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Recomendações para a prevenção da exposição à poluição tabágica ambiental : evidências para a tomada de decisões e implementação de medidas

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Tabagismo

Hilson Tavares da Cunha Filho é licenciado em Arquitectura e Urbanismo, UFRJ — Brasil e licenciado em Psicopedagogia, Uni-versidade Moderna. Mestrando em Saúde Pública, ENSP. É direc-tor terapêutico do Gabinete de Dependência Química (GDQ), coordenador do curso de formação em Aconselhamento em Dependência Química, GDQ, e consultor da associação Centro de Apoio ao Tratamento e Recuperação, IPSS.

Recomendações para a prevenção

da exposição à poluição tabágica ambiental:

evidências para a tomada de decisões

e implementação de medidas

HILSON TAVARES DA CUNHA FILHO

À luz dos novos avanços ocorridos nos últimos anos na área do tabagismo que têm demonstrado a importância cada vez maior deste fenómeno no aumento do peso glo-bal da doença presente em todos os países, torna-se necessária a revisão constante das nossas políticas de saúde nesta área, bem como uma especial atenção à adaptação da legislação a esta realidade. Actualmente, não está apenas em causa a saúde daqueles que fumam, mas também de todos os que convivem de perto com um fumador. O fumador passivo, exposto à poluição tabágica ambiental (PTA) provocada pelos fumadores, encontra-se exposto a uma série de doenças potenciais que cada vez mais necessitam de ser prevenidas. Neste quadro, cabe à sociedade proteger a saúde dos seus cidadãos através de uma legislação que proteja os não fumadores, ao mesmo tempo que respeita a opção daqueles que fumam.

Assim, este artigo procurará fazer uma revisão de evi-dências científicas, através da avaliação de três estudos existentes, que contribua, de forma efectiva, para uma tomada de decisão sobre a proibição de fumar em deter-minados locais e outras medidas de suporte necessárias para a possível protecção da saúde dos indivíduos expos-tos à PTA. No final, o autor propõe uma remodelação da legislação actual na área do tabagismo passivo de forma a reunir todas as leis já existentes e proporcionar uma visão mais abrangente sobre a actuação da sociedade nesta área.

1. Introdução

1.1. O consumo de tabaco: um dos maiores pro-blemas de saúde

Em todo o mundo, o tabaco mata 3 milhões de pessoas por ano, valor que tende a aumentar. Na maioria dos países, o pior ainda está para vir, quando os jovens fumadores de agora atingirem a meia ou terceira idade, altura em que a taxa de mortalidade será de 10 milhões/ano. Hoje em dia, aproximadamente, 500 milhões de indivíduos virão a morrer devido ao consumo de tabaco; 250 milhões destas mortes ocorrerão na meia-idade (Peto, 1994).

O tabaco é já a maior causa de morte entre os adultos nos países industrializados, contribuindo para um terço das mortes do sexo masculino naquela faixa

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etária (ou mais de um quinto na velhice). Ainda que o fumar possa encobrir vários estados fatais e não fatais, os efeitos adversos em saúde são extrema-mente negativos (Boyle, 1996).

Por toda a Europa, em 1990, o consumo de tabaco causou três quartos de um milhão de mortes na faixa etária entre os 35 e os 69 anos. Nos países membros da UE, no mesmo ano, o número de mortes ultrapassou o quarto de milhão: 219 700 nos homens e 31 900 nas mulheres. Muitas mais mortes se verificaram em idades mais avan-çadas (70 anos ou mais) (Boyle, 1996). Em países da Europa central e de Leste, incluindo a antiga União Soviética, ocorreram, na meia-idade, 441 200 mortes no sexo masculino e 42 100 no sexo femi-nino.

Nas mulheres dos países desenvolvidos, o pico epi-démico não foi ainda atingido.

O consumo de cigarros pode ser fatal de formas diferentes. Na globalidade dos países desenvolvi-dos, o tabaco é responsável por 24% de todas as mortes no homem e por 7% na mulher (embora esta percentagem esteja a aumentar); em alguns países da Europa central e de Leste, estes valores ultrapas-sam os 40% no que diz respeito ao sexo masculino. A diminuição média de esperança de vida nos fuma-dores em geral é de oito anos; contudo, para a faixa etária daqueles que morrem entre os 35 e os 69, a redução da esperança de vida é de 22 anos (Peto, 1994).

Em termos gerais, no homem, a incidência de doen-ças induzidas pelo tabaco estacionou em alguns países da Europa ocidental devido à redução regis-tada no respectivo consumo. Tal redução resul-tou das medidas tomadas na área da saúde, como, por exemplo, campanhas de sensibilização e o aumento de impostos de forma a desencorajar os fumadores.

As doenças imputadas ao consumo de tabaco contri-buíram para um significativo aumento da mortali-dade em ex-países socialistas da Europa central e de Leste desde 1990 por razões ainda não esclarecidas. Em 1998 a nova directora-geral da WHO, Dr.a Gro

Harlem Brundtland, ela própria médica em saúde pública e ex-primeira ministra da Noruega, disse na Assembleia Geral:

«Precisamos de debater uma das principais causas de morte prematura que aumentam dramaticamente, matando 4 milhões de pessoas neste ano, e — se não tomarmos nenhuma atitude — 10 milhões de pessoas morrerão em 2030 — metade na meia-idade, não na velhice. O maior foco epidémico estende-se agora aos países em vias de desenvolvimento. Refiro-me ao tabaco».

