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CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.970, DE 8 DE MAIO DE 2014

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CONStItUCIONALIDADE DA LEI 12.970, DE 8 DE MAIO DE 2014

Régis Vinícius Silva Barreto* Ivan Muniz de Mesquita** RESUMO

Partindo-se do pressuposto que a ocorrência de um acidente aéreo tem impacto sobre muitas pessoas em território nacional e que as investigações para fins de prevenção de acidentes aeronáuticos têm um caráter especial pela capacidade de preservar vidas humanas, obviamente sem excluir a importância das demais investigações que também representam o interesse Estatal e/ou particular, os dados factuais obtidos nas investigações do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) podem e devem ser compartilhados com as demais autoridades interessadas. As prerrogativas dadas ao SIPAER pela Lei 12.970/14 geraram questionamentos quanto à sua validade constitucional, o que ensejou a feitura deste trabalho, com o objetivo de analisar em que aspectos a doutrina jurídica aplicável ao SIPAER contribuiu para sustentar a constitucionalidade da Lei 12.970/14, perante o ordenamento jurídico brasileiro, entre o seu surgimento e o final do ano de 2017. Desta feita, o método utilizado foi a identificação na doutrina jurídica brasileira dos fundamentos principiológicos aplicáveis à atividade do SIPAER, bem como a observância do critério de dissociação entre regras e princípios de Ávila (2015), chamado de “natureza do comportamento prescrito” para explicar o “estado de coisas” idealizado e a ponderação normativa, quando eventualmente ocorrer um conflito de interesses entre as autoridades investigativas. Como resultado da pesquisa que ora se apresenta, foi visto que há adequação aos ditames constitucionais pela obediência a princípios do direito pátrio, o que corroborou a hipótese proposta e permitiu concluir que simples coordenações interinstitucionais são suficientes para harmonizar o bom andamento dos trabalhos investigativos de quaisquer dos ofícios, sem prejuízo a nenhum deles.

Palavras-chave: Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER). Constitucionalidade. Lei 12.970/14. Princípios Jurídicos.

____________________

* Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea – PPGCA, Modalidade: Profissional, Turma 2017; Bacharel em Ciências Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea (AFA); Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). Atualmente exerce a função de Chefe do Sexto Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – SERIPA VI. Contato: <regisvsb@hotmail.com>. ** Doutor em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (UNIFA), Mestre em

Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB) graduado em Direito e Administração, pela Universidade do Distrito Federal (atualmente, UniDF). Já atuou como professor e coordenador de Estágio Supervisionado dos cursos de Ciências da Computação e de Tecnólogo da UCB, e como Professor de Direito Administrativo e Constitucional do Centro de Ensino Universitário de Brasília (UniCEUB). Atualmente, atua como Professor de Direito Aeronáutico/Aeroespacial e de Direito Internacional Humanitário (DICA) na UNIFA. Interessa-se por Direito Espacial e Direito Internacional.

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CONSTITUTIONALITY OF LAW 12.970, OF MAY 8, 2014

ABStRACt

Starting from assumption that the occurrence of an air crash has impact on many people in the country and that investigations for aircraft accident prevention purposes has a special character by the ability to preserve life, obviously without excluding the importance of other investigations which also represent the State interest and/or of particulars, factual data obtained in SIPAER investigations can and should be shared with other authorities concerned. The privileges given to the SIPAER by Law 12,970/14 led to discussion as to its constitutional validity, which permitted the making of this work, in order to examine in what ways the legal doctrine applicable to SIPAER helped to sustain the constitutionality of Law 12,970/14 in the Brazilian legal system, between its inception and the end of 2015. Therefore, the method used was the identification in the Brazilian legal doctrine of fundamentals principles applicable to the SIPAER activity, as well as the observance of dissociation criterion between rules and principles of Avila (2015), called “nature of the prescribed behavior” to explain the “state of affairs” idealized and normative ponderation, when eventually occur a conflict of interest between the investigative authorities. As a result of the research presented here, it was seen that exist adequacy to the constitutional requirements by obeying the principles of national law, which corroborated the hypothesis proposed and permited to conclude that simple inter-institutional coordinations are sufficient to harmonize the smooth progress of investigative work of any state function, without prejudice to any of them.

Keywords: Investigation and Prevention of Aeronautical Accidents System (SIPAER – acronym in Portuguese). Constitutionality. Law 12,970 / 14. Legal principles.

CONSTITUCIONALIDAD DE LA LEY 12.970, DE 8 DE MAYO DE 2014

RESUMEN

A partir del supuesto de que la ocurrencia de un accidente aéreo tiene impacto sobre muchas personas en el territorio nacional y que las investigaciones para fines de prevención de accidentes aeronáuticos tienen un carácter especial por la capacidad de preservar vidas humanas, obviamente sin excluir la importancia de las demás investigaciones que también representan el interés estatal y/o particular, los datos fácticos obtenidos en las investigaciones Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) pueden y deben ser compartidos con las demás autoridades interesadas. Las prerrogativas dadas al SIPAER por la Ley 12.970 / 14 generaron cuestionamientos en cuanto a su validez constitucional, lo que condujo a la elaboración de este trabajo, con el objetivo de analizar en qué aspectos la doctrina jurídica aplicable al SIPAER contribuyó a sostener la constitucionalidad de

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la Ley 12.970 / 14, ante el ordenamiento jurídico brasileño, entre su surgimiento y el final del año 2017. De esta manera, el método utilizado fue la identificación en la doctrina jurídica brasileña de los fundamentos principiológicos aplicables a la actividad del SIPAER, así como la observancia del criterio de disociación entre las reglas y principios de Ávila (2015), llamado “naturaleza del comportamiento prescrito” para explicar el “estado de cosas” idealizado y la ponderación normativa, cuando eventualmente ocurra un conflicto de intereses entre las autoridades de investigación. Como resultado de la investigación que aquí se presenta, se vio que hay adecuación a los dictámenes constitucionales por la obediencia a principios del derecho patrio, lo que corroboró la hipótesis propuesta y permitió concluir que simples coordinaciones interinstitucionales son suficientes para armonizar el buen andamiento de los trabajos investigativos de cualesquiera de los oficios, sin perjuicio a ninguno de ellos.

Palabras clave: Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER). Constitucionalidad. Ley 12.970 / 14. Principios Jurídicos.

1 INtRODUÇÃO

Infere-se inicialmente que a ocorrência de um acidente aéreo tem impacto direto sobre uma grande quantidade de pessoas em território nacional, seja em função das consequências trágicas com perdas de vidas e prejuízos econômicos, seja porque também tem relação com outros fatores, tais como perda na credibilidade da empresa envolvida, preocupações para os profissionais do setor e medo para os moradores das regiões próximas às áreas de operações ou rotas.

Dessa forma, após a ocorrência de um acidente aeronáutico, surge para o Estado a obrigação de atuar na prevenção de novos acidentes, determinar a persecução penal por eventuais condutas ilícitas ou criminosas e, se for o caso, decidir demandas cíveis que venham a ser ajuizadas por pessoas físicas ou jurídicas.

Tendo-se em vista que são necessárias sistemáticas investigativas específicas para cada tipo de atuação estatal e que devem ser observadas as previsões legais aplicáveis a todos os ofícios, obviamente sem que haja prejuízo profissional a quaisquer dos interesses tutelados, a busca das respostas à sociedade deve estar rigorosamente pautada na observância aos mandamentos regrativos e principiológicos do ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse contexto, o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER), conforme registra o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), consiste em um dos sistemas que integram a infraestrutura aeronáutica brasileira e sua atividade investigativa busca levantar fatores contribuintes ligados às ocorrências aeronáuticas para emitir Recomendações de Segurança com o fito de bloquear potenciais perigos ou mitigar riscos encontrados na atividade aérea.

