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Sintomas somatoformes em medicina de família: um estudo descritivo da incidência e evolução em uma unidade de saúde familiar de Portugal

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Sintomas somatoformes em medicina de família: um estudo descritivo da

incidência e evolução em uma unidade de saúde familiar de Portugal

Somatoform symptoms in family medicine: a descriptive study of incidence and outcome in a family

health center in Portugal

Síntomas somatomorfos en medicina familiar: un estudio descriptivo de la incidencia y evolución

en un centro de salud familiar de Portugal

José Mendes Nunes. Universidade Nova de Lisboa (UNL). Lisboa, Portugal. josemendesnunes@gmail.com (Autor correspondente) John Yaphe. Universidade do Minho (UM). Braga, Portugal. yonahyaphe@hotmail.com

Isabel Santos. Universidade Nova de Lisboa (UNL). Lisboa, Portugal. isabel.santos@fcm.unl.pt

Como citar: Nunes JM, Yaphe J, Santos I. Sintomas somatoformes em medicina de família: um

estudo descritivo da incidência e evolução em uma unidade de saúde familiar de Portugal. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(28):164-71. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5712/ rbmfc8(28)652 Palavras-chave: Sinais e Sintomas Transtornos Somatoformes Medicina de Família e Comunidade Keywords:

Signs and Symptoms Somatoform Disorders Family Practice

Resumo

Objetivo: O presente estudo objetivou avaliar a proporção de pacientes com queixas físicas, sem explicação orgânica, que foram identificados pelos médicos de família de uma unidade prestadora de cuidados de saúde primários de uma zona urbana de Portugal. Além disso, pretendeu-se avaliar a evolução deste tipo de queixas após 6 meses de observação. Métodos: Durante uma semana, oito médicos de família identificaram os pacientes que consultaram e que apresentaram queixas físicas para as quais não previam uma justificativa orgânica. Seis meses depois, os pacientes foram avaliados quanto à evolução dos seus sintomas. Resultados: Em 864 consultas, 73 (8%) pacientes apresentaram queixas físicas para as quais não havia previsão de explicação orgânica. Estes tinham maior probabilidade de terem depressão, ansiedade e síndrome do cólon irritável. Depois de 6 meses, apenas em 3 pacientes, foi identificada uma doença orgânica e 21 (33%) mantiveram-se com sintomas inalterados ou agravados. Conclusões: Os pacientes com sintomas físicos sem doença orgânica são frequentes nas consultas de medicina familiar. A maioria evolui para a remissão completa e o clínico tem uma pequena probabilidade de omitir um diagnóstico orgânico.

Abstract

Objective: This study aimed to estimate the proportion of patients with physical complaints, not attributable to organic causes, presented to family physicians working in an urban Portuguese primary care center and to evaluate the outcome of these clinical cases after 6 months of observation. Methods: For a week, eight family physicians were asked to identify consulting patients whose physical complaints did not seem to have organic causes. These patients were re-evaluated six months later to determine the outcome of their symptoms. Results: The eight physicians conducted 864 appointments during the study period and identified 73 patients (8%) with physical complaints for which no organic explanation was found. These patients were more likely to suffer from depression, anxiety, headache, and irritable bowel syndrome. After six months of follow-up, an organic cause was identified in only three of these patients, while 21 out of 73 patients (33%) had persistent unexplained symptoms. Conclusions: Patients with unexplained physical symptoms are frequently encountered in family practice. Most symptons resolve completely and clinicians have a small probability of missing a significant organic diagnosis in these patients.

