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AS CONTRIBUIÇÕES DE UMA OFICINA PEDAGÓGICA COM JORNAIS IMPRESSOS NA AQUISIÇÃO DA APRENDIZAGEM A PARTIR DA TEORIA ATOR-REDE (TAR): A TRAGÉDIA DE MARIANA

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Academic year: 2020

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doi.org/10.26843/rencima eISSN: 2179-426X

AS CONTRIBUIÇÕES DE UMA OFICINA PEDAGÓGICA COM JORNAIS

IMPRESSOS NA AQUISIÇÃO DA APRENDIZAGEM A PARTIR DA

TEORIA ATOR-REDE (TAR): A TRAGÉDIA DE MARIANA

THE CONTRIBUTIONS OF A PEDAGOGICAL WORKSHOP WITH PRINTED NEWSPAPERS ON THE ACQUISITION OF LEARNING FROM THE ACTOR-NETWORK

THEORY (TAR): THE TRAGEDY OF MARIANA Alexsandro Luiz dos Reis

Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, alexreis923@gmail.com http://orcid.org/0000-0003-2166-5442

Fábio Augusto Rodrigues e Silva

Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente – DEBIO, fabogusto@gmail.com

http://orcid.org/0000-0003-1245-2648

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo apresentar as contribuições de uma oficina pedagógica que utilizou reportagens de jornais sobre o rompimento da barragem da mineradora Samarco ocorrido em Mariana em 2015 no processo de ensino e aprendizagem de alunos do 3° ano do ensino médio. Essa oficina é um dos resultados de um trabalho de mestrado profissional pelo qual foi desenvolvido um produto educacional: um caderno de oficinas para professores da Educação Básica poderem desenvolver a produção de textos jornalísticos. O referencial teórico-analítico adotado nesta pesquisa se pautou na Teoria Ator-Rede (TAR). Segundo a TAR humanos e não-humanos possuem a mesma importância ontológica e quando se analisa uma prática sociomaterial como um processo de ensino deve-se investigar a aprendizagem como um “efeito” das associações e fluxos das redes performadas. Nossos resultados indicam que a oficina contribuiu para a aprendizagem dos alunos, uma vez que esses sujeitos se envolveram em novas alianças formadas durante o desenvolvimento da oficina. Entendemos que a oficina com jornais deve ser difundida e desenvolvida nas escolas, bem como os objetos, como os jornais, ser tomados para análise com a mesma relevância que as entidades humanas. Palavras-chave: Aprendizagem. Desastre Ambiental. Teoria Ator-Rede.

Abstract

This work aims to present the contributions of a pedagogical workshop that used newspaper reports on the rupture of the dam of the mining company Samarco that took

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place in Mariana in 2015 in the process of teaching and learning students of the 3rd year of high school. This workshop is one of the results of a professional master's work for which an educational product was developed: a notebook of workshops for Basic Education teachers to be able to develop the production of journalistic texts. The theoretical-analytical framework adopted in this research was based on the Actor-Network Theory (TAR). According to ART humans and non-humans have the same ontological importance and when analyzing a sociomaterial practice as a teaching process, learning should be investigated as an “effect” of the associations and flows of the performed networks. Our results indicate that the workshop contributed to students' learning, since these subjects became involved in new alliances formed during the development of the workshop. We understand that the workshop with newspapers must be disseminated and developed in schools, as well as objects, such as newspapers, to be taken for analysis with the same relevance as human entities.

Keywords: Learning. Environmental disaster. Actor-Network Theory.

Introdução

O rompimento da Barragem de Fundão ocorrido no dia 5 de novembro de 2015 é tido como o maior desastre socioambiental ocorrido no Brasil (SERRA, 2018). Essa barragem situava-se em Bento Rodrigues, um pacato subdistrito mineiro, com uma população aproximada de 600 pessoas, distante 35 km da cidade histórica de Mariana. Bento Rodrigues ainda alocava as barragens de Germano e de Santarém, propriedades da empresa Samarco S.A.1.

Aproximadamente 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos de lama (REIS e SANTOS, 2016) assolaram em questão de minutos o subdistrito de Bento Rodrigues e comunidades adjacentes como Paracatu de Baixo, Gesteira e Camargos, levando consigo casas, carros, pontes, capelas, escolas, grande parte da fauna e flora da região, além de vitimar 19 pessoas e 1 desaparecido. Passados cinco anos desta tragédia observamos tanto em Bento Rodrigues, como nas demais localidades atingidas um grande desequilíbrio dos ecossistemas, evidenciado pelo aumento no número de casos de doenças como a dengue e febre amarela. Além disto, ressalta-se a provável extinção de espécies endêmicas da flora e fauna da região que se foram durante o evento e que desaparecerão ao longo dos anos devido aos efeitos dos resíduos carregados pela lama da Samarco.

Aqui não podemos deixar de mencionar as implicações do desastre para o Rio Doce, por exemplo, que após o rompimento, instantaneamente toneladas de diversas espécies de peixes e invertebrados foram morta(o)s. Além disso, coletas e análises de amostras das águas do Rio Doce apontam para elevados níveis de metais pesados como cobre (Cu), níquel (Ni) e Alumínio (Al). Dessa forma, temos a iminente perda da

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A Samarco S.A. é uma empresa do tipo joint venture, em que duas outras empresas no caso a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, se associaram para estabelecer relações estratégicas, econômicas e comerciais em conjunto por um período pré-estabelecido (SERRA, 2018).

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biodiversidade aquática, além da possibilidade de bioacumulação em organismos de níveis tróficos inferiores (CARVALHO et al., 2017).

Já os índios Krenak´s tiveram toda a sua maneira de vida alterada. Os índios já não usufruem das águas do Rio Doce para a pesca, banho e realização de seus rituais e crenças. Além disso, resistem bravamente as grandes dificuldades advindas do desastre como a escassez de recursos para a sua subsistência, a falta de assistência médica e psicológica, além de nenhum amparo para a reconstrução de sua identidade cultural que se encontra esfacelada.