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Conforme Honorato (2015), a previsão legal atinente ao SIPAER é balizada pelos artigos 1°, caput e §3°; 12, III; 25, V; 86 e ss. do CBA da Lei Federal 7.565 de 1986, (BRASIL, 2006) sob a competência administrativa da Autoridade Aeronáutica Militar5, o que pode ser constatado em análise conjunta com o artigo 8º, XXI, da Lei 11.182/2005, que afasta expressamente esta competência do rol de atribuições da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Cabe destaque que não é função nem objetivo da investigação SIPAER estabelecer juízo de valor relativo à responsabilidade civil ou penal das pessoas físicas ou jurídicas envolvidas nas ocorrências, motivo pelo qual este sistema incentiva a abertura concomitante das demais investigações que possam representar o interesse Estatal, seja em âmbito administrativo, policial ou judicial.

Nesse ínterim, os dados factuais obtidos durante as investigações produzidas pelo SIPAER, podem e devem ser compartilhados com as outras autoridades interessadas, exatamente porque essas informações, muitas vezes, servem como elementos de convicção para as demais autoridades e, dessa forma, evita-se a utilização inadequada do Relatório Final SIPAER como substrato probatório nas outras modalidades investigativas.

Para entendimento das considerações dispostas neste trabalho, é importante saber que a Lei 12.970, de 8 de maio de 2014, alterou o CBA no que compete à atividade do SIPAER, no entanto, o seu texto normativo gerou divergências interpretativas acerca da validade constitucional das inovações trazidas.

Em função do acima exposto, surgiram inquietações para os autores deste trabalho relacionadas às eventuais dissonâncias hermenêuticas acima referidas e, uma vez existindo a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5667) contra a mencionada lei, emergiu o objetivo de pesquisa tendente a “analisar em que aspectos a doutrina jurídica aplicável ao SIPAER contribuiu para sustentar a constitucionalidade da Lei 12.970/14 perante o ordenamento jurídico brasileiro, entre o seu surgimento e o final do ano de 2017”.

Destarte, consta como variável independente da pesquisa a existência de “doutrina jurídica aplicável ao SIPAER” e, como variável dependente a análise, se foi possível “sustentar a constitucionalidade da Lei 12.970/14” no lapso temporal que abrange o período “entre o seu surgimento até o final do ano de 2017”.

Nesse contexto, alguns aspectos, como o acesso aos destroços, a segurança da cadeia de custódia, o suposto sigilo da investigação SIPAER, o aproveitamento de informações colhidas pelo SIPAER em inquéritos ou processos judiciais, a publicidade do processo investigativo, a inaplicabilidade do devido processo legal pela sistemática investigativa do SIPAER, a indisponibilidade da persecussão penal,

5 A Lei Complementar 97/1999, em seu art. 18, parágrafo único, estabelece que “Pela

especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Aeronáutica o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como ‘Autoridade Aeronáutica Militar’, para esse fim.”

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os protocolos internacionais da Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO), tudo isso, são pontos relevantes que causam interpretações na doutrina jurídica quanto à validade constitucional da Lei 12.970/14, motivo pelo qual o presente trabalho ganha pertinência na medida em que tentará esclarecer, à ótica de um investigador SIPAER, algumas destas controvérsias no intuito de harmonizar entendimentos.

Nesta senda, infere-se hipoteticamente que a Lei 12.970/14 cumpriu a função de balizar infraconstitucionalmente a atividade de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos, sem agressão aos preceitos do ordenamento jurídico brasileiro, por ter observado adequadamente princípios jurídicos capazes de sustentar a sua validade constitucional.

Assim contextualizado, com o fito de atingir a proposta deste artigo e, buscando a harmonização de interpretações quanto às prerrogativas do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, foram discutidas algumas arguições suscitadas por juristas em âmbito nacional e relacionadas à análise de constitucionalidade da Lei 12.970/14.

Em síntese, as argumentações dispostas neste artigo científico tentaram conciliar, por meio do magistério de Honorato (2015) e das teorias de Àvila (2015), o entendimento sobre as prerrogativas legais dadas pela Lei 12.970/14 às investigações aeronáuticas, levando em consideração o acolhimento das normas brasileiras em uma dimensão finalística e a observância rigorosa aos protocolos internacionais ratificados pelo Brasil, tudo isso com vistas a demonstrar que a doutrina jurídica aplicável ao SIPAER possibilita argumentos pertinentes na sustentação da constitucionalidade do diploma legal em apreço.

Nesse viés, restou analisar como a doutrina jurídica aplicável ao SIPAER contribuiu para sustentar a constitucionalidade da Lei 12.970/14 perante o ordenamento jurídico brasileiro, entre o seu surgimento e o final do ano de 2017. Para atingir o desiderato em tela, fez-se oportuno assinalar como os princípios jurídicos são ferramentas normativas ponderáveis e capazes de justificar a validade constitucional da lei em comento, bem como ressaltar as características que fazem da atividade do SIPAER uma necessidade importante na ótica do interesse público.

Outrossim, em relação às limitações encontradas para se realizar o presente estudo, foi considerada, como principal desafio, a exposição sintetizada dos argumentos, posto que, além dos princípios jurídicos abarcados, ainda seria possível a análise de outros aspectos, como a proporcionalidade e razoabilidade, tendo-se em vista que o assunto permite ampla exploração do direito e, portanto, torna-se compreensível quaisquer discordâncias sobre a abordagem aventada.

Importante destacar que o raciocínio desenvolvido neste artigo não tem qualquer pretensão de esgotar o assunto ou mesmo refletir uma verdade absoluta

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ou irrefutável, porquanto, não obsta que trabalhos futuros possam retomar e discorrer com maior profundidade sobre a tese proposta, ipso jure6.

2 ARGUIÇÕES DE INCONStItUCIONALIDADE DA LEI 12.970/14

No intuito de identificar quais aspectos causaram inquietação na doutrina sobre a validade constitucional da Lei 12.970/14, entre o seu surgimento e o final do ano de 2015, foram priorizados alguns argumentos levantados pelos autores Rodrigo de Grandis, Procurador da República, Rogério Tadeu Romano, Procurador Regional da República aposentado e Conrado Prioli Duarte, Perito Criminal da Polícia Federal.

Cabe registro quanto à qualidade dos trabalhos produzidos pelos autores ora citados, visto que se utilizaram de abordagens circunspectas para tratar dos respectivos assuntos. Contudo, com a devida vênia, e aproveitando a saudável dialética do direito, este artigo vem trazer à reflexão alguns aspectos hermenêuticos, voltados à sustentação da validade constitucional da Lei 12.970/14.

Em publicação datada de 27 de agosto de 2014, o site da Procuradoria da República do Estado de São Paulo registrou que o Procurador da República Rodrigo de Grandis estaria convencido pela necessidade de propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 12.970/14, o que se consolidou na data de 24 de fevereiro de 2017, com o ajuizamento da ADI 5667 pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.

Antes disso, Rodrigo de Grandis entendeu que a lei em pauta concentra nas mãos do CENIPA todas as informações a respeito de acidentes aéreos e impede que a Polícia e o Ministério Público façam uso dos dados durante as apurações e ajuizamento de processos. Além disso, alega que estas supostas restrições vão de encontro ao devido processo legal, assegurado pela Constituição, e que não há observância ao contraditório e ampla defesa, pois que vislumbrou a limitação do direito das partes quanto à livre produção de provas.

O procurador destacou ainda que a necessidade prévia de manifestação da Justiça para acesso ao material produzido pelo SIPAER seria inconstitucional, por entender que restringe somente aos juízes decisões concernentes às investigações.

Segundo Rogério Tadeu Romano, em trabalho publicado no site da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, com data de 12 de maio de 2014, alguns aspectos foram elencados como justificativas de inconstitucionalidade da Lei 12.970/14, dentre eles a inobservância ao devido processo legal e a contrariedade aos Princípios da Verdade Real, da Publicidade, da Obrigatoriedade e da Indisponibilidade.

Argumentou o mencionado autor que:

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A Lei 12.970/2014 ao fazer menção a necessidade de a autoridade informar ao Ministério Público e a Polícia fatos que ensejam a possibilidade de investigação de crimes que são objeto de ação penal, nada mais faz que cumprir os ditames mínimos da razoabilidade. Entretanto, ao instigar ao intérprete a conclusão de que a investigação, feita tenha por objeto a prevenção de acidentes, e não seja utilizada para outros propósitos, vem a trazer dificuldades à investigação da responsabilidade criminal, afastando-se a sociedade, que tem como representante o Ministério Público, da verdade, colocando em risco a necessária transparência que vem a guardar a publicidade do processo penal. (ROMANO, 2014, p. 10).

