industrial sob a ótica de duas
interpretações sobre o Brasil
Resumo
O presente trabalho tem o objetivo de relacionar o descontentamento recente da burguesia industrial com as políticas econômicas do governo Dilma Rousseff a partir de conceitos apresentados no artigo “Seis interpretações sobre o Brasil”, escrito pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Luís Filipe Pereira
Pós-graduando em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
Um dos símbolos da coalizão oposicionista que se formou após a reeleição de Dilma Rousseff é a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade encampou como nenhuma outra a bandeira da luta contra o aumento da carga tributária – colocando-se principalmente contra a volta da CPMF - que seria uma das responsáveis pela estagnação da economia nacional. Para deixar clara a insatisfação, um grande pato inflável patrocinado pela federação surgia a cada manifestação na Avenida Paulista. Com o passar do tempo, a pressão exercida contra o governo ganhou força através da adesão popular e protestos tomaram as ruas, mostrando que a simples redução de impostos não seria suficiente. A situação se tornou fora de controle, com os manifestantes pedindo o afastamento da presidente.
Como define o cientista político estadunidense Peter Gourevitch, cada crise econômica obedece uma lógica simples. Nos anos de pujança, coalizões sociais são formadas e sustentadas por políticas econômicas bem-sucedidas. Este quadro muda em tempos de tormentas, quando coalizões e decisões implementadas anteriormente precisam ser revistas até que uma solução seja encontrada e a economia volte a crescer. Para entender a disputa política que se sucede, é preciso levar consideração três fatores: o próprio estado e dispositivos de controle, como sistema de leis vigente e o equilíbrio entre Legislativo e Executivo; o poder militar que o país dispõe perante o cenário internacional e a força dos mecanismos de representação da sociedade, entre eles partidos políticos e grupos de interesse, que buscam controlar as relações entre atores econômicos e o estado, além de aspectos ideológicos.
No caso brasileiro, as respostas para o rompimento entre capital industrial e governo podem estar nas interpretações do país sob a ótica do
ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira. Em artigo publicado em 1982, ele suscita questões existenciais do Brasil enquanto sociedade, enumerando seis formas de compreender a formação política e social do país ao longo dos anos. Na interpretação sob a ótica da nova dependência, o autor elenca uma série de fatos novos, ocorridos principalmente durante o governo de Juscelino Kubitschek. Tais episódios servem para eliminar resquícios de conflitos entre a burguesia industrial e a burguesia agrário-mercantil, estabelecendo bases para uma possível posição nacionalista da classe burguesa em geral. Essas narrativas, entretanto, liquidam qualquer possibilidade de pacto entre burguesia e trabalhadores. São elas: a consolidação da indústria nacional que não pode ser mais considerada “artificial” em um “país essencialmente agrário”; a decadência das exportações de café decorrente da queda dos preços internacionais, tornando inviável a transferência de renda do setor exportador para a indústria; o ingresso da empresas multinacionais muitas vezes atreladas às burguesias locais; a aprovação de tarifas com objetivo de proteger as indústrias nacionais da importação de similares estrangeiros; o revigoramento da atividade sindical durante os anos 1950; a Revolução de Cuba, em 1959, que apavorou a burguesia local.
A proposta geral do conceito de dependência consiste em demonstrar que os determinantes externos (imperialismo) da situação de dependência estão relacionados aos determinantes internos (estruturas de classes) que são fundamentais e tendiam a ser minimizados na interpretação nacional-burguesa. O essencial na interpretação da nova dependência não está no conceito teórico de dependência, mas na análise da nova dependência que se configura na América Latina e particularmente no Brasil com a entrada em massa das empresas multinacionais industriais (BRESSER-PEREIRA, 1982)
Numa outra interpretação, Bresser busca identificar tendências do capitalismo no país a partir de um projeto de hegemonia desenvolvido pela burguesia industrial. O grupo emerge timidamente como força econômica e política no país a partir de 1930 e começa a se tornar hegemônico durante o processo de redemocratização do Brasil. No seu raciocínio, Bresser descreve o “pacto social democrático de 1977” como pedra angular neste processo. Baseado em um tripé sustentado pela manutenção da democracia como sistema de governo, do capitalismo como sistema econômico e pela distribuição moderada de renda, ele buscava concordância entre burguesia industrial e classe trabalhadora.
Isto não significa, entretanto, que a burguesia industrial brasileira seja necessariamente democrática. Ela o seria se a apropriação do excedente se realizasse exclusivamente pelo mecanismo da mais-valia. No Brasil, entretanto, este não é o caso, dada a enorme participação do Estado na economia. Neste caso, as formas de apropriação do excedente via acumulação primitiva (subsídios e favores de todos os tipos) continuam essenciais, e levam uma parte da própria burguesia industrial a se manter autoritária para gozar desses favores sem maiores controles. (BRESSER-PEREIRA, 1982)
Criada em 1928 com o nome de Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp tem como principal causa a luta pela competitividade, com reivindicações para diminuir os custos de produção e conter a desindustrialização. De acordo com uma reportagem da Revista Piauí de agosto de 2014, a entidade chegou a controlar um orçamento de R$ 3 bilhões no ano anterior. Dinheiro que por lei seria empregado exclusivamente em serviços sociais e escolas técnicas para os trabalhadores da indústria, o chamado Sistema S (Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sest, Senar e Sebrae),
mas na prática a situação é distinta. Ela se beneficia da vasta dimensão do aparelho econômico estatal, que implica diretamente em excedentes para a burguesia. Na medida em que depende de incentivos do estado, essa relação tende ao autoritarismo.