Diante o contexto apresentado ressaltamos que até o presente momento, tanto o meio ambiente como os atingidos padecem em face da morosidade da justiça e outros entraves que acarretam no retardo da reparação do meio ambiente e o pagamento de indenizações aos atingidos. Nessa linha, o reassentamento e a construção de um novo “Bento Rodrigues” também estão paralisadas e os atingidos contam com esforços de movimentos da sociedade civil para ter acesso a orientações jurídicas, médicas e assistenciais. Não podemos deixar de mencionar, que todo este contexto de angústias e anseios é publicado mensalmente em um jornal2 produzido pelos atingidos juntamente com a academia e outras entidades da sociedade civil.

Ademais, temos o aumento do número de casos de atingidos com doenças respiratórias, dermatológicas, além das psicossociais como o alcoolismo, depressão e dependência química. Cidades atingidas dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo convivem com um elevado número de desempregados, problemas no abastecimento de água potável e retração em suas economias.

Posto isso, acreditamos que passados cinco anos da tragédia se sobressai à sensação de impunidade e descaso por parte da empresa e os órgãos judiciários. Não observamos a celeridade no pagamento de indenizações a cidades e famílias atingidas, reassentamento dos desalojados e a reparação do meio ambiente e o Rio Doce.

A partir dessa linha apresentada entendemos que o desastre da mineradora Samarco se constitui em uma temática que pode ser trabalhada em uma aula de Biologia ou de outra disciplina por meio de diferentes estratégias pedagógicas como: a construção de jogos (SILVA; AMARAL, 2011), a utilização de uma sequência didática investigativa (AZÊVEDO; FIREMAN, 2017) ou o desenvolvimento de oficinas pedagógicas (SOUZA, 2016).

Para Maestrelli e Lorenzetti (2017, p.6) a temática da mineração ainda “[...] oportuniza reflexões críticas sobre questões relacionadas à Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), além de auxiliar no processo de tomada de decisões responsáveis para solução de problemas da nossa sociedade”.

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O jornal A Sirene: para não esquecer é veiculado impressa e digitalmente todo o dia 5 de cada mês. Produzido pelos atingidos, o jornal apresenta as angústias e anseios daqueles que tiveram suas vidas totalmente mudadas após o rompimento da Barragem de Fundão. O endereço para o seu acesso na plataforma digital é jornalasirene.com.br.

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Para oportunizar nossos alunos a reflexões críticas, utilizamos neste trabalho como estratégia educacional para a abordagem da tragédia da mineradora Samarco uma oficina pedagógica com alunos do 3º ano do ensino médio. Ressaltamos que esta oficina é proveniente de um dos resultados de uma pesquisa realizada em um programa de mestrado profissional, pelo qual foi desenvolvido um produto educacional: um caderno de oficinas que permitirá aos professores da Educação Básica desenvolver uma atividade de produção de textos jornalísticos.

Nessa linha, esta atividade disponibilizava reportagens de jornais da Região dos Inconfidentes que apresentavam em suas manchetes as implicações do rompimento da Barragem de Fundão em distintas áreas como meio ambiente, justiça, saúde e sociedade. Ressaltamos ainda que a estratégia utilizada, ou seja, as oficinas pedagógicas são entendidas neste trabalho como sendo “um tempo e um espaço para aprendizagem; um processo ativo de transformação recíproca entre sujeito e objeto; um caminho com alternativas, com equilibrações que nos aproximam progressivamente do objeto a conhecer” (VIEIRA; VOLQUIND, 2002, p.11).

Ainda nesse caminho, concordamos com Paviani e Fontana (2009) quando descrevem que:

Uma oficina é, pois, uma oportunidade de vivenciar situações concretas e significativas, baseada no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos pedagógicos. Nesse sentido, a metodologia da oficina muda o foco tradicional da aprendizagem (cognição), passando a incorporar a ação e a reflexão. Em outras palavras, numa oficina ocorrem apropriação, construção e produção de conhecimentos teóricos e práticos, de forma ativa e reflexiva (PAVIANI; FONTANA, 2009, p. 78).

Ademais, sendo as oficinas uma estratégia ampla e recorrente nas ações pedagógicas, tivemos nesta pesquisa a oportunidade, assim como em outros trabalhos (SILVA, 2009; ESPÍNDOLA; NODARI, 2011, SANTOS; MARIMON, 2014, SOUZA; LOUREIRO, 2014), de trabalhar uma temática que teve como elemento desencadeador as discussões sobre desastres ambientais.

Dessa forma, acreditamos que por meio da oficina com os jornais impressos parece que ensejamos um processo de ensino mais substancial e a emergência de uma aprendizagem a partir de uma prática sociomaterial (COUTINHO et al., 2014). Aprendizagem, aliás, que neste trabalho é tomada a partir dos preceitos teóricos da Teoria Ator-Rede (TAR), que assevera que aprender é “[...] traduzir e deixar-se afetar” (MELO, 2011, p. 180). Premissa esta que será pormenorizada em seções posteriores.

Portanto, é a partir deste contexto, que objetivamos neste trabalho apresentar as contribuições desta oficina no ensino e aprendizagem dos alunos evidenciando as translações entre estes e os demais actantes envolvidos na oficina.

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A TAR surgiu na França nos anos de 1970, tendo como principais autores Bruno Latour, Michel Callon, Joh Law, Madeleine Akrich, Andy Barry, Annemarie Mol, Antonie Hennion, dentre outros. Originalmente, a TAR emerge como uma teoria que não privilegia apenas os seres humanos nas relações ou associações, também denominadas por Law (1992) de ordenações3. Nesse caminho, propõe que os não humanos também são parte integrantes destes processos e possuem a mesma importância que os humanos. Logo, em linhas gerais a TAR emerge como uma nova proposta sociológica que dilui a dicotomia entre a natureza e o homem, e prioriza a investigação das associações, alianças, fluxos e agrupamentos (SCHLIECK; BORGES, 2018).

