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O LUGAR DA LITERATURA NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO

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Revista Literatura em Debate, v. 8, n. 15, p. 52-63, dez. 2014. Recebido em: 13 out. 2014.

Aceito em: 14 dez. 2014.

O LUGAR DA LITERATURA NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO

THE PLACE OF THELITERATURE INHIGH SCHOOL

Luciane Figueiredo Pokulat1

RESUMO: Esse artigo é uma reflexão acerca do momento que vivemos, na entrada do século XXI, considerando as mudanças no contexto educacional, com foco ao ensino da Literatura. O objetivo do texto é refletir em torno de sinais de desaparecimento da disciplina de Literatura dos currículos escolares do ensino médio brasileiro; pensar sobre os documentos norteadores desse nível de ensino, em especial sobre o que preconizam para o ensino da Literatura,e refletir sobre algumas possibilidades apontadas para a Literatura no atual momento. Essa breve reflexão nos possibilita o entendimento de que o efetivo contato com o texto literário deve ser o foco das aulas de Literatura e que o docente das Letras precisa estar atento e consciente de seu compromisso com o letramento literário, assegurando-se de que isso aconteça em quaisquer outros espaços alternativos na escola, caso a disciplina de Literatura não esteja contemplada no currículo.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Literatura. Ensino Médio. Letramento Literário.

Introdução

O conceito de modernidade líquida, cunhado por Zygmunt Bauman (2001), preceitua que os líquidos se movem facilmente e, diferentemente dos sólidos, eles não mantém sua forma com facilidade, estando sempre prontos e propensos a mudá-la. O autor usa a metáfora da liquidez para caracterizar o estado da sociedade moderna, a qual se apresenta com uma incapacidade de manter as formas, assim como os líquidos.O advento dessa modernidade líquida vem produzindo profundas mudanças no pensamento e na condição humana, exigindo de todos a reconsideração de velhos conceitos e a escola, como uma instituição organizada, não passa ao largo dessas transformações. Dessa forma,assim como a sociedade contemporânea, o contexto escolar vê-se dentro de uma variedade de modificadores de seus antigos e sólidos conceitos. Nesse sentido, aponta Bauman que os desafios do nosso tempo se

1 Mestre em Letras, área de concentração Literatura pelo PPG URI/FW. Doutoranda em Letras pelo

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apresentam como um duro golpe à própria essência da ideia sólida que se tem de educação e, em especial, do que representa, para nós, a instituição escola.

Nos dias atuais, a informação obtida na escola - a qual deve transformar-se em conhecimento -passa a ser duvidosa, devido à sua precariedade em virtude das rápidas atualizações que sofre, assim como as mudanças conceituais que sofre o mundo atual.Crise na educação, entretanto, não é novidade do tempo contemporâneo, caso contrário, conceitos educacionais não seriam revisitados, revisados e inovados como sempre foram na história da educação. Porém, a educação, que sempre viveu crises e se adaptou às novas possibilidades do contexto em voga, passa hoje por um momento singular, pois “Em nenhum momento crucial da história da humanidade os educadores enfrentaram o desafio comparável ao divisor de águas que hoje nos é apresentado. A verdade é que nós nunca estivemos antes nessa situação”(2010, p.125),afirma Bauman, concluindo que precisamos aprender a arte de viver num mundo saturado de informações, além de, como educadores, aprender a arte de preparar seres humanos para essa vida.De dentro do contexto dessa modernidade líquida,caracterizada como um tempo de alta mobilidade, geradora de dúvidas e incertezas,por nós vivida nessa segunda década do século XXI, é que queremos pensar noensino da Literatura na escola brasileira de nível médio.

Ao fazermos uma análise breve e superficialde alguns currículos de ensino médio, utilizando ferramentas de busca da internet, a primeira impressão que se tem é que a disciplina de Literatura não aparece com sua histórica autonomia em todos os currículos dessa etapa da educação básica, como outrora fora de praxe. Considerando essa breve pesquisa, cujo foco foram os currículos de algumas escolas que desenvolvem o ensino politécnico, que trabalha por áreas, e o ensino integrado da escola profissionalizante - modalidades que se consolidam, nesse momento, no estado do Rio Grande do Sul -, percebemos que, algumas dessas escolas, conservam o espaço para a disciplina de Literatura nas três séries do ensino médio, usando a denominação Literatura; outras a incluem ao lado das aulas da língua materna, adotando, no currículo, o nome de Língua Portuguesa e Literatura, e outras ainda suprimiram o nome Literatura, apostando, talvez, que o ensino da mesma aconteça durante as aulas de Língua Portuguesa.