Resumen

Objetivo: El presente estudio buscó evaluar la proporción de pacientes con síntomas físicos sin explicación orgánica, identificados por los médicos de medicina familiar que trabajan en una unidad de atención primaria de la salud en una zona urbana de Portugal. Además se pretendió evaluar la evolución de este tipo de quejas después de 6 meses de observación. Métodos: Durante una semana, ocho médicos de medicina familiar identificaron los pacientes que refirieron problemas físicos para los cuales no se encontró justificativa orgánica. Seis meses después, los pacientes fueron evaluados con relación a la evolución de sus síntomas. Resultados: En 864 consultas, 73 (8%) eran pacientes con síntomas físicos para los que no se encontró explicación orgánica. Estos eran más propensos a tener depresión, ansiedad y síndrome de intestino irritable. Después de 6 meses, una enfermedad orgánica fue diagnosticada en sólo 3 pacientes y los síntomas se mantuvieron inalterados o sin agravarse en 21 pacientes (33%). Conclusiones: Los pacientes con síntomas físicos sin enfermedad orgánica son frecuentes en las consultas de medicina familiar. La mayor parte evoluciona hacia la remisión completa y el clínico tiene una pequeña probabilidad de omitir un diagnóstico orgánico.

Parecer CEP: FCM-UNL de

28/07/2011.

Conflito de interesses:

declaram não haver. Recebido em: 16/01/2013 Aprovado em: 25/05/2013 Palabras clave: Signos y Síntomas Trastornos Somatoformes Medicina Familiar y Comunitaria

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Introdução

Sintomas somatoformes são queixas físicas não explicadas por uma doença orgânica e que motivam a procura por cuidados de saúde, independentemente de poderem fazer parte de síndromes funcionais ou de outras perturbações psicopatológicas, sendo considerados sinônimos do que a literatura anglo-saxônica designa como Medically Unexplained Physical Symptoms (MUPS)1.

Em Medicina Geral e Familiar, em 15% a 39% das consultas, pacientes referem sintomas físicos como queixa principal, para os quais o médico não identifica uma causa orgânica2-4. Estes valores referem-se aos casos identificados e notificados

pelos próprios clínicos, tendo como denominador o número de consultas realizadas, e não traduzem a prevalência na população que vem à consulta e muito menos na população em geral. Com efeito, utilizando questionários aplicados antes da consulta, a frequência deste tipo de pacientes aumenta para 35% a 80%2,5,6. Contudo, desconhece-se o seu valor na

população portuguesa.

Este tipo de paciente é mais frequente em clínica geral, mas também tem elevada representação nas consultas de medicina interna (22%)7, psiquiatria de ligação (9,5%)8 e nos hiperutilizadores de consultas hospitalares (27%)9.

Os sintomas somatoformes, embora não sejam causa de morte e em cerca de 80% dos casos tenham remissão completa10-12,

assumem um importante peso nos cuidados de saúde primários pela sua frequência e pela necessidade de intervenções específicas e exigentes em termos formativos. Por outro lado, os restantes 20% que evoluem para a cronicidade, levam à hiperutilização dos serviços de saúde, tendo maior probabilidade de virem a sofrer de perturbação psicológica, incapacidade, mal-estar, insatisfação, medicalização, iatrogenia e custos econômicos12,13. O medo de cometer o erro de não identificar

um diagnóstico existente, pode levar os clínicos a intervenções que favorecem a evolução desfavorável. A incapacidade de reconhecer as necessidades específicas destes pacientes e de proceder de outro modo (que não seja a prescrição e pedidos de exames complementares de diagnóstico) induz, nos clínicos, frustração e tendência para classificá-los como doentes somatizadores ou difíceis14.

No presente estudo, pretende-se conhecer a proporção de consultas a pacientes com queixas somatoformes em medicina geral e familiar de uma unidade de saúde familiar (USF) urbana e conhecer a sua evolução 6 meses após a consulta inicial.

Métodos

Estudo transversal observacional com amostra de conveniência de pacientes com queixas classificadas pelos respectivos médicos como somatoformes.

Durante uma semana, no mês de outubro de 2008, oito clínicos registraram o total de consultas face a face. Os clínicos participantes prestam cuidados globais a crianças e adultos e correspondem à totalidade dos médicos de uma unidade de cuidados de saúde primários de uma zona urbana de Portugal.