Por consequência, a partir desta concepção a utilizamos como referencial teórico-analítico com o qual analisamos as contribuições de uma oficina pedagógica com jornais impressos no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, sujeito desta pesquisa.

A partir da TAR apresentamos algumas concepções relevantes utilizadas neste trabalho. Começamos pelo conceito de actante, que é toda entidade que está no mundo, toda entidade que age e que pode deixar rastro (LATOUR, 2000). Nessa perspectiva, temos nesta pesquisa, por exemplo, os actantes alunos, jornais, professor, cadeiras, mesas, borrachas, etc.

À vista disso temos segundo Lostada e Lorençatto (2017) que:

[...] para a teoria, actante é tudo que gera uma ação, que produz movimento e diferença. Neste sentido, tanto humanos quanto não-humanos podem ser actantes; mas cada actante é sempre resultado de outras mediações e cada nova associação constituída age também na forma de um actante, afinal, a ação nunca é propriedade de um actante [...] (LOSTADA; LORENÇATTO, 2017, p. 4).

Outras concepções advindas da TAR também são descritas a seguir como: a simetria generalizada, as redes, a mediação e translação. De início temos a simetria generalizada. Tal concepção nos remete a considerar que “[...] não existem humanos dissociados de não humanos e vice-versa” (ALCADIPANI; TURETA, 2009, p. 651). A partir disso, tantos humanos como não humanos participam em conjunto de uma rede heterogênea não sendo nunca separados. Redes, aliás, é outra concepção aqui entendida como o “movimento” da associação, ou ainda, de acordo com Schlieck e Borges (2018):

[...] as conexões existentes entre diferentes actantes que interferem, influenciam e até modificam o comportamento um do outro, dependendo das associações que estabelecem. Neste mesmo sentido, Latour afirma que a importância não está apenas no sujeito (humano), ou no objeto (não-humano), mas na rede sociotécnica que eles promovem ao se relacionarem, a fim de traduzirem informações transformando-as em conhecimento (SCHLIECK; BORGES, 2018, p. 177).

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Nessa linha, apresentamos outra concepção segundo a TAR, trata-se da mediação, que para Latour (2004) é composta por entidades heterogêneas cercadas por muitas histórias. Ainda nesse caminho temos que “as instituições propiciam todas as mediações necessárias para o ator conservar uma substância duradoura e estável” (p. 350-351). A partir desta premissa temos que as entidades podem ser atores de fato ou meros intermediários4 nas redes.

Por fim destacamos os princípios da translação, que para Callon (1986a) é entendida como:

[...] o mecanismo pelo qual os mundos social e natural progressivamente ganham forma. O resultado é uma situação em que determinadas entidades controlam outras. Entender o que os sociólogos chamam geralmente de poder significa descrever a maneira pela qual são definidos os atores, associados e simultaneamente, obrigados a manterem-se fiéis às suas alianças. O repertório da translação não é apenas projetado para dar uma descrição simétrica e tolerante de um processo complexo que constantemente mistura em conjunto uma série de entidades sociais e naturais. Ele também permite uma explicação de como alguns poucos obtém o direito de expressar e representar os muitos atores silenciosos dos mundos social e natural que se mobilizaram (CALLON, 1986a, p. 19). Nessa perspectiva, Latour (1994) ainda assevera que a translação se refere aos mecanismos de produção de híbridos, ou seja, a mistura entre entidades humanas e não humanas. Diante disso, apresentadas as principais concepções da TAR, nos encontramos em condições para explorar a concepção de aprendizagem segundo os seus preceitos teóricos-analíticos.

A aprendizagem e a capacidade de “ser afetado” segundo a TAR

Embora não concebida como uma “nova” teoria da aprendizagem5

, a partir dos preceitos da TAR podemos conceber como o conhecimento é propiciado a partir dos fatos ou eventos ocorridos no mundo. Desse modo, a partir das redes e as translações entre os actantes, podemos analisar e descrever o papel que cada ator desempenha em situações de ensino. A partir destas translações os actantes agem mutuamente entre si, se associando, interagindo e formando alianças, em uma completa simbiose nas redes performadas.

Partindo dessa linha de pensamento entendemos a aprendizagem como um fenômeno multifacetado, híbrido, heterogêneo, resultante das associações e alianças entre os distintos actantes humanos e não humanos nas muitas redes performadas durante as translações. Para Coutinho et al. (2014) a aprendizagem “[...] não é

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Segundo a TAR, intermediário é qualquer coisa que se passa entre os actantes numa rede e que os auxilia a definir a relação entre eles (CALLON, 1991).

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A TAR não é concebida como uma nova Teoria da Aprendizagem, mas sim como uma nova teoria do conhecimento (COUTINHO et al, 2014).

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identificada como um atributo humano individual. Melhor, o conhecimento é gerado e distribuído através de assembleias e performances” (p. 388).

A partir desta constatação Mello (2011) ressalta que:

[...] “cada sujeito tem suas aprendizagens ligadas a uma rede que lhes dá sustentação e que se origina em vários coletivos”. Uma aprendizagem desconectada não se sustenta enquanto uma bagagem vivencial que possa vir a ser utilizada: aquele que está numa posição passiva de apenas receber o conhecimento pronto e “enlatado” fica impedido de realizar a sua tradução e de acrescentar a sua marca. O conhecimento estará irremediavelmente solto e sem sentido, sendo tão mais perecível quanto menos requerido for (MELO, 2011, p. 180).

