 e 31.10.2002; ACO 527-AgR, Jobim, DJ 10.12.99; ACO 645, Gilmar Mendes, DJ 17.3.2003.
Na oportunidade, respeitada a divergência inaugurada pelo ministro Celso de Mello, figurei na corrente vencedora, por entender aplicável a imunidade, tendo consignado:
Na assentada em que iniciado o julgamento, o ministro relator concluiu pela incidência da imunidade de jurisdição. Pedi vista para refletir sobre a matéria e fazê-lo a partir das peculiaridades do caso.
O acionado argüiu a imunidade de jurisdição (folha 22-verso). No caso, discute-se a pertinência de multa, por falta de guia de importação, aplicada contra o Consulado Geral dos Estados Unidos da América em São Paulo com base no artigo 526, inciso II, do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 91.030, de 1985.
Observe-se que as Convenções de Viena de 1961 e 1963 versam sobre imunidades pessoais de integrantes de missões diplomáticas e consulados. Em síntese, não abrangem o fenômeno no tocante aos Estados estrangeiros. Entretanto, até mesmo razões de ordem prática revelam a ocorrência da imunidade. Doutrina e jurisprudência são no sentido, é certo, da relativização da imunidade dos Estados estrangeiros e de agentes diplomáticos e consulares quando envolvidos direitos de natureza civil, comercial e trabalhista de particular. A razão está na circunstância de se mostrar inviável, ao súdito brasileiro ou a pessoas com domicílio no território nacional, litigar no estrangeiro. Sob o ângulo da matéria tributária, considerados Estados soberanos, atente-se para a impossibilidade de tributação recíproca. Pertinente é ter-se a execução contra
Estado estrangeiro uma vez havida a renúncia à imunidade. Homenageia-se, com isso, a soberania do Estado – Agravos Regimentais nas Ações Cíveis Originárias nº 522/SP, relator ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 23 outubro de 1998; nº 527/SP, relator ministro Nelson Jobim, Diário da Justiça de 10 de dezembro de 1999, e nº 630/SP, da qual fui relator, Diário da Justiça de 2 de setembro de 2004.
Vale frisar a restrição à penhora nos países que admitem a execução, como é o caso dos Estados Unidos da América. Bens e valores integrantes do inventário das missões diplomáticas e consulados não são alcançados, circunscrevendo-se o ato de constrição a contas bancárias, títulos e ações. Mesmo assim, a execução pressupõe envolvimento de particular e de direito cível. Daí o ministro Francisco Rezek, Juiz da Corte Internacional de Justiça, haver consignado em A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro, obra coordenada por Antenor Pereira Madruga Filho e Márcio Garcia – CEDI, Brasília, 2002, p. 19 - que:
A imunidade, portanto, não existe, no caso do processo intentado à conta de uma relação estabelecida com o meio local, ou setor privado, destacadamente, e regida pelo direito material brasileiro.
Tive notícia de algumas ações que o Supremo rejeitou, enfim, em grau de recurso, que o Supremo considerou inteiramente descabidas, de execução fiscal contra o Estado estrangeiro. Aí, entramos no domínio do impossível absoluto. Isso não é uma relação de trabalho. Isso não é uma relação resultante das conseqüências civis do ato ilícito. Isso não tem a ver com o contrato realizado com o particular. É o Estado brasileiro querendo acionar perante a Justiça do Brasil o Estado estrangeiro. Isto continua sendo impensável. A imunidade continua prevalecendo em todas as hipóteses de relação entre as duas soberanias.
A visão é consentânea até mesmo com a Carta da República, no que se tem, no âmbito interno, a imunidade tributária. Preceitua o artigo 150, inciso VI, alínea a, da
Constituição Federal de 1988 ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar impostos uns dos outros, considerado o patrimônio, renda ou serviços. De qualquer forma, prevalece o sistema próprio à soberania.
Acompanho o relator, concluindo pela impossibilidade jurídica do pedido. Julgo, então, a autora carecedora da ação proposta.
O mesmo entendimento, no sentido da incidência da imunidade, veio a prevalecer em pronunciamentos recentes, conforme se observa dos acórdãos alusivos à Ação Cível Originária nº 633, relatora ministra Ellen Gracie, e à Ação Cível Originária nº 645, relator ministro Gilmar Mendes.
3. Ante o quadro, nego seguimento ao pedido e julgo extinto, sem resolução do mérito, o processo de execução.
4. Publiquem.
Brasília, 17 de novembro de 2013.
Ministro MARCO AURÉLIO Relator