Fez-se reunião com todos os clínicos e, nela, foi explicado pelo primeiro autor a metodologia e os objetivos do estudo. Identificaram-se os doentes que apresentaram sintomas para os quais o médico, segundo o seu julgamento, não antecipou uma explicação física que justificasse os sintomas. Para cada paciente que se encontrava nessas condições, os médicos preencheram uma ficha de notificação. Desta ficha constava uma lista com os 19 sintomas do Questionário de Manifestações Físicas de Mal-estar (QMFME), além de o clínico ter liberdade de registrar quaisquer outros sintomas físicos15. O QMFME

encontra-se disponível em: http//www.fpce.up.pt/docentes/paisribeiro/testes/manual.htm. Seis meses após esta reunião, cada clínico avaliou a evolução dos sintomas por meio da consulta do respectivo processo clínico ou, não havendo consulta recente, por meio de convocatória para consulta ou contato telefônico. Os dados referentes ao gênero e a comorbidade foram notificados. As variáveis demográficas e clínicas dos pacientes com e sem sintomas somatoformes foram comparadas utilizando o teste quiquadrado com um nível de significância de 0,05.

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Resultados

Durante o período de observação, os clínicos fizeram 864 consultas diretas, ou seja, 108 consultas por médico ou 21,6 consultas/médico/dia. Nestas consultas, segundo o critério do médico, 73 foram realizadas com pacientes que referiam sintomas físicos não explicados por meio de diagnósticos de doença orgânica, o que correspondeu a 8% das consultas. Cada um dos pacientes foi observado apenas uma vez na semana inicial do estudo.

Os dados demográficos da população em estudo e daquela que foi à consulta durante a semana de notificação de pacientes encontram-se na Tabela 1. Dos 73 pacientes com sintomas somatoformes (PSS) 71% eram do gênero feminino e 29% do masculino.

Quanto à idade e gênero, não se encontrou diferença significativa nos pacientes com e sem sintomas somatoformes. O Sistema de Apoio ao Médico (SAM) e o Sistema de Informação para as Unidades de Saúde (SINUS) foram as fontes de dados dos pacientes sem sintomas somatoformes enquanto que, para aqueles com sintomas, os dados foram obtidos por questionamento direto. Devido a isso, os omissos em relação à escolaridade e ao estado civil foram muito elevados no grupo dos sem sintomas, o que não possibilitou a comparação entre os dois grupos quanto a estes atributos. Quanto ao nível de escolaridade dos PSS, 49% tinham o 12º ano ou mais anos de estudo e apenas 3% tinham menos que o 4º ano, mas todos se consideravam capazes de ler.

Quanto ao estado civil dos PSS, o mais frequente foi casado, com 63%; seguido por 15% de solteiros; 14% divorciados; e 7% de viúvos.

Tabela 1. Características demográficas dos pacientes observados, na semana de notificação, com e sem sintomas somatoformes. Com SS (n = 73) Sem SS (n = 676)

p Odds Ratio (IC**** a 95%)

n n Idade (anos) Mediana 56,0 57,0 0,3* na Amplitude interquartil 42,0-65,8 37,0-71,0 Gênero Feminino 52 (71,2%) 436 (64,5%) 0,3** 1,36 Masculino 21 (28,8%) 241 (35,5%) (0,80-2,31) Estado civil Casado 46 (63%) 101 (14,9%) <0,001** na Solteiro 11 (15%) 9 (1,3%) Divorciado 10 (14%) 2 (0,3%) Viúvo 5 (7%) 17 (2,5%) Desconhecido 1 (1%) 547 (80,9%) Escolaridade (anos) <4 2 (2,7%) 47 (7%) <0,001** na 4-11 33 (45,2%) 328 (48,5%) >11 36 (49,3%) 96 (14,3%) Omisso 2 (2,7%) 205 (29,6%) Situação laboral Ativo 44 (60,3%) 307 (45,4%) 0,02** na Aposentado 23 (31,5%) 264 (39,1%) Desempregado 5 (6,8%) 105 (15,5%) Omisso 1 (1,4%) 0 Comorbidades Hipertensão 29 (39,7%) 287 (42,5%) 0,7** 0,89 (0,55-1,46) Depressão 24 (32,9%) 76 (11,2%) <0,001** 3,87 (2,25-6,66) Ansiedade 23 (31,5%) 65 (9,6%) <0,001** 4,32 (2,48-7,54) Cefaleia de tensão 14 (19,2%) 25 (3,7%) <0,0001*** 6,18 (3,05-12,52) Cólon irritável 13 (17,8%) 18 (2,7%) <0,0001*** 7,92 (3,70-16,95)

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Quanto à situação laboral dos PSS, 60% estavam ativos; 32% estavam aposentados; e 7% desempregados. O grupo de pacientes sem sintomas teve, comparativamente com os PSS, mais desempregados e aposentados (diferença estatisticamente significativa), entretanto, os momentos de coleta dos dados não foram os mesmos para as duas amostras.