A partir dessa constatação, é possível levantarmos a hipótese de que, se a disciplina de Literatura não aparece contemplada com sua tradicional independência no currículo, ela estaria embutida como parte do programa de Língua Portuguesa, o que poderia representar um

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risco para o ensino da Literatura, por ficar delegado à subjetividade do docente a decisão sobre o que explorar nessas aulas, quanto de tempo dedicar à disciplina e, o que é mais grave, ficar sob sua responsabilidade se ele deseja, ou não, abordar o texto literário durante as aulas de Língua Portuguesa. Surge, então, a questão:o docente, supostamente com formação adequada,que recebeu a incumbência de ministrar aulas de Língua Portuguesa para o ensino médio em uma determinada escola, assumirá, como seu, o compromisso do letramento literário? E, em caso afirmativo, ele estará devidamente preparado para a abordagem do texto literário com seus alunos?Ao levantarmos essas dúvidas, está implícita, em nosso questionamento, uma preocupação de que o ensino da Literatura, no sentido do letramento literário, possa estar comprometido, caso o docente das Letras não entenda como de sua responsabilidade esse papel além do que, pelo fato de não ter o nome da disciplina no currículo escolar, ficar suposto que a mesma estaria sendo subtraída do ensino médio.

Pensar sobre essa questão é pensar que, caso não haja uma consciência por parte dos professores formados em Letras da necessidade e da relevância do ensino de Literatura para o desenvolvimento da sensibilidade do aluno, poderá acontecer um lento e gradual desaparecimento da disciplina não só dos currículos de ensino médio, como também dos espaços de aprendizagem desse nível de ensino. Paralelo a esse processo, outro fato que está influenciando os rumos do ensino de Literatura no país é a gradual substituição dos tradicionais concursos vestibulares -cujos programas, para o bem e para o mal,serviram e, de certa forma, ainda servem como diretriz para o ensino médio- pelo Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM,que, com suas competências e habilidades, força o docente a repensar seu papel, levando em conta a abrangência de tal instrumento de avaliação externa.Considerando, portanto, os dois fatores elencados julgamos procedente a reflexão em torno dos documentos legais que são os balizadores da educação de nível médio, a fim de acompanharmos o que preconizam em relação ao ensino da Literatura e em que medida tem sido a causa das mudanças referentes às abordagens da Literatura no currículo escolar.

A disciplina de Literatura no currículo do ensino médio: um pouco de história

Até a década de 1970, não se questionava a inclusão ou não da disciplina de Literatura, pois era natural que a mesma constasse nos currículos considerando que a disciplina sempre foi um dos pilares da formação burguesa humanista, gozando, inclusive, de

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status privilegiado perante as outras, em virtude da tradição letrada da elite que comandava os

destinos da Nação.E a escola secundária conservava a historiografia literária - herdada das origens da educação brasileira - como conteúdo inquestionável dessa disciplina.Porém, com o passar do tempo, as transformações da sociedade brasileira afetaram a estrutura do ensino e, com a reforma implantada em 1971, o segundo grau passou a habilitar o aluno para uma profissão ou servir como etapa preparatória ao ingresso de cursos superiores. Mais tarde, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96, a educação brasileira novamente sofreu muitas modificações. Uma dessas transformações se deu no ensino médio que, com sua universalização, adquiria novo sentido, cujo objetivo passava a ser o de preparar o aluno cidadão para que este fosse capaz de integrar-se ao mundo contemporâneo, nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho, considerando as exigências do mercado de trabalho no contexto de globalização.

Para cumprir com essas finalidades impostas pela lei, fez-se necessário que o ensino médio deixasse de ter um caráter enciclopédico, trabalhando menos a memória e mais o raciocínio, pois não haveria o que justificasse memorizar conhecimentos superados ou cujo acesso estaria facilitado pela moderna tecnologia. O que se desejava, a partir da LDB 9.394/96,era que, nesse nível de ensino, fossem desenvolvidas as competências básicas que permitissem aos estudantes desenvolver a capacidade de continuar aprendendo e que os mesmos fossem instrumentalizados para compreender as mudanças e os impactos tecnológicos, sabendo aproveitá-los. Além disso, pretendia-se, também, formar pessoas mais autônomas em suas escolhas, seres capazes de respeitar as diferenças e superar a segmentação social.

