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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES - CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - PPGAV

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

CENTRO DE ARTES - CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - PPGAV

ANA MATILDE PELLARIN DE HMELJEVSKI

FUNDAMENTAÇÕES E PRÁTICA DE PROCESSOS ARTÍSTICOS

CONTEMPORÂNEOS EM ARTE PÚBLICA

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ANA MATILDE PELLARIN DE HMELJEVSKI

FUNDAMENTAÇÕES E PRÁTICA DE PROCESSOS ARTÍSTICOS

CONTEMPORÂNEOS EM ARTE PÚBLICA

Dissertação de Mestrado apresentada junto ao Programa de Pós Graduação em Artes Visuais CEART/UDESC, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Artes Visuais.

Orientador: Dr. José Luiz Kinceler

(3)

ANA MATILDE PELLARIN DE HMELJEVSKI

FUNDAMENTAÇÕES E PRÁTICA DE PROCESSOS ARTÍSTICOS

CONTEMPORÂNEOS EM ARTE PÚBLICA

Dissertação de Mestrado aprovada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Centro de Artes – CEART- da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC – como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa Processos Artísticos Contemporâneos.

Banca Examinadora:

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A meus netos Matias e Nicole que estão

(5)

AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. José Luiz Kinceler pela orientação deste trabalho e pela preocupação em compartilhar seus conhecimentos.

À Dra. Maria Lúcia Batezat Duarte e ao Dr. Luiz Sérgio da Cruz de Oliveira pela compreensão e contribuição nesta Dissertação.

Aos professores que durante o curso de Pós-graduação contribuíram com seu conhecimento e vontade na minha formação acadêmica.

A meu amado marido Jorge, muito especialmente, pelo amor, “paciência” e compreensão.

A minha “grande família” (filhos, genros, nora, netos) pelo incentivo constante ao meu trabalho e pelo apoio nas horas difíceis.

Aos colegas e amigos da jornada acadêmica.

Aos colegas e amigos do Grupo de Pesquisa “Arte e Vida nos limites da representação” pela amizade e pela oportunidade de compartilhar caminhos na vida e na arte.

(6)

Comunidade não significa entender tudo sobre todo mundo e resolver todas as diferenças; significa aprender a trabalhar dentro das diferenças enquanto estas mudam e se desenvolvem.

(7)

RESUMO

As práticas artísticas denominadas Arte Pública caracterizam, de forma imediata, uma noção de arte associada a um espaço comum, com circulação de pessoas (o público) de acesso fácil e em áreas abertas. Porém, esta acepção torna-se frágil quando investigamos que estamos ante uma trama de fundamentações que sustentam significações, relações e ações várias acerca do que chamamos Arte Pública. Fundamentações que decorrem dos modos de ver, sentir e fazer. Nosso olhar/experiência, que se processa em espaços tempos determinados por meio de fluxos-sociais e territoriais, potencialmente conformados pela fricção de sentidos, seja tanto pelo questionamento de valores, como pela subversão ou a negação dos já instituídos quão cristalizações do pensamento e do fazer. Um olhar/experiência que se consolida nesses espaços-tempo em pequenas ecologias culturais das quais emergem processos artísticos comprometidos com seu tempo e sua realidade. Esta investigação se propôs um melhor entendimento das fundamentações da Arte Pública tais como mobilidade, especificidade (relacional, crítica, espacial, ético-política, discursiva) multiplicidade e emergência, as quais, derivando diretamente de nosso olhar/experiência no espaço-tempo sócio-cultural em que vivemos, emanam de um passado relativamente recente. Fundamentações que jogam com o saber da experiência e a produção de subjetividades e inter-subjetividades resultantes numa prática artística condizente com dito saber. Considerando esta condição, deste saber arte pública, o desenvolvimento da pesquisa se realizou e foi perpassada pela teoria lacaniana, apreendida como sistema de pensamento constituído a partir da afirmativa de que o homem só se constitui como sujeito através de uma relação social mediada pelo Outro. A partir deste ponto, duas concepções, como especificadas por Lacan, se priorizaram e se constituíram no substrato principal da pesquisa. Uma, referente a articulação dos registros referenciais humanos – Real, Imaginário e Simbólico (RIS)- através da figura topológica do nó-borromiano. A outra, referente à concepção do olhar que parte de premissa da existência de um dado-a-ver aquele que vê, e de como, o desenvolvimento do campo chamado escópico é resultante da dialética entre o sujeito e o Outro. A matriz conceitual para articular metodologicamente a pesquisa foi pautada, analogicamente, segundo a lógica do nó-borromiano. Deste modo em cada parte em que está dividido o trabalho os conteúdos se desenvolveram através de três elos temáticos básicos, articuláveis entre si, e sustentados por um quarto elo que permitiu a visibilidade da reflexão e a não homogeneização assuntiva. Este recurso metodológico permitiu uma reflexão investigativa capaz de consolidar assuntos relacionados entre si e que auto-sustentam uma circularidade temática dinâmica. Neste contexto da investigação, esta teoria-sistema, proporcionou por um lado, compreender como a Arte refaz constantemente o jogo representacional na medida em que re-significamos o mundo em que vivemos; a cogitar sobre como e quanto estamos cientes das mudanças que lhe dão fundamentação e, do mesmo modo, a conscientizar-nos de nossa participação, com responsabilidade ético-política, na sociedade em que estamos inseridos.

(8)

ABSTRACT

The artistic practice called Public Art is usually associated with art that appears in a communal space, with the circulation of people (the public), with easy access, and with open areas. This conception, however, becomes unstable when challenged by the actual significations, relations, and varied actions surrounding Public Art: with the actualities of seeing, feeling, and doing. Our gaze/experience, which unfolds in space-time, is determined by social flux and territories, is potentially formed out of confusions of the senses, as well as contests of values, and also by the subversion and negation of already instituted reifications of thought and of practice. In fact, Public Art is surrounded by a gaze/experience that consolidates these space-times in small, cultural ecosystems, whose emerging artistic processes are imbued with their own time and reality. This investigation proposes a better understanding of Public Art in the context of movement, specificity (relational, critical, spatial, ethical, political, discursive), multiplicity deriving directly from our gaze/experience in the socio-cultural space-time in which we live, which emanates from the recent past. Its inquiry stems from the knowledge understood as the play of experience, understood within the context of subjectivities and inter-subjectivities, and the resulting reversals of knowledge. Considering this understanding of public art, this research was developed, created and filtered through Lacania n theory, conceived as a system of thought based on the notion that the human is only constituted as a subject through a social relation mediated by the Other. Two Lacanian concepts constitute the principal basis of this investigation. The first is the articulation of human referential registers— Real, Imaginary, and Symbolic (RIS)—through the topological figure of the Borromean knot. The other is the conception of the gaze that gives birth to the premise of existence as a given-to-see, he who sees, and therefore, the development of the field known as the scopic and the resulting dialectic between the subject and the Other. The conceptual matrix that articulates the methodology was based, analogically, according to the logic of the Borromean knot. Consequently, in each part of the work the contents develop through three basic links, articulated between them, and sustained by a fourth link that permits the visibility of reflexivity and not the homogenization of the work. This methodological recourse permitted an investigative reflexivity capable of consolidating interrelated issues that sustain themselves in a circular, dynamic thematic. This theory-system, understood as the art of constantly repeating the game of representation, of resignifying the world in which we live, leads us to think about how and how much we are aware of fundamental changes and, in the same way, to make us aware of our participation, with ethical-political responsibility, in the society to which we belong.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Robert Morris – Sem Título, 1965... 34

Figura 2. Michael Heizer - Duplo Negativo - Deserto de Nevada, 1968-7 ... 35

Figura 3. Robert Smithson – Quebra-mar espiral, 1970 ... 36

Figura 4. Richard Serra – Desvio, 1970 ... 38

Figura 5. Daniel Buren – Galleria Apollinaire Milan, 1968 ………... 40

Figura 6. Ives Klein – O Vazio (Le Vide), 1958 ... 42

Figura 7. Arman - O Pleno (o cheio),1960 ... 42

Figura 8. Cindy Sherman -Unititled Film Still #14, 1978 ………... 44

Figura 9. Barbara Kruger - You deligt in the loss others (Você goza com a perda alheia), 1981 ……….... 45