A maioria dos PSS (67%) tinha três ou menos sintomas: 19% com um sintoma; 21% com 2 sintomas; 27% com três sintomas; e 34% tinham mais de três sintomas (Tabela 2).

Figura 1. Frequência de sintomas somatoformes na consulta. Tabela 2. Número de sintomas físicos por PSS.

Sintomas/paciente n (%) 1-2 29 (40%) 3-4 26 (36%) 5-6 7 (9%) 7-8 6 (8%) >8 5 (6%)

Os sintomas mais frequentes foram as dores de cabeça e a fadiga em 42% dos pacientes. As dores nas costas apareceram em terceiro lugar, com 32%, enquanto a insônia foi referida por 26% dos pacientes (Figura 1). O sintoma outros se referiu a 25 sintomas que não constavam da lista do QMFME, como dificuldades de concentração e dores pélvicas, mencionados 3 vezes e todos os restantes mencionados duas ou uma vez.

A escuta foi um procedimento que os clínicos consideraram ter feito praticamente na totalidade dos pacientes (99%). A escuta ativa, neste contexto, foi definida como a atitude consciente de que o médico deu uma atenção particular em escutar o paciente. Conforme descrito na Tabela 3, o exame físico foi realizado em 66% dos casos e para 33% dos pacientes foram prescritos um ou mais medicamentos. Os exames complementares de diagnóstico foram requisitados a 60% dos pacientes, enquanto a referenciação a outros serviços de saúde ocorreu em 32% dos pacientes e a marcação de consulta subsequente, em 10% dos casos.

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Quando questionados sobre o que pensavam sobre os seus sintomas, 87% responderam dando as suas próprias explicações ou expressando os seus medos e apenas 13% afirmaram não ter qualquer ideia.

A hipertensão arterial estava diagnosticada em 40% dos PSS e não se encontrou diferença estatística com os pacientes sem sintomas somatoformes. Contudo, 33% dos PSS tinham o diagnóstico prévio de depressão, enquanto que nos grupo sem sintomas somatoformes este valor foi de 11% (p<0,0001, OR 3,4; 95%, IC 2,2 a 6,6); a ansiedade foi 32% nos PSS e 9,6% nos pacientes sem sintomas (p<0,0001, OR 4,0; 95% IC 2,3 a 7,0); as cefaleias de tensão, em 19% dos PSS e 3,7% nos pacientes sem sintomas (p<0,0001, OR 6,1; 95% IC 3,0 a 12,5); e a síndrome do cólon irritável, em 18% dos PSS contra 2,7% dos pacientes sem sintomas somatoformes (p<0,0001, OR 7,9; 95% IC 3,7 a 16,9).

Depois de 6 meses da consulta inicial, 33% dos pacientes tinham melhorado e um em cada cinco estava assintomático. Um terço mantinha os sintomas: 22% inalterados; 7% agravados; e em 4% houve reaparecimento (Tabela 4).

Tabela 3. Procedimentos realizados.

Procedimento n % Escuta 72 99 Exame físico 48 66 Testes diagnósticos 44 60 Fármacos 26 36 Referenciação 23 32 Outros 14 19

Tabela 4. Evolução dos sintomas aos 6 meses.

