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The Challenges of Education in Gender Issues and Sexuality in Times of Crisis

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Academic year: 2020

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ANA LUISA ALVES CORDEIRO**

MARIA JOSÉ DE JESUS ALVES CORDEIRO*** MÁRCIA MARIA DE MEDEIROS****

Não desejei e nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.

(Simone de Beauvoir)1

Resumo: o processo de impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff (2011-2016/ Interrompido), no Brasil, além de sua dimensão política e econômica, nacional e interna-cional, se caracteriza com delineamentos machistas, racistas e heteronormativos, afetando diretamente grupos identitários, entre os quais os de mulheres, campesinos, étnico-raciais e LGBTs. O objetivo deste artigo é analisar algumas implicações de tendências (ultra) conservadoras nas políticas educacionais no trato das questões de gênero e sexualidade sem desconsiderar outras interseccionalidades. A análise tem como aporte teórico referenciais que fazem a interface educação, gênero e relações étnico-raciais. É de abordagem qualitativa, constituindo-se de dois eixos: bibliográfico e documental. O avanço expressivo, em especial na esfera política, de tendências supra citadas atua no desmonte de direitos relacionados às questões de gênero na esfera da educação, articulando-se às questões étnico-raciais e de orientação sexual, caracterizando-se assim em retrocessos que operam interseccionalmente. Palavras-chave: Direitos Sociais. Políticas Educacionais. Gênero. Sexualidade.

* Recebido em: 25.01.2018. Aprovado em: 05.03.2018.

** Pós-doutoranda em Educação (UFJF). Bolsista PNPD/CAPES. Doutora em Educação (UCDB). Mestra em Ciências da Religião (PUC Goiás). Administradora (UCDB), Teóloga (PUC Goiás). Graduanda em Pedagogia (UNIGRAN). E-mail: analuisatri@gmail.com

*** Pós-doutora em Educação (UFMT). Doutora em Educação - Currículo (PUC-SP). Mestra em Educação - Currículo (PUC-SP). Graduada em Pedagogia (FUCMAT). Professora (UEMS). E-mail: maju@uems.br *** Doutora em Letras (UEL). Mestra em História (PUC-RS). Graduada em História (UPF). Professora

(UEMS). E-mail: medeirosmarciamaria@gmail.com

DOI 10.18224/frag.v28i1.6183

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO

NAS QUESTÕES DE GÊNERO

E SEXUALIDADE EM TEMPOS

DE CRISE*

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A

primeira e única mulher eleita presidenta que o Brasil teve, por enquanto, vivenciou um processo de interrompimento de seu mandato que simbolicamente se revestiu das roupagens machistas. O fato de ser a primeira mulher a ocupar o cargo de presidência foi evidenciado desde sua eleição. Somem-se a isso vários veículos de comu-nicação cujo discurso apontava que ela só havia sido eleita por conta de seu antecessor o então presidente Lula. Sua credibilidade e competência começavam desde então, a serem questionadas. O incômodo de uma mulher ocupando a presidência acirrou ainda mais o machismo estruturante em nossa sociedade e nos recorda o que Scott (1995, p. 89) aponta, “[...] a política constrói o gênero e o gênero constrói a política”.

Dilma Rousseff foi eleita em 2010, iniciou seu primeiro mandato em 01 de janeiro de 2011 e o exerceu até o segundo mandato que foi interrompido em 31 de agosto de 2016. No congresso, majoritariamente masculino e branco, assistíamos às placas e discursos que diziam “tchau, querida” (SUL21, 2016), frase essa que chegou a estampar a capa da edição de maio de 2016 da Revista Veja (VEJA, 2016). Além disso, presidenta eleita foi ofendida nas redes sociais e fora delas, sendo alcunhada entre outros termos de “vagabunda” (FORUM, 2015; YAHOO, 2015). A revista Isto É, em sua edição de abril de 2016, estampou em sua capa a foto da presidenta eleita com a seguinte chamada “as explosões nervosas da presidente”, ressaltando que a mesma havia perdido “o equilíbrio e as condições emocionais de conduzir o país”.

Esses estereótipos evocados em direção à presidenta eleita, mostram aquilo que Scott (1995, p. 92) pontua ao fazer a reflexão sobre as significações de gênero e poder na área política, pois:

[...] A alta política é, ela própria, um conceito generificado, pois estabelece sua im-portância crucial e seu poder público, suas razões de ser e a realidade de existência de sua autoridade superior, precisamente às custas da exclusão das mulheres do seu funcionamento. O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político tem sido concebido, legitimado e criticado. Ele não apenas faz referência ao significado da oposição homem/mulher; ele também o estabelece. Para proteger o poder político, a referência deve parecer certa e fixa, fora de toda construção humana, parte da ordem natural ou divina. Desta maneira, a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam-se parte do próprio significado de poder; pôr em questão ou alterar qualquer de seus aspectos ameaça o sistema inteiro.

E mais, Silveira (2016) mostra que no período dos governos Lula-Dilma houve um destaque para políticas afirmativas, inclusivas, focadas na população negra, indígenas, LGBT, com deficiência, entre outras, ampliando a atuação das Políticas de Direitos Humanos e de Educação em Direitos Humanos fomentadas pelo Estado. Essas políticas foram conse-quências das pressões e demandas advindas de movimentos sociais com base identitária, que emergiram a partir dos anos 1970.