Figura 10. Sherrie Levine - After Egon Schiele:2, 1982 ………... 45

Figura 11. Wodiczko - Homeless Vehicle, NY, 1988-93 ………... 70

Figura 12. Cildo Meireles - Inserções em Circuitos Ideológicos – Projeto Coca-Cola, a partir de 1970 ... 71

Figura 13. Casa de artista: Tiravanija ... 85

Figura 14. Plantação de arroz ... 85

Figura 15. Casa de descanso: MIT Jai-Inn ... 85

Figura 16. Festival de Pintura ... 85

Figura 17. Usina – François Roche/Philippe Parreno ... 85

Figura 18. Instalação de biogás _ Superfex ... 85

Figura 19. Leitura coletiva ... 86

Figura 20. Encontro aberto a outras comunidades ... 86

Figura 21. Festa (Noeway ridge beam party) ………... 86

Figura 22. Festa (Noeway ridge beam party) ………... 86

Figura 23. Cerâmicas ... 86

Figura 24. Centro de Saúde Alternativa ... 86

Figura 25. Judi Werthein - Brinco [Pulo] ... 88

Figura 26. Itzel Martínez - Ciudad Recuperación ... 88

Figura 27. Paul Ramírez-Jonas - Mi Casa, Su Casa ... 88

Figura 28. Josep M.Martín- Un prototipo para la “Buena Emigración ... 89

Figura 29. Simparch: coletivo estadunidense - Iniciativa del Agua Sucia ... 89

Figura 30. Fig. 30 Maurycy Gomulicki - Puente Aéreo...... 89

Figura 31. Fig. 31 Bulbo:coletivo tijuanense - Tienda de Ropa ... 90

Figura 32. Fig. 32 Rubens Mano – Visible ... 90

(10)

Figura 34.Área de descanso com palmeiras artificiais ... 91

Figura 35. Banco tapete-voador ... 92

Figura 36. Stand demonstrativo do projeto e seus processos ... 92

Figura 37. Vistas aéreas do cais e do parque ... 92

Figura 38. Arquivos abertos ao público ... 92

Figura 39. Exposição interativa ... 92

Figura 40. Encontro onde se realizou a troca de livros por uma garrafa em cerâmica contendo vinho artesanal ... 93

Figura 41. Encontro onde se realizou a troca de livros por uma garrafa em cerâmica contendo vinho artesanal ... 93

Figura 42. Fazendo vinho artesanal ... 94

Figura 43. Fazendo vinho artesanal ... 94

Figura 44. Livro à deriva ... 94

Figura 45. Livro à deriva ... 94

Figura 46. Distribuindo livros-saberes na Barra da Lagoa (ação: Livro à Deriva) ... 94

Figura 47. Distribuindo livros-saberes na Barra da Lagoa (ação: Livro à Deriva) ... 94

Figura 48. Distribuindo livros-saberes na Barra da Lagoa (ação: Livro à Deriva) ... 94

Figura 49. Ação de retirada da baleeira Farravento ... 95

Figura 50. Baleeira assombrada ... 96

Figura 51. Retirada da baleeira ... 96

Figura 52. Curso de atabaque ... 96

Figura 53. Oficina de madeira ... 96

Figura 54. Oficina de tarrafas ... 96

Figura 55. Região do Rio de La Plata onde atua o coletivo Ala Plástica ... 100

Figura 56. Canalização de água na Índia, onde atua o coletivo Ala Plástica, proposta do trabalho feita por Altaf ... 100

Figura 57. Recorte de página da revista Caras ... 148

Figura 58. Guerrilha Girls - Don´t stereotype me!, 2003……… 175

Figura 59. Robert Barry na Yvon Lambert, 2009……… 175

Figura 60. Bárbara Kruger - Untitled (Questions), 1991……… 175

Figura 61. Jenny Holzer - Válogatott írások, Solomon R. Guggenheim Museum, 1990 ... 175

Figura 62 Robert Gober – Sem título, 1990 ... 178

Figura 63 Cindy Shernan – Sem título #153, 1985 ... 178

Figura 64 Andy Warhol – Automóvel branco em chamas III, 1963 ... 179

(11)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Esquema conceitual da pesquisa ... 16

Gráfico 2. Articulação lacaniana ... 17

Gráfico 3. Trama com possibilidades de juntura aleatória ... 17

Gráfico 4. Gráfico usual renascentista ... 48

Gráfico 5. Esquema visual lacaniano – o cone da visão ... 49

Gráfico 6. Esquema visual lacaniano ... 50

Gráfico 7. Disposição de significado e significante ... 144

Gráfico 8. Algoritmo de Saussure ... 145

Gráfico 9. Algoritmo de Lacan ... 145

Gráfico 10. Constituição do sujeito segundo Lacan ... 150

Gráfico 11. Esquema de modalidades da Falta de Cazau ... 159

Gráfico 12. Esquema mnemo-técnico da Falta de Jean Oury ... 163

Gráfico 13. O nó borromeano ... 165

Gráfico 14. O nó de perfil ... 166

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 13

PRIMEIRA PARTE... 22

2 O SUJEITO E A ARTICULAÇÃO DO OLHAR/EXPERIÊNCIA... 22

2.1 SOBRE O SUJEITO. ALGUMAS CONCEPÇÕES E SUA DESCENTRALIZAÇÃO... 23

2.2 UM PERAMBULAR NO ESPACO-TEMPO DA ARTE. DO SÓLIDO AO LÍQUIDO... 32

2.3 SOBRE O OLHAR/EXPERIÊNCIA E A VISUALIDADE... 47

2.4 A MIRADA DO OUTRO NOS TEMPOS DO CHAMADO PÓS-MODERNISMO... 54

2.5 DO RETORNO AO REAL... 68

SEGUNDA PARTE... 75

3 O OLHAR/EXPERIÊNCIA NA ARTE PÚBLICA ATUAL... 75

3.1 OS NOVOS OLHARES/EXPERIÊNCIA... 75

3.2 ARTE PÚBLICA COMO PROCESSO. UM RECORTE ESPECÍFICO.. 83

3.3 SOBRE ALGUMAS BASES PARA A MUDANÇA... 97

3.4 UMA ESTÉTICA DE PARTILHA-COMUNITÁRIA... 106

3.5 SOBRE A PRÁTICA DO ESPAÇO-TEMPO... 109

3.6 SOBRE MEIOS E FORMAS DE FAZER... 114

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 123

REFERÊNCIAS... 130

(13)

13 1 INTRODUÇÃO

Pensar teoricamente os processos criativos contemporâneos como “sistema de pensamento”, especificamente como um sistema quaternário, cujos elementos principais são: o Sujeito; o Olhar/experiência; a Arte Pública e as Fundamentações (que sustentam as relações entre os três primeiros elementos) nos permite articular uma reflexão que adquire um valor significativo no contexto da pesquisa. Reflexão com valor significativo porque nos proporciona um enfoque bastante útil para compreender como a reorientação da Arte refaz constantemente as regras do jogo representacional na medida em que re-significamos o mundo que nos cabe viver. Do mesmo modo, nos ajuda a refletir sobre como e quanto estamos cientes das mudanças que lhes dão fundamentação.

Sistema de pensamento perpassado por conceitos básicos da teoria lacaniana que, através da conceitualização do Sujeito fendido ($) e da articulação dos registros Real, Imaginário e Simbólico (RIS), por meio dos quais se desenvolve a experiência humana, nos fornece os meios que nos permitem a compreensão do homem enquanto sujeito constituído através do olhar/experiência. Compreendê-lo tanto na sua realidade interior, o que interessa mais à psicologia analítica, como, na sua relação com a realidade exterior, o que parece interessar mais a outras áreas,

seja antropológica, sociopolítica, artística e outras.1

Deve-se sublinhar como Lacan se tornou um interlocutor privilegiado em reflexões contemporâneas sobre filosofia, teoria literária, crítica de arte, política e teoria social, o que implica em reconhecer que suas preocupações dizem respeito a um amplo campo de produções socioculturais vinculadas aos modos de auto-compreensão do presente com suas expectativas e impasses2.