Ora, a publicidade é uma garantia do indivíduo e para a sociedade decorrente do próprio princípio democrático, de tal forma que foi adotado pelo artigo 5º, LV, da Constituição Federal. [...] O processo criminal, em nome da verdade real, não pode ficar condicionado a apurações no âmbito da Aeronáutica, quando se trata de acidentes aéreos. Por sinal, não se pode negar que, no processo penal, os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade são vetores que não podem ser rejeitados, em hipótese alguma. Não há que se falar em prejudicialidade. (ROMANO, 2014, p. 11-12).

Conrado Prioli Duarte, em seu Trabalho de Conclusão do Curso de Direito em 2015, questionou a constitucionalidade da Lei 12.970/14, verificando-se uma especial preocupação quanto ao acesso aos destroços e à segurança da cadeia de custódia, questões que foram comentadas a posteriori neste trabalho.

Interpretou Duarte (2015) que a intenção do legislador ordinário foi condicionar o acesso da polícia judiciária e peritos criminais, no que se refere aos destroços, à liberação e concordância da autoridade SIPAER. Nesse ínterim, questionou sobre o que ocorreria no caso de uma eventual discordância da autoridade SIPAER em relação às demais autoridades quanto à manipulação, exame ou recolhimento dos vestígios que venham a estar no local do acidente.

Disse ainda o mesmo autor que, eventualmente, alguém poderia defender a tese de que “[...] estando a investigação SIPAER obrigada a comunicar indícios de crime à autoridade policial, conforme determina o artigo 88-D inserido pela Lei nº 12.970/14, restaria atendido o princípio da inafastabilidade da jurisdição”, o que reflete pertinente preocupação quanto à observância do princípio em tela, mas que será devidamente explicado a posteriori neste artigo (DUARTE, 2015, p. 55).

Ademais, argumentou Duarte (2015) que a conclusão pela existência de indícios de crime pode demorar por causa da complexidade ligada às análises de um acidente aéreo. Em função disso, alegou que a persecução penal poderia ficar prejudicada em virtude do momento incerto de identificação da suposta conduta delitiva e pela possibilidade de perecimento dos vestígios.

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Nessa linha, entendeu também que, mesmo sendo um bem jurídico relevante, ninguém poderia afirmar que a segurança ligada à atividade aérea tem correspondência a um direito fundamental e que o direito à vida não pode ser confundido com segurança de voo, por serem bens jurídicos distintos. Nessa ótica, registrou que:

Ainda que se entendesse, por absurdo, que a identidade entre a investigação SIPAER e o direito fundamental à vida é de tal monta que uma obstrução dessa investigação resultasse em verdadeiro dano à vida, mesmo assim essa conclusão não bastaria para evitar, por si, a aplicação do princípio da inafastabilidade da jurisdição. (DUARTE, 2015, p. 58).

Barroso (2010, p. 330 apud DUARTE, 2015, p. 57), lembrando importante postulado para a solução de conflitos no âmbito do princípio lógico das normas brasileiras, citou que: “não existe hierarquia em abstrato entre tais princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto”.

No que concerne especificamente à “cadeia de custódia”, Duarte (2015, p. 50) apontou que, da previsão dos artigos 88-C, 88-I, 88-N e 88-P da Lei 12.970/14, dois aspectos podem ser extraídos:

1) A investigação SIPAER tem precedência sobre as demais investigações no acesso e custódia dos vestígios do acidente; 2) Ninguém, nem mesmo a polícia judiciária, pode acessar, examinar, manipular ou remover vestígios da cena do acidente sem a anuência da autoridade de investigação SIPAER.

Destacou o autor a elevada importância da idoneidade do local do acidente e da custódia dos vestígios para os exames periciais de modo a garantir o bom andamento dos trabalhos no que se refere a todas as modalidades de investigações.

Portanto, ainda que tenha reconhecido o avanço para a investigação SIPAER trazido pela Lei 12.970/14 e a consequente possibilidade de melhoria na segurança da atividade aérea com o advento da respectiva lei, Duarte (2015) entendeu que, em determinados aspectos, o legislador acabou por não observar alguns ditames constitucionais.

3 ASPECtOS GERAIS SOBRE PRINCÍPIOS JURÍDICOS

A história do Brasil e do mundo perpassa a existência de diversos princípios que foram surgindo para balizar o Estado de Direito, de modo que estes institutos fazem parte do ordenamento jurídico pátrio e atuam como estrutura normativa indelével para soluções de controvérsias.

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Com o passar dos anos, foram promulgadas no Brasil sete constituições que propiciaram significativas mudanças na história do país e permitiram que vários princípios fossem admitidos no ordenamento jurídico brasileiro.

Em conformidade com Silva (2003, p. 555), o Estado de Direito tem como definição “a organização de poder que se submete à regra genérica e abstrata das normas jurídicas e aos comandos decorrentes das funções estatais separadas, embora harmônicas.”.

Com a emergência da fase que ficou marcada pelos ideais pós-positivistas, valores de nova roupagem foram inseridos na doutrina jurídica trazendo influências significativas para a aplicação do direito em casos concretos, isto é, surgiram os princípios servindo de base para as soluções de controvérsias, e a compreensão da norma passou a ser considerada em uma visão finalística, capaz de transcender o texto escrito, portanto, além da “letra fria” da lei.

Nessa linha, surgiram as regras de integração constantes do artigo 4º da Lei 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil) que definem que existindo um caso a resolver e deparando-se o magistrado com lacuna ou obscuridade da lei, não poderá invocá-la para se eximir de despachar, decidir ou sentenciar. Para resolver o caso concreto o juiz deverá considerar a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (PAIVA, 2013).

Portanto, de acordo com Silva (2003, p. 1095), princípios jurídicos podem ser definidos como “(...) pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito.”.

Tão grande é a importância dos princípios enquanto vertente normativa que alguns desses institutos são considerados como preceitos fundamentais do Estado Brasileiro, porquanto previstos no Título I da Constituição Federal de 1988 (CF/88). 4 CRItÉRIO DA �NAtURE�A DO COMPORtAMENtO PRESCRItO� PARA DISSOCIA- CRItÉRIO DA �NAtURE�A DO COMPORtAMENtO PRESCRItO� PARA DISSOCIA-CRItÉRIO DA �NAtURE�A DO COMPORtAMENtO PRESCRItO� PARA DISSOCIA-ÇÃO ENtRE PRINCÍPIOS E REGRAS E APOIO NA SOLUDISSOCIA-ÇÃO DE CONtROVÉRSIAS

Segundo o critério da “natureza do comportamento prescrito”, tem-se que os princípios se diferenciam das regras pelo modo como prescrevem o comportamento. Se de um lado as regras são normas imediatamente descritivas, por estabelecerem obrigações, permissões e proibições ao descreverem condutas a serem adotadas; de outro lado, os princípios podem ser entendidos como normas imediatamente finalísticas e mediatamente de condutas, pois que se ligam a um “estado de coisas” que só se torna possível se forem observados determinados comportamentos.

Nesse ínterim, pode-se dizer que os princípios são preceitos normativos que determinam a realização de um fim juridicamente importante, ao passo que as regras se caracterizam pela previsão de comportamentos.

Seguindo essa acepção, os princípios propõem um estado ideal a ser alcançado, que nada mais é do que uma situação delimitada por certas qualidades, mas que,

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na prática, sua consecução vai depender da escolha e adoção de comportamentos adequados para que seja possível o alcance do resultado pretendido.