Ainda nesta ótica destacamos as palavras de Latour (2002) sobre a aquisição da aprendizagem e as “afetações” entre os actantes:

[...] quando um indivíduo aprende, ele se deixa afetar e se torna cada vez mais diferenciado porque terá estabelecido mais e mais conexões, tornando-se mais interessante e enriquecido na relação com o seu entorno (uma rede de elementos variados e heterogêneos do qual ele também é parte). Se o conhecimento é concebido como o resultado de uma articulação e a aprendizagem como uma forma de se deixar afetar, de se deixar tocar em toda a materialidade do corpo, então poderíamos questionar as bases em que as aprendizagens são propostas, quando assentadas numa visão que separa o corpo do mundo e trabalha a transmissão de conhecimento como uma cópia a ser imitada (LATOUR, 2002, p.3).

Logo, tomadas as concepções sobre a aprendizagem na perspectiva da TAR, analisamos as contribuições de uma oficina pedagógica com jornais impressos no ensino e aprendizagem dos alunos. Nesse caminho, investigamos as associações, os fluxos e circulações a partir das interações entre as entidades na rede da oficina, além de analisar o caminho traçado pelos jornais até “afetar” os alunos.

Ressaltamos que a rede sociomaterial da oficina com jornais foi composta por distintos actantes: professor, alunos, jornais, papel, lápis, canetas, borrachas, mesas, entre outros. Pautados na TAR entendemos que o fenômeno da aprendizagem ocorrido na oficina foi tido como um “efeito” desta rede, uma vez que os seus vários actantes, humanos e não humanos se entremearam em uma extensa rede heterogênea, permitindo que por meio de diversas conexões que seus actantes fossem “afetados”.

Portanto, é a partir deste entendimento sobre a aprendizagem que a seguir descrevemos o caminho metodológico da oficina. Logo após, apresentamos e analisamos os episódios que evidenciaram os “caminhos” da aquisição da aprendizagem pelos alunos.

O caminho metodológico da oficina com os jornais

O presente trabalho foi realizado em uma escola pública da rede estadual de ensino localizada em uma cidade do interior de Minas Gerais. A turma em que as

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atividades da oficina foram desenvolvidas era do 3° ano do ensino médio, turno matutino, sendo composta por trinta e três estudantes. Destacamos que o primeiro autor da pesquisa é licenciado em Ciências Biológicas, com atuação em escolas da rede pública de ensino de MG.

Outra consideração nos remete a escolha dos participantes e do local da realização da oficina. Nessa linha, todo o processo de escolha dos participantes, seguiram as orientações éticas necessárias. Desta forma, primeiramente tivemos a aprovação do projeto de pesquisa no Conselho de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (CEP-UFOP) no ano de 2017, seguindo as premissas da Resolução CEPE 3693/2009 da UFOP. Em seguida, tivemos a anuência da escola que por meio da autorização de seu diretor autorizou a realização da pesquisa. Os alunos, os pais e ou responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a Resolução CNS 466/2012 na qual autorizavam a participação dos alunos. Nessa linha, estes pais ou responsáveis ainda assinaram um Termo de Autorização para a utilização da imagem e som dos alunos. Por fim, após estes termos assinados pelos pais, os alunos ainda assinaram um Termo de Assentimento, na qual atestavam seu desejo em participar das atividades da oficina.

Aqui, destacamos que o nosso corpus de análise foram provenientes de gravações em áudio e vídeo, arquivamento dos registros escritos, além da utilização de um caderno de campo pelo pesquisador.

Neste tocante, o caderno de campo segundo Meihy (2005) é:

[...] “um diário em que o roteiro prático seja anotado – quando foram feitos os contatos, quais os estágios para se chegar à pessoa entrevistada, como ocorreu a gravação, eventuais incidentes de percurso”. Ele deve ser produzido pelos responsáveis pela pesquisa e será de grande ajuda no momento da análise dos documentos. Também poderá ajudar outros pesquisadores, que porventura consultem as entrevistas, para dar-lhes condição de melhor compreender e avaliar o documento transcrito e o trabalho produzido (MEIHY, 2005, p. 187).

Tecidas tais considerações entendemos que a oficina com os jornais se apresentou como uma prática sociomaterial em que diversas foram as translações entre os actantes a partir das redes performadas. Dessa forma, em momento algum da oficina consideramos um actante por isolado, e sim o agrupamento deles, no caso alunos, jornais, professor, dentre outros.

A oficina teve quatro momentos em seus dois dias de aplicação conforme o Quadro 1:

Quadro 1: Visão geral da oficina com jornais

MOMENTOS DIAS ATIVIDADES

Integração dos grupos e a formação

inicial das redes.

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Fonte: os autores.

A partir deste quadro geral selecionamos, descrevemos e analisamos a seguir quatro episódios em que evidenciamos os momentos de translações entre os actantes das redes e, por conseguinte os “efeitos” destas redes na aprendizagem dos alunos. Direcionados por analisar as contribuições da oficina no ensino e na aprendizagem dos alunos, decorridas as mobilizações e associações entre os actantes, após a integração, mobilização, leitura, discussões e debates sobre as reportagens escolhidas temos que no primeiro episódio, apresentamos os movimentos iniciais de integração dos grupos e, por conseguinte, a formação das redes. No segundo, destacamos a introdução de um novo actante à oficina, no caso os jornais. No terceiro, evidenciamos as aprendizagens depreendidas após a leitura das reportagens sobre o desastre. Por fim, no quarto e último episódio ocorrido no segundo dia da oficina analisamos duas produções escritas em que expomos os desdobramentos dos efeitos das performances das redes na aprendizagem dos alunos.

Após a apresentação das nuances e momentos da oficina, analisamos a seguir os episódios em que evidenciamos as contribuições da oficina no ensino e aprendizagem dos alunos.