1 A realidade interna é constituída pelo Sujeito do Inconsciente (portador dos significantes

fundamentais e da estrutura do discurso do Outro) e pelo Sujeito da Consciência (portador do saber organizado, da busca do sentido). A realidade externa é constituída pelo Sujeito em contato com o mundo através da articulação do seu Imaginário e o Simbólico.

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14

A teoria lacaniana instaurou uma forte modificação nas idéias tradicionais que faziam do Sujeito o elemento indispensável para pensar os outros (por exemplo, o Sujeito Cartesiano e algumas de suas “derivações” como as que aparecem

analisadas no texto principal) porque Lacan procurava constituir uma teoria na qual

clínica, reflexão social e tematização da produção estética se articulam de maneira orgânica.3

Estamos em presença de uma teoria multidisciplinar, que não exclui o Sujeito cartesiano e seus derivados, nem a forma deles verem o mundo. Ela não os infirma, mas os permeia, os perpassa e consente desta forma, outra compreensão do momento sócio-histórico no qual alguns teóricos os determinaram. Do mesmo modo, não exclui o pensamento manifesto por pensadores contemporâneos a Lacan ou mais atuais, nem qualquer pensador ao longo dos tempos visto que, uns e outros,

articulam constantemente seus RIS´s criando novos sentidos4 à realidade. Foster5

assevera que Lacan não especifica sua teoria do Sujeito como histórica e, portanto

não se limita a um período.

O desenvolvimento da pesquisa tem em conta duas premissas importantes: a primeira, de que o homem só se constitui como ser humano através de uma relação social mediada pelo Outro. A segunda, referente à concepção do olhar que parte da

afirmação da existência de um dado-a-ver àquele que vê, e de como, o

desenvolvimento do campo chamado escópico é resultante da dialética entre o Sujeito e o Outro. Estas concepções, como especificadas por Lacan, se constituem no substrato principal da pesquisa.

O termo composto “olhar/experiência” significa, neste contexto, a constituição do “olhar” na nossa relação com o mundo como resultado do exercício da experiência e que se processa em espaços-tempos determinados por meio de fluxos-sociais e territoriais. Consideramos importante determinar a diferença entre

“ver” e “olhar”6 como aqui considerado. O ver diz respeito à função do olho (órgão)

3 SAFATLE (2007, p.15).

4 Vale lembrar alguns nomes, que a partir de Lacan, desenvolvem reflexões sobre o político, o

artístico e/ou filosofia contemporânea tais como Slavoj Zizek, Luis Brea, Alain Badiou, Ernesto Laclau; sobre estética Rosalind Krauss, Hal Foster, George Didi-Huberman, Bourriaud, entre outros.

5 FOSTER (2001, p. 214).

6 Se em português aparentemente estes dois termos se casam, em outras línguas a distinção se faz

(15)

15

como receptor externo, tanto recebe estímulos luminosos quanto se move à procura

de alguma coisa, há um ver-por-ver sem ato intencional. Ver-por-ver não é o mesmo

que ver-depois-de-olhar7 (a este “ver” nos referimos neste texto quando falamos de “modos de ver, de pensar e de sentir”). Sendo assim, o que é o “olhar”? Em principio diremos que é o movimento interno do ser que se põe em busca de informações e de significações. Há uma relação intersubjetiva entre o sujeito e o objeto que está no

mundo. Algo passa através dos olhos como uma mão passaria através da uma

grade.8

Mas a dicotomia sujeito-objeto não compõe o referencial último e definitivo da experiência humana, nem mesmo no que respeita à intersubjetividades. De acordo

com Gérard Bornheim,9 essa relação é função especifica do olhar que se enraíza no

corpo próprio e suas extensões (o corpo dos outros e o corpo cultural) como

Merleau-Ponty10 colocava; portanto, o olhar tem um endereço natural: a situação do

homem enquanto debruçado sobre o mundo e a história, deste modo o olhar adquire seu estatuto mundano.11 Podemos concordar com Bornheim que ver é da ordem do visível, talhado no tangível, e olhar é da ordem do invisível. O olhar, pelo seu estatuto mundano, está “fora” do sujeito e se faz possível através da dialética que se

instaura entre o ver, o olhar e a experiência do sensível.12

A matriz conceitual para articular metodologicamente este trabalho está pautada numa analogia ao uso do nó de quatro elos feito por Lacan, o qual lhe possibilitou a articulação dos Registros Referenciais Humanos (o Real, o Imaginário e o Simbólico – RIS) e da sua sustentação através do “encaixe” pelo Sinthoma (o Nome do Pai na sua função de Letra). Esta articulação permite a movimentação de fluxos diversos na relação heterogênea do Sujeito com o Outro e com os outros.

A abertura de um dos elos no libera os outros totalmente. Cortando-se um deles, não qualquer um, mas o último, cada um dos outros se libertará do seu

7 BOSI (2003) in: NOVAES (org) (2003, p. 66). 8 JOYCE, 1922 apud DIDI-HUBERMAN (2005, p. 29). 9 BORNHEIM (2003) in: NOVAES (org) (2003, p. 95). 10 MERLEAU-PONTY apud BORNHEIM (2003, p. 99).

11 Lacan a partir destes conceitos vai definir o esquema da Visualidade que tratamos nesta

dissertação na Primeira Parte, item 3. Sobre o olhar/experiência e a visualidade.

12 O sensível que, segundo Merleau-Ponty, não é feito somente de coisas. È feito também de tudo o

(16)

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seguinte, até o primeiro. Eles não se liberarão juntos, liberar-se-ão um após outro,

segundo Lacan13 deste modo, é o último que mantêm toda a cadeia, ao suprimi-lo

não há mais cadeia, não haverá mais série. Com quatro elos há uma resistência à

homogeneização. Três deles obedecem, mas há um que resiste, é o nó da banana,

que teima em escorregar.

Do mesmo modo, a utilização do nó de quatro elos na pesquisa (Sujeito – Olhar/experiência – Arte Pública – Fundamentações), também coloca em evidência os fluxos ou relações heterogêneas decorrentes de dito movimento. Assim considerada a matriz investigativa, os conteúdos da mesma se organizam por meio de um esquema conceitual básico integrado por elos temáticos articuláveis que, deste modo, permitem uma reflexão investigativa capaz de consolidar assuntos relacionados entre si e que se auto-sustentam, mas que permitem uma abertura a reflexões externas do leitor.

Gráfico 1 Esquema conceitual da pesquisa14

13 LACAN (1974-75) apud GOMES VICTORA, L. Oficina de topologia – o nó borromeano de

Lacan2006. Disponível em: <http://www.appoa.com.br/noticia_detalhe_no_borromeano.php>. Último acesso em: 12 de ago. de 2008.

14 Gráfico desenvolvido pela autora.

Fundamentações

Sujeito

RIS

Inter-Subjetivi-

dades Projetos/pro

cessos

Signifi- cações

(17)

17

Gráfico 2 Articulação lacaniana15.

Nesta dinâmica metodológica estamos em presença de dois movimentos possíveis. Um movimento diz respeito aos temas constitutivos de cada elo e suas articulações. Outro movimento, baseado na mesma lógica, se desenvolve pelas articulações reflexivas feitas durante a compreensão do tema da pesquisa por parte do leitor.

Ao se quebrar a articulação origina-se, por sua vez, um novo movimento de articulações possíveis; uma nova associação aleatória (juntura aleatória). Assim sucessivamente,

Gráfico 3 Trama com possibilidades de juntura aleatória.