De acordo com Ávila (2015, p. 95):

O estado de coisas transforma-se em fim quando alguém aspira conseguir, gozar ou possuir as qualidades presentes naquela situação. Por exemplo, o princípio do Estado de Direito estabelece estados de coisas, como a existência de responsabilidade (do Estado), de previsibilidade (da legislação), de equilíbrio (entre interesses públicos e privados) e de proteção (dos direitos individuais), para cuja realização é indispensável a adoção de determinadas condutas, como a criação de ações destinadas a responsabilizar o Estado, a publicação com antecedência da legislação, o respeito à esfera privada e o tratamento igualitário. Enfim, os princípios, ao estabelecerem fins a serem atingidos, exigem a promoção de um estado de coisas - bens jurídicos - que impõe condutas necessárias à sua preservação ou realização. Daí possuírem caráter deôntico-teleológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; teleológico, porque as obrigações, permissões e proibição decorrem dos efeitos advindos de determinado comportamento que preservam ou promovem determinado estado de coisas. Daí se afirmar que os princípios são normas-do-que-deve-ser (ought-to-be-norms): seu conteúdo diz respeito a um estado ideal de coisas (state of

affairs). (ÁVILA, 2015, p. 95)

Mais especificamente quanto às regras, estas podem ser definidas como normas mediatamente finalísticas, pois estabelecem indiretamente os fins, mas delimitam com objetividade comportamentos necessários, que servem de balizas para a concretização dos resultados esperados. Sendo assim, por esta característica mais objetiva no que concerne à delimitação das fases procedimentais, as regras não ficam dependendo tanto da interpretação e da relação com outras normas para identificação das condutas elencadas como necessárias, dado que estas normalmente são bem delineadas.

Isto posto, no âmbito normativo, as regras e os princípios podem ser analisados tanto sob a ótica comportamental quanto à ótica finalística, ou seja, enquanto as regras instituem o dever de adotar comportamentos prescritos, os princípios preconizam o dever de adotar quaisquer comportamentos necessários para se alcançar o “estado de coisas”. Em outras palavras, como ensina Ávila (2015, p. 96), “as regras prescrevem um comportamento para atingir determinado fim”, e “os princípios estabelecem o dever de realizar ou preservar um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários.”.

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Estabelece Ávila (2015, p. 149) que:

Uma questão fundamental da Teoria do Direito concerne à força normativa dos princípios. Ela diz respeito a saber se os princípios podem ser definidos como normas “carecedoras de ponderação”, no sentido restrito de normas que se submetem a um sopesamento diante do caso concreto, por meio do qual podem ser derrotadas por princípios colidentes. Nessa perspectiva, afirma-se que os princípios possuem força prima

facie, no sentido de irradiarem uma força provisória, dissipável

em razão de princípios contrários. (ÁVILA, 2015, p. 149).

Assim, fazendo um paralelismo entre o critério da “natureza do comportamento prescrito” e a atividade do SIPAER, cumpre ressaltar que a adoção de comportamentos mencionada por Ávila tem convergência, neste estudo, à colaboração recíproca entre instituições no que concerne a dados factuais de acidentes aeronáuticos e na busca pelo “estado de coisas”, que aqui significa o entendimento harmônico das disposições normativas da Lei 12.970/14.

Dessa forma, somente a partir de um olhar finalístico da previsão legal, viabilizado pela ponderação de princípios jurídicos aplicáveis à prevenção de acidentes aeronáuticos, será possível a compreensão das prerrogativas dadas ao SIPAER pela Lei 12.970/14.

5 PRINCÍPIOS JURÍDICOS APLICÁVEIS AO SIPAER

No âmbito jurídico e administrativo, o SIPAER é norteado por princípios balizadores, alguns bastante específicos, outros gerais do direito, oriundos de tratado internacional, leis e legislação complementar, mas que são capazes de dar respaldo constitucional e enquadrar o SIPAER como sendo mais um dos microssistemas jurídicos existentes, a exemplo dos sistemas tributário e o da proteção e defesa do consumidor (HONORATO, 2015).

No que concerne à adequação normativa da atividade do SIPAER, tal ofício encontrou suporte em protocolos internacionais da Organização de Aviação Civil Internacional, os quais o Brasil é signatário, e na doutrina jurídica capaz de explicar a atividade do SIPAER, com suas especificidades, dentro dos preceitos legais determinados pelo direito pátrio (BARRETO, 2015).

Faz-se mister registrar que a finalidade precípua das investigações SIPAER é a identificação de condições inseguras e a emissão de Recomendações de Segurança para a prevenção de novas ocorrências aeronáuticas. Por isso, a investigação para fins de prevenção de acidentes aeronáuticos tem ritualística baseada em lógica ampla, totalmente diferente das investigações criminais que objetivam encontrar

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autoria e materialidade, eventuais culpados, nexo causal e, assim, determinar a responsabilidade penal.

5.1 Princípios Basilares da Administração Pública e a relação com o SIPAER Conforme Carvalho Filho (2000, apud BARRETO, 2015, p. 88), os princípios ligados à condução do ente público podem ser entendidos como “postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da administração pública”, isto é, são os que “constituem os fundamentos da validade da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública”.

De acordo com Meirelles (2004), os princípios administrativos são princípios jurídicos subdivididos em duas ordens, quais sejam, os princípios expressos ou gerais e os princípios reconhecidos.

Se de um lado constam os princípios expressos ou gerais previstos no art. 37 da CF/88, revelando orientações norteadoras da Administração Pública e condicionadores da validade do ato administrativo, em outra perspectiva surgem os princípios reconhecidos que não estão expressos diretamente na Constituição Federal, todavia também servem de balizas para a Administração Pública, e figuram em igualdade de importância em relação aos primeiros.

Nesse contexto, ensina Justen Filho (2005) que o regime jurídico de direito público, que preside o Direito Administrativo, caracteriza-se pela supremacia do interesse público e, portanto, remete à superioridade deste em relação aos demais interesses ponderados em sociedade. Destarte, conclui-se que, nessa linha de raciocínio, o interesse público prevalece sobre o anseio particular e a indisponibilidade significa a negativa estatal de sacrifício ou transigência do objetivo social.

A finalidade da administração pública consubstancia-se em um propósito único que é a manutenção do bem comum da coletividade. Desse modo, as atividades públicas e os atos administrativos como um todo devem ser orientados para atender primariamente aos interesses da coletividade (BARRETO, 2015).

Se o empresário civil tem liberdade para fazer tudo aquilo que tem vontade, excetuando-se apenas os ditames proibidos por lei, de outra sorte, o administrador público deve ater-se apenas ao que está previsto em lei, não tendo a discricionariedade de procurar outro objetivo, senão o que é determinado pela norma legal (MAZZA, 2013).

Cabe destacar que a atividade do SIPAER tem correlação direta com os princípios administrativos expressos e, nesse aspecto, não há como desconsiderar a previsão legal durante as investigações aeronáuticas, dado que, além da indispensável observância ao ordenamento jurídico pátrio, faz-se também importante o acatamento aos protocolos da Organização de Aviação Civil Internacional, os quais o Brasil é signatário, aludindo, assim, diretamente ao Princípio da Legalidade.

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Ademais, no que concerne ao Princípio da Moralidade, existe uma relação ética direta dos propósitos da investigação aeronáutica com a garantia dada aos eventuais informantes de que, no âmbito do SIPAER, não serão repassados os relatos fornecidos voluntariamente, pois essa afirmativa tem como base legal o Princípio Jurídico da Confiança e da Preservação da Fonte e a prerrogativa do sigilo profissional atinente aos investigadores aeronáuticos, a exemplo de como acontece com os médicos e os advogados que também trabalham com informações pessoais dos respectivos pacientes ou clientes, sem que possam divulgar os dados confiados a eles pelo exercício das suas profissões.

Evidentemente, ficam excluídas da obrigação de sigilo as comunicações sobre o cometimento de crimes ou violações, ou seja, procedimentos injustificáveis à ótica legal, consequentemente contaminados pelo elemento subjetivo “vontade deliberada” de realização do ilícito. Nesse caso, em consonância com os artigos. 88-A, §2°, e 88-D, caput, do CBA, a autoridade SIPAER deverá fazer comunicação à autoridade policial, de modo que nenhum investigado poderá alegar proteção especial após o cometimento de crimes ou atos ilícitos apenas por ter informado “voluntariamente” tais circunstâncias ao SIPAER, o que demonstra que este sistema não pode ser utilizado como escudo para a prática de condutas ilegais.