Gomes (2017, p. 8) enfatiza que “[...] principalmente nos últimos vinte anos, sujei-tos sociais diversos passaram a ocupar um outro lugar de protagonismo social e político, orga-nizados ou não em movimentos sociais”. No entanto, quando se vinculam a um movimento social, o fazem àqueles que defendem “[...] bandeiras emancipatórias de gênero, raça, idade,

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relação campo/cidade, deficiência” (GOMES, 2017, p. 8).

A autora pontua que com isso temas relacionados ao enfrentamento do racismo, da LGBTfobia2, do machismo, bem como da garantia de direitos das crianças e adolescentes,

jovens e idosos, como dever do Estado e da sociedade ocupam outro lugar na agenda política, na área jurídica, nas legislações, na produção do conhecimento e em políticas de distribuição de renda. Porém, a reação neoconservadora, os ataques da direita e do capital econômico di-recionados às políticas públicas para diversidade e aos/às seus/suas sujeitos/as nos “[...] exigem como resposta o adensamento e a radicalidade da democracia” (GOMES, 2017, p. 19-21).

O processo de impeachment da então presidenta eleita Dilma Rousseff além de sua dimensão política e econômica, nacional e internacional, se caracteriza com delineamentos machistas, racistas e heteronormativos, afetando diretamente grupos identitários, entre os quais os de mulheres, campesinos, étnico-raciais e LGBTs. Deste modo, o objetivo neste artigo é analisar algumas implicações de tendências (ultra)conservadoras nas políticas educa-cionais no trato das questões de gênero e sexualidade sem desconsiderar outras intersecciona-lidades. A análise tem como aporte teórico referenciais que fazem a interface educação, gênero e relações étnico-raciais. Este trabalho foi construído a partir de abordagem qualitativa, cons-tituída em dois eixos: bibliográfico e documental. O avanço expressivo, em especial na esfera política, de tendências supra citadas atua no desmonte de direitos relacionados às questões de gênero na esfera da educação, articulando-se às questões étnico-raciais e de orientação sexual, caracterizando-se assim em retrocessos que operam interseccionalmente.

Essa onda (ultra)conservadora, como destaca Silveira (2016, p. 2-3), é documenta-da na mídia sob a forma de:

• uma crescente violência, simbólica e física, contra grupos socialmente excluídos;

• uma ampla explicitação de casos de discriminação de minorias sociais, com ênfase sobre relações homoafetivas; • uma intolerância manifesta de cunho religioso, visivelmente contra expressões religiosas de base etno-cultural

indígena e africana;

• atitudes manifestas contra a liberdade de expressão, nos mais diversos espaços, qualificando opiniões e ações dissidentes às dos manifestantes com o rótulo genérico e homogeneizante de “comunismo”;

• uma desqualificação mútua e generalizada nas redes sociais entre opiniões políticas divergentes;

• ações legislativas para impor uma Escola dita sem Partido, mas nitidamente de cunho religioso creacionista, de base evangélica de mercado, contra princípios culturais e científicos divergentes;

• ações legislativas para enquadrar institucionalmente a Família segundo o velho padrão patriarcalista [...] (SILVEIRA, 2016, p. 2-3).

Este artigo se organiza em três momentos. No primeiro, discorremos sobre ‘a sofisti-cação repressiva do discurso de um Estado de Direito no qual direitos são desmantelados’. No segundo, abordamos ‘o desmonte das questões de gênero e sexualidade nas políticas educacio-nais’. E, no terceiro, refletimos sobre ‘a resistência no âmbito da educação em tempos de crise’. A SOFISTICAÇÃO REPRESSIVA DO DISCURSO DE UM ESTADO DE DIREITO NO QUAL DIREITOS SÃO DESMANTELADOS

Silveira (2016) destaca que o momento que estamos vivendo no Brasil nos mostra o jogo entre autoritarismo e democracia. Nesse cenário, observamos a intensificação de atitudes fascistas, não em seu regime completo, mas em algumas características expressas em discursos e ações, em aparelhos privados de hegemonia como a mídia, e na supressão do Estado de Di-reito que mantém uma roupagem formal exercida pelo Poder Judiciário. Há assim uma crise

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política do Estado de Direito.

A autora pontua que Lula teve habilidade política para lidar com os interesses de diversos partidos. Dilma, já na campanha de 2010, mesmo contando com a aprovação de seu antecessor, teve de enfrentar o ataque de ondas conservadoras principalmente por duas razões: o fato de ser uma candidata mulher e por ter posições políticas postas em relação a te-mas que envolviam questões de cunho moral e religioso. Desde esse momento da campanha, grupos religiosos conservadores passaram a divulgar documentos acusando Dilma de apoio ao terrorismo, ao aborto e à corrupção. Esses grupos foram aos poucos ganhando força na mídia e apoio de um congresso eleito em 2014, composto majoritariamente por empresários e conservadores (SILVEIRA, 2016).

O Congresso Nacional Brasileiro, representação do nosso Poder Legislativo é com-posto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Atualmente, o perfil deste congres-so é predominantemente masculino, branco, constituído de empresários ou ruralistas com idade acima de 35 anos. Em termos de representatividade, esta caracterização não espelha o contexto social brasileiro.