15 LACAN (2007, p. 21)

Área de interseção temática Elo: área

temática

R I

S

(18)

18

As práticas artísticas denominadas Arte Pública caracterizam, de forma imediata, uma noção de arte associada a um espaço comum, com circulação de pessoas (o público) de acesso fácil e em áreas abertas. Assim sendo, antagônico ao que se considera “privado”, como pessoal, íntimo, familiar, fechado e protegido. Entretanto, este sentido não satisfaz quando comprovamos que existe um tecido de fundamentações que sustenta significações, relações e ações várias acerca do que chamamos Arte Pública. Fundamentações que decorrem dos modos de ver, de fazer e de sentir numa época determinada por fatores sócio-históricos específicos.

Os espaços-tempos, nos quais o sujeito se constitui, são potencialmente conformados pelo atrito de sentidos, seja tanto, pelo questionamento de valores como pela subversão ou a negação dos já instituídos enquanto cristalizações do pensamento e do fazer. Processo hoje que emana de um passado relativamente recente; mas principalmente pela consolidação, nesses espaços-tempos,

de pequenas ecologias culturais (Laddaga) das quais emergem práticas

artísticas por meio de projetos/processos comprometidos com seu tempo e sua realidade.

Os projetos/processos, que atingem a representação em arte, resultam na articulação de três campos que se interpolam: o da representação e suas significações, o do artista, e o do público. Três campos que atuam em um determinado espaço e tempo. Definir em que medida e como interagem entre si estes campos num espaço-tempo específico, é uma problemática que preocupa aos teóricos, críticos, artistas, professores, pessoas comuns que, de uma forma ou de outra, se perguntam sobre arte, representação, arte-educação, processos artísticos, cultura.

Na procura de fundamentações para o entendimento da articulação destes campos, compreendemos que as especificidades, que os caracterizavam até pouco tempo e que nos faziam falar de campos facilmente demarcáveis, atualmente desbordaram seus limites constitutivos.

O termo escolhido fundamentações diz respeito ao que sustenta, ao âmago,

(Foster diria o quid) tanto das problemáticas artísticas contemporâneas quanto ao

modo em que se sustenta a discussão nesta pesquisa. Num primeiro momento,

pensamos em utilizar o termo fundamentos, mas ficaríamos limitados a conjuntos de

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19

O interesse pelo tema aqui desenvolvido decorre de uma procura de entendimento a respeito de como hoje a arte, ante a diluição de suas fronteiras tradicionais, emerge ou se apresenta através dos processos de práticas contemporâneas de artistas atuantes, principalmente no âmbito público.

Como conseqüência é necessário nos fazer certas interrogações: Porque falamos de processo artístico e qual nosso comprometimento crítico, ético e ecológico frente à realidade cultural? Qual o paradigma que permeia a produção artística atual? Como desenvolvemos subjetividades através da representação em arte? Quanto e como as inter-subjetividades contribuem para a criação de mundos possíveis? Em que espaços as relações inter-subjetivas se estabelecem?

Tendo como base a concepção lacaniana da constituição do Sujeito, do Olhar, do Outro/outros e da articulação do RIS, esta investigação se encaminha, conjuntamente à reflexão “filosófica”, para o entendimento das “fundamentações” que se manifestam nos processos artísticos tais como mobilidade, materialidade, formatividade, especificidade (relacional, crítica, espacial, ético/política, discursiva, entre outras), multiplicidade, emergência.

Atualmente nosso olhar/experiência se organiza numa hiper-realidade, num amplo e paradoxal espaço-tempo. Amplo em comunicações, amplo em informações, amplo em opiniões, amplo em tempo acelerado, amplo em “aceitação” de outras culturas; mas paradoxalmente, pobre em relacionamentos, pobre em vivências, pobre na prática da alteridade, pobre no “cuidado” do outro e do espaço em que vivemos.

Artistas cientes destes aspectos que se instauram no socius, direcionam suas

práticas para favorecer “encontros”, reunir pessoas, construir dispositivos-habitat

(Bourriaud), posicionando-se ecosoficamente (Guattari) frente à sua realidade. Práticas “públicas” onde podemos exercer a alteridade gerando intersubjetividades

que se produzem no estar junto com.

Na primeira parte, “O sujeito e a articulação do olhar/experiência”, tratamos do

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Na segunda parte, “O olhar/experiência na Arte Pública Atual”, levamos em

consideração, principalmente, de qual forma a prática artística de projetos/processos (relacionados com modos de ver, de fazer e de sentir) se constitui em manifestações na Arte Pública Atual em espaços-tempos fluídos caracterizados por uma dinâmica de partilha-comunitária na qual a colaboração é seu alicerce principal.

Nas considerações finais destacamos apreciações, que resultaram da reflexão realizada nesta pesquisa, destacando algumas das fundamentações das práticas do processo contemporâneo em Arte Pública.

O apêndice contém a pesquisa, feita em paralelo, sobre temas da teoria lacaniana que deram embasamento à compreensão de um Sujeito pensado e falado pelo Outro, mas que no jogo da experiência com outros tece seu próprio Véu através do olhar/experiência, o lugar no qual articula seu Imaginário e Simbólico no Real. Sugerimos uma “leitura inicial” deste apêndice para melhor embasamento e compreensão do corpo principal desta dissertação.

Consideramos que este Sujeito tece experiência e subjetividade, produzindo e articulando acordos sociais numa troca de reconhecimento. Um tecer onde é possível produzir inter-subjetividades por estarmos na presença de um Sujeito deslocado para o “outro”, não mais centrado em si mesmo como, tampouco, dono da Mirada. Um Sujeito que é capaz de pensar seu tempo e seu fazer e de conceitualizar novas lógicas. Capaz de cair nos Mundos da Vida para neles, e a partir deles, se constituir como pessoa que se manifesta no campo da Arte-Vida com a concepção de que ambas fazem parte de um mesmo sentido e significado.

Os artistas não mais “fazem a arte”, não mais são os donos do olhar, não mais são demiurgos senhores da verdade e a criação. O “outro”, meu semelhante, passa a se “integrar” ao campo da arte.

Passamos a falar, a partir de um passado próximo, de uma lógica da

externalidade como sugere Rosalind Krauss. Joseph Beyus falava de escultura social.

Reinaldo Laddaga fala hoje de ecologias culturais; de uma estética

da emergência que “emerge” em projetos/processos nos quais os artistas comprometem em comunidades um número amplo de pessoas num fazer chamado de Arte Pública. Miwon Kwon, neste sentido, fala de site-oriented-art (como práticas artísticas orientadas para um “site”).

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escutamos falar, de conmunity-based-arte. Nós falamos de arte relacional

complexa.

Independente destes nomes-significantes, bastante específicos, devemos perceber que vivenciamos um processo que se constitui por meio do que sugerimos denominar, a partir desta pesquisa, como “lógica relacional do encontro e da sociabilização da experiência” da qual procuramos algumas possíveis fundamentações.

Nosso olhar/experiência como dispositivo para compreender processos de

arte contemporânea nos induze a cogitar sobre, como e quanto estamos cientes das

mudanças que lhe dão fundamentação; do mesmo modo, a nos conscientizar de nossa participação, com responsabilidade ético-política, na sociedade em que estamos inseridos.

Quando vemos o que está ‘diante’ de nós, por que uma outra coisa sempre nos olha, impondo um ‘em’, um ‘dentro’?

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PRIMEIRA PARTE

2 O SUJEITO E A ARTICULAÇÃO DO OLHAR/EXPERIÊNCIA

Tudo muda quando ampliamos nossa perspectiva para incluir o real e a significância do significante.

Bruce Fink

A problemática do olhar perspassa o ato de pensar quando se trata de nos posicionar frente a nosso tempo e a nossa realidade o que, por sua vez, nos remete ao campo da experiência. Muitas são as metáforas utilizadas para descrever essa

relação olhar/experiência, como o das figuras míticas greco-romanas que, através

das narrativas sobre Ciclope, Ulisses, Édipo, Tirésias e Argus,16 nos permitem

compreender o constante devir das relações humanas, suas inferências no campo social possibilitando “novos modos de ver, de fazer e de sentir” dentro dos padrões pré-existentes, após intervalos relativos de tempo.