Evolução n %

Remissão 14 19,2

Melhora 24 32,9

Inalterado 16 21,9

Recidiva após melhoria 3 4,1

Agravamento 5 6,8

Desconhecido 11 15,1

Durante os 6 meses de observação, chegou-se a um diagnóstico que justificava os sintomas em onze pacientes: sete com depressão, uma síndrome de menopausa, uma doença de Addison, uma discopatia e uma gastrite. Estes onze pacientes corresponderam a 15% dos pacientes iniciais, mas se forem consideradas apenas as três patologias que têm uma base orgânica (doença de Addison, discopatia e gastrite), a proporção de “erros” ao considerar como doente somatoforme foi de 3%.

Discussão

No presente estudo, foi encontrada uma frequência de 8% dos pacientes com sintomas somatoformes na população que procurou a consulta médica. A metodologia utilizada não permitiu afirmar se estes sintomas foram o principal motivo da consulta ou se foram secundários. Também não foi possível aferir se os motivos foram expressos de modo espontâneo ou se foram mencionados após inquirição específica.

Os estudos que se basearam nos motivos de consulta, em populações acima dos 16 anos, encontraram prevalências de 15% a 39%2-4. Já os estudos que utilizaram questionários de medição de somatização aplicados a populações encontraram

prevalências de 35% a 80%2,5,6. O fato de, no total das consultas da semana, estarem incluídas as consultas de saúde infantil,

que foram excluídas naqueles estudos, pode explicar a baixa frequência de sintomas encontrada no presente estudo. Por outro lado, neste estudo foram incluídas ainda as consultas de planejamento familiar e saúde materna que, muito provavelmente, não foram incluídas nos demais estudos. Não foi possível excluir um viés de diagnóstico, considerando que dois dos clínicos intervenientes, recém-especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF), mencionaram apenas um e três doentes durante a semana de observação, valores muito abaixo dos notificados por todos os outros com mais anos de especialidade.

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O sintoma mais frequente foi a cefaleia e fadiga, o que está de acordo com a maioria dos estudos internacionais e nacionais5, embora as metodologias possam ser diferentes das utilizadas no presente estudo.

A taxa de resolução de sintomas encontrada foi de 66%, um valor muito abaixo do encontrado por Smith e Dwamena10

e confirmado por Khan et al.16. Este valor baixo de remissão pode ser devido à tendência dos clínicos ignorarem os pacientes

menos veementes nas suas queixas, tendendo a considerar e registrar apenas os mais graves e com maior probabilidade de evoluírem para a cronicidade. O número relativamente baixo de pacientes notificados também pode traduzir um viés de seleção.

No presente estudo, a maior proporção de pacientes apresentou três sintomas, seguida, em ordem decrescente, pelos que apresentavam dois e um sintomas. Este fato também indica uma subnotificação dos pacientes menos graves ou com sintomatologia menos exuberante, dado que outros autores16 apresentam o maior número de pacientes com um sintoma,

seguido em ordem decrescente de frequência, os grupos com dois ou três sintomas.

Entre os PSS, 87% tinham ideias sobre o porquê dos seus sintomas. Estas ideias podem ser explicativas de causalidade ou traduzir seus medos. A literatura revela que os clínicos não facilitam a verbalização dos problemas psicossociais pelos pacientes e que também têm dificuldade em se distanciarem das abordagens somáticas17.

Os pacientes com sintomas somatoformes têm mais comorbidades do que a população em geral, especialmente perturbações psiquiátricas, sendo 33% com perturbações depressivas e 32% com perturbações de ansiedade, o que está de acordo com os valores encontrados por outros autores8,18,19

. A prevalência da depressão na população portuguesa é de 24,8%, e a registrada

pelos médicos de família é 11,23%20. Estes valores estão bastante abaixo dos encontrados nos pacientes somatoformes do

presente estudo. Além disso, encontram-se prevalências de hipertensão arterial (40%) e de diabetes mellitus (12%), idênticas às encontradas no estudo Epidemiológico de Prevalência da Síndrome Metabólica na População Portuguesa (Estudo VALSIM), com 42,6% e 14,9%, respectivamente21. Contudo, no Estudo VALSIM, foi utilizada uma metodologia mais ativa

de identificação de pacientes e, no presente estudo, foi apenas a notificação dos diagnósticos já identificados pelos clínicos. A prevalência da diabetes mellitus no estudo da Rede Médicos Sentinela, com uma base populacional de 111.152 usuários, obteve uma prevalência de 5,4%, num contexto observacional muito mais similar ao do presente estudo22.