A fim de sedimentar e detalhar lacunas possíveis deixadas pela Lei, surgia,inicialmente, em 2000, e posteriormente reformulado, em 2002, os Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Médio, um documento pedagógico complementar à LDB,

com a intenção de promover mudanças no ensino, modificando conceitos existentes até o momento como, por exemplo, o do ensino fragmentado. Essas mudanças objetivavam o conhecimento significativo para o aluno, considerando sua inclusão no mundo globalizado e tecnológico. Para isso davam ênfase aos conceitos de interdisciplinaridade e contextualização e o currículo passava a ser organizado em três grandes áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Nos PCN do Ensino Médio, a Literatura perdia o caráter de disciplina

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autônoma, passando a ser tratada como conhecimento pertencente à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias com o argumento de que a dicotomização entre Língua e Literatura sugeria professores especialistas para atender a cada área “como se leitura, literatura, estudos gramaticais e produção de texto não tivessem relações entre si” (PCN, 2000, p.15). Nesse sentido, o documento de 2002 esclarecia que

As competências e habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) permitem inferir que o ensino de Língua Portuguesa,hoje, busca desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplaspossibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das características de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara,na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho. (PCN, 2002, p.55)

Além disso, em resposta à política educacional brasileira que buscava a democratização do ensino e ampliava o acesso ao ensino médio, os PCNs sugeriam que o ensino da língua materna deveria considerar “a necessária aquisição e o desenvolvimento de três competências: interativa, textual e gramatical” (PCN, 2002, p.55). O documento de Língua Portuguesa apresentavam-se dividido em três partes - representação e comunicação; investigação e compreensão; contextualização sociocultural - acompanhadas de seus devidos conceitos, com as competências e habilidades para serem desenvolvidas nos espaços escolares sem, entretanto, ditar tempos definidos, denominações de disciplinas ou conteúdos programáticos que devessem compor o currículo escolar. No entanto, é preciso ler o documento com muita atenção para identificarmos as referências do mesmo em relação ao ensino da Literatura, quando estabelece objetivos como, por exemplo, “Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,relacionando textos e contextos, mediante a natureza,função, organização, estrutura, de acordo com ascondições de produção e recepção” (PCN, 2002, p. 72); ou “Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como representação simbólica de experiências humanas, manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social” (PCN, 2002, p. 73); ou ainda “Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, opatrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial” (PCN, 2002, p. 74).

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Se investigarmos com mais afinco, perceberemos que o tratamento para com a Literatura é dado, no documento, com a visão do texto literário como mais um gênero textual, no qual o aluno deveria “reconhecer características típicas de uma narrativa ficcional (narrador,personagens, espaço, tempo, conflito, desfecho)” ou “reconhecer recursos prosódicos frequentes em um texto poético (rima, ritmo,assonância, aliteração, onomatopéia)” (PCN, 2002, p.78). Com isso, é possível que o docente da língua materna, que já teria listado em seu programa de ensino uma gama variada de gêneros textuais para serem explorados em sala de aula, com o objetivo de formar um aluno cidadão, com espírito crítico e devidamente inserido na sociedade globalizada, alocava, ao lado destes gêneros, o compromisso com mais um gênero: o gênero literário. Com isso a Literatura perdia o caráter de ser vista com toda a complexidade que o gênero requer esvaziando-se, portanto, os devidos cuidados que o letramento literário exige por parte do docente.

Além disso, não foi dito pelo documento do MEC, mas talvez tenha sido entendido, por algumas escolas de ensino médio, que a disciplina de Literatura perdia a sua obrigatoriedade como disciplina autônoma, tornando-se parte das aulas de Língua Portuguesa. Ora, o cálculo é simples: se havia um tempo determinado para as aulas de Língua Portuguesa, nas quais dever-se-ia possibilitar, além de outras tarefas, o contato do educando com o maior número possível de gêneros textuais, ao incluir o gênero literário como parte integrante do programa, sem aumentar o espaço destinado ao desenvolvimento de aulas dedicadas ao ensino da língua materna, estar-se-ia, inevitavelmente,diminuindo o tempo do aluno para contato com aqueles gêneros e, consequentemente, com este. Ou seja: o tempo dedicado ao ensino da Literatura estaria, nessa lógica, quando não abortado, ao menos, reduzido.