Análise dos episódios

A oficina pedagógica foi uma oportunidade de trabalharmos com as híbridas reportagens sobre o desastre do rompimento da barragem da Samarco em Bento Rodrigues que eram veiculadas nos jornais da Região dos Inconfidentes. Nessas reportagens, as implicações do desastre se conectavam aos prejuízos para a fauna e flora da região, a poluição do Rio Doce e a mudança de hábitos de tribos indígenas como os Krenak´s. Além disso, remetiam-se as indenizações aos atingidos e reparação ao meio ambiente, bem como a morosidade da justiça em punir os responsáveis pela tragédia, que se valem das brechas legislativas para impetrar inúmeros recursos judiciais e não cumprir com as decisões do judiciário.

A partir do contexto apresentado, observamos as diversas entidades associadas a este desastre, em uma complexa teia de elementos que envolvem aspectos da natureza, da economia, da sociedade, da justiça e da política. Para tanto, e amparados nas palavras de Latour (1994), asseveramos que os jornais tentam abordar assuntos específicos em suas matérias, entretanto, acabam fazendo o inverso, misturando assuntos e atores em matérias totalmente híbridas.

rede da oficina.

A aquisição da aprendizagem a partir

da leitura das reportagens.

2° dia da Oficina Novas aprendizagens a partir das produções escritas.

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Deste modo apresentamos a seguir o início da formação das redes performadas na oficina com os jornais. Ressaltamos que os nomes apresentados nos trechos de fala são fictícios e que o professor também é entendido neste trabalho como um “construtor”. 1° Momento: integração dos grupos e a formação inicial das redes

Os momentos iniciais da oficina foram cercados de muita expectativa pelos alunos que não paravam quietos em seus lugares. Com a classe estabilizada o professor6 explicou sobre o que ocorreria naquela manhã, dizendo que seria uma aula “diferente”. Em seguida solicitou que os alunos se integrassem em quartetos de maneira aleatória. Dessa forma, oito quartetos foram formados (1 a 8). Dando prosseguimento, o professor fez a primeira provocação aos alunos os indagando sobre o que foi o desastre da Samarco. A partir desta indagação tivemos um leque de respostas em que foi destacado o número de vítimas fatais, o de desaparecidos, o retorno das operações da empresa na região, bem como o número de empregos gerados caso a empresa realmente retornasse suas atividades conforme trecho abaixo:

Professor: Como o tema dessa oficina é sobre o desastre da Samarco, a gente vai começar fazendo um levantamento de informações sobre o que vocês sabem sobre o desastre da Samarco. Então, a primeira coisa que a gente precisa é fazer esse levantamento. Então vocês da forma que estão em grupo, eu preciso que cada um levante a mão e vai falando o que sabe, o que você sabe sobre o ocorrido lá no, desse rompimento da barragem de Mariana. Quem quer começar?

Clara (grupo 1): É. Foram mais de acho que 19 mortos ao todo assim. Professor: 19 mortos?

Clara: 19 mortos ao todo e 1 desaparecido não sei se encontraram. Professor: Ok.

Maria Teresa (grupo 2): Fiquei sabendo que a Samarco vai voltar a funcionar em Mariana.

Professor: Vai voltar a funcionar? Sabe a fonte que você leu?

Maria Teresa: É porque meu pai trabalha na mineração e estava comentando isso lá em casa.

Professor: Entendi.

Maria Teresa: Que vai gerar 14 mil empregos. Professor: Ótimo.

A partir deste trecho de fala, observamos a mobilização inicial do professor com vistas à exposição de informações sobre o desastre. Ressaltamos que o professor dá início à formação da rede híbrida de elementos a partir do momento que orienta os alunos a formar os quartetos, a levantar as mãos quando perguntados, além de provocá-los a falarem a respeito do desastre.

Constatamos que Clara (grupo 1) foi a primeira a responder sobre o que foi o desastre da Samarco. Salientamos que a timidez era aparente entre os quartetos e poucos se manifestavam até então. Foi a partir da resposta da Clara, que os demais

6

Aqui, destacamos que o professor mobilizador das atividades da oficina é licenciado em Ciências Biológicas, lecionando há quase uma década em sistemas de ensino da rede privada e pública de ensino.

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grupos se mobilizaram e também se manifestaram a respeito do desastre, o que (CALLON, 1986b) denomina de “momentos de translação”.

Os momentos de translação se perfazem como àqueles em que os actantes se inter-relacionam com os outros actantes das redes, no caso deste episódio, Clara e os demais grupos. A partir destas inter-relações podemos analisar e descrever seus resultados, uma vez que são estas inter-relações que sustentam o coletivo, além de manter as redes em movimento. Segundo Latour (2016) não importa quem realiza o movimento de translação, o importante é que ele aconteça.

Posto isso, nos amparamos em Latour (2012) que afirma que um grupo sempre tem um “porta-voz” que fala em nome dos outros, como nas palavras de Clara. Ainda nessa perspectiva, também nos apoiamos nesse autor que atesta que é a partir das discussões de um evento, como o desastre, que se formam os grupos e antigrupos7.

Tomando ainda o trecho de fala apresentado entendemos que Maria Teresa (grupo

2) não deu prioridade a indagação do professor e desviou sua resposta para as

possibilidades de retorno da empresa na região e, por conseguinte, a geração de empregos que tal fato acometerá. Desta forma, Maria Teresa por meio de sua resposta redireciona a indagação do professor e apresenta uma nova questão ao debate voltada ao pós-desastre.

A seguir apresentamos o diagrama 1, pelo qual representamos a provocação inicial do professor sobre o que foi o desastre da Samarco, bem como o desvio apresentado a partir de sua indagação.

Diagrama 1: Mobilização inicial do professor com vistas à formação das redes

Fonte: os autores.

O diagrama acima nos apresenta o momento de provocação do professor aos alunos sobre o que foi o desastre da Samarco. A partir desta mobilização, os alunos começaram a explanar suas opiniões, além de discutir e debater as implicações e possíveis soluções para este desastre socioambiental. Nesse caminho, ainda observamos o desvio realizado por uma aluna (Maria Teresa), que não focou na indagação feita pelo

7

Os grupos e antigrupos possuem natureza opostas e são formados a partir uma discussão ou debate. Dessa forma, temos pontos e contrapontos apresentados pelos actantes a partir das inúmeras conexões dentro de uma rede performada.