De acordo com o Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2011), mais da metade da po-pulação brasileiro se autodeclara negra. Neste contexto, 12,5% da popo-pulação total é de jovens na faixa etária de 18 a 24 anos e mais da metade dos jovens também se autodeclaram negros. Some-se a isso o fato de que o mosaico populacional brasileiro ainda agrega as populações indígenas, entre outras.

Em termos de gênero, vale ressaltar que mais da metade da população brasileira é constituída por mulheres, as quais em sua maioria se autodeclaram negras. Essa dupla condi-ção (ser mulher negra) coloca essa populacondi-ção em situacondi-ção de vulnerabilidade social, não lhe dando garantia de direitos (IBGE, 2011).

Ainda de acordo com o IBGE (2011), 72% dos 10% que constituem a parcela mais pobre da população brasileira são pessoas negras. Nesse contexto, 61% das/os trabalhadoras/ es domésticas/os no Brasil, são mulheres negras. Essas mulheres estão na base da pirâmide social, abaixo dos homens brancos, seguidos das mulheres brancas e dos homens negros. São essas mulheres negras as que mais sofrem homicídios associados ao gênero e a cor da vítima.

Em suma, nosso Congresso Nacional não representa, pela sua composição e em contraposição aos dados aqui apresentados, a maioria da população brasileira. A lógica pela qual se define representa os interesses do capitalismo machista, racista, heteronormativo e conservador, que nos últimos anos ganha força com as ondas conservadoras religiosas ou não, afetando duramente os direitos sociais conquistados e garantidos através de processos históri-cos de lutas sociais, entre eles o direito a educação.

Bobbio (2004) aponta que o direito precisa ser refletido como um fenômeno social, através do qual mudanças sociais implicaram no surgimento de novos direitos. Do “homem” concebido como ente genérico e abstrato, passou-se ao reconhecimento de especificidades e concretudes das diversas formas de ser em sociedade (sexo, idade, condições físicas, entre outras), as quais problematizam o tratamento igual e a igual proteção, demandando assim as especificações nos direitos sociais.

O autor afirma que os direitos de liberdade negativa foram os primeiros a serem reconhecidos e protegidos, porém a ideia do “homem abstrato”, da universalidade, da não-discriminação, não cabe quando pensamos nos direitos sociais e políticos, visto que as pessoas são iguais genericamente mas não em suas especificidades (BOBBIO, 2004). Para

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o autor:

Isso quer dizer que, na afirmação e no reconhecimento dos direitos políticos, não se po-dem deixar de levar em conta determinadas diferenças, que justificam um tratamento não igual. Do mesmo modo, e com maior evidência, isso ocorre no campo dos direi-tos sociais. Só de modo genérico e retórico se pode afirmar que todos são iguais com relação aos três direitos sociais fundamentais (ao trabalho, à instrução e à saúde); ao contrário, é possível dizer, realisticamente, que todos são iguais no gozo das liberdades negativas. E não é possível afirmar aquela primeira igualdade porque, na atribuição dos direitos sociais, não se podem deixar de levar em conta as diferenças específicas, que são relevantes para distinguir um indivíduo de outro, ou melhor, um grupo de indivíduos de outro grupo (BOBBIO, 2004, p. 34).

Não há como pensarmos a educação brasileira a partir do “homem genérico”, do “homem abstrato”, desconsiderando as diversidades e diferenças que constituem as identida-des do corpo discente, docente e administrativo. Historicamente, o caráter elitista de nossa educação tem sido um desafio que precisamos superar. A democratização, em especial hoje da educação superior, é o desafio que se coloca aos nossos tempos. Não há como falar em democratização da educação deixando indivíduos ou grupos alijados do direito à educação. Portanto, como ressalta Castro (2005, p. 3):

É um ganho da modernidade, em fases mais recentes, reconhecer a dialética entre direitos humanos no geral, tendo como referência a humanidade, e os direitos humanos de grupos específicos, considerando suas singularidades, tanto em termos de vulnerabilidades negativas, quanto em termos de potencialidades, vivências e linguagens próprias. Deste modo, essa onda (ultra)conservadora que se intensifica desde a campanha de Dilma Rousseff, mostra aos poucos seus estragos. Os discursos machistas e lesbofóbicos que foram direcionados a uma presidenta mulher constituem apenas a fachada, que irá impactar em legislações educacionais e no pretenso “policiamento” do trabalho docente. Assim, va-mos acompanhando o novo Plano Nacional de Educação 2014-2024, e progressivamente os planos estaduais e municipais, os embates para retirada das questões de gênero e orientação sexual, sob o slogan da “ideologia de gênero”. Segue-se a isso, a construção da nova Base Na-cional Comum Curricular, que demandará a construção de novos referenciais curriculares. Uma onda (ultra)conservadora em que movimentos como o chamado “escola sem partido” dão as caras explicitamente.