Nossa contemporaneidade vem contaminada de modo predominante pelo olhar modernista de Ulisses. Olhar privilegiador do saber racionalizado e escravizado dentro de uma lógica figurativa: a representação do real. É o olhar paralisante da

Medusa que inibe a experiência como Erfahrung (descobrir novos horizontes,

percorrer caminhos novos) ou seguindo o conceito benjaminiano da mesma, como

experiência acompanhada de uma nova forma de narratividade17. Implica esta nova forma que existe uma narratividade anterior a ela e que deve ser transmitida pelo relato, deve ser comum ao narrador e ao ouvinte, pressupondo assim uma comunidade de vida e de discurso. Mas no ato de transmissão (no qual, o desejo e a experiência de quem relata estão incluídos no coração do relato) e a recepção da mesma, se instaura um novo sentido experiencial, um novo saber, um novo movimento interno se manifesta. Movimento que emerge justamente da não

16 Ver: BAVCAR (2001, p.17-23).

17 O conceito interno se manifesta emergindo justamente da não existência de um acabamento

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existência de um acabamento essencial da recepção, por ser esta alterada pela passagem do tempo experiencial de ambos.

Qual sujeito se constitui como tal, através desse olhar/experiência?

Podemos falar hoje de Sujeito? Como a constituição desse olhar/experiência

favorece a formação de saberes? Como esses saberes interagem no campo da Arte Pública hoje?

2.1 SOBRE O SUJEITO. ALGUMAS CONCEPÇÕES E SUA DESCENTRALIZAÇÃO

Sujeito hoje? Neste tempo de multiplicidades falando de Sujeito? Será que, ainda o subjetivismo da tradição ocidental, originado com o cogito cartesiano, desliza

através pergunta “Sujeito hoje?” O que deveríamos tentar é uma compreensão

melhor da idéia de Sujeito nos dias atuais. Hoje já é concreta a desmontagem da

razão positivista e da noção de progresso, na qual um depois pudesse ser explicado

por um antes.18 Hoje, também, se pretende a primazia de uma racionalidade-afetiva e intersubjetiva, logo estamos ante uma idéia de Sujeito como facilitador da

formação de mundos possíveis através de; da formação de micro mundos de

convivência; de cotidianos possíveis de ser tecidos junto com. Conseqüentemente,

achamos importante explanar alguns conceitos que assimilamos, introjetamos e projetamos em nosso encontro constante com a alteridade. É complexo o conceito de Sujeito e sua interpretação sócio-histórico-filosófica nos diferentes olhares epocais (cartesiano; fenomenológico, sociológico, realista, entre outros) nos mostra constantemente o esforço humano por compreender-se e compreender seu tempo.

O sujeito suspeito, aquele contido na pergunta Sujeito hoje?, certamente faz

referência a um sujeito filho do Iluminismo, o Sujeito Cartesiano, o sujeito do cogito,

do pensar – Cogito, ergo sumPenso, logo sou.19 Um sujeito capaz de controlar seu

pensamento e portador de uma identidade que traz no seu cerne o princípio identitário. Princípio que, por sua vez, fundamenta a subjetividade considerada como

18 AUGÉ (2007, p. 27).

19 Costumeiramente traduzida como Penso, logo existo. A forma latina é sum- o verbo é ser; na língua

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relativamente estável, uma subjetividade como identidade, como consciência que organiza e compreende o mundo através do “seu” pensamento. Como sabemos nos séculos XVII e XVIII o embasamento filosófico da idéia de mundo foi feito a partir da idéia de um sujeito capaz de “pensar” esse mundo. Isto como resultado do advento da ciência moderna e sua separação da filosofia.

Dizer que a ciência surge como moderna quer dizer que ela é o resultado de

um corte discursivo que rompe com o que se chama episteme antiga (para opor justamente ao moderno). Através deste corte, passamos do mundo fechado para o mundo infinito.20 Perdem-se deste modo as certezas ontológicas e metafísicas para situar os seres, e instaura-se a “dúvida” colocando em questão o próprio pensar sobre o ser, que se faz ele próprio pensável.

Não é anódino que o sujeito apareça em um momento que poderíamos qualificar de momento de angústia na história do pensamento. A aparição do sujeito no cenário do pensamento se faz através da angústia e da incerteza em relação ao que se dera até então como um mundo mais ou menos compreensível para o entendimento do homem. Não se trata de dizer que não tenha havido crises no pensamento até esse momento, mas de saber discernir a magnitude dessa crise em particular- o advento da ciência moderna e sua separação da filosofia- e fazer a verificação precisa de seu valor de corte maior21

.

Devemos salientar que o Sujeito não é uma pessoa humana ou um indivíduo,

tampouco é um referente empírico e homônimo que existe na realidade. Na teoria do

conhecimento a partir de Descartes, é o espírito, a mente, a consciência, aquilo que conhece por meio do cogito opondo-se ao objeto como aquilo que é conhecido, conseqüentemente, se relaciona só com as idéias, como eventos de sua própria interioridade. Sendo assim, o cogito se firma como princípio filosófico inaugurando uma subversão que consiste em partir da presença do pensamento e não da presença do mundo.

A Modernidade, sabemos, foi pautada pelo conceito desse Sujeito Cartesiano

que, de acordo com Stuart Hall22, devia ser um “Sujeito Centrado”. O que significava

unificado, dotado de capacidades de razão, de consciência e de ação. Seu “centro” consistia num núcleo interior que emergia, pela primeira vez, quando o Sujeito nascia

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e com ele se desenvolvia, permanecendo mais ou menos contínuo ou idêntico a ele,

ao longo da existência do indivíduo (Um-divídium). Esse “centro essencial” do Eu era

a identidade de uma pessoa, “dele”, já que este sujeito era usualmente descrito como

masculino. Este pensamento cartesiano vai conjugar a unidade da razão com a unidade do saber e com a unidade do método (evidência, divisão, ordem e enumeração) é por isto se caracteriza como racionalista.

Esta filosofia será instaurada por Kant através de um racionalismo crítico no qual investiga os limites do emprego da razão no conhecimento. Determina para tanto que,

São duas as fontes de conhecimento humano: a sensibilidade e o entendimento. Através da primeira, os objetos nos são dados; através do segundo, são pensados. Só pela conjugação desses dois elementos é possível a experiência do real. [...] só conhecemos realmente o mundo dos fenômenos, da experiência, dos objetos enquanto se relacionam a nós sujeitos, e não há realidade em si23.

Vemos assim, que a concepção de Sujeito feita por Descartes, começa a sofrer algumas derivações, modificações ou modulações, ao longo do tempo, ainda na Modernidade. Perante a crescente complexidade do mundo moderno, surge a noção de um sujeito não totalmente autônomo e auto-suficiente, de acordo com Hall, mas formado com outras pessoas importantes para ele, que mediavam os valores, sentidos e símbolos -a cultura -dos mundos que ele(a) habitava.

O séc. XIX reduz este sujeito da categoria de “fato” para colocá-lo ao lado do mundo objetivo, embora este positivismo destaque que a objetividade do mundo é resultado da apropriação subjetiva do mesmo e deste modo, esta modifica a primazia do mundo objetivo (O Sujeito ainda tem “um” núcleo ou essência interior que é o verdadeiro Eu).

Surge o conceito de um “Sujeito Sociológico” cuja identidade preenche o espaço interior e o exterior entre um mundo privado e público, costurando ou suturando o sujeito à “estrutura” cultural. Ou seja, nesta acepção, na Modernidade o indivíduo soberano era Sujeito em dois sentidos: num primeiro sentido, o Sujeito da razão ou da origem do conhecimento e da prática; num segundo sentido, como aquele que sofria as conseqüências dessas práticas (aquele que estava assujeitado a

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elas) as quais acabaram por tentar estabilizar tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitavam, tornando ambos mais unificados e previsíveis.