1.2. O tabaco é um problema de saúde pública único

É um produto de consumo único: na sua composição entram milhares de substâncias químicas, muitas delas toxinas conhecidas, e que se sabe serem causa-doras de danos nos vasos sanguíneos, podendo, assim, afectar todas as áreas do nosso organismo. Além da doença, incapacidade e morte prematura, o tabaco é caso único entre as causas de prevenção, uma vez que:

É sempre perigoso, independentemente de ser consumido em excesso, como acontece com outras causas de morte possíveis de serem preve-nidas;

• Cria facilmente dependência;

• É activa e vivamente divulgado, muitas vezes de forma pouco escrupulosa, por uma das maiores e mais poderosas indústrias do mundo;

• A sua utilização prejudica não só aqueles que o consomem, mas também os que estão expostos ao fumo.

Estas características importantes contribuem para fazer do tabaco um problema de saúde pública parti-cularmente difícil, exigindo acções urgentes de várias origens, incluindo de poder político.

Desta forma deve-se dar maior atenção aos proble-mas gerados não só pelo consumo de tabaco e seus prejuízos na saúde imediata do fumador, mas tam-bém ao peso dos cuidados de saúde suplementares derivados das doenças causadas pelo tabagismo, a perdas de produtividade devidas a morte ou a um maior número de baixas do que os não fumadores e aos custos económicos directos e indirectos para a sociedade.

Da mesma forma, é imperativo lembrar e avaliar os problemas directamente produzidos por este consumo nos diversos sectores em que os fuma-dores se inserem: nos ambientes internos, na qualidade do ar, nos equipamentos expostos e utilizados, manutenção de edifícios, locais e trans-portes públicos onde é permitido fumar, e prin-cipalmente naqueles indivíduos que convivem com os fumadores e usufruem dos mesmos ambientes.

Este trabalho procura avaliar, à luz de algumas evi-dências científicas encontradas, a problemática da poluição tabágica ambiental no que diz respeito à extensão dos prejuízos na saúde dos indivíduos que a ela estão expostos, de forma a contribuir para uma melhor clarificação das tomadas de decisão relacio-nadas com a criação de ambientes livres de poluição tabágica.

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1.3. A poluição tabágica ambiental (PTA)

Os efeitos de fumar encontram-se bem documenta-dos. Dada a seriedade dos seus efeitos e a natureza tóxica do fumo do tabaco, pesquisadores e autorida-des de saúde começaram a preocupar-se com os pos-síveis efeitos do fumo passivo (ou poluição tabágica ambiental) para a saúde.

A poluição tabágica ambiental (ou second-hand

smoke ou environmental tobacco smoke) é formada

pelo fumo expirado pelo fumador e pelo fumo da combustão do próprio cigarro. Existem outras contri-buições, tal como o fumo que escapa enquanto o fumador inala e alguns componentes da fase gasosa que se difundem pelo ar. Uma vez libertados para o ambiente, os componentes diluem-se no ar, difundin-do-se e sendo transportados rapidamente. Estes com-ponentes podem ainda agregar-se a outros compo-nentes presentes no ar e mudar a sua constituição. Esta mistura complexa denomina-se poluição tabá-gica ambiental e a sua inalação denomina-se exposi-ção tabágica ambiental.

A exposição tabágica ambiental encontra-se ligada ao aparecimento de resultados adversos para a saúde, sendo relatada uma relação de causalidade com doen-ças respiratórias, como a asma e bronquites em crian-ças, e com efeitos carcinógenos, como o cancro do pulmão, e ainda com as doenças cárdio-vasculares. O conhecimento científico da poluição tabágica ambiental tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos.

Havendo antecedentes em relação à proibição de fumar em determinados locais, em Portugal, procura-mos desenvolver uma leitura histórica destas proibi-ções e das motivaproibi-ções que se encontram na sua base, de forma a melhor definirmos a situação actual e os passos que deverão seguir-se.

2. Legislação e directivas existentes em Por-tugal sobre a proibição de fumar em locais e o ponto da situação para uma aborda-gem com bases científicas

2.1. Legislação portuguesa sobre prevenção do tabagismo e proibição de fumar em locais Breve historial

Em Portugal, desde o início que a legislação prevê a proibição de fumar em determinados locais. A pri-meira legislação sobre a prevenção do tabagismo data de 1982 (Decreto-Lei n.o 22/82, de 17 de

Agosto). Já anteriormente a essa Legislação existiam diplomas referentes à proibição de fumar em

deter-minados recintos (Decretos-Leis n.os 42 660 e 42 661,

de 20 de Novembro de 1959).

Na introdução da legislação de 1983 (Decreto-Lei n.o 226/83, de 27 de Maio), que substituiu a de 1982,

podemos encontrar as seguintes referências sobre a poluição ambiental provocada pelo uso do tabaco e a necessidade de legislar sobre a proibição de fumar em locais:

«1. Anualmente morrem 100 000 pessoas nos países da Comunidade Económica Europeia (CEE) por can-cro no pulmão.

Nos termos de uma declaração do Parlamento Euro-peu, o tabagismo foi considerado responsável pelo aumento do cancro do pulmão e de muitas outras doenças, entre as quais as cárdio-vasculares. Reconheceu também que os não fumadores sujeitos a ambientes viciados pelo fumo do tabaco se encon-tram igualmente expostos aos seus malefícios. [...]

6. A III Conferência Mundial sobre o Tabaco e a Saúde, que teve lugar em Nova Iorque em Junho de 1975, assinalou também a necessidade de uma acção legislativa num certo número de domínios, tais como a prevenção do tabagismo entre os adolescentes, par-ticularmente nas escolas, a protecção dos não fuma-dores e a publicidade.