No enfrentamento disso, acreditamos que uma educação que se diz democrática não pode deixar alijada pessoas e grupos, pois dessa forma, tal proposta será tudo menos de-mocrática. Afirmamos a compreensão de que “[...] gênero não é sinônimo de sexo (masculino ou feminino). As relações de gênero correspondem ao conjunto de representações construído em cada sociedade, ao longo da história, para atribuir significados, símbolos e diferenças para cada um dos sexos” (AUAD, 2012, p. 21).

Auad (2012) destaca que as características biológicas são interpretadas a partir des-sas construções de gênero, em que ao feminino se associa o frágil, passivo, meigo e que exige cuidado, e ao masculino o agressivo, empreendedor, a força e coragem. Tais aspectos, como reforça a autora, estão presentes na escola sob diversas formas: nos livros didáticos (numérica e

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qualitativamente as mulheres e meninas, as pessoas não brancas, estão sub-representadas); nas divisões na sala de aula (carteiras, grupinhos, relação professor/a e aluno/a, relação aluno/a e aluno/a); na linguagem (e silêncios); nas “filas dos meninos” e filas das meninas” para sair da sala de aula; nas misturas no pátio (jogos, grupinhos, predomínio do masculino); e na ideia de que o espaço privado é destinado às mulheres e o espaço público aos homens. A escola seria um espaço de socialização em que desde pequeno/a se ensina e aprende a separação e as desigualdades entre os sexos.

Scott (1995, p. 86) defini gênero em duas partes e diversos subconjuntos, que se inter-relacionam mas que precisam ser analisados diferentemente. A autora traz assim duas proposições, “(1) o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas di-ferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.” Tanto os símbolos que a cultura disponibiliza evocam representações sim-bólicas quanto conceitos normativos que evidenciam interpretações acerca dos significados dos símbolos, limitam e contém suas possibilidades metafóricas, conceitos esses presentes em doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas.

Quando retomamos a finalidade da educação básica disposta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996) temos presente que seus objetivos são “[...] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Assim, fica o questionamento se é possível exercer a cidadania sem o respeito a diversidade e às diferenças.

A escola é um espaço de socialização não apenas para as questões de gênero, ét-nico-racial, mas também de sexualidade, entre outras. Louro (2010) enfatiza que inclusive a sexualidade é uma construção ao longo da vida. Além de uma questão pessoal, é social e política, sendo definida por processos culturais que querem conceber o que é ou não natural. Os corpos possuem sentido socialmente e historicamente. As possibilidades da sexualidade, ou seja, de como expressar desejos e prazeres, serão estabelecidas pela sociedade e por ela co-dificadas. As identidades de gênero e sexuais são definidas por relações sociais e moldadas por redes de poder constituídas socialmente. É a partir da cultura e da história que identidades sociais se constituem, sejam as sexuais, de gênero, étnico-raciais, de nacionalidade, de classe, entre outras. Em relação a sexualidade, a heterossexualidade é generalizada e naturalizada como referência e norma para todas as pessoas.

Auad e Lahni (2013, p. 122) pontuam que a heteronormatividade produz a ho-mossexualidade com desvio, ou seja, “[...] está é a matriz de um conjunto de fenômenos, da homofobia à invisibilidade lésbica, do ardente culto de privilégios heterossexuais à negação da bissexualidade como orientação sexual possível e praticada”.

Por isso, “a escola precisa ser vista como um espaço para aprender e aprender a viver. É necessário redescobrir o vínculo entre a sala de aula e a vida fora da escola para a qualifica-ção de ambas” (XAVIER, 2010, p. 95), Neste sentido, não cabem discursos que repreendem e desumanizam, que levantam o slogan de um Estado de Direito desmantelando direitos sociais em sua concretude.

O DESMONTE DAS QUESTÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

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questões de gênero e sexualidade. Se retomarmos novamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996) observamos no art. 2º que nos princípios e fins da educação nacional, consta que a educação é dever da família e do Estado, que se ins-pira nos princípios de liberdade e ideias de solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do/a educando/a, o seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi-cação para o trabalho. O art. 3º coloca que este ensino será embasado em princípios entre os quais “I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...] IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância”. Ou seja, “[...] retirar direitos é negar o acesso ao conheci-mento político-histórico e cultural, negligenciando sua relevância na construção da formação de cidadãos/ãs que têm direito a uma educação não sexista, não racista, anti-homofóbica e de qualidade” (SALGADO; LACERDA, 2016, p. 357).

Entretanto, ao fazermos uma análise do Plano Nacional de Educação – PNE 2011-2020 observamos que não há uma menção direta às questões de gênero e sexualidade. Isso ocorrerá também no Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024, porém, com força repressiva, pois desde o referido Plano, prolongando-se para os planos estaduais e municipais, as referências às questões de gênero e orientação sexual que haviam sido pautadas nas confe-rências municipais, estaduais e nacional de educação foram sendo progressivamente retiradas por conta de pressões advindas de movimentos (ultra)conservadores.

Roseno e Silva (2017) pontuam que o PNE 2014-2024 serviu como palco para manifestações conservadoras que estão atuando no Congresso Nacional, protagonizadas pela bancada fundamentalista cristã. Essas reações ocorriam pelo país, de modo sistematizado, pela exclusão de temas ligados a gênero e sexualidade, nos debates. E assim foi em Brasília, bem como em todos os estados e municípios.