De outra sorte, as informações colhidas, sob o véu da confiança por meio de entrevistas SIPAER, relacionadas a erros (deslizes, lapsos, enganos) ou até violações aceitáveis, não devem ser utilizadas para produzir provas contra os próprios informantes, o que não quer dizer que as demais autoridades investigativas estarão impedidas de utilizar os dados factuais, que por sua vez são de domínio público e não dependem de cognição especulativa do SIPAER, para prosseguirem em seus trâmites investigatórios próprios.

Para o princípio da Publicidade, Barreto (2015) registra que:

No que concerne à Publicidade, fica fácil perceber que a publicação oficial dos Relatórios Finais SIPAER em site de repercussão mundial vem provar que este sistema não tem a intenção de esconder qualquer resultado das investigações em tela, ou seja, a publicidade como requisito de eficácia e moralidade reveste a investigação SIPAER de toda a transparência administrativa, permitindo o conhecimento e controle por parte dos interessados e do povo em geral. Dessa forma, o que se cogita neste trabalho é tão somente a não utilização destes documentos públicos como meio de prova ou fundamentação de inquéritos ou sentenças. (BARRETO, 2015, p. 91).

Em se tratando do Princípio da Eficiência, este liga-se à obtenção dos resultados propostos, onde há de se esperar do agente público todo o empenho administrativo no intuito de perseguir os melhores resultados para a coletividade.

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Assim sendo, é dever do administrador público estruturar, organizar e disciplinar a administração de forma coerente e racional, visando compatibilizar a consecução dos resultados pretendidos com as necessidades e desejos daqueles que sustentam a máquina pública, isto é, a sociedade.

Nesse contexto, torna-se muito difícil conseguir dizer quantos ou quais acidentes foram evitados pelo SIPAER, porque obviamente estas ocorrências não acontecerem, e este era o objetivo final.

Contudo, fácil é a percepção de como a eficiência deve permear a atividade de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos, pois, se assim não for, perde-se o sentido desta atividade. Por conseguinte, ao se raciocinar com as trágicas consequências dos acidentes aéreos, já se justificam algumas prerrogativas legais reservadas ao SIPAER e as ações preventivas recomendadas aos diversos atores da aviação, demonstrando a viabilidade da relação custo/benefício do trabalho exercido por este sistema na tutela da vida humana, porquanto na busca deste interesse público.

Por derradeiro, no que tange à Impessoalidade, cabe registro sobre o que afirma Barreto (2015):

[...] não seria possível a feitura de Recomendações de Segurança pelo CENIPA se não houvesse total isenção de parcialidade. É fato que as mudanças sugeridas por meio de Recomendações de Segurança quase sempre desagradam as empresas, em virtude de gerarem custos e despesas extraordinárias. Todavia, o tratamento equânime para com todos os órgãos ligados à atividade aérea, avaliza o foco principal na prevenção de acidentes e a busca pela segurança dos usuários e operadores. Tal postulado justifica os gastos supervenientes, independentemente de qual seja o proprietário, empresa, operador, fabricante, ente ou setor demandado, visto que o principal interesse em questão é o da sociedade, em detrimento do particular. (BARRETO, 2015, p. 91).

Destarte, verifica-se a total obediência da sistemática SIPAER ao Princípio da Impessoalidade na medida em que as investigações aeronáuticas para prevenção de acidentes não reservam quaisquer privilégios aos envolvidos.

5.2 Princípio da Prevalência do Interesse Público

O interesse público, via de regra, prevalece sobre o privado, portanto justifica a prerrogativa do direito coletivo em face do interesse particular, ainda que seja indispensável a observância dos pressupostos constitucionais voltados à individualidade.

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Como exemplo da prevalência do interesse público sobre o privado, podem ser citados os atos de desapropriação com a finalidade de passar ao Estado a propriedade de um imóvel pertencente a um particular visando à priorização do interesse coletivo, mesmo que reparada pela “justa e prévia” indenização.

É cediço que as normas jurídicas ao serem elaboradas devem atender ao bem comum e à justiça comunitária. Um bom exemplo é quando o Estado exerce o poder de polícia buscando manter a ordem social, o que em outras palavras se traduz na ideia de que para se viver em sociedade é indispensável abrir mão de alguns anseios particulares em prol do equilíbrio coletivo (GRANJEIRO; CARDOSO, 2012).

Consoante o entendimento de Bandeira de Mello (2008, apud GRANJEIRO; CARDOSO, 2012) os Princípios da Indisponibilidade do Interesse Público e o da Prevalência do Interesse Público direcionam todo o regime jurídico-administrativo e são considerados como pontos fundamentais da administração pública, pois que o interesse público, nesse sentido, é tido como a vontade preponderante da maioria, significando o anseio comum priorizado em nome da sociedade.

Bandeira de Mello (2002, apud BARRETO, 2015) faz citação interpretativa do significado de interesse público como sendo “uma expressão que se liga aos interesses dos indivíduos, mas que fazem parte de uma coletividade, ou seja, não há desvinculação entre os interesses individuais e coletivos”.

Justen Filho (2005) explica que o “direito é o instrumento compensatório das desigualdades entre as pessoas e os grupos”, desse modo, ao ser conjugado com o ramo administrativo, mostra-se como forma de regular e equilibrar os interesses da coletividade quando em conflito com as demandas particulares.

De acordo com Moreira Neto (1996), a Administração Pública passar a ter o poder-dever de atuar quando claramente identificado o interesse público, não lhe cabendo a opção por deixar de atendê-lo, atrasar, mudar de objetivo ou declinar de sua competência, pois que, uma vez instituído o propósito coletivo, este passa a obrigar o administrador público a perseguir tal interesse por meio do Princípio da Indisponibilidade. Nesse sentido, complementa Justen Filho:

[...] a supremacia do interesse público remete à superioridade deste em relação aos demais interesses ponderados em sociedade. Destarte, conclui-se que, nessa linha de raciocínio, o interesse público prevalece sobre o anseio particular, de modo que a indisponibilidade significa a impossibilidade de sacrifício ou transigência quanto ao interesse público. (JUSTEN FILHO, 2005 apud BARRETO, 2015, p. 89).

Destarte, há que ser pontuada a sistemática investigativa SIPAER frente ao Princípio da Prevalência do Interesse Público, pois, ao serem analisadas as prerrogativas conferidas a estas investigações, a exemplo do que prevê o artigo 88-C da Lei 12.970/14,

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fica claro o entendimento do legislador sobre a necessidade de priorizar ações estatais para proteger o bem mais valioso do ser humano, a sua vida.

Aceitar que durante as averiguações técnicas de um acidente aéreo os demais interesses possam obstar a investigação SIPAER, seria o mesmo que admitir que a condenação penal ou cível tem mais importância que a imediata proteção da vida humana face aos riscos potenciais, pois que, nesta hipótese, o Estado optaria por negligenciar a segurança de centenas ou milhares de pessoas sujeitas aos mesmos riscos de um acidente anterior.

Alguém poderia argumentar que a pena também tem finalidade preventiva, pois a condenação penal em relação ao autor do crime assume uma tripla função, ou seja, é retributiva porque impõe uma sanção ao violador, é preventiva porque visa evitar a prática de novos ilícitos e ressocializadora, porque tem por objetivo a readaptação social do indivíduo. Ademais, outrem ainda poderia mencionar o caráter pedagógico e reparatório da pena no âmbito cível, pelo dever de indenizar a parte lesada, levando também à prevenção de novas práticas indesejáveis.

Contudo, seja a reparação social ou a cível, todas estas não devem sobrestar a necessária cautela da vida humana, pois é inquestionável que, uma vez perdida a vida não poderá ter como justificativa posterior a má gestão ou negligência estatal.

Destaca-se que isso certamente tem relação com a ponderação normativa e liga-se ao sopesamento dos interesses e funções estatais, seja no que tange à prevenção de acidentes aeronáuticos, à persecução penal ou processamento cível. Todavia, não há dúvida que tudo deve estar em consonância com o que estipula a Constituição Federal, os princípios e regras do direito.