Como forma de cooptar essas entidades, na maioria das vezes com êxito, o governo criou impostos para sustentá-las. No caso dos sindicatos dos trabalhadores, há um desconto anual equivalente à remuneração de um dia de trabalho. No caso das entidades patronais, foi criada uma contribuição compulsória, que já foi maior e hoje é de 2,5% sobre a folha de pagamentos das empresas. O dinheiro arrecadado é distribuído entre as confederações e federações empresariais. (DIEGUEZ, 2014)
Na conclusão de seu artigo, Bresser, enxerga o Brasil bem integrado ao capital internacional, mas ainda marcado por profundos desequilíbrios socioeconômicos. O autor espera que transformado em um das grandes nações exportadoras de produtos manufaturados do mundo, o Brasil seja admitido no clube dos países capitalistas centrais, sob a tutela do capital industrial local e do capital multinacional. Bresser ainda vislumbra nesse quadro uma luta de classes, que encaminhe o país para um socialismo democrático e autogestionário. A realidade parece distante, já que a dependência da exportação de artigos primários segue como uma realidade para os países latino-americanos. Uma matéria do portal de notícias G1 publicada no dia 05/04/2016 mostra que a agência de classificação de risco Moody’s prevê um crescimento econômico menor para os próximos anos, por causa da queda dos preços das commodities:
Os países da América Latina vão continuar a sentir o impacto de um período mais longo de preços baixos das commodities, segundo
relatório da agência de classificação de risco Moody’s, divulgado nesta terça-feira (5). Segundo o texto, vários países registrarão uma mudança em suas tendências de crescimento futuro.
Com isso, a tendência de crescimento na maior parte dos países exportadores de commodities da região – entre os quais está o Brasil – será aproximadamente um ponto percentual menor deste ano até 2020 que o registrado nos cinco anos anteriores.
O choque nos preços das commodities afeta os países produtores de várias maneiras: não só reduz o valor de suas exportações, como também afeta a arrecadação pública, e reduz o investimento estrangeiro direto.
Na avaliação da Moody’s, a maior parte dos governos latino-americanos tem espaço fiscal limitado, e por isso terão limitada a sua capacidade de usar a política fiscal (de tributos) para administrar os choques. “Por essa razão, a Moody’s prevê que vários governos serão forçados a cortar gastos em detrimento do crescimento econômico”, diz a entidade em nota.
Para o cientista político André Singer, a relação de confiança com as políticas econômicas do governo Dilma Rousseff sofreu o primeiro abalo quando o país começou a colocar em prática algo que o então Ministro da Fazenda, Guido Mantega, chamou de nova matriz econômica. O objetivo era aproveitar o mau momento global para resolver problemas estruturais da economia brasileira a partir de intenso ativismo estatal na economia. Um dos pontos fundamentais era a redução da taxa básica de juros — de 12,5% para 7,5% — promovida pelo Banco Central entre agosto de 2011 e abril de 2013, o que não agradou o capital internacional, e consequentemente à burguesia industrial. Aos poucos os empresários industriais se afastaram e passaram a formar uma frente única de oposição, deixando o governo isolado em suas convicções.
No fim de 2014, buscando uma trégua,
Dilma anuncia a nomeação de Joaquim Levy para o lugar de Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Além de apaziguar os ânimos do mercado, o governo pretendia conseguir uma retomada de confiança junto aos investidores. Sem respaldo, o novo ministro não encontrou apoio suficiente para conseguir colocar em prática seu plano de ajuste fiscal e promover o equilíbrio das contas públicas e acabou pedindo demissão 11 meses depois de assumir o cargo, com o país em recessão e rebaixado por agências internacionais de classificação de risco econômico.
Com a nomeação de Nelson Barbosa, a relação entre governo e investidores passa a se deteriorar cada vez mais. Em maio de 2016, com o processo de impeachment avançando e o cenário político completamente desfavorável a Dilma Rousseff, o Ibovespa chegou a fechar em alta de 4%. No entanto, mesmo com a admissibilidade do processo de impedimento da presidente aprovada no Senado e a posse do interino Michel Temer, o equilíbrio nas contas públicas ainda parece distante. Precavida quanto ao aumento da carga tributária, a Fiesp mantém seus patos a postos.
Referências bibliográficas
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Sociais. São Paulo, v.5, n.3, p. 269-306. 1982.
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