Era o que se ambicionava, mas as mudanças sócio-culturais e histórico-políticas, recorrentes destas práticas da experiência, resultaram numa série de

fraturas e fragmentações no seu próprio interior24. As novas identidades sociológicas,

que surgem no seio deste “Sujeito Centrado da Modernidade”, questionam o “projeto utópico” da Modernidade recorrente do Iluminismo no qual, as artes e as ciências iriam promover o controle das forças naturais, como também, a compreensão do mundo e do Eu; o progresso moral; a justiça das instituições e até a felicidade

humana25. Veneravam quimeras permanecendo crentes; não por rezarem a Deus,

mas por acreditar que alguns valores são superiores à vida26.

Entretanto, este “Sujeito Sociológico” foi capaz de organizar campos de concentração, esquadrões da morte, duas Guerras Mundiais, as experiências de aniquilação de Hiroshima e Nagasaki, velado por uma lógica de dominação e opressão, oculta detrás da racionalidade iluminista, na qual a ânsia por dominar a

natureza envolvia o domínio dos seres humanos27. Lyotard, fazendo eco a Adorno,

sobre a impossibilidade da poesia depois de Auschwitz, questionou se qualquer

pensamento poderia negar Auschwitz num processo geral para a emancipação

universal28. Como aprendiz de feiticeiro, este sujeito, desencadeou forças que fugiram do “seu” controle.

Outra corrente de pensamento filosófico percorre os ares da Modernidade: a Fenomenologia. Edmund Hurssel empreendeu, com a fenomenologia, a última grande tentativa de fundação total do conhecimento. No Sujeito, tal como o considerava Descartes, Hurssel vai vislumbrar uma “atividade” da consciência: a

24 Segundo S. Hall (2002, p. 32), neste período onde o indivíduo soberano passou a ser mais visto,

definido e localizado dentro das estruturas de poder - Estados-nação – um quadro mais perturbador do sujeito estava começando a emergir dos movimentos estéticos e intelectuais: o indivíduo isolado, exilado ou alienado, colocado contra o pano de fundo da multidão ou da metrópole anônima e impessoal. O flaneur (ou o vagabundo), o turista, o dandy, as figuras alienadas da literatura ou da crítica social que visavam representar a experiência singular da modernidade. Baudelaire em Pintor da vida moderna faz uma clara descrição deste momento e destes indivíduos.

25 Sobre o tema ler HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1989.

26 L. Ferry. (2007, p. 176) acreditava que “o real deve ser julgado em nome do ideal, que é necessário

transformá-lo para moldá-lo aos ideais superiores: os direitos do homem, a ciência, a razão, a democracia, o socialismo, a igualdade de oportunidades, etc”.

27 Tema desenvolvido por Horkheimer e Adorno na tese The dialectic of Enlightenment, apresentada em 1944.

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intencionalidade 29 que o faz determinar que, ter consciência é, por conseguinte, ter

consciência de alguma coisa. A consciência só se constitui como tal a partir de sua relação com o objeto já constituído que a precede. Esse mundo só adquire sentido enquanto objeto da consciência, visado por ela. A inter-relação entre a consciência e a realidade definida pela intencionalidade, representa a tentativa da fenomenologia superar a oposição entre idealismo e realismo.

A partir destas premissas constitui-se uma subjetividade nova: a do homem que está no Mundo da Vida e nele se conhece. O mundo é despojado de sua opacidade (de uma visão ou definição feita desde uma perspectiva determinada) por este “Sujeito Transcendental” cuja subjetividade será constituída pelas interações entre o Sujeito e os aprioris concretos que se dão no seu horizonte de vida, tais como: corporeidade, inter-subjetividade, historicidade, expressividade. A experiência inclui não só a percepção sensorial, mas todo objeto do pensamento. Mas, mesmo com esta abertura para as aparências e para o sentido, o Sujeito Transcendental

ainda pensa o Outro a partir da própria reflexão, na vida de consciência pura ficando

a Fenomenologia dentro da tradição que pretendia criticar30.

Deste modo, o Sujeito Centrado, apesar das novas modulações de

pensamento sobre ele, ainda é a condição para pensar os outros. A aparição

autêntica dos outros será um projeto impossível para a filosofia moderna, já que o que prevalece é o ponto de vista e a reflexão deste Sujeito centrado, racional e de

identidade fixa e estável31. Um sujeito como consciência solipsista e a-histórica.

Consciência a partir da qual os outros “são” pensados.

No Pós-modernismo se manifesta um processo de mudança nos discursos do

conhecimento moderno e da “autoridade” do sujeito, através do pensamento de

Lyotard; Althusser; Baudrillard; Barthes; Foucault; Bataille; Deleuze; Guattari; Derrida, entre outros. No discurso psicanalítico através de Lacan – via Freud. No campo da

29 Intencionar é tender, através de um conteúdo dado à consciência, a outros conteúdos não dados

sempre que certa presença exprimir uma ausência. Daí que, ter consciência será ter consciência de, o que implica em que a consciência não é algo. Ao contrario é a consciência que se refere a algo, uma coisa que preexiste a todos os juízos que a determinam. Isto, segundo Sartre significa considerar a consciência como movimento em direção a esse algo concreto: o mundo. Sartre (1944) dirá: “O inferno são os outros”.

30 Husserl declara que o sujeito, pela suspensão do juízo (epoché), apreende-se a si mesmo como Eu

puro o transcendental, proporcionando-se, assim, “a vida de consciência pura”, vida na qual o mundo objetivo existe em mim. JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. (2001, p.47).

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arte se manifesta, especialmente, através do pensamento que origina o Cubismo e o Surrealismo. Esta mudança tem como embasamento importante a influência do pensamento de Nietzsche de maneira especial no que se refere a uma crítica à idéia de verdade e à recusa da possibilidade de uma interpretação unitária ou definitiva da realidade, que deixa uma marca não só no meio acadêmico, mas em toda a vida contemporânea. Por conseguinte podemos dizer que muito do que se pensou ao longo do século XX pode ser aí identificado: a crítica aos valores transcendentes; a recusa da idéia de verdade e a concepção da ciência como “ficção útil”; a impossibilidade de transcender a linguagem e a consciência para atingir o mundo

“em si mesmo”; a crítica do sujeito da consciência. São sujeitos que se “zangam” e

fazem uma tábula rasa do passado, como enfatiza Luc Ferry32 desconstroem, é preciso quebrar tudo para desvendar diante do mundo o que se esconde por trás, no sentido de abrir espaço para pensamentos novos, radicais, que vão a construir uma filosofia de novo gênero. Este processo produz grande impacto sobre o conceito de Sujeito indivisível, entidade singular, distintiva e única, instaurando um deslocamento deste conceito. Os principais descentramentos possíveis de considerar, e aqui

recorrendo a Stuart Hall33, são cinco.

O primeiro descentramento refere-se às tradições do pensamento marxista

através da afirmação de Marx de que os homens fazem a história, mas apenas sob

as condições que lhes são dadas. Pensamento redescoberto e reinterpretado na

década de sessenta. Os indivíduos, segundo as novas interpretações34, só podem

agir apenas com base nas condições históricas criadas por outros, sob as quais nasceram. Significaria que não poderiam, de forma alguma, serem os autores ou os agentes da história, porque só utilizariam os recursos materiais e da cultura que lhes foram fornecidos. Argumentava-se, assim, que o marxismo bem entendido, deslocara

qualquer noção de agência individual. Louis Althusser35, um dos revisionistas de

Marx, considera que este com seu posicionamento de rejeição da existência de uma

32 FERRY (2007, p.180). A palavra “tábula” tem sido um acerto feliz de escolha feito por L. Ferry já

que esta, convencionalmente, num sentido significa ficha, cada uma das peças para jogar damas e outros jogos; permitindo nos fazer uma analogia com possibilidades de desconstrução. Mas, também, significa tabuleiro que nos traz a idéia de algo liso, “raso”, onde nada fica retido e por onde podemos deslizar.