7. A IV Conferência Mundial sobre o Tabaco e a Saúde, que teve lugar em Estocolmo em Junho de 1979, considerou o tabagismo, conjuntamente com o trânsito, a poluição, o álcool e a nutrição imprópria, um dos grandes males das sociedades modernas. Confirmou a necessidade de pôr em prática as recomendações da OMS, chamando a atenção para a urgência da publicação e cumprimento de legislação adequada, em especial no que se refere à protecção de menores, grávidas e não fumadores e à restrição, proibição e controle da publicidade, de modo que se consiga uma sociedade em que não fumar seja o normal.

[...]

12. No cumprimento do artigo 7.o daquele diploma,

incumbe ao Governo proceder à sua regulamentação. Assim, no seguimento da lei, procura-se pelo pre-sente articulado proteger os não fumadores e limitar o uso do tabaco, contribuindo, desta forma, para o desaparecimento ou diminuição dos riscos ou efeitos negativos que esta prática acarreta para a saúde dos indivíduos.

[...]»

Sendo este mesmo decreto-lei reconhecidamente válido até ao momento, foram várias as inclusões posteriores de novos locais de proibição ao uso do tabaco (Decreto-Lei n.o 393/88, de 8 de Novembro).

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Situação actual

Actualmente, a legislação portuguesa prevê a proibi-ção de fumar através dos seguintes artigos:

Decreto-Lei n.o 226/83, de 27 de Maio (contém as

alterações introduzidas por outros decretos poste-riores)

[...]

ARTIGO 2.o

(Proibição de fumar em locais)

1 — Não é permitido o uso do tabaco:

a) Nas unidades em que se prestem cuidados de

saúde, nomeadamente hospitais, clínicas, centros e casas de saúde, consultórios médicos, incluindo as respectivas salas de espera, ambulâncias, pos-tos de socorros e outros similares e farmácias;

b) Nos estabelecimentos de ensino, incluindo salas

de aula, de estudo, de leitura ou de reuniões, bibliotecas, ginásios e refeitórios;

c) Nos locais destinados a menores de 16 anos,

nomeadamente estabelecimentos de assistência infantil, centros de ocupação de tempos livres, colónias de férias e demais unidades congéneres;

d) Nas salas de espectáculos e outros recintos

fecha-dos congéneres;

e) Nos recintos desportivos fechados;

f) Nos locais de atendimento público, nos

elevado-res, nos museus e bibliotecas;

g) Nas instalações do metropolitano afectas ao

ser-viço público, designadamente nas estações termi-nais ou intermédias, em todos os seus acessos e estabelecimentos ou instalações contíguas. 2 — Nos locais mencionados poderá ser permitido o uso do tabaco em áreas expressamente destinadas a fumadores, as quais não deverão incluir zonas a que tenham comummente acesso pessoas doentes, meno-res de 16 anos, mulhemeno-res grávidas ou que amamen-tem e desportistas.

3 — É permitido estabelecer a proibição de fumar:

a) Nos restaurantes, nas áreas que, por determinação

da gerência, estejam reservadas a não fumadores, sinalizadas nos termos do artigo 4.o;

b) Nos locais de trabalho, na medida em que a

exi-gência de defesa dos não fumadores torne viável a proibição de fumar, designadamente pela exis-tência de espaços alternativos disponíveis. ARTIGO 3.o

(Proibição de fumar em meios de transporte) 1 — É proibido fumar nos veículos afectos aos trans-portes públicos urbanos de passageiros e, bem assim, nos interurbanos, nos expressos e nas carreiras de

alta qualidade com duração até uma hora, incluindo os transportes rodoviários, ferroviários e fluviais. 2 — Nas carreiras interurbanas, nas de alta qualidade e nos serviços expressos, turísticos e de aluguer com duração de viagem superior a uma hora é permitido fumar aos passageiros que ocupem os lugares das três últimas filas da retaguarda do veículo, podendo esta zona ser ampliada até um terço do total de luga-res se no veículo estiver em funcionamento um dis-positivo eficaz de escoamento do fumo.

3 — Nos transportes colectivos ferroviários com duração de viagem superior a uma hora poderão ser destinados compartimentos, carruagens ou partes de carruagens a passageiros fumadores, não devendo os respectivos lugares exceder metade do total de cada classe e procurando evitar-se, na medida do possível, a propagação do fumo para junto dos não fumadores. 4 — Nos barcos afectos a carreiras fluviais com duração de viagem superior a uma hora só será per-mitido fumar nas áreas descobertas, sem prejuízo das limitações constantes dos regulamentos emitidos pelas empresas transportadoras ou pelas capitanias de portos.

5 — Até à publicação de normas específicas, os fuma-dores utentes dos transportes aéreos e marítimos con-tinuarão sujeitos às restrições actualmente existentes. [...]»

2.2. Documentos produzidos a nível europeu sobre PTA

Comissão das Comunidades Europeias — Relatório sobre «progressos verificados no domínio da protecção da saúde pública contra os efeitos nocivos do consumo de tabaco» de 8 de Setembro de 1999.

Breve síntese sobre a PTA

Este relatório enfatiza aspectos relevantes abordados a nível da PTA e faz recomendações para a proibição de fumar em locais. A nível da necessidade de acção lemos o seguinte:

«6 — O consumo de tabaco [...] não fumadores. O consumo passivo é igualmente considerado um factor de risco de muitas doenças, em particular do cancro dos pulmões» (Boffetta et al., 1998). Na acção a nível comunitário determina como grupo prioritário, entre outros:

«14 — Os não fumadores têm todo o direito de exigir que os fumadores não prejudiquem a sua saúde,