Seis meses após a primeira consulta, apenas em 3% dos pacientes se chegou a um diagnóstico orgânico, valor que está de acordo com Stone et al.23, que, numa revisão sistemática dos sintomas de conversão (paralisias, convulsões e cegueira),

encontraram uma redução progressiva do número de erros até a década de 1970, para posteriormente estabilizar nos 4%. A referenciação foi feita em 15% dos pacientes, o que é um valor elevado em comparação com os valores encontrados na generalidade dos estudos realizados em Portugal, nos quais a taxa de referenciação foi de 3% a 10% para a população em geral24-26. Este valor elevado pode ser mais um indício da subnotificação.

O estudo está limitado pela amostra pequena. Por outro lado, o diagnóstico foi fundamentado exclusivamente no juízo do clínico, sem recurso a quaisquer outros instrumentos. Contudo, esta decisão foi consciente, dado que o que se pretendeu foi conhecer o que acontece no dia a dia da medicina geral e familiar e não em condições especiais.

Conclusão

Os pacientes com sintomas somatoformes são frequentes na consulta de medicina geral e familiar, apesar de a frequência encontrada no presente estudo ser mais baixa do que na generalidade dos estudos internacionais conhecidos. A maioria dos pacientes tem uma explicação para os seus sintomas ou para os medos a eles associados, sendo estes fatores determinantes na procura de cuidados, o que confirma a ideia de que o fator determinante na procura de cuidados não é o sintoma, mas o que o paciente pensa sobre o sintoma. Muitos evoluem para a cronicidade, e os clínicos têm uma baixa probabilidade de não identificarem uma doença orgânica. Contudo, a possibilidade de evoluírem para doença orgânica é uma realidade que não pode ser escamoteada, e a abordagem destes pacientes se fundamenta na acepção de que o diagnóstico do sintoma somatoforme é sempre provisório, exigindo atitude expectante com reavaliação diante de qualquer modificação. Estes dados carecem de confirmação com números maiores. Como hipóteses de investigação, propõem-se alguns questionamentos: 1) A baixa frequência de PSS, em comparação com os valores encontrados por outros estudos, será consequência de uma desvalorização das queixas físicas por parte dos clínicos ou a atribuição forçada a diagnósticos orgânicos? 2) O reconhecimento de pacientes com queixas físicas, sem doença orgânica, aumenta com o tempo de exercício do clínico? 3) Intervenções, mais

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adaptadas a este tipo de pacientes, terão impacto na redução do número dos que evoluem para a cronicidade? 4) As ideias que o paciente tem acerca dos sintomas podem ser condicionantes da evolução?

O motivo mais forte para se prosseguir com estudos sobre pacientes com sintomas somatoformes seria o de protegê-los de serem vítimas de iatrogenia e medicalização. Os PSS sofrem, gastam recursos, desgastam os profissionais de saúde e estão sujeitos a riscos elevados de sofrerem com a ação nociva dos serviços e produtos de saúde se não forem reconhecidos como pessoas precisando de atenção clínica específica, sem necessidade de rotulação com pseudodiagnósticos estigmatizantes ou proféticos.

Agradecimentos

Aos médicos de família de Unidade de Saúde Familiar (USF) de São Julião, ACES Oeiras (Portugal): Áurea Farinha, Helena Febra, Luísa Romeiro, Teresa Campos, Teresa Libório, Rita Lourenço e Rizério Salgado pela notificação de pacientes. Ao Dr. Daniel Pinto pelos cálculos estatísticos, ao Dr. Bruno Heleno por rever o manuscrito e à Filipa Devezas pela confirmação dos dados referentes aos pacientes envolvidos no estudo.

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Imagem

Tabela 1. Características demográficas dos pacientes observados, na semana de notificação, com e sem sintomas somatoformes.
Tabela 2. Número de sintomas físicos por PSS.
Tabela 4. Evolução dos sintomas aos 6 meses.

Referências

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