33 HALL (2002, p. 34-46).

34 Interpretações de Althusser, Balibar, Establet, Rancière, entre outros.

35 O ensaio filosófico inacabado de Althusser “Le courant souterrain du matérialisme de la rencontre”

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essência universal do homem expulsou as categorias filosóficas do sujeito do empirismo, da essência ideal, de todos os domínios em que elas tinham imperado. A teoria de Althusser procura identificar na história da filosofia uma longa tradição subterrânea, que ele chama materialismo aleatório, da chuva, do encontro, do “pegar” ou “dar liga”.

Retomando do materialismo antigo a tese de que todas as configurações concretas da natureza resultam do encontro fortuito dos elementos que as constituem, ele a transpõe para os processos técnicos, culturais e históricos, que consistiriam na combinação, radicalmente contingente, de componentes heteróclitos36.

Há combinações que “pegam” na natureza como, por exemplo, a do cimento, ferro, areia, cal, pedra britada, etc. na produção do concreto. Nada predispõe cada um destes elementos a sintetizarem-se, mas sintetizando-se, sua junção contingente gera efeitos necessários37.

O segundo descentramento vêm da descoberta do Inconsciente por Freud. Um inconsciente que funciona com uma lógica, com base em Processos Psíquicos e Simbólicos (muito diferente daquela da Razão) e que nos coloca frente a um “Sujeito Dividido” entre Consciente e Inconsciente. Jacques Lacan fará, a partir disto, uma leitura na qual o Eu como inteiro e unificado é algo que se “pretende” apreender, pouco a pouco, parcialmente e com grande dificuldade. Esta busca se constituirá numa constante ao longo da vida. O Eu não se desenvolve naturalmente, mas é

formado em relação com os outros38

.

Aqui se pode considerar porque há certa rejeição a falar de identidade, como coisa acabada e sim, falar de “identificação” como processo em andamento. Devemos destacar que a partir de Freud se considera o Inconsciente, em relação à vida subjetiva e psíquica, como fato certo, assim sendo impossível de rejeitar, embora se apresentem diferenças em quanto a questões específicas. Ou seja, a

36 FONTANA, M. Apresentação. [Revista Crítica marxista. No. 20 ; 2005 -UNICAMP]. Disponível em: <www.unicamp.br/cemarx/.../apresentacao20.html> Último acesso em 21 de jun. de 2006.

37 ALTHUSSER, L. A corrente subterrânea do materialismo do encontro (1982). 2005. Disponível em: <http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/critica20-A-althusser.pdf>. Último acesso 21 de jun. de 2006 Nicolas Bourriaud recorre a este conceito de “encontro” quando teoriza sua Estética Relacional (2001).

38 Ver no Apêndice as principais conceitualizações da teoria lacaniana que fizemos com a finalidade

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descoberta do Inconsciente teve uma ação direta sobre o pensamento que vê o sujeito como racional e a identidade como fixa ou estável.

O terceiro descentramento, continuando com Hall, está associado ao trabalho do lingüista Ferdinand de Saussure que argumentava que o idioma (língua) é um sistema social e não individual. Ele preexiste a nós. Os significados das palavras não

são fixos, numa relação um-a-um com os objetos ou eventos no mundo, existem fora

do idioma. O significado se dá nas relações de diferença e similitude que as palavras têm com outras palavras no interior do código do idioma. (A palavra “Arte”, por exemplo, modifica seu significado constantemente, histórica ou filosoficamente. Além disto, esta palavra ocasiona outras conotações, outros ecos por similitude ou diferença: arte efêmera/arte póvera; arte objetual/arte conceitual). É o que modernos filósofos da linguagem argumentam, influenciados por Saussure e pela “virada lingüística” como, por exemplo, Jacques Derrida que coloca,

[...] que, a pesar de seus melhores esforços, o/a falante individual não pode, nunca, fixar o significado de uma forma final, incluindo o significado de sua identidade. As palavras são “multimoduladas”. Elas sempre carregam ecos [marcas] de outros significados que elas colocam em movimento, apesar de nossos melhores esforços para fechar o significado39.

Há um antes e um depois, uma margem para a escrita de outros. O significado é instável, procura o fechamento (dar uma identidade), mas é perturbado constantemente (pela diferença) além de que, haverá sempre significados suplementares sobre os quais não temos controle que desestabilizam e subvertem as tentativas de criar mundos fixos e estáveis.

O quarto descentramento decorre do pensamento de Michael Foucault. Diz respeito ao “poder disciplinar” que se instaura a partir do séc. XIX, atingindo o ponto máximo na Modernidade Tardia. Dito poder estaria preocupado em primeiro lugar, com a regulação, a vigilância e o governo da espécie humana ou de populações inteiras e, em segundo lugar, do indivíduo e do corpo. De acordo com esta teoria, os locais onde este poder é exercitado, como policiamento e disciplina, são as escolas, oficinas, quartéis, prisões, hospitais, clínicas, hospícios, entre outros. Sua base se sustenta no poder administrativo, no conhecimento especializado e no conhecimento fornecido pelas “disciplinas” das Ciências Sociais, para produzir um ser humano que

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possa ser tratado como um corpo, ou seja, fácil de ser disciplinado, de ser normatizado. Dito poder e institucionalização do saber vêm de “fora” do sujeito pensante, a ele se impõe. Foucault é um dos filósofos que mais refletiu sobre este

processo e suas conseqüências sociais em seus escritos40.

O quinto descentramento se relaciona com o feminismo. Conceitualmente considerado tanto como crítica teórica, quanto como um movimento social relacionado com o grupo de novos movimentos sociais que emergem na década de sessenta (como foram os movimentos revolucionários do terceiro mundo e as revoltas estudantis, de contracultura, de paz, que reivindicam direitos civis em relação

à racismo, sexualidade e outros, pautados de certa forma com Maio do 68)41.

Sociocultural e historicamente o feminismo, em relação ao descentramento conceitual do sujeito cartesiano e sociológico, teve uma relação mais direta uma vez que questionou a distinção entre privado e público, dentro e fora. O slogan do feminismo

era: o pessoal é político que, deste modo, abre para a contestação política a família,

a sexualidade, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado dos filhos, por exemplo. Politizando a subjetividade, a identidade e o próprio processo de identificação, o feminismo demonstra que, o que começou como contestação à posição social (público) das mulheres se expandiu para outras questões como as relativas a identidades sexuais e de gênero (privado).

Se o sujeito cartesiano era compreendido como o sujeito da razão, da interioridade, da consciência, essa compreensão foi descentrada por meio de idéias “mutantes” que, embora não confluindo para uma homogeneidade, contribuíram para uma noção de sujeito como uma figura histórico-discursiva produzida na e pela linguagem [...] não possui uma identidade fixa e estável, mas, identidades abertas, contraditórias, inacabadas e fragmentadas42.

40 Esta aplicação do poder e do saber individualiza ainda mais o sujeito, não só no campo da

observação, mas também no campo da escrita através do aparato documentário que, por sua vez, produz um ordenamento sistêmico, modelo de arquivo, mediador do controle, seja a nível individual, grupal ou global. Respeito a estes regimes disciplinares coletivos do poder administrativo, S. Hall. (2002, p. 43) coloca que contêm “o paradoxo de que, quanto mais coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual”.

41 Embora estes movimentos historicamente importantes em relação à oposição aos regimes liberal

capitalista de Ocidente e “estalinista” de Oriente, que suspeitavam das formas burocráticas de organização, refletiam o enfraquecimento ou o fim das organizações políticas de massa e sua fragmentação em vários e separados movimentos sociais. Se o feminismo apelava às mulheres, a política sexual apelava aos gays e lésbicas; as lutas raciais aos negros e o movimento antibelicista aos pacifistas. Foi o que historicamente se chamou política de identidade. HALL (2002, p. 45).