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professor e voltou sua atenção para o retorno das atividades da empresa na região e, por conseguinte a geração de empregos.

2° Momento: introdução das matérias de jornais a rede da oficina

Nesse segundo episódio analisamos a inserção do actante jornal na oficina, que ocorreu logo após as discussões e debates iniciais sobre o desastre. Ressaltamos que as reportagens, que foram previamente escolhidas e posteriormente distribuídas aleatoriamente pelo professor, apresentavam alguma implicação do desastre no âmbito do meio ambiente, saúde, justiça, sociedade, economia dentre outras. Ressaltamos ainda que as reportagens eram de jornais que circulavam periódica e gratuitamente nas cidades de Ouro Preto, Mariana e Itabirito, denominada de região dos Inconfidentes.

A seguir, apresentamos o quadro 2 em que as reportagens utilizadas na oficina são pormenorizadas, em que destacamos a manchete, a temática abordada e o grupo contemplado com a reportagem.

Quadro 2: As reportagens utilizadas na oficina

GRUPO JORNAL MANCHETE ASPECTO

ABORDADO NA REPORTAGEM 1 Jornal Tribuna Livre “Samarco entrega para

comunidade de Barra Longa a Praça Manoel Lino Mol”

Obras entregues pela Samarco à população da cidade de Barra Longa. 2 Jornal A Sirene: para não se esquecer “Declaração de amor a

Paracatu” Manifestação moradores após um dos ano do desastre no subdistrito de Paracatu. 3 Jornal O Liberal “Justiça de Mariana volta a

julgar ação para indenizar atingidos por desastre em

Bento Rodrigues”

Ação judicial contra a empresa Samarco.

4 Jornal O mundo dos Inconfidentes

“Instalado o comitê que vai acompanhar as ações de recuperação do Rio Doce”

Ações de recuperação do Rio Doce.

5 Jornal O Liberal “Moradores e autoridades se unem pró-Samarco”

Moradores da cidade de Mariana se manifestam para o retorno das atividades da empresa na cidade. 6 Jornal O Liberal “Pela volta da geração de

empregos” O prefeito de Mariana se reúne com o

presidente da

República, com vistas ao retorno da Samarco. 7 Jornal A Sirene:

para não se esquecer

“O laudo de Sofya” Apresenta os danos aos moradores pela poeira de rejeitos de

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minério na cidade de Barra Longa.

8 Jornal O Liberal “Possibilidade de reconstrução do Bento traz

esperanças a antigos moradores” Mostra os possíveis locais para a reconstrução de Bento Rodrigues. Fonte: os autores.

Após pormenorizarmos as reportagens distribuídas aos grupos, apresentamos o diagrama 2 logo abaixo. Dessa forma, temos que a rede de elementos da oficina se “avolumou” com a inserção do actante jornal que juntamente com os demais actantes se conectaram e entreamaram no decorrer das atividades da oficina.

Diagrama 2: a inserção do actante jornal à oficina

Fonte: os autores.

Neste diagrama, um novo actante se entremeou à rede da oficina: os jornais (seta tracejada verde). Estes jornais traziam em suas manchetes reportagens com implicações do desastre para o meio ambiente, a sociedade, a economia, a saúde, bem como a justiça (setas em curvas azuis). Entendemos que este novo actante juntamente com os outros actantes (grupos de 1 a 8) e o professor, por meio de suas muitas mobilizações, foram capazes de estabelecer um novo elemento híbrido de natureza, cultura e conhecimento, perfazendo um indivíduo capaz de produz algo novo e fazer a diferença.

Dessa forma, acreditamos que também como efeitos destas associações, os jornais foram elementos responsáveis pelas inúmeras “afetações” das entidades nas redes o que foi essencial para a aquisição da aprendizagem dos alunos que será melhor detalhada a seguir.

3° Momento: a aquisição da aprendizagem a partir da leitura das reportagens

Após a distribuição das reportagens e, por conseguinte a leitura em voz baixa pelos grupos, o professor fez uma nova mobilização aos alunos conforme trecho abaixo:

Professor: O turma então vamos lá. Galera, prestem atenção por favor. Todos os grupos por favor. Primeira pergunta: agora eu quero que vocês

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analisem a matéria que vocês leram com as perguntas que eu vou fazer agora para cada grupo poder responder. Ok?

A partir do trecho apresentado observamos que na busca de “pistas” sobre o desastre e na perspectiva de ser “afetado” pelos jornais, o professor solicitou que os alunos explorassem as reportagens.

Em seguida, o professor faz uma indagação a respeito da reportagem conforme trecho de fala a seguir:

Professor: A primeira pergunta: será que a manchete se nota um ponto de vista sobre o fato a ser relatado ou trata-se de uma matéria isenta? A matéria que vocês estão, a reportagem que vocês estão com ela na mesa, é uma reportagem que tá isenta, parece que não tomou nenhum partido ou dá pra ver que ela é tendenciosa pra algum lado? Eu preciso da opinião de cada grupo pra eu poder ir explicando.

Alice (grupo 1): Aqui não tá ajudando ninguém, nem falando que é crime nem nada. Só tá falando que estão arrumando os direitos pra eles.

Notamos que a partir da resposta da Alice, ela buscou “pistas” na entidade jornal para responder, discutir e debater sobre a indagação feita pelo professor. Desta forma,

Alice estabeleceu uma relação com o jornal, performando uma rede com elementos

presentes na reportagem do jornal, podendo ainda ter se valido dos elementos apresentados nas discussões e debates anteriores. Logo, a partir das associações destes elementos Alice formulou sua argumentação a respeito do que foi o desastre.