Com efeito, cabe destacar que, mesmo o legislador tendo conferido alguma prioridade às investigações SIPAER em nome do interesse público, também foram resguardados os outros trâmites investigativos, nos termos do artigo 88-C do CBA, isto é, “a investigação SIPAER não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de outras investigações”. (Grifo nosso).

Portanto, dados os possíveis impactos negativos de um acidente aeronáutico para a sociedade, enquanto usuária direta ou indireta do transporte aéreo, e considerando a necessidade de correção de riscos latentes a tempo de evitar outras ocorrências, o legislador brasileiro, atuando como representante do interesse público, apenas conferiu por meio da Lei 12.970/14 relativa prioridade à prevenção de acidentes aeronáuticos, deixando inequívoco que o prejuízo do povo em geral deve ser resolvido antes do plano particular ou individual. Outrossim, frise-se sempre que, nos termos da lei, trata-se de precedência relativa, porquanto não absoluta.

5.3 Princípio da Preservação da Vida Humana

Mesmo não havendo hierarquia entre os princípios presentes no ordenamento jurídico brasileiro, “inafastável” é a consideração de importância do direito à vida,

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pois que sem esse bem maior não adiantaria qualquer referência às demais tutelas universais. Nesse contexto, o SIPAER tem no Princípio da Preservação da Vida Humana o principal argumento para a sua existência, dado que é exatamente a proteção e a segurança da vida o objetivo maior deste sistema.

De acordo com o art. 60, §4°, IV, e o art. 5°, caput, da Carta Magna brasileira de 1988, os direitos à vida e à segurança são tidos como cláusulas pétreas:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...). (grifo nosso). (BRASIL, 1988).

Ademais, em análise à tutela da vida humana, considerando a inexistência de hierarquia principiológica, registrou Barreto (2015, p. 17): “(...) é evidente que no Brasil o legislador constituinte contemplou em primeira ordem o direito à vida no rol dos direitos fundamentais, em face da importância deste bem que não possibilita a irreversibilidade da sua perda.”.

Transcendendo o texto constitucional brasileiro de 1988, outros tratados internacionais também já haviam destacado a inviolabilidade do direito à vida como ponto fundamental, a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica de 1969, o qual o Brasil é signatário e que em seu artigo 4º registra: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.” (ORGANIZAçÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969, tradução do autor).

Cabe registrar que o Pacto de São José da Costa Rica foi incorporado ao direito brasileiro por meio do Decreto 678/1992 e, portanto, tem peso de norma constitucional, demonstrando a importância da proteção da vida no ordenamento jurídico interno.

Da mesma forma, torna-se compreensível que no âmbito da atividade aérea as ações de prevenção de acidentes aeronáuticos estejam intimamente relacionadas com o Princípio da Preservação da Vida Humana, pois que, estando direcionadas no intuito de evitar, interromper ou mitigar a ocorrência de condições inseguras, traduzem-se na busca pela proteção de todos aqueles que têm relação direta ou indireta com a aviação, portanto aludindo à tutela do direito à vida como uma das bases constitucionais da atividade do SIPAER.

Conforme cita Honorato (2015, p. 452), é possível observar referência ao Princípio da Preservação da Vida Humana no art. 1º, § 1º, do Decreto 87.249/82, dispositivo legal que regulamenta o SIPAER: § 1º - Para efeito deste Decreto, as atividades de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos são as que envolvem as tarefas realizadas com a finalidade de evitar perdas de vidas e de material decorrentes de acidentes aeronáuticos. (grifo nosso)

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Tendo-se em vista a grande quantidade de cidadãos que podem sofrer os impactos negativos de um acidente aéreo e as trágicas consequências que normalmente são constatadas, a Lei 12.970/14 reservou algumas prerrogativas às investigações SIPAER, refletindo o interesse da própria sociedade em primar pela segurança da aviação.

Tais prerrogativas podem parecer desnecessárias ou absurdas para alguns juristas, mas aí surgem questões importantes: o que deve ser priorizado no caso de haver discordâncias entre as autoridades interessadas em investigar acidentes aeronáuticos, a persecução penal que busca a reparação social pelo crime praticado, a reparação cível com o fito compensar o dano gerado ou a investigação SIPAER, que tem o condão de prevenir novos acidentes aéreos? Poderia ser correto interpretar que deve ser um ofício em detrimento do outro?

As respostas às indagações anteriores devem ser sempre no caminho da busca pelo equilíbrio e parcimônia entre os interesses envolvidos, estatais e/ ou particulares, bem como entre as autoridades investigadoras, de modo que o exercício das prerrogativas legais de prioridade dadas ao SIPAER sejam o último recurso disponível para o andamento das investigações. Assim, o autor deste trabalho defende, que coordenações interinstitucionais são as alternativas mais viáveis e harmônicas na grande maioria dos casos concretos, senão a totalidade.

Contudo, se em ultima ratio7, não puder haver a cooperação simultânea entre os entes investigativos, talvez por diferentes necessidades, há de se compreender que o trabalho do SIPAER recebeu relativamente alguma precedência legal, com o objetivo precípuo de evitar tempestivamente a perda de vidas humanas, enquanto que a persecução penal, mesmo tendo a sua tríplice finalidade da pena (retributiva, preventiva e ressocializadora), se interferisse na possibilidade de atuação do SIPAER, estaria priorizando a punição em detrimento da proteção à vida, substrato fundamental da existência humana.

Assim sendo, o Código Brasileiro de Aeronáutica, no intuito de acautelar a segurança da atividade aérea, sem comprometer a administração de outras investigações, estabelece claramente no bojo do seu artigo 88-C o ponto fulcral do SIPAER:

Art. 88-C. A investigação SIPAER não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de outras investigações, inclusive para fins de prevenção, e, em razão de objetivar a preservação

de vidas humanas, por intermédio da segurança do transporte

aéreo, terá precedência sobre os procedimentos concomitantes ou não das demais investigações no tocante ao acesso e à guarda de itens de interesse da investigação. (BRASIL, 2017). (grifo nosso)

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Pelo o que ensina Canotilho (2000), o direito fundamental à vida é um instituto subjetivo de defesa, pois é da natureza humana a busca pela sobrevivência e, desse modo, é compreensível que o indivíduo defenda este preceito em detrimento de todos os outros. Em suma, reitera-se que nada terá razão de existir se não houver tutela especial pela vida humana, o que deve, obviamente, ser considerado no escopo da ponderação normativa.

5.4 Princípio da Neutralidade Jurisdicional e Administrativa

O Princípio da Neutralidade Jurisdicional e Administrativa surge como um dos principais diferenciais caracterizadores das investigações SIPAER, tendo-se em vista que estas não podem produzir efeitos nas outras esferas investigativas (administrativa, cível ou criminal) e também pelo fato de não ser aplicável o devido processo legal, portanto, não vinculando os institutos do contraditório e ampla defesa na atividade de investigação e prevenção de acidentes aéreos.

Cabe ressaltar que a investigação SIPAER tem por característica a dogmática especulativa, ou seja, os resultados destas investigações abarcam todas as condições inseguras encontradas, mesmo que elas não tenham nexo de causalidade objetivo com um acidente ou incidente aéreo, por isso torna-se correto falar em nexo de causalidade amplo, na medida em que as hipóteses podem considerar quaisquer fatores contribuintes que vão desde a fabricação inicial até o momento do acidente. (HONORATO, 2015)

O art. 88-C do Código Brasileiro de Aeronáutica esclarece o caráter de neutralidade jurisdicional das investigações SIPAER: “A investigação SIPAER não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de outras investigações, inclusive para fins de prevenção (...)”. (BRASIL, 1986, grifo nosso)

Nesse sentido, o procedimento envolto nas investigações SIPAER é administrativo, de cognição especulativa e abrangente, justificado pelo propósito de dar às ações e serviços que se relacionam com a atividade aérea a maior segurança possível.

Honorato (2015) destaca, que no trâmite investigativo SIPAER, os informantes figuram apenas como entrevistados, e as informações repassadas voluntariamente não devem ser utilizadas para fundamentar inquéritos policiais ou processos judiciais, em virtude de que não seria razoável exigir ou esperar de pessoas que fornecem espontaneamente informações a produção de provas contra elas próprias.