Mas o desmonte não acaba aí. Em 2016, com a Proposta de Emenda à Constituição - PEC 241/55, passamos a acompanhar a instituição de um novo regime fiscal no Brasil, que se prolongará por 20 anos. Conforme Amaral (2016), as despesas com pagamento de pessoal, de encargos sociais, e outras despesas correntes, investimentos e inversões financeiras num determinado ano, a partir de 2017 vão ter como limite para seu reajuste a inflação do ano an-terior. O autor analisa que a longo prazo essa diminuição de recursos educacionais significará a “morte” do PNE 2014-2024, ou seja, sua inviabilidade.

De acordo com o autor, o problema não será a falta de recursos financeiros no Brasil. Os cofres da União terão recursos de sobra, porém, os mesmos não serão destinados à educação, saúde, previdência social ou assistência social, como se os problemas nessas áreas estivessem re-solvidos. Assim, o PNE 2014-2024 se torna inviável, com sua “morte” decretada e a ampliação da desigualdade social em nosso país transformada em realidade (AMARAL, 2016). O desmon-te das políticas educacionais segue em enfrentamentos de ideias e discursos em relação aos desmon-temas de gênero e sexualidade, mas também em cortes de recursos destinados à educação.

As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013) dispõem a base nacional comum com objetivo de orientar a organização, articulação, desen-volvimento e avaliação de propostas pedagógicas nas redes de ensino brasileira. O documento destaca que as escolas precisam contribuir na garantia do respeito aos direitos humanos.

[...] Educar para os direitos humanos, como parte do direito à educação, significa fo-mentar processos que contribuam para a construção da cidadania, do conhecimento dos direitos fundamentais, do respeito à pluralidade e à diversidade de nacionalidade,

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etnia, gênero, classe social, cultura, crença religiosa, orientação sexual e opção política, ou qualquer outra diferença, combatendo e eliminando toda forma de discriminação (BRASIL, 2013, p. 164).

O documento de 2013 já dispunha sobre as questões de gênero e orientação se-xual. Posteriormente, com a nova (ou terceira) Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), na versão divulgada em abril de 2017 entregue pelo Ministério da Educação (MEC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE), toda menção a ‘identidade de gênero’ e ‘orientação sexual’ foi retirada, bem como não menciona raça, apenas etnia. Em uma de suas competências gerais a questão de gênero aparece:

[...] Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupo sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer (BRASIL, 2017, p. 19).

A BNCC (BRASIL, 2017) trazia nesta versão de abril de 2017 que do 1º ao 5º ano cabia à disciplina de Arte a problematização das questões de gênero e corpo. Do 6º ao 9º ano também se direcionava às disciplinas de: Arte (6º ao 9º ano) a problematização das questões de gênero, corpo e sexualidade agora; Educação Física (6º e 7º ano), a problematização de preconceitos e estereótipos de gênero; Geografia (7º ano), a análise da distribuição territorial que considera os aspectos de gênero, entre outros; Ciências (8º ano), a evidenciação das múl-tiplas dimensões da sexualidade, o respeito e a valorização da diversidade sem preconceito de gênero; História (9º ano), a identificação das transformações no debate sobre as questões de gênero no Brasil durante o século XX e os protagonismos femininos. O documento destacava que nos anos finais é que cabe abordar temas relacionados à reprodução e à sexualidade, pois isso seria relevante nessa faixa etária.

Na versão entregue pelo MEC ao CNE, no final de novembro de 2017, e aprovada em 15 de dezembro de 2017, as referências à questão de gênero e de orientação sexual foram totalmente excluídas. Porém, foi incluso o ensino religioso como área de ensino em todo ensino fundamental. O ensino religioso está disposto na LDBEN (BRASIL, 1996) como dis-ciplina nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo de matrícula facultativa aos/as alunos/as.

Assim, observa-se que este documento já aprovado, não adota os termos ‘gênero’, ‘orientação sexual’ e ‘sexualidade’. A elaboração da terceira BNCC (BRASIL, 2017) envolveu e envolve uma gama de discussões, desde às questões ligadas aos temas de gênero, sexualidade e orientação sexual, até a disciplina de ensino religioso e a defesa de um Estado laico; entre outras considerações positivas e negativas. Porém, foi nos processos que tramitaram as discus-sões e elaborações dos planos de educação que assistimos ao explícito desmonte das questões de gênero e orientação sexual nas políticas educacionais. O movimento “escola sem partido” (MESP) é uma das representações desta onda (ultra)conservadora, além do Movimento pela Base que se volta em direção à educação brasileira.

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colocada entre aspas, uma vez que é uma defesa da escola do partido único e absoluto, “[...] partido da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de mundo, de conhecimen-to, de educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto da xenofobia nas suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres”. Este movimento coloca em risco a democracia liberal, além de preconizar o ódio e a intolerância. A ideia promovida de “Liber-dade para ensinar” rompe com a relação pedagógica e educativa de confiança e solidarie“Liber-dade, preconizando que estudantes, pais e mães assumam uma função de denunciar professores/ as, algo mais grave do que ocorreu nos vinte e um anos de ditadura civil-militar em que os denunciantes eram profissionais. Um exemplo dessa onda ultra(conservadora) chegando às universidades é o que ocorreu com professoras e alunas da Universidade Federal da Bahia, as quais foram no final de 2017 ameaçadas de morte por conta de suas pesquisas que abordam o tema da divisão sexual do trabalho.