Nesse contexto, Alice apresentou um entendimento distinto do que foi veiculado na reportagem. Assim sendo, entendemos assim como Coutinho et al. (2017), que a aquisição dessa nova aprendizagem foi devido a Alice ter sido “afetada” pelo jornal. Em outras palavras, Alice ao ler e refletir que a reportagem não traz o desastre nem como crime ou similar, poderia se contentar apenas com a forma de “pensar” apresentada pela reportagem em que o rompimento da Barragem de Fundão foi tratado como um “acidente”.

Dessa forma, notamos o quão a reportagem do jornal afetou Alice, que a partir dessa possível concepção de “acidente” veiculada pelo jornal dissemina na oficina e entre os actantes uma posição contrária, tratando desta forma o rompimento da Barragem de Fundão como um crime. Tal performance de Alice mobilizou os grupos a ter novas discussões e reflexões perante as intencionalidades trazidas nas outras reportagens da oficina. Acreditamos que a partir destas discussões preconizadas por Alice, a rede híbrida de elementos foi se avolumando e novas “afetações” foram ocorrendo a caminho da aquisição de novas aprendizagens sobre o desastre pelos outros alunos.

4° Momento: novas aprendizagens a partir das produções escritas

O segundo dia da oficina teve seu início com o restabelecimento dos grupos formados no dia anterior. Nessa linha, o professor redistribuiu as reportagens, além de folhas de papel ofício aos alunos. Com a turma em silêncio, o professor explicou como seria o segundo dia da oficina, conforme trecho de fala a seguir:

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Professor: A proposta de hoje é o seguinte: vocês façam um texto cada um individualmente, individualmente assim na escrita, mas pode compartilhar as ideias. O tema dela vai ser “O que foi o desastre da Samarco?”. Pra você o que foi o desastre da Samarco? Você pode tomar como referência o grupo de discussão, o debate que teve ontem, a reportagem e os conhecimentos que você já tem. Ai eu preciso que vocês criam esse texto, é sobre o que foi o desastre da Samarco? Ok? Preciso que coloquem o nome na folha de vocês. Vocês têm em torno de trinta minutos pra fazerem.

Observamos que o professor a partir de suas orientações retomou a rede de elementos formada no dia anterior, entretanto, ao invés de discussões e debates entre os grupos, desta vez os alunos produziram um texto do gênero notícia8. Ressaltamos que durante as produções escritas dos alunos, estas foram cercadas de muitos cuidados e preocupações para que um texto final de qualidade fosse bem elaborado, conforme texto a seguir.

Ariel (grupo 5): “Inicialmente eu pensava que foi um desastre natural, mas depois de toda repercussão vi que realmente era um crime precisamente. Foi um terrível acontecimento no dia 5 de novembro, numa quinta onde tudo aconteceu. O maior desastre de Mariana foi onde tudo ocorreu, destruindo sonhos e a vida dos atingidos. Os locais mais atingidos foram os distritos de Mariana, como Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Barra Longa entre outros. A barragem que se rompeu chama-se barragem de Fundão que pertence a Samarco mineração mais vale lembrar que a Vale e a PHP mineração também jogavam seus rejeitos nela. Contudo este rompimento originou várias consequências como a perda total de bens dos atingidos, desalojamento lembrando que a prefeitura de Mariana e a Samarco deu assistência de moradia, não como eles queriam mas foi feito. Atualmente quase não se fala desse acontecimento drástico, mas pelas próprias informações que tenho, os atingidos estão sendo aos poucos ressarcidos dos prejuízos e soma-se a isto o planejamento de uma nova cidade de Bento Rodrigues, para reunir novamente a comunidade. O importante é que a Samarco está arcando com todas as responsabilidades e o que é mais necessário para os atingidos que também teve prejuízos e abalos psicológicos. Torna-se assim esquematizar todas as necessidades e tentar desenvolver o máximo de ajuda a estes moradores. Retomando a tragédia em si tem-se como 19 mortos no período do acontecimento os bombeiros e toda cunha trabalhista investigadora, tiveram muito trabalho para achar os mortos em todo lamaçal que estavam soterrados. No dia do rompimento não houve nenhum alarme sonoro para alertar o que estava acontecendo, foram os próprios moradores responsáveis por avisar este ocorrido que foi dito”. A partir da produção escrita de Ariel, entendemos que aluna e jornal se entremearam mutuamente9, em um processo de translação em que fica evidenciado o poder de “afetação” dos jornais.

Nessa perspectiva, temos que Ariel afirma que seu entendimento inicial do rompimento da barragem era de apenas um “desastre natural”. Acreditamos que esse

8 Entendemos notícia como sendo uma informação narrativa e descrita de algum evento e que pode se “[...]

relatar, argumentar, expor ou descrever ações” (RIBEIRO, 2013, p.6).

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entendimento pode ser devido à forma de pensamento veiculada principalmente pelas mídias, que após o rompimento tratou muito das vezes o rompimento como “acidente” ou um “desastre” de ordem natural, retirando dessa forma toda a culpa da empresa responsável pela tragédia.

Nesse ponto, evidenciamos que o jornal “afetou” a aluna e esta não se apropriou de uma forma de pensamento defendida pelo jornal na matéria, apresentando dessa forma uma nova aprendizagem decorrida de sua interação com o jornal e provavelmente dos momentos desenvolvidos no primeiro dia da oficina como os debates e as discussões.