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nomeadamente aqueles que sofrem de doenças respi-ratórias, as mulheres grávidas, as crianças e os traba-lhadores expostos nos seus locais de trabalho, catego-rias estas que são particularmente vulneráveis aos efeitos da poluição tabágica ambiental (PTA). A PTA constitui uma fonte importante de poluição atmosfé-rica interior, contendo mais de 4000 substâncias quí-micas sob a forma de partículas e de gases (Environ-mental Protection Agency, 1992). Entre os efeitos imediatos do consumo de tabaco passivo incluem-se a irritação dos olhos, dores de cabeça, tosse, dores de garganta, tonturas e náuseas. Os adultos com asma expostos ao fumo dos outros podem sofrer uma dimi-nuição significativa das funções pulmonares e podem aparecer novos casos de asma entre crianças cujos pais fumam. Os não fumadores sofrem igualmente riscos acrescidos de ataques cardíacos (US. CAL EPA, 1997). A longo prazo, os fumadores passivos estarão expostos a riscos acrescidos de contracção de doenças relacionadas com o tabaco. Por exemplo, os não fuma-dores expostos ao fumo do tabaco em casa estão sujei-tos a um risco de contracção de doenças cardíacas e de cancro nos pulmões 25% mais elevado do que as outras pessoas (Law et al., 1997; Hackshaw et al., 1997). O consumo de tabaco passivo é normalmente associado a um risco acrescido de infecções do apare-lho respiratório, tais como a bronquite, a pneumonia e a bronquite infantil. Um estudo recente mostra que, numa casa onde os dois progenitores fumam, as crian-ças estão expostas a um risco de doencrian-ças do foro res-piratório superior em 72% às outras (Strachan, 1997). O consumo de tabaco passivo está na origem de uma redução das funções pulmonares e do agravamento dos sintomas da asma nas crianças, bem como do aparecimento de novos casos de asma (International Agency for Research on Cancer, 1986; US Depart-ment of Health and Human Services, 1990).» Segundo este mesmo relatório, no seu parágrafo «24», em relação aos não fumadores e ao consumo de tabaco em locais públicos, esta Comissão, com vista a elaborar um novo relatório sobre as acções levadas a cabo pelos Estados membros sobre a proi-bição de fumar em locais abertos ao público, havia formulado uma carta aos Estados membros (carta de 15 de Outubro de 1998) donde constava o pedido de: «[...] informações nas seguintes áreas:

• Adopção de nova legislação ou disposições voluntárias sobre consumo de tabaco em locais públicos;

• Alteração ou revogação de legislação vigente ou disposições voluntárias em vigor sobre o con-sumo de tabaco em locais públicos;

• Eventual classificação da PTA como agente can-cerígeno presente no local de trabalho;

• Adopção ou intenção de adoptar legislação sobre o consumo de tabaco nos locais de trabalho.»

Situação actual e respostas portuguesas

A resposta de Portugal a estas questões nesta altura (1999), nos parágrafos «143» a «146», foi no sentido de que:

• Em relação à legislação, nenhuma alteração legislativa foi feita desde 1995 ou estava pre-visto ser feita a curto prazo, incluindo nos locais de trabalho, onde vigora a legislação que per-mite esta proibição nos locais de frequência de funcionários e de não fumadores, mas não obriga. O Ministério da Saúde adoptou, desde 1989, esta proibição parcial nos seus estabeleci-mentos, onde continua a ser permitido o con-sumo em escritórios individuais, salas onde todos são fumadores e salas específicas destina-das para o efeito. Semelhante permissão ocorre nos estabelecimentos escolares, concedida pelo Despacho n.o 8/ME/88 do Ministério da

Educa-ção, onde, apesar da proibiEduca-ção, é permitido que tal ocorra na sala do pessoal e em zonas especí-ficas;

• Em relação à classificação da PTA como agente cancerígeno presente no local de trabalho, esta deverá ser analisada, tendo em conta as provas científicas do papel do tabaco como causador do cancro.

3. Foco da problemática em questão: polui-ção tabágica ambiental (PTA) e as suas consequências para a saúde humana Percepção e formulação da problemática em questão

Após um levantamento superficial da situação actual e das perspectivas apresentadas para Portugal dentro de um quadro europeu, parece ser claro e aceitável do ponto de vista governamental a ideia de que a PTA tem efeitos a nível da saúde do ser humano e dos ambientes internos.

Tal situação parece estar relacionada com várias doenças e distúrbios para aqueles que estão expos-tos, onde os mais graves a longo prazo incluem doenças tanto cardíacas como pulmonares, nomea-damente cancro do pulmão. Devido principalmente a esta última correlação, existe uma proposta

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euro-peia para que os Estados membros reconheçam voluntariamente a PTA como uma substância carcinógena humana, à semelhança do tabaco. Tal já foi feito pelos EUA, classificando a PTA como pertencente aos agentes carcinógenos humanos da «classe A».

A nível dos locais de trabalho tal situação tem ganho relevância, principalmente quando compa-rada a outras de igual valor ao nível da poluição e da saúde ocupacional, demonstrando um risco de saúde acrescido e pondo em perigo a saúde dos tra-balhadores.

Existem grupos específicos em que a exposição à PTA é mais relevante ainda, destacando-se as crian-ças. A exposição destas torna-se problemática, princi-palmente em casa, e devido ao facto de estas não poderem optar pela sua não exposição.

Na prática, em Portugal, as leis sobre proibição de fumar, quando estas são claras na sua regulamenta-ção e aplicaregulamenta-ção, têm sido aceites e respeitadas e, mesmo quando contestadas por aqueles que fumam, não deixam de ser cumpridas, quando exigido. Os abusos e condutas desviantes do esperado ocorrem, mais comummente, quando é dada alguma abertura e liberdade sobre a possibilidade de os próprios ou as instituições legislarem em causa própria.

Por outro lado, as questões relacionadas com os direitos dos fumadores e não fumadores sobre o acto de fumar e o local onde este acto pode ser praticado mantêm-se na base da liberdade de acção e respeito social pelos outros que se sentem incomodados, não sendo esclarecidas, com a devida ênfase, as razões de saúde e segurança humanas envolvidas.