Junto ao movimento “escola sem partido” soma-se a atuação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Frente Parlamentar Evangélica, que ocuparam as assembleias de aprovação do Plano Nacional, Estaduais e Municipais de Educação, defendendo a exclusão do que nomeiam “ideologia de gênero”, na defesa de uma proposta conservadora para educação brasileira. O “escola sem partido” se fortaleceu no Congresso Nacional através de projetos de lei, grande parte deles com proponentes vinculados a alguma igreja (ROSENO; SILVA, 2017).

Roseno e Silva (2017, p. 10) apontam que de forma articulada, procurando um combate ao que denominam de “doutrinação”, o movimento “escola sem partido” coloca três resoluções:

[...] A primeira seria a denúncia e a divulgação de atos vistos como doutrinadores, e para isso, o site do movimento destina a aba “corpo de delito”. Outra ação é o envio de notificações extrajudiciais com o intuito de ameaçar determinadas condutas vistas como transgressoras, possuindo um modelo específico para ser utilizado pelas famílias e/ou responsáveis pelas e pelos estudantes. E por último, o estímulo de leis que visam alterar a Constituição e outros dispositivos legais que versam sobre a educação, a fim de insti-tuir legalmente o Programa “Escola Sem Partido”. Todas essas duas últimas proposições também se encontram no site do movimento.

Essa tentativa de “policiamento” do trabalho docente segue com a chamada “Lei da Mordaça”, que tramita em diversos municípios do país. Salgado e Lacerda (2016, p. 360-363), por exemplo, analisam que na perspectiva dos idealizadores da “Lei da Mordaça”, Projeto de Lei nº 8.242/2016, no município de Campo Grande/MS, tal lei “[...] possibilita cumprir o papel regulador do Estado sobre a comunidade escolar e reger a atuação de professores/as restringindo a autonomia pedagógica da escola e ignorando realidades sociais e a diversidade presentes no contexto escolar”. As autoras relembram ainda que em 2015 nos momentos que antecederam a votação do Plano Municipal de Educação (PME), representantes católicos da Arquidiocese de Campo Grande/MS protocolaram na Câmara Municipal uma carta aberta solicitando a retirada de menções à identidade de gênero e orientação sexual do PME, o que acabou se concretizando posteriormente. Já o Projeto de Lei nº 8.242/2016 foi vetado pelo prefeito que na época recebeu nota de repúdio e manifesto de 32 (trinta e duas) entidades que eram contra o conteúdo do referido Projeto de Lei.

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pro-grama “escola sem partido” na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tenha sido arquivado em dezembro de 2017, a pedido do próprio autor do projeto, o senador Magno Malta (PR-ES), instalou-se no Brasil uma cultura de “policiamento” do trabalho docente. Este arquivamento é sim importante, porém a censura hoje ao trabalho docente tem vindo da própria população em uma demonstração de que a lógica de atuação pretendida pelo projeto foi, infelizmente, atingida.

Assim, embora desmontes nas políticas educacionais venham ocorrendo, por conta dessas forças (ultra)conservadoras que operam nesse sentido, a resistência também é um fato e se mostra mais urgente do que nunca na defesa de uma educação democrática, laica, pública e de qualidade. Com isso, entende-se uma educação não racista, não elitista, não sexista e não LGBTfóbica.

A RESISTÊNCIA NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE CRISE

Em 2015, quando foi realizada a Prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a prova de redação trouxe como tema “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” e a abordagem de gênero na questão nº 42 (quarenta e dois) de uma das provas, a qual mencionava “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino”. O trecho é da obra “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir (1980). Na questão afirmava-se ainda que “na década de 1960, a proposição de Beauvoir contribuiu para estruturar um movimento social que teve como marca o(a) “organização de protestos públicos para ga-rantir a igualdade de gênero”, fato que provocou polêmicas nas redes sociais, principalmente as gerenciadas por alas conservadoras. Já é possível observar aqui o processo de resistência sendo articulado e trazendo em si a questão do debate sobre as questões que envolvem o feminino.

As polêmicas geradas estão relacionadas ao desconhecimento do assunto do ponto de vista científico e a intolerância a diferença, já que a maioria das pessoas costumam associar tudo que se refere a sexo, sexualidade e atualmente gênero, a formas de perversão, aberrações, doenças, etc., caracterizando ignorância, discriminação e desrespeito aos direitos humanos e aos direitos constituídos na nossa Constituição Federal de 1988. Além disso, essas polêmicas e discursos (ultra) conservadores demonstram a hipocrisia de grande parte da sociedade brasileira que se diz cristã, professa alguma fé, em relação ao assunto sexo, sexualidade e questões de gênero, pois o que se vê é uma prática discursiva e cotidiana que execra princípios e valores humanos, cristãos e éticos.