Ademais, é válido destacar que a neutralidade jurídica das investigações SIPAER tem origem na Convenção de Chicago, promulgada no direito interno por meio do Decreto n.º 21.713 de 1946, onde o texto do Anexo 13, item 5.10, atualização de julho de 2016, estabelece a necessidade de coordenação do investigador encarregado com a autoridade judiciária.

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diretiva quanto à independência da investigação SIPAER em relação aos demais procedimentos investigativos: ”Art. 88-B. A investigação SIPAER de um determinado acidente, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo deverá desenvolver-se de forma independente de quaisquer outras investigações sobre o mesmo evento” [...]. (grifo nosso)

Por derradeiro, Honorato (2015) ratifica esclarecendo que a falta de litigantes e acusados, a inexistência de partes em processo formal sujeitas a oitivas ou inquirições, tudo isso leva à inaplicabilidade do contraditório e da ampla defesa, afastando a necessidade de observação ao devido processo legal na sistemática investigativa SIPAER.

5.5 Princípio da Proteção e Sigilo da Fonte e o Princípio da Confiança

Revestindo-se de grande importância para o SIPAER, o Princípio da Proteção e Sigilo da Fonte e o Princípio da Confiança garantem a credibilidade necessária para que o sistema possa continuar recebendo informações substanciais de modo voluntário, sem que os informantes se sintam ameaçados quanto à utilização dos respectivos dados contra si mesmos, em inquéritos policiais ou processos jurídicos.

Na sua forma ideal, o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos só obterá sucesso na sua atividade laboral caso receba as informações relacionadas às condições inseguras presentes nas ações e serviços ligados à atividade aérea. Contudo, para que o SIPAER possa receber tais comunicações, torna-se indispensável que haja total confiança no sistema e em seus profissionais.

O artigo 88-I, III e §2° da Lei 12.970/14, instituiu como fonte SIPAER os dados dos sistemas de notificação voluntária, afastando a sua utilização para fins probatórios em processos judiciais, em total consonância com o Princípio Jurídico da Não Autoincriminação, ou da mesma forma, de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Destarte, o artigo 88-C do mesmo diploma normativo estabelece que a “investigação SIPAER não impedirá, nem suprirá a necessidade de outras investigações, inclusive para fins de prevenção” admitindo implicitamente que o Estado pode perfeitamente atender às outras demandas administrativas, policiais ou jurídicas, sem se valer das conclusões especulativas dos investigadores SIPAER ou das informações recebidas voluntariamente.

Assim sendo, há de se esclarecer que o inadequado é a utilização como meio de prova em inquéritos policiais ou processos judiciais de valorações hipotéticas ou informações fornecidas voluntariamente ao SIPAER, o que não implica restrição ao livre acesso e apreciação do judiciário aos dados fáticos, em outras palavras, tal sistemática em nada atenta quanto ao Princípio da Livre Apreciação do Judiciário, preconizado no art. 5°, XXXV, da CF/88.

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Nessa linha, dados fáticos ou averiguações ligadas a atos ilícitos ou indícios de crime, indiscutivelmente, devem ser compartilhadas com as autoridades policial ou judiciária consoante o que determina os artigos 88-A, §2°, 88-D e 88-I, da Lei 12.970/14.

Outrossim, muitas das informações tidas como fáticas são objetivas e constam dos registros das aeronaves, empresas, fabricantes, pilotos, podendo ser acessados pelas autoridades policial ou judiciária, independentemente das considerações do SIPAER.

Com efeito, faz-se oportuno destacar que a publicação dos Relatórios Finais SIPAER envolvendo aeronaves civis não possui grau de sigilo que restrinja o acesso, recebendo inclusive classificação de “ostensivo” e constando na rede mundial de computadores pelo site do CENIPA. Nesse diapasão, o Código Brasileiro de Aeronáutica debruçou certo resguardo nas informações voluntárias recebidas pelo SIPAER sob o véu da confiança e nas valorações especulativas do processo investigativo deste sistema.

5.6 Princípio da Máxima Eficácia Preventiva

Tal princípio se baseia na procura, por meio das investigações SIPAER, de todas as condições inseguras que possam significar risco às operações ou serviços ligados à atividade aérea, considerando o nexo de causalidade em perspectiva ampla, sem delimitação objetiva de culpa, dolo ou apontamento direto de responsabilidades.

Por conseguinte, a metodologia da investigação SIPAER é totalmente diferente da utilizada na persecução penal, pois a investigação aeronáutica não direciona o nexo causal à análise da culpa ou do dolo, mas na busca pela cadeia causal ampla e irrestrita, podendo chegar até a fabricação da aeronave ou de peças, totalmente incompatível com a cognição penal.

Assim, qualquer anomalia de segurança identificada receberá o tratamento como um risco que deve ser eliminado ou mitigado, donde surge o Princípio da Máxima Eficácia Preventiva, justificando uma regressão causal expandida, conforme cita Honorato (2017):

[...] o Princípio da Máxima Eficácia Preventiva visa a evitar que um novo acidente ocorra, ainda que por mera hipótese, protegendo a vida humana com a maior abrangência possível. Nesse sentido, eventual condição insegura hipotética ou indireta receberá o devido tratamento, que é a prolatação de uma recomendação de segurança e, com isso, obtém-se a máxima eficácia da atividade de prevenção. (HONORATO, 2017, p. 492).

A análise das causas de um acidente ou incidente aeronáutico pelo SIPAER busca estabelecer relações entre os possíveis fatores contribuintes e os resultados

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encontrados após o sinistro aeronáutico, sistemática que não se compatibiliza com o direito penal, pois este busca esclarecer elementos de autoria e materialidade e investigar a existência de dolo ou culpa do agente.

Conforme estabelece a NSCA 3-13/2017, item 1.5.19 (BRASIL, 1986), norma infralegal do direito aeronáutico, fatores contribuintes concernentes às atividades de investigação de acidentes aéreos significam:

Ação, omissão, evento, condição ou a combinação destes que, se eliminados, evitados ou ausentes, poderiam ter reduzido a probabilidade de uma ocorrência aeronáutica, ou mitigado a severidade das consequências da ocorrência aeronáutica. A identificação do fator contribuinte não implica presunção de culpa ou responsabilidade civil ou criminal.

Assim, de acordo com o artigo 88-A do Código Brasileiro de Aeronáutica (BRASIL, 1986), com a NSCA 3-13/2017 e o que preleciona Honorato (2015), o procedimento investigativo SIPAER tem por foco a emissão de Recomendações de Segurança em função de fatores contribuintes encontrados, hipóteses e fatos elencados no curso das investigações.

CBA, art. 88-A [...]

§ 1º A investigação SIPAER deverá considerar fatos, hipóteses e precedentes conhecidos na identificação dos possíveis fatores contribuintes para a ocorrência ou o agravamento das consequências de acidentes aeronáuticos, incidentes aeronáuticos e ocorrências de solo.

NSCA 3-13/2017

7.2.2 Em algumas ocasiões serão formuladas hipóteses, as quais serão fundamentadas em pareceres técnicos e suportadas por dados factuais.

Desta feita, ratifica-se que, após pesquisadas as evidências, são delineados os fatos e os possíveis fatores contribuintes, de onde surgem os estudos no sentido de justificar as hipóteses levantadas para o sinistro, tudo em sintonia com a análise técnica e as informações factuais.

Em resumo, o Princípio da Máxima Eficácia Preventiva tem o condão de evitar a recorrência de acidentes ou incidentes aeronáuticos pela emissão de Recomendações de Segurança que abarquem todos os possíveis fatores contribuintes encontrados durante as investigações SIPAER, sem mensurar qual deles pode ter tido maior ou menor importância e não sendo necessária a relação causal objetiva desses fatores com o acidente, mas visando corrigir todos os problemas potenciais e riscos identificados (HONORATO, 2015).