Actualmente, os prejuízos à saúde em relação ao consumo de tabaco têm sido esclarecidos, mas tal ainda não está totalmente esclarecido e devidamente divulgado em relação à exposição à PTA.

Assim, estas evidências devem estar cientificamente validadas de forma que não possam pôr-se em causa as medidas a serem tomadas, as suas implicações e impacto. Somente desta forma poderemos igual-mente medir as consequências positivas de tais medi-das num futuro mais ou menos longo.

Qualquer alteração legislativa sobre a definição de proibição de fumar em locais, com a inclusão clara destes locais, deve conter em si a evidência de que tais actos põem em risco a saúde e/ou a segurança dos expostos e dos locais, de modo que fiquem cla-ras as razões principais da proibição e as conse-quências do seu não cumprimento para todos os envolvidos.

Assim, vamos tentar recolher e organizar essas evi-dências, verificando nas suas fontes científicas o peso e a consistência que estes estudos oferecem.

4. Descrição das evidências encontradas e estudos desenvolvidos que estarão na base da formulação de recomendações

4.1. PTA e os riscos do fumador passivo: as evi-dências encontradas e a qualidade, avaliação e classificação dos estudos que lhe servem de base

A literatura aponta para a existência de inúmeras doenças relacionadas com a exposição à poluição tabágica ambiental. Actualmente, muitas mais doen-ças têm sido relatadas como estando associadas a esta exposição, como o demonstra a tabela fornecida pela Cal EPA (US. CAL EPA, 1997), apresentada no

Anexo 1.

Apesar do extenso conjunto de supostas evidências encontradas, consideramos que o foco de uma tomada de decisão em relação à problemática em questão deve-se concentrar na existência de uma relação causal consistente, por um lado, e na pre-sença de consequências graves para a saúde, por outro. Desta forma, e segundo a tabela acima indi-cada, optou-se por analisar as evidências relativas aos itens que se seguem:

• Doenças respiratórias na infância; • Cancro do pulmão;

• Doença isquémica do coração.

4.1.1. Doenças respiratórias na infância Apresentação

A relação entre a exposição à poluição tabágica ambiental e a variedade de doenças respiratórias tem sido analisada extensivamente na literatura. Entre crianças, as doenças mais estudadas incluem a indu-ção e a exacerbaindu-ção da asma, doenças como bron-quite, bronquiolite e pneumonia, alterações no desen-volvimento dos pulmões e otites do ouvido médio. Entre os adultos, os pontos de interesse vão para as doenças pulmonares, redução da função pulmonar e sintomas de irritação respiratória das vias superiores. Numa revisão recente concluiu-se que existe evidên-cia suficiente que permite concluir que o fumo pas-sivo está causalmente associado a um maior número de episódios ou a episódios mais severos de asma em crianças que já têm a doença. Existem igualmente evidências de que a exposição à poluição tabágica ambiental pode despertar sintomas agudos de asma em adultos (US. CAL EPA, 1997).

O consumo de tabaco pela mãe duplica o risco de síndroma de morte súbita infantil. A relação é

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certa-mente causal e o fumo expelido pelos pais é impor-tante (Anderson e Cook, 1997).

Filhos de pais fumadores apresentam maior risco de problemas respiratórios e, embora o cigarro fumado pela mãe tenha um maior efeito do que o fumado pelo pai, este último não deixa de ser significativo. Estas crianças também estão expostas a um risco acrescido de complicações agudas e crónicas do ouvido médio. Todos estes estados parecem ter uma relação causa-efeito (Cook e Strachan, 1999). Segundo um relatório da OMS de 1999, a exposição da criança à PTA é involuntária e ocorre devido a o acto de fumar ser desenvolvido maioritariamente por adultos em locais onde as crianças habitam, desen-volvem actividades ou brincam.

Dado que a nível mundial mais de mil milhões de adultos fumam, a OMS estima que cerca de 700 milhões, ou seja, quase metade das crianças de todo o mundo, estão expostas à PTA, predominantemente em casa. Este vasto número de crianças expostas constitui uma significativa ameaça à saúde pública, sendo «a evidência deste dano à criança consistente e robusta». Segundo o mesmo relatório, «o acto de fumar pelos pais e outros adultos [...] tem efeitos decisivos após o nascimento, incluindo o aumento dos riscos relati-vos de infecção do tracto respiratório inferior durante a infância, assim como sintomas respiratórios e doen-ças do ouvido médio entre criandoen-ças mais velhas. Embora o aumento destes riscos seja moderado, estes são problemas de saúde comum por todo o mundo. Deste modo, pequenos aumentos de risco traduzem--se por um peso substancial de doença na criança, resultantes da exposição à PTA» (OMS, 1999). Desta forma iremos dedicar-nos a rever as últimas evidências que comprovam as doenças respiratórias do tracto respiratório inferior devidas à PTA.

Avaliação da evidência

Existe uma associação causal entre a exposição à PTA e o aparecimento de doenças respiratórias do trato inferior em crianças?

Estudo analisado

COOK, D. G.; STRACHAN, D. P. — Parental smoking and lower respiratory illness in infancy and early childhood. Thorax. 52 (1997) 905-914.