A escola e seu currículo não deu e terá muita dificuldade em dar conta, de formar homens e mulheres que primem pelo respeito ao ser humano e suas diferenças, promovendo uma cultura de paz. De acordo com Souza (2016, p. 63):

[…] Nas investigações, como vimos, percebemos o desvelamento de discursos sobre os gêneros e as sexualidades da/na escola que pontuam zonas de rupturas e repetição do normativo. O conhecimento (re) produzido deve rever a ideia de representação na qual ele se assenta. A escola como lugar de conhecimento, deve romper com a ideia de repre-sentação recorrente: como repetição e cópia de modelos normativos.

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representação como reprodução do real. Por isso, “As narrativas conhecidas/produzidas do/no cotidiano sobre as identidades de gênero e as sexualidades dissidentes na escola tomam fluxos que ora potencializam, ora despotencializam a produção de subjetividades” (SOUZA, 2016, p. 63). E continua o autor em suas ponderações:

Entendo que afirmar os gêneros e as sexualidades na escola tem essa potência de virtu-alizar a escola, produzir novas paisagens educativas, novas mutações. Afirmar-se como potência de vida no cotidiano escolar. Não se trata de destruir a escola como espaço institucional de transmissão de conhecimentos culturalmente acumulados, trata-se de transformar e ampliar sua política cognitiva, de entender que conhecer envolve uma po-sição em relação a si mesmo e ao mundo […] para a produção de novos códigos, éticos e estéticos (SOUZA, 2016, p. 63-4).

A contraposição a este processo pode ser percebida no Enem de 2017, quando vimos o movimento “escola sem partido” entrar na justiça contra prova do Enem para im-pedir que seja dada nota zero à redação que desrespeitasse aos direitos humanos. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acabou acatando e suspendendo tal item do edital do Enem 2017.

Essas ações (ultra)conservadoras apontadas no âmbito da política e educação, nos recorda o que Gomes (2017, p. 15) afirma ao dizer da necessidade de reeducação do Estado e governos para diversidade, entendendo-a como uma “construção social, histórica, cultural, política e econômica das diferenças que se realiza no contexto das relações de poder”. Para autora, “a intensidade da ofensiva conservadora no mundo é proporcional ao tanto que as lu-tas sociais conseguiram abalar as fortes estruturas do capitalismo e do colonialismo que ainda perduram em nosso imaginário, políticas e práticas” (GOMES, 2017, p. 20).

Gomes continua nos alertando que esse processo efervescente de retrocesso nos desa-fia a retomar a democracia, a reagir popularmente frente às reformas promovidas pelo Executivo que assumiu o poder após o impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff, o qual recebe apoio de alas conservadoras do legislativo e judiciário. Essas reformas ocorrem juntamente com medidas de austeridade fiscal impostas por setores capitalistas e farão retroceder direitos con-quistados e garantidos pelas/os trabalhadoras/es desde 1930, sendo que os movimentos sociais e coletivos sociais diversos precisam intensificar essa luta (GOMES, 2017).

Várias organizações se posicionaram e manifestaram repúdio aos retrocessos que estavam ocorrendo nos planos educacionais, bem como professoras/es foram para as ruas realizando manifestações contrárias à “Lei da Mordaça” e também se fizeram presentes nos processos de elaboração e votação dessas legislações educacionais. O tensionamento de forças existiu e existe.

A Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), por meio do Grupo de Trabalho Gênero, Sexualidade e Educação (GT 23), lançou em 18 de junho de 2015, uma Carta Pública sobre a importância da abordagem de gênero e sexua-lidade na educação. Na Carta, a associação reitera a importância de que os temas gênero e sexualidade sejam trabalhados na Educação Básica, em todos os níveis, da Educação Infantil até a Educação Superior, bem como na formação docente; que esses temas permaneçam nos programas de formação continuada financiados pelo Ministério da Educação; que haja produção, divulgação e difusão de materiais educativos sobre essa temática; e que continue

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o financiamento de pesquisas nessas linhas, para geração de informações que ajudem na su-peração das desigualdades. A Carta pontua ainda que os poderes legislativos dos estados e municípios brasileiros precisam respeitar os processos coletivos de discussão (conferências de educação, etc.) em que as temáticas de gênero e orientação sexual haviam sido inseridas nos planos educacionais. Assim, reafirmando a defesa do Estado Laico, o documento destacou ainda que a abordagem de tais assuntos no campo educacional é primordial para efetivação de uma educação democrática, de direito e de fato, e livre para todas as pessoas.

Na época, a Associação Brasileira de Antropologia também lançou uma ‘Nota sobre a supressão de “gênero” e “orientação sexual” nos planos municipais, estaduais e nacional de educação’. A associação pontuou que essa exclusão afeta o papel das escolas no enfrentamento das desigualdades educacionais produzidas por diferentes formas de discriminação, o direito dos/as estudantes de acesso à produção científica de diferentes disciplinas sobre o assunto vinculadas aos princípios de direitos humanos, além de atingir a laicidade do Estado, o direito à informação e à livre expressão de pensamento.

A ‘Nota Pública em Defesa da Igualdade de Gênero nos Planos de Educação e de uma Educação Pública Laica e Democrática’, publicada pela ‘Iniciativa De Olho nos Planos’, destaca que além de eliminadas estratégias de superação das desigualdades de gênero, de orientação sexual, foram também suprimidas as de raça, sendo que conclama a sociedade para defesa do debate público e da educação pública gratuita, laica e democrática.