Apenas quatro anos depois, entretanto, o Ministério da Educação, propunha, em 2006, um novo documento denominado Orientações Curriculares para o Ensino Médio, o qual defendia a especificidade da Literatura e ratificava a importância de sua presença no ensino médio, embora também não a preceituasse como disciplina autônoma no currículo da escola média. O que deve ser ressaltado é que nas Orientações Curriculares encontramos uma ampla discussão em torno do porquê do ensino da Literatura no ensino médio, baseada em argumentos com consistentes discussões teóricas que giram em torno da formação do leitor, da leitura literária e do papel do professorcomo mediador de leitura.O então novo documento defendia a importância da Literatura no currículo escolar, justificando que uma das marcas da mesma é a transgressão, ou seja, é a permissão que se dá ao leitor de participar do jogo da

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leitura literária. Contribuindo com as reflexões do referido documento, Osakabe manifestava-se:

E nisso reside sua função maior no quadro do ensino médio: pensando (a Literatura) dessa forma, ela pode ser um grande agenciador de amadurecimento sensível do aluno, proporcionando-lhe um convívio com um domínio cuja principal característica é o exercício da liberdade. Daí, favorecer-lhe o desenvolvimento de um comportamento mais crítico e menos preconceituoso diante do mundo. (OSAKABE, 2006, p. 49)

De acordo com Osakabe, o texto literário, por trabalhar no campo da emoção, contribui para despertar no aluno a sua capacidade de sentir, característica, aliás, necessária ao homem para torná-lo, de fato, um ser humanizado, nos termos de Antonio Cândido. Com a sensibilidade desenvolvida, o aluno teria condições de perceber o mundo de formas diferentes, permitindo-lhe, portanto, que se tornasse um sujeito mais crítico e menos preconceituoso. Esse pensamento, registrado no documento de 2006,nos permitia pensar o ensino da Literatura, no nível médio, com o compromisso de levar, para os espaços escolares, a maior pluralidade de textos possíveis, a fim de exercitar a liberdade dos alunos de identificarem-se e reconhecerem-se nesses textos, tornando-os sujeitos capazes de fazer suas próprias escolhas. Visto dessa forma, é possível inferir que era devolvida à Literatura o caráter de sua complexidade e a importância a ela devida. Não é possível afirmar, no entanto, é bem possível que algumas reformas de currículo feitas, anteriormente, com base nos PCN, as quais suprimiram a Literatura como disciplina autônoma, permanecessem intocadas, sem devolver a autonomia da disciplina ao currículo e sem conferir a ela o espaço que lhe cabia, mesmo que nas aulas da língua materna.

Por outro lado, ainda em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da educação básica, buscando contribuir para a melhoria da qualidade desse nível de escolaridade, o Governo Federal instituía o ENEM. Em apenas uma década o referido exame ganhava vigor pelo fato de que, a partir de 2009, a prova era redefinida e os resultados do Exame passavam a ser utilizados, também, como mecanismo de seleção para o ingresso no ensino superior. Ano após ano, várias mudanças ocorreram e o ENEM, atualmente, contribui para a democratização das oportunidades de acesso às vagas oferecidas por Instituições Federais de Ensino Superior. Respeitando a autonomia das universidades, os resultados do ENEM podem ser utilizados para acesso ao ensino superior como fase única de seleção para as vagas disponíveis ou combinado com processos seletivos próprios de cada universidade,

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além de serem utilizados para o acesso a programas como o PROUNI – Programa Universidade para Todos.A consolidação do instrumento avaliativo em caráter nacional, a grande procura, por parte dos estudantes e a aceitação do mesmo pelas universidades nos permitem, portanto, o entendimento de que a prova do ENEM acabaria influenciando os rumos do ensino brasileiro para o nível médio e seu programa passaria, dessa forma, a ser um importante balizador da organização desse nível de ensino.