Desenho do estudo

A revisão da evidência relacionada com a exposição à PTA e doenças respiratórias do tracto inferior nos

primeiros 3 anos de vida de crianças foi recolhida através da Medline e Embase (692 artigos considera-dos), tendo sido seleccionadas 50 publicações consi-deradas relevantes para a revisão, tendo 38 sido incluídas numa meta-análise realizada. Destas 38, 10

eram estudos caso-controle, 21 cohort, 2 ensaios clí-nicos controlados e 5 «cross sectional surveys» de crianças em idade escolar. Dos 50 estudos totais, 24

foram verificados directamente na comunidade e divididos em 3 grupos relacionados com a análise, respectivamente, de doenças respiratórias do tracto inferior, doenças de «chiado do peito» e doenças do tracto inferior e superior. 17 estudos eram de admis-são no hospital, tendo sido divididos em 2 grupos, respectivamente, de doenças respiratórias do tracto inferior e doenças do tracto inferior e superior. Foi ainda procurada informação em relação ao grau para o qual os efeitos do fumo dos pais eram altera-dos por ajustamento a potenciais variáveis de confun-dimento se havia evidência de uma relação dose-res-posta e testada a heterogeneidade. Os resultados foram avaliados para os estudos da comunidade, para as admissões nos hospitais e para a combinação das doenças do tracto inferior e superior. Foram ainda avaliadas a independência do confundimento (cerca de metade dos estudos de cohort e apenas um quarto dos caso-controle apresentavam estimativas dos efei-tos de fumar antes e depois do ajustamento para as variáveis de confundimento), a relação dose-resposta, os efeitos encontrados em diagnósticos específicos de doenças respiratórias, os efeitos do fumo dos pais em diferentes idades, o factor exposição pré-natal ou pós-natal e discutidos alguns vieses.

A selecção demonstra ter sido feita de forma rigo-rosa, além de ter sido levada em conta a heterogenei-dade dos estudos.

Classificação da evidência

Foi identificada como sendo do tipo II.1 (Last, 1995).

Força da associação

Foi identificada uma relação causal entre a exposição à PTA e o aparecimento de doenças respiratórias do tracto inferior em crianças, embora tenha sido impos-sível distinguir as contribuições independentes do fumo da mãe em fase pré-natal e pós-natal. Os resul-tados na comunidade e na admissão aos hospitais são consistentes e apenas uma publicação reportava um risco reduzido para filhos de fumadores. Os OR encontrados são OR = 1,57 (IC 95% = 1,42-1,74) quando qualquer um dos pais fuma e OR = 1,72

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(IC 95% = 1,55-1,91) quando a mãe fuma. Foi encon-trado ainda um OR = 1,29 (IC 95% = 1,16-1,44) asso-ciado ao facto de outros membros da família fumarem numa situação em que a mãe não é fumadora.

Relação dose-resposta

Existe uma evidência da relação dose-resposta nos estudos analisados pelo autor, tendo sido encontrados valores estatisticamente significativos em cerca de 9 estudos de cohort que reportavam esta relação, quer em relação ao número de fumadores ou à quantidade fumada em casa, quer especificamente em relação à quantidade de cigarros fumados pela mãe. No entanto, os valores desta relação não estavam disponíveis. O autor refere que, não sendo possível realizar uma aná-lise conjunta dos dados disponíveis nos diversos estu-dos sobre a relação estu-dose-resposta, tal não impede que se possa verificar a presença desta relação numa grande maioria dos estudos disponibilizados.

Consistência

O resultado encontrado demonstra ser consistente devido à dimensão dos estudos nele inseridos, bem como da população abrangida (dezenas de milhares). Os autores utilizaram estudos realizados em muitos países (Reino Unido, Finlândia, Suécia, Nova Zelân-dia, Itália, China, África do Sul, Canadá, Brasil, etc.) que encontraram conclusões significativamente seme-lhantes. O artigo indica ainda diversos outros artigos nos quais este foi citado como referência, além de ter sido publicado na revista Thorax. Os autores possuem uma vasta quantidade de estudos publicados sobre o tema na revista Thorax e na BMJ, além de serem cita-dos nos diversos relatórios, como no Cal EPA (1997), no Cal EPA (1999) e ainda no NHMRC (1997).

Especificidade

O critério de especificidade não é satisfeito na tota-lidade. As doenças respiratórias têm outras causas, para além da exposição à PTA. No entanto, a expo-sição à PTA encontra-se na origem dessas manifesta-ções, contribuindo significativamente para o seu crescimento e desenvolvimento.

Relação temporal

A presença de estudos de cohort permite identificar um maior número de casos de desenvolvimento de

doenças respiratórias em crianças nestes ambientes, principalmente até aos 2 anos. Embora haja evidên-cia limitada no que respeita a exposição à PTA em períodos pré-natal e pós-natal, tal evidência demons-tra que a exposição influencia a ocorrência de doen-ças respiratórias nas criandoen-ças.

Plausibilidade biológica

Não foram apresentadas quaisquer referências a fac-tores biológicos.

Coerência da evidência

A plausibilidade para uma explicação causal e coe-rente é apoiada por vários estudos epidemiológicos. Nas situações em que ambos os pais fumam, a fre-quência de doenças em crianças encontra-se quase invariavelmente associada com os hábitos fumadores da mãe, o que é consistente com a relação mais pró-xima que esta mantém normalmente com os filhos. O facto de muitas potenciais variáveis de confundi-mento terem de ser levadas em conta pode causar algumas diferenças nos resultados encontrados. No entanto, a relação entre a exposição e a doença não tem sofrido alterações significativas quando a análise é ajustada a essas variáveis. Tais variáveis, que não foram mencionadas na revisão, mas que podem ter sido levadas em conta nos estudos analisados, incluem diferenças em grupos étnicos, sintomas de doenças respiratórias nos pais, status sócio-econó-mico, sexo da criança e condições da habitação.

Conclusão

A evidência encontrada mostra-se suficientemente conclusiva, tanto em termos qualitativos quanto em termos quantitativos, estando o risco bem delimitado. Desta forma, torna-se adequada uma intervenção em relação a este risco (exposição à PTA).