Assim, uma educação só será de direito e de fato, laica e democrática, quando no mínimo, o governo federal, governos estaduais e municipais, por meio de suas políticas res-peitarem a Constituição Federal de 1988, no que determina o art. 205 e o art. 206 nos incisos de I a VII.

O modelo atual de educação no Brasil, especialmente com as alterações feitas no governo atual, que caracteriza retrocesso nos poucos avanços já conquistados, não se conver-terá em experiência democrática, especialmente com a imposição do Ensino Religioso, a ex-clusão de estudos de gênero, sexualidade e raça, fatores que ferem profundamente a laicidade e o espírito democrático da educação. Uma escola laica e democrática vê a/o aluna/o como protagonista de sua própria educação, respeita a liberdade individual nas suas diversas formas de expressão, num nítido respeito Constituição Federal e as leis emanadas a partir desta.

Portanto, não dá para construir uma educação democrática sem uma crítica radical ao modelo predominante, aos métodos centrados em currículos pré-definidos, sem a partici-pação da comunidade escolar e o respeito a diversidade que constitui a população brasileira e toda a sua cultura.

E, por fim, trazemos como exemplo de resistência, de reação aos retrocessos e des-montes, o posicionamento de diversas entidades que integravam o Fórum Nacional de Edu-cação (FNE), quando em junho de 2017 em ato coletivo renunciaram ao assento no FNE em protesto à Portaria MEC 577, de 27 de abril de 2017, que subordinou o FNE ao MEC. Com isso, em “defesa e promoção do direito à educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todo cidadão e para toda cidadã” (FNPE, s.d.), retiraram-se coletivamente do FNE e construíram o Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) com objetivo de “pressionar o governo federal e fazer valer a implementação dos planos nacional, estaduais, distrital e mu-nicipais de educação e viabilizar a organização da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE 2018)” (FNPE, s.d.).

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Rousseff e as políticas educacionais brasileiras são um ataque contra a mulher, contra uma educação pública, gratuita, laica e democrática, contra uma escola não sexista, não LGBTfóbica, não elitista e não racista. Crenshaw (2002, p. 177) pontua a necessidade de um olhar interseccional capaz de “[...] capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação [...] da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigual-dades básicas” e neste sentido devem ser direcionadas intervenções interseccionais para ações efetivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este cenário social e político de retrocessos no âmbito da educação nos convoca a intensificar nossas lutas pela garantia e manutenção dos direitos sociais. A democrati-zação da educação nos chama ao protagonismo social e político, ao enfrentamento des-ses movimentos (ultra)conservadores que trabalham pela manutenção de privilégios por meio de uma educação elitista, ainda centrada num currículo eurocêntrico mesmo com as poucas conquistas realizadas nos últimos anos - 2003 a 2015, a maioria caracterizada como políticas de ações afirmativas voltadas para grupos sociais como: mulheres, negros/ as, quilombolas, indígenas, deficientes, LGBTs, idosos/as, e outros segmentos, especial-mente voltadas para acesso a educação superior. Porém, alguns destes grupos sequer este acesso conquistou, pois o processo de interrupção do mandato da presidenta eleita Dilma Rousseff interrompeu um processo de construção dessas políticas e outras ações e pro-gramas já delineados, incluindo a extinção de Ministérios e Secretarias de Governo que poderiam realizar isso.

A democratização da educação nos desafia na compreensão e construção de uma educação que não permita que indivíduos ou grupos fiquem alijados do acesso à educação, e mais que ao ter acesso a ela tenham também às condições de permanência e conclusão. Todas e todos têm o direito a uma educação não sexista, não racista e não LGBTfóbica, o direito a viverem numa sociedade em que haja respeito às diferenças e primazia do direito a dignidade enquanto ser humano.

THE CHALLENGES OF EDUCATION IN GENDER ISSUES AND SEXUALITY IN TIMES OF CRISIS

Abstract: the impeachment process of the elected President Dilma Rousseff

(2011-2016/Inter-rupted) in Brazil, besides its political and economic dimension, national and international, is characterized by macho, racist and heteronormative delineations, directly affecting identity groups, among them those of women, peasants, ethnic-racial and LGBTs. The aim of this article is to analyze some (ultra)conservative trends in educational policies in the treatment of gender and se-xuality issues without disregarding other intersectionalities. The analysis has as theoretical reference referential that interface education, gender and ethnic-racial relations. It is a qualitative approa-ch, constituting two axes: bibliographical and documentary. The expressive advance, especially in the political sphere, of the aforementioned tendencies, works in the dismantling of rights related to gender issues in the sphere of education, articulating the ethnic-racial and sexual orientation issues,

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thus characterizing the setbacks that operate intersectionally.

Keywords: Social rights. Educational Policies. Gender. Sexuality.

Notas

1 Trecho das cartas trocadas entre Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, memórias que inspiraram o espetáculo de teatro com a atriz Fernanda Montenegro, intitulado ‘Viver sem tempos mortos’, o qual ficou em cartaz no ano de 2009.

2 A sigla LGBT significa ‘lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros’, com base na terminologia adotada nas conferências nacionais LGBTs, sendo que LGBTfobia diz respeito à aversão e ódio direcionados à população LGBT.

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