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6 ANÁLISE DE COMO A DOUtRINA JURÍDICA APLICÁVEL AO SIPAER CONtRIBUIU PARA SUStENtAR A CONStItUCIONALIDADE DA LEI 12.970/14 PERANtE O ORDE-PERANtE O ORDE-O ORDE-NAMENtO JURÍDICO BRASILEIRO, ENtRE O SEU SURGIMENtO E O FINAL DO ANO DE 2017

Pelos apontamentos anteriormente elencados que poderiam ensejar a inconstitucionalidade da Lei 12.970/14, coube uma abordagem interpretativa para esclarecer como a doutrina jurídica aplicável ao SIPAER foi capaz de sustentar argumentos tangentes à adequação constitucional da lei em pauta, entre o seu surgimento e o final do ano de 2017.

Merece atenção o posicionamento de Duarte (2015), quando defende que ninguém poderia afirmar que a segurança ligada à atividade aérea tem correspondência a um direito fundamental, e que o direito à vida não pode ser confundido com segurança de voo.

Figura de maneira indivisível o paralelismo da prevenção de acidentes aéreos com o Princípio da Preservação da Vida Humana e, tendo por base a ampla acepção do conceito da dignidade da pessoa humana, este acaba por ter ligação com a busca por condições seguras na atividade aérea, em virtude de que é obrigação do Estado atuar para prover condições dignas para a sociedade no contexto da aviação.

Nessa ótica, com oportuna clareza, Alexandrino e Paulo (2015, p. 94) explicam como a dignidade da pessoa humana se relaciona com o direito à vida:

A dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como uma organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de ser do Estado brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, em organizações religiosas, tampouco no próprio Estado (como ocorre nos regimes totalitários), mas sim na pessoa humana. (...) São vários

os valores constitucionais que decorrem diretamente da ideia de dignidade humana, tais como, dentre outros, o direito à vida, à intimidade, à honra e à imagem. (grifo nosso)

No que tange à alegação equivocada de que a Lei 12.970/14 (BRASIL, 1986) concentra nas mãos do CENIPA todas as informações a respeito de acidentes aéreos e impede que a Polícia e o Ministério Público façam uso dos dados em seu trabalho de apuração e ajuizamento de ações, cabe esclarecer que uma leitura cuidadosa do art. 88-C do CBA já demonstra que não há qualquer impedimento de participação simultânea das demais autoridades na análise dos dados: “A investigação SIPAER não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de outras investigações, inclusive para fins de prevenção, [...]”. (BRASIL, 1986, grifo nosso).

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Verifica-se apenas uma reserva legal para garantir a investigação SIPAER de maneira tempestiva, mas não um impedimento de acesso pela Polícia e/ou Ministério Público, pois que a causa fundamental dessa prioridade é justamente o interesse público norteado pela tutela da vida, portanto, balizado pelos Princípios da Preservação da Vida Humana e o da Prevalência do Interesse Público, dando total coerência constitucional à Lei 12.970/14.

Conforme já mencionado anteriormente, várias informações factuais ficam disponíveis nos registros de aeronaves, cadastros de operadores, fabricantes, agência fiscalizadora, dentre outras possibilidades que independem de autorização ou liberação do órgão central do SIPAER para acesso. Dessa forma, não prospera a interpretação no sentido de que a Lei 12.970/14 concentra em poder do CENIPA todas as informações a respeito de acidentes aéreos e impede que a Polícia e o Ministério Público façam uso dos dados.

Ademais, não há de se falar em devido processo legal e obediência ao contraditório e da ampla defesa, uma vez que inexiste a figura jurídica do litígio nas investigações SIPAER e o foco desses procedimentos é a busca de condições inseguras, sem relacionar ou atrelar responsabilidade a quaisquer indivíduos, logo também não considera eventuais partes, indiciados ou culpados.

Nesse cenário, a inobservância ao devido processo legal é perfeitamente justificada pelo Princípio da Neutralidade Jurisdicional e Administrativa do SIPAER ao permear investigações de cognição meramente especulativas, sem estabelecimento de nexo causal estrito e conclusões cartesianas, instauradas tão somente no intuito de prover o incremento da segurança da atividade aérea, sem qualquer caráter punitivo ou apontamento de autoria e materialidade. (HONORATO, 2015)

Igualmente importante, o SIPAER defende a inaplicabilidade de informações colhidas pelo respectivo sistema sob a égide da confiança em inquéritos policiais ou processos judiciais, em consonância com o Princípio da Proteção e Sigilo da Fonte e o Princípio da Confiança, pois seria temerário que um agente estatal (o investigador SIPAER) recebesse informações transmitidas voluntariamente, e outro agente (a autoridade judiciária) obrigasse o investigador aeronáutico a repassar os dados colhidos em entrevistas à justiça ou à autoridade policial.

Cabe considerar que, além de outras características, o Relatório Final SIPAER acaba também sendo produto das contribuições voluntárias, cedidas obviamente sob restrição de emprego em outras esferas investigativas e, consequentemente, o uso irrestrito desses relatórios como meio de prova em processos judiciais ofende o compromisso de confidencialidade entre informante e investigador, porquanto torna a prova ilícita, como se fosse o “fruto da árvore envenenada”. (HONORATO, 2015)

Além disso, poderiam futuramente os informantes não mais contribuir, pelo receio de terem suas delações utilizadas contra eles próprios, o que ocasionaria uma degradação constante na capacidade de atuação preventiva do SIPAER.

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Quanto à necessidade de prévia manifestação da Justiça para acesso ao material produzido pelo SIPAER, a Lei 12.970/14 (BRASIL, 1986) nada mais fez do que reiterar o que preconiza o item 5.12, do capítulo 5, do Anexo 13 da Convenção de Chicago, isto é, repassar à autoridade estatal competente a avaliação final sobre os possíveis impactos negativos da utilização dos registros em processos que não visem à investigação de acidentes ou incidentes (em interpretação finalística, entenda-se para fins de prevenção).

No que tange à suposta contrariedade ao Princípio da Verdade Real, inicialmente cabe considerar que os preceitos da ICAO não preconizam vedação de acesso aos dados obtidos nas investigações aeronáuticas pelos órgãos do Poder Judiciário, apenas orientam no sentido de que sejam sopesados os eventuais impactos às futuras investigações, de modo que o livre convencimento da autoridade judiciária em nada fica prejudicado pelos protocolos internacionais ou disposições normativas do CBA.

Quanto à publicidade, todos os Relatórios Finais são publicados na página do CENIPA na internet, o que vem demonstrar que o SIPAER busca transparência perante à sociedade, oferecendo acesso livre ao produto final das investigações. (BARRETO, 2015)

No que concerne aos Princípios da Indisponibilidade e o da Obrigatoriedade da Ação Penal, cabe esclarecer que, ao serem identificadas ações delitivas no transcurso das investigações aeronáuticas, devem os investigadores encarregados comunicá-las imediatamente à autoridade policial, conforme se verifica na leitura dos artigos 88-A, §2° e 88-D da Lei 12.970/14, por assim regida a Autoridade de Investigação SIPAER e porquanto obrigada pelo Princípio da Legalidade, em total coerência com a Carta Magna de 1988.

Note-se que, mesmo não sendo da competência da autoridade SIPAER determinar se o ato é um ilícito doloso ou não, se deve ou não ser enquadrado como crime, é inconteste que o SIPAER conta com profissionais especializados e capazes de opinar sobre o que é certo ou errado dentro dos preceitos normativos, operacionais e costumeiros da atividade aérea, permitindo o claro discernimento sobre a necessidade de comunicar à autoridade policial aquilo que se aproxima de uma violação inescusável na aviação, por conseguinte, merecedores de apreciação pela autoridade policial quanto ao enquadramento penal.

Em outra análise, é importante destacar que a comunicação de crime pelo SIPAER não é condicionante para a atuação da autoridade policial, mas mera delação contributiva. Assim, esta comunicação é acessória e não impede a ação judicial, logo, não pode ser considerada uma restrição à atuação do Poder Judiciário. Em outras palavras, a delatio criminis8 da autoridade SIPAER ocorre sem prejuízo do disposto no art. 88-C do Código Brasileiro de Aeronáutica (HONORATO, 2015).

Referências

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