A partir desta perspectiva destacamos a seguir mais uma produção escrita:

Laís (grupo 7): “No dia 5 de novembro de 2015 aconteceu umas das maiores tragédias ambientais no Brasil. A barragem de Fundão, distrito de Bento Rodrigues em Mariana, rompeu-se, deixando centenas de desabrigados. Onde não puderam, perderam não só suas casas, mas sua cidade e suas antigas vidas. A lama que devastou este distrito afetou várias cidades vizinhas e várias cidades onde dependem do rio Doce para sobreviver. As águas dos rios que eram límpidas ficaram com uma tonalidade escura e barrosa, onde milhares de peixes intoxicados e sem poder respirar boiavam pelas margens mortos. Apesar de já terem passados quase dois anos dessa tragédia quem passa pelo distrito de Bento Rodrigues vê apenas lama seca e destruição, nada ainda foi feito e ninguém pode retornar ao seu lar, com a certeza que poderiam retomar a suas antigas vidas. Entretanto, os responsáveis junto com as autoridades pensam que se a empresa voltar a funcionar, milhares de empregos serão gerados e aquela situação de tragédia poderá ser revertida”.

A partir da produção de Laís, entendemos que foram muitas as “afetações” a partir das translações entre o jornal, aluna e demais grupos. Nesse caminho, destacamos o trecho que Laís ressalta que “As águas dos rios que eram límpidas ficaram com uma

tonalidade escura e barrosa, onde milhares de peixes intoxicados e sem poder respirar boiavam pelas margens mortos”. Asseveramos que a construção dessa premissa foi

performada desde o primeiro dia da oficina, em que muitos subsídios a respeito das implicações do desastre para com o meio ambiente foram discutidas. Ademais, ainda tivemos matérias de jornais distribuídas aos grupos que também chamavam a atenção para as consequências que o meio ambiente estão sofrendo pós-desastre.

Deste modo, temos que a aprendizagem de Laís foi decorrente dos desdobramentos dos arranjos e rearranjos na rede da oficina, e a capacidade de “afetação” dos jornais. Por fim, destacamos mais um trecho do texto de Laís, em que ela relatou que “Apesar de já terem passados quase dois anos dessa tragédia quem passa

pelo distrito de Bento Rodrigues vê apenas lama seca e destruição, nada ainda foi feito e ninguém pode retornar ao seu lar, com a certeza que poderiam retomar a suas antigas vidas”.

Acreditamos que tal construção também foi um efeito das interações, alianças, associações e conexões entre as entidades das redes que foram mobilizadas desde o primeiro momento da oficina. Dessa maneira, Laís utilizou-se de diversos subsídios que

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foram debatidos, discutidos e lidos por meio das reportagens que envolveram a reconstrução de um “novo” Bento Rodrigues e, por conseguinte, o reassentamento dos atingidos. Algo, aliás, que passados cinco anos não ocorreu até o momento.

A partir das produções escritas por Ariel e Laís, defendemos aqui como Coutinho et

al. (2014), que a aquisição da aprendizagem destas alunas não se deu por pensamentos

pré-estabelecidos, como os que foram veiculados pelas reportagens dos jornais. Entendemos que esta aprendizagem foi decorrente dos desdobramentos dos efeitos das performances das redes, premissa esta que fomos apresentando desde a análise do primeiro episódio em que as redes tiveram seu início.

Portanto, balizados na TAR, temos que a partir dos episódios analisados, defendemos que a oficina com jornais contribuiu para com o ensino e aprendizagem dos alunos. Dessa forma, entendemos que os jornais contribuíram para que os alunos fossem “afetados” e novas aprendizagens fossem propiciadas a partir das práticas sociomateriais desenvolvidas. Nessa perspectiva, tomamos ainda os jornais como elementos co-extensivos aos alunos, sendo determinantes nos processos e nas relações durante as translações na prática educacional adotada.

Considerações finais

A presente pesquisa nos remeteu a analisar as contribuições de uma oficina pedagógica com reportagens de jornais sobre o rompimento da Barragem de Fundão, ocorrida em 2015, para com o ensino e aprendizagem de alunos de uma turma do 3°ano do ensino médio. Dessa forma, nos amparamos nos preceitos teórico-analíticos de Bruno Latour sobre a Teoria Ator-Rede, em que os objetos, com ênfase nesta pesquisa para os jornais, possuíram a mesma importância que os outros elementos, como alunos e professor, além de ter sido analisada em um mesmo plano ontológico.

Nesse caminho, este trabalho apresentou ainda os principais conceitos da TAR, além de ter enfatizado o conceito de aprendizagem segundo a perspectiva latouriana. Logo, apresentamos e analisamos os episódios em que as mediações e, por conseguinte, as translações ocorreram entre as entidades da rede.

A partir dos dados obtidos, destacamos como os jornais “afetaram” os alunos e os auxiliaram em novas aprendizagens seja por meio das discussões ou debates, ou por meio das produções escritas. Nesse sentido, acreditamos que a oficina com os jornais teve seu propósito atendido, ou seja, conceber o rompimento da barragem como um “desastre” ou “crime” provocado pela empresa Samarco e não apenas como um mero “acidente”. Ainda, proporcionou aos alunos serem participantes ativos de seu processo de ensino (o aluno não ensina) e aprendizagem, além do desenvolvimento de outras habilidades e competências.

Ademais, o desenvolvimento da oficina com os jornais nos possibilitou avaliar o nosso produto educacional, no caso, um caderno de oficina para professores da educação básica com o intuito na produção de textos jornalísticos. Desta forma, entendemos que por meio do evento o caderno instigou nos alunos distintos pontos de

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vistas com relação as nuances de uma das piores tragédias socioambientais ocorridas no mundo. Enfatizamos ainda a importância dos jornais que se perfizeram em um relevante elemento nas práticas sociomateriais ocorridas durante a oficina, uma vez que propiciou aos actantes da rede, analisar, discutir, debater e refletir sobre a temática em questão.

Portanto, a partir deste trabalho defendemos a nossa concepção de que novas pesquisas no âmbito da academia devem levar os elementos não humanos em consideração no desenvolvimento de uma prática pedagógica. Assim sendo, assumimos que a partir das alianças, fluxos, mobilizações e translações entre os actantes os alunos poderão “ser afetados” com vistas às novas aprendizagens.

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