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2.2 UM PERAMBULAR NO ESPACO-TEMPO DA ARTE. DO SÓLIDO AO LÍQUIDO43.

No campo da arte o olhar moderno levantando o estandarte da subjetividade (ou melhor, subjetivismo?) se manifestará através de uma lógica da representação que favorecerá a autonomia do objeto centrado em si próprio e da precisão de um modelo de significação legitimado por um Eu particular (o do artista) ou seja, a “lógica da forma autônoma” substitui a “lógica do lugar histórico” (do monumento de representação comemorativa–simbólica que determinava que normalmente fossem esculturas figurativas e verticais como estátuas, fixas num pedestal).

Esse novo olhar deflagra uma aparência de inter-subjetividade, captada principalmente no âmbito social pela necessidade de delimitação das chamadas Esfera pública e Esfera privada, ambas, resultantes da necessidade de organização

abstrata dos fluxos sociais44. Aparência de inter-subjetividade, ou paradoxo, porque

em nenhum momento durante a modernidade estas esferas interagem, mas sim se sustentam reciprocamente pela mesma causa que as justifica: o projeto das classes sociais; a igualdade; a liberdade e a fraternidade; conceitos estes que se impregnavam, desde períodos anteriores, na organização política da sociedade justificando modelos conceituais que, literalmente, se esfacelavam na experiência da produção, tanto mercantil quanto social.

No campo artístico-cultural a obra de arte transformada em mercadoria/fetiche (duplamente: por meio de seu caráter autônomo e por sua reprodutibilidade) pela crescente esfera pública burguesa, banalizou seu valor mais tradicional, de culto, favorecendo um mercantilismo prioritário das instituições legitimadoras da arte.

Tomando como base o pensamento benjaminiano sobre a narração, frente às tendências ”progressistas” da arte moderna (que recriava a experiência coletiva a partir de experiências individuais) novos modos de ver, de fazer e de sentir começaram a entranhar-se nos estatutos já devidamente estabelecidos e legitimados, abrindo espaço para novas incertezas, opacidades, perdas e novas

43 Devido à amplitude de desdobramentos que podem decorrer neste contexto, escolhemos

pontualmente alguns trabalhos que se constituirão como fio condutor da reflexão.

44 Sobre o tema ver: KLUGE, A. e NEGT, O. Esfera pública y experiencia. Hacia un análisis de las

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probabilidades; resultantes do verdadeiro movimento da experiência: aquele

formado por experiências outras recorrentes de diversas esferas que se instauram,

de modo concomitante às duas citadas, numa forma fragmentária e plural, preocupada com a alteridade. Experiências que surgiam dos Mundos de Vida, instaurando novos ritmos espaço-tempo à própria experiência de produção da

experiência45 enriquecendo seu significado.

Todo o debate sobre a externalização dos significados se manifestava, na Arte, como resultado de um processo sócio-cultural mais amplo. Este processo envolvia o conceito de público e se propunha de certa maneira a identificar o conceito de “público” como substantivo e o conceito de “público” como adjetivo. Processo que vinha se manifestando desde as práticas dadaístas, as

duchampianas, Bauhaus, o Cubismo, a literatura de Doblin, Kafka, os filmes de

Chaplin46.

A partir dos anos 60 se manifestam, tanto no cenário europeu como no estadunidense, certas práticas artísticas chamadas de “arte desmaterializada” ou

anti-forma conceitualismo, site specificity, performance, instalação. O ponto

comum nestas práticas era a crítica da pretendida “lógica moderna da autonomia do

objeto” para uma lógica onde a experiência, seja perceptual, temporal ou espacial,

interferia no modo de ver, de fazer e de sentir, no olhar-experiência, no domínio social-público. Esta “lógica da externalidade” era, também, capaz de produzir um novo tipo de público de arte, real ou precursor, de um público mais amplo e participativo.

Rosalind Kraus, ao especificar a cartografia do Campo ampliado da escultura

- texto de 1979 - determina certas práticas que, quebrando com a lógica moderna da

forma autônoma - o puro positivo, o objeto sem espaço próprio - levaram a escultura

a um grau de pura negatividade. A escultura se definia deste modo, como aquilo que

estando na arquitetura não era arquitetura e/ou estando na paisagem não era paisagem, como o trabalho de Robert Morris – sem Título de 1977.

45 Aqui o conceito de produção designa um conceito compreensivo de produção social, como

atividade socialmente necessária sem se constituir numa analogia com a produção material de bens. 46 Enumeração em itálico referenciada por GAGNEBIN. In: BENJAMIN, W. Obras escolhidas. São

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34

[Um exemplo] é a montagem ao ar livre das caixas especulares, formas que só se diferenciam do lugar em que se encontram por que, embora se estabeleça uma continuidade visual com a grama e as árvores, não fazem realmente parte da paisagem47.

Fig. 1 Robert Morris – Sem Título, 1965.

Este conceito, de pura negatividade, lhe permitiu desdobrar o conceito de dupla-negatividade48, tratado no texto sobre O duplo negativo... de 1977. Conceito

47 KRAUSS (2002, p. 295).

48 Conceitos desenvolvidos através da análise das práticas artísticas de artistas como: Robert

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35

este que identifica a obra como “ex-centrada(em relação a si própria e em relação

ao público-observador) já que manifestava uma posição ocupada relativamente a

nossos centros físicos e psicológicos. Iniciando-se assim a passagem de uma “lógica

da forma autônoma” a “lógica da externalização” de que falávamos.Os trabalhos de

Michael Heizer e Robert Smithson: Duplo Negativo e Quebra-mar espiral,

respectivamente, se ajustam a esta lógica.

De acordo com Krauss, no texto citado, o Duplo Negativo de Heizer - trabalho

que consiste em duas fendas, cada uma de 12 m. de profundidade por 30 m. de

comprimento, separadas por um desfiladeiro profundo - sugere uma alternativa para

a imagem que temos de nosso conhecimento de nós mesmos. [...] Conhecimento, formado pela atitude de olhar para fora em busca das respostas dos outros ao nos devolverem esse olhar.

Constituindo-se a obra numa metáfora do eu tal como conhecido mediante

sua aparência para o outro, precisamos entrar nela para habitá-la à maneira que habitamos nosso corpo. Mas a imagem que temos de nosso corpo é a de estarmos centrados no seu interior (num núcleo absoluto sendo assim transparentes à nossa consciência) o que não ocorre com Duplo Negativo. Embora este seja simétrico, possuindo um centro real: o desfiladeiro é impossível ocuparmos esse centro físico. Só podemos nos colocar em um dos espaços fendidos e olhar para frente, em direção ao outro: o duplo. A imagem refletida do espaço que ocupamos é que teremos como resposta.

Uma vez que é necessário olhar através do desfiladeiro para enxergarmos a imagem refletida do espaço que ocupamos, a extensão do desfiladeiro em si deve ser incorporada ao recinto formado pela escultura. Por conseguinte, a imagem de Heizer reproduz a intervenção do espaço externo na existência interior do corpo, ali se alojando e formando suas motivações e seus significados49.

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Fig. 2 Michael Heizer - Duplo Negativo - Deserto de Nevada, 1968-70.

Quebra-mar espiral, de Smithson, segue a mesma lógica. Também de grandes dimensões (tendo 4.5 m. de largura, mais ou menos variável, por 45 m. de diâmetro e 500 m. de comprimento) a espiral foi feita com aterro de basalto e areia pelas águas do grande Lago Salgado, em Utah. Ao ser percorrido é fisicamente penetrado para poder apreciar a espiral que, por sua vez, vai se estreitando.

Não podemos como espectadores ocupar seu centro por ser uma espiral

ocasionando, deste modo, a sensação de descentramento devido a um espaço

giratório como um ciclone imóvel, dentro da vasta extensão de lago e céu circundante, produz uma sensação de vertigem. Smithson, citado por Krauss no

mesmo texto, expressa nos seus escritos que, nenhuma idéia, conceito, sistema,

Referências

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