Por isso, a fim de tentarmos entender o papel do docente responsável pelo ensino da Literatura no atual cenário, não poderíamos nos furtar de conhecer o que preconiza o ENEM, cuja Matriz de Referência é dividida em quatro áreas – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias - com cinco eixos cognitivos comuns a todas as áreas do conhecimento e cada uma dessas com suas respectivas competências e habilidades específicas. Nesse sentido, ao nos debruçarmos sobre as competências e habilidades da Matriz de Referência do ENEM, nota-se uma preocupação desta com o desenvolvimento da capacidade leitora do estudante de ensino médio, o que nos permite concluir ser de grande valia, por parte de todos os docentes de todas as áreas, desenvolver a competência de leitura no aluno. Examinando com afinco a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, notamos que o documento estabelecia nove competências e trinta habilidades e, dentre outras prioridades, deixava clara a preocupação com o estudo do texto, bem como com a percepção da relação deste com o contexto no qual se está inserido. Para isso, estabelecia como habilidades a serem desenvolvidas no educando a capacidade deste de distinguir os variados gêneros textuais existentes no sistema de comunicação e informação, com suas respectivas sequências discursivas;a capacidade de perceber os aspectos linguísticos nos diferentes textos em relação à macroestrutura semântica e com os aspectos linguísticos da Língua Portuguesa no que se refere à microestrutura do texto.O documento estabelecia,ainda, a necessidade de estudos dos gêneros digitais, observando a função e o impactodas tecnologias da comunicação e da informação na vida pessoal e social do educando. Em relação ao ensino de Literatura, especificamente, percebíamos a seguinte proposta:

Competênciade área 5 - Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos daslinguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produçãoe recepção.

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H15 - Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situandoaspectos do contexto histórico, social e político.

H16 - Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construçãodo texto literário.

H17 - Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentesno patrimônio literário nacional. (MEC)2

Se o compromisso com a capacidade leitora do aluno é base na Matriz de Referência, no caso do docente das Letras, essa tarefa se intensifica, sendo que, desenvolver a competência do educando como um leitor competente em sua língua materna deve fazer parte do rol das atividades principais desse professor, o qual deve atentar, também, para a especificidade do letramento literário, no caso das aulas direcionadas à arte literária. No entanto, assim como os PCNs, a Matriz de Referência também não determinava os conteúdos específicos que devem constar dos programas de língua materna, mas a julgar por mais essedocumento proposto pelo MEC, que estabelece uma competência inteira dedicada ao ensino da Literatura, entendemos que,pela importância da avaliação com sua abrangência em caráter nacional, a escola não deve perder de vista seu compromisso com a Literatura, devendo, portanto, atentar e assegurar que o contato com o texto literário se efetive nos currículos escolares do nível médio.

Considerações Finais

Tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais, como as Orientações Curriculares

para o Ensino Médioou a Matriz de Referências do ENEM são documentos que surgem para

balizar as discussões a respeito das disciplinas lecionadas no ensino médio. No entanto, seja pela falta de detalhamento e clareza desses documentos, ou mesmo pela insuficiência da formação continuada dos professores permitindo-lhes que conheçam, com mais profundidade, tais documentos a ponto de colocá-los em prática, ou ainda, por falta de diálogo de instâncias responsáveis, como a escola de nível médio e a universidade, para promover uma aproximação mínima da teoria com a prática, constata-se que as atividades no campo da Literatura continuam a ser desenvolvidos de forma diversa.É fato que, enquanto alguns

2 Matriz de Referência do ENEM. Dadosda página http://portal.inep.gov.br/web/enem/conteudo-das-provas

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educadores se aventuram na busca do desenvolvimento da capacidade leitora do educando, possibilitando a este o contato efetivo com o texto literário, grande parte dos professores organiza seu trabalho baseado nos programas ditados, tradicionalmente, pelos vestibulares, apostando no ensino de períodos literários, ou seja, trabalhando a história da literatura. Há, entretanto, alternativas metodológicas dignas de serem conhecidas e experienciadas pelos docentes como é o caso de uma proposta apresentada por William Roberto Cereja.