Deve ser dada uma atenção especial às questões liga-das à saúde infantil e ao desenvolvimento, principal-mente quando as estimativas existentes mostram que grande parte das crianças se encontra involuntaria-mente exposta e que os pais, bem como parentes próximos, não recebem a informação nem se encon-tram sensibilizados para evitarem tais situações. A mesma atenção deve ser dada em relação à inter-rupção do uso do tabaco por esses familiares. Do mesmo modo, deveriam ser desenvolvidos estu-dos que avaliassem a prevalência de tal situação na população portuguesa e nos diferentes locais em que

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os indivíduos possam estar expostos, de modo a ava-liar-se o peso da doença derivado deste factor e as características da população envolvida nesta proble-mática.

4.1.2. Cancro do pulmão Apresentação

A poluição tabágica ambiental é reconhecida como um carcinógeno humano com base em evidências de estu-dos em humanos que indicam uma relação causal entre a exposição passiva ao fumo do tabaco e o can-cro humano (revisto in IARC, V.38, 1986; US EPA, 1992; Cal EPA, 1997; NHMRC, 1997; Cal EPA, 1999). Os estudos mais recentes também apoiam uma associação entre a poluição tabágica ambiental e o cancro dos seios nasais (Cal EPA, 1997; NHMRC, 1997; Cal EPA, 1999). A maior parte da evidência de um risco aumentado de cancro derivado da poluição tabágica ambiental encontra-se em estudos de esposas não fumadoras que vivem com maridos que fumam, exposições de não fumadores à poluição tabágica ambiental em meio laboral e exposição ao fumo dos pais durante a infância. Muitos estudos, incluindo estudos recentes caso-controle de grandes populações, demonstram um aumento dos riscos de cerca de 20% para o desenvolvimento de cancro do pulmão após exposição prolongada à poluição tabágica ambiental (Hackshaw et al., 1997). Alguns desses estudos suge-rem o aumento dos riscos com o aumento da exposi-ção. A exposição à poluição tabágica ambiental de cônjuges fumadores (Hackshaw et al., 1997), ou a exposição em meio laboral, parece mais fortemente associada a um risco aumentado.

Avaliação da evidência

Existe uma associação causal entre a exposição à PTA e o risco de cancro do pulmão?

Estudo analisado

HACKSHAW, A. K., et al. — The accumulated evidence of lung cancer and environmental tobacco smoke. British Medical Journal. 315 (1997) 980-988.

Desenho do estudo

Os estudos sobre PTA e cancro no pulmão foram recolhidos através da MEDLINE, das citações de cada

estudo e da consulta a colegas. Foram incluídos estu-dos de cancro de pulmão durante a vida de não fuma-dores com base no facto de o cônjuge fumar ou nunca ter fumado. Após excluírem uma série de estudos que não preenchiam critérios adequados para poderem ser analisados, Hackshaw et al. (1997) encontraram 39 estudos (5 de cohort e 34 de caso-controle) que podiam ser utilizados. No entanto, para alguns resulta-dos foi feita uma meta-análise com apenas 37 desses estudos epidemiológicos seleccionados por se referi-rem exclusivamente a estudos de mulheres expostas a PTA através do seu cônjuge fumador, já que estes apresentavam uma maior validade e definição. A selecção demonstra ter sido feita de forma rigo-rosa, além de ter sido levada em conta a heterogenei-dade dos estudos.

Classificação da evidência

Foi identificada como sendo do tipo II.2 (Last, 1995).

Força da associação

Hackshaw et al. (1997), numa meta-análise de 37 estudos epidemiológicos de risco de cancro do pul-mão (n = 4626) em não fumadores, que viviam e não viviam com um fumador, encontraram um risco acrescido de 24% (IC de 95%, entre 13% e 36%) em não fumadores que viviam com um fumador (p < 0,001). Esta meta-análise sugere que existe um risco relativo acrescido de aparecimento de cancro do pulmão associado ao facto de o cônjuge fumar. Este risco relativo é pequeno, pelo que deve ser conside-rado com cautela, já que tal poderá ser atribuído a vieses ou confundimentos. Contudo, neste estudo foram considerados, de forma cuidadosa, dois tipos de vieses (um em relação à existência de falsas infor-mações das esposas que diziam não fumar e que poderia reduzir o risco para 1,18 e outro em relação ao facto de o grupo de controle poder estar exposto à PTA noutros locais, o que alteraria o risco encon-trado para cerca de 1,26) e um de confundimento (ligado à alimentação, nomeadamente frutas e vege-tais, já que poderia ser um factor protector de cancro, tendo concluído que a inclusão desse factor de con-fundimento apresentaria um resultado — 1,21 — que poderia ser negligenciado) que poderiam afectar o resultado dos estudos, tendo sido rejeitados como explicações possíveis para a associação de cancro do pulmão à PTA. Todavia, levando em consideração todos os factores, haveria uma tendência para estes se anularem mutuamente, aproximando-se a taxa bruta original da verdadeira taxa.

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Relação dose-resposta

A relação dose-resposta entre o risco de cancro do pulmão e o número de cigarros fumados pelo côn-juge e a duração da exposição foi significativa, havendo provas de uma relação directa tanto para o número de cigarros fumados por dia como para o tempo ou duração da exposição e o cancro do pul-mão. Assim, o risco aumenta 23% (14% a 32%) por cada dez cigarros fumados/dia pelo marido (88% se fumar 30 cigarros/dia). Por outro lado, 11 dos estu-dos examinaram o risco de acordo com o número de anos que o cônjuge vivia com o fumador, verifi-cando-se um aumento significativo no risco em rela-ção ao aumento da durarela-ção da exposirela-ção de 11% (4% a 17%) por cada 10 anos de exposição (35% para 30 anos de exposição).