Cereja, em seu livro Ensino de Literatura: uma proposta dialógica para o trabalho

com literatura (2005), apresenta os resultados de uma pesquisa, cujo objetivo é refletir sobre

as práticas pedagógicas do ensino de Literatura, as relações dessas práticas com o fracasso escolar e apresentar uma possibilidade para o ensino da disciplina. De acordo com o pesquisador, para termos uma nova proposta para a Literatura nos currículos de ensino médio, devemos primeiro nos despojarmos de alguns conceitos já cristalizados em relação à nossa prática. “Um deles é o de que o ensino de literatura deve, necessariamente, ser feito pela perspectiva da historiografia literária; outro, de que a historiografia é a única causa do enrijecimento dessas práticas de ensino” afirma Cereja (2005, p.199) acrescentando que

Se o texto literário deve ser o principal objeto de estudo das aulas de literatura, e não um discurso sobre a história da literatura, é preciso levar em conta que conhecimentos de diferentes áreas afins – história, sociologia, psicologia, história da arte -, entre elas a história da literatura, podem ser ferramentas úteis para lidar com o texto literário. (CEREJA, 2005, p.199)

A partir das constatações do autor, percebe-se que uma nova perspectiva para o ensino da Literatura seria dificultada pelos fortes laços que mantemos com a ideia da obrigatoriedade do ensino da historiografia. Mas, ao mesmo tempo em que isso serve de desculpa para entravar uma possível mudança, Cereja constata, também, que o ensino pelo viés da historiografia não é o único culpado da perpetuação de tal prática ao longo das décadas. Ele avança, ainda, no sentido de afirmar que a historiografia não é descartada, mas sim aceita como uma possibilidade de trabalho considerando “a condição de que não seja uma camisa-de-força que impeça o estabelecimento de movimentos cruzados de leitura” (2005, p.164) defendendo o contato com o texto literário e a ideia de uma perspectiva dialógica de ensino.

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Por outro lado, o pesquisador aponta o papel formador e pedagógico do texto literário considerando que este “é um rico material tanto para a aquisição de conhecimento quanto para a discussão e reflexão em torno de temas que envolvem o estar do ser humano no mundo” (CEREJA, 2005, p.188). Essa ideia nos remete aAntonio Cândido, para quem a literatura é fator indispensável para a humanização, sendo humanização por ele entendida como um processo que confirma no homem alguns traços como “o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor”(CANDIDO, 1995, p.249). Para o crítico, a literatura desenvolve no homem a humanidade na medida em que o torna mais compreensivo e aberto para a natureza, a sociedade e o semelhante.

Dessa forma, ancorados em Antonio Candido e levando em conta a proposta de Cereja, entendemos que o texto literário deve ser o principal objeto das aulas de Literatura, da mesma forma que, deve ser levado em conta, pelo docente responsável pelo ensino da disciplina, que a Literatura dialoga, fortemente, com as outras áreas de ensino e isso precisa ser considerado pelo professor que busca redefinir seu papel, no século XXI. E, por entender que a Literatura é uma disciplina cujo compromisso é formar leitores, e que esses leitores, por meio da sua experiência literária, terão uma possibilidade de partir em busca do autoconhecimento, do reconhecimento da alteridade e terão a possibilidade de reflexão sobre a essência humana, pensamos que ensinar o educando a ler, de forma eficiente o texto literário,passa a ser tarefa primordial do professor de Literatura – caso a disciplina seja contemplada nos currículos do ensino médio - ou das Letras - o qual deverá promover, com competência, o contato com o texto literário nos espaços da Língua Portuguesa ou em espaços criados, alternativamente, nas escolas, se a disciplina de Literatura não tiver sua autonomiano currículo. O que não podemos, entretanto, é assistirmos, passivamente, ao desaparecimento da Literatura do currículo escolar de nível médio e nos iludirmos que sem ela estaremos formando seres humanos críticos, cidadãos e humanizados, como rezam os documentos educacionais.

ABSTRACT: This article is a reflection on thetimeswe live in,at the entrance of the

century,considering the changesin the educational context, focusing the teaching ofliterature. The purpose of the paper is to reflect about signs of disappearance of the discipline of

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Literatureof school curricula Brazilian high school; think aboutthe guidingdocuments of thislevel of education, especially about whattoadvocatethe teaching of literature, and reflect on somepossibilities pointedto Literatureat the present time. This reflectionallows usthe understanding thatthe contactwith theliterary textshould be the focusof the lessons ofliterature and the teaching of thelettersneed to be awareand consciousofits commitment to the literary literacy, ensuringthatthis happens any othe ralternative spaces,in the school, ifthe discipline of Literatureis not coveredby the curriculum.

KEYWORDS: TeachingLiterature. High School.Literary Literacy.

REFERÊNCIAS

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CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho

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