Consistência

O resultado deste estudo demonstra ser consistente devido à dimensão dos estudos nele inseridos (37), bem como da população abrangida (n = 4626). O artigo indica ainda diversos outros artigos nos quais foi citado como referência, além de ter sido submetido ao Scientific Committee on Tobacco and Health at the Department of Health, e publi-cado no BMJ. A participação de Richard Doll e outros nomes respeitados no meio científico, bem como o apoio do Health Department (England), são também factores indicativos de consistência do tra-balho.

Outros relatórios/estudos concordantes — a mesma evidência tem sido sistematicamente encontrada atra-vés de revisões de estudos e relatórios desde 1992 com US EPA Report (US Environmental Protection Agency, 1992), tendo-se repetido com Cal EPA, 1997 (US. CAL EPA, 1997), Cal EPA, 1999 (US. CAL EPA, 1999), e ainda no NHMRC, 1997 (Canada. National Health and Medical Research Council, 1997).

Especificidade

O critério de especificidade não é satisfeito na tota-lidade. A PTA tem outros efeitos, para além do cancro do pulmão, e, por sua vez, o cancro do pulmão tem outras causas, para além da PTA. Todavia, fazendo uma analogia com o tipo de cancro e a taxa de risco de cancro no pulmão de fumadores encontrada, pode perceber-se que a exposição à PTA e o seu risco se comportam de forma semelhante a uma baixa dose do consumo de tabaco.

Relação temporal

É improvável que o facto de possuir cancro do pul-mão leve as pessoas a estarem expostas à PTA. A presença de estudos de cohort e o seu desenho mostram claramente que o cancro do pulmão se desenvolve após a exposição à PTA.

Plausibilidade biológica

A exposição à PTA ser causadora de cancro parece ser biologicamente plausível, tendo sido discutida no estudo. No estudo encontraram-se diversas referências em relação à presença de substâncias carcinógenas deri-vadas da exposição à PTA nos não fumadores expostos. Estudos referem, inclusive, substâncias carcinógenas específicas relacionadas com o cancro do pulmão.

Pensamento por analogia

Sabe-se que fumar causa cancro do pulmão. Fumado-res passivos e fumadoFumado-res activos estão expostos às mesmas substâncias químicas, pelo que é razoável sugerir que a exposição ao fumo possa causar cancro. Tal facto contribui para a credibilidade dos resulta-dos encontraresulta-dos.

Coerência da evidência

A evidência da ligação entre a exposição à PTA e o cancro do pulmão é coerente. Esta coerência é demonstrada no estudo através de uma extrapolação do risco estimado de cancro de pulmão em fumado-res, comparada com os resultados encontrados em fumadores passivos. Os valores encontrados possuem um peso similar.

Conclusão

A evidência encontrada mostra-se suficientemente conclusiva tanto em termos qualitativos quanto em termos quantitativos, estando o risco bem delimitado. Desta forma, torna-se adequada uma intervenção em relação a este risco (exposição à PTA).

Em relação a este assunto, já desde 1992 que, nos EUA, a Environment Protection Agency definiu a PTA (ETS) como substância carcinógena, actual-mente inserida na «lista A» das substâncias conheci-das. Tal classificação implicaria a limitação e vigilân-cia desta substânvigilân-cia (PTA) em locais de acesso ao público, ambientes colectivos ou de trabalho.

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Assim, deveriam ser desenvolvidos estudos que ava-liassem a prevalência de tal situação na população portuguesa e nos diferentes locais em que os indiví-duos possam estar expostos, de modo a ser avaliado o peso da doença derivado deste factor.

4.1.3. Doença isquémica do coração Apresentação

Respirar o fumo do cigarro de outras pessoas é igual-mente uma causa importante e evitável de doença isquémica cardíaca, ao aumentar o risco de exposição do indivíduo em aproximadamente 25%. Isto é prin-cipalmente explicado por uma relação dose-resposta, não linear, entre a exposição ao fumo do tabaco e o risco de doença cardíaca (Law, 1997).

Avaliação da evidência

Existe uma associação causal entre a exposição à PTA e o risco de doença cárdio-vascular, particular-mente doença isquémica do coração?

Estudo analisado

LAW, M. R., et al. — Environmental tobacco smoke exposure and ischaemic heart disease : an evaluation of the evidence. British Medical Journal. 315 (1997) 973-980.

Desenho do estudo

O estudo avaliou 5 situações. A primeira traduziu-se numa meta-análise de 19 estudos (9 cohort

prospec-tivos e 10 caso-controle), de 21 que tinham sido

seleccionados, publicados e aceites, de risco de expo-sição à PTA e doença isquémica do coração, todos utilizando como medida de exposição o facto de o cônjuge fumar.

Em seguida, foi feita uma análise de 5 estudos de

cohort, separadamente, para verificar a relação entre

baixas doses de consumo de tabaco em fumadores e a doença isquémica do coração. Os mesmos estudos foram utilizados para determinar quanto do risco da doença era reversível após alguns anos de parar de fumar como estimativa indirecta da extensão do con-fundimento.

Em quarto lugar, e porque as pessoas expostas à PTA comem menos vegetais e tal está associado com um aumento do risco de doença isquémica do coração,

foram analisadas as informações também para esti-mar a extensão do confundimento.

Finalmente, foram feitos estudos relacionados com a agregação das plaquetas, já que esta agregação pode tornar compreensível ou justificar o grande efeito da exposição no risco da doença isquémica do coração. Desta forma, parece-nos que o desenho escolhido foi o mais adequado, sendo bastante complexo na sua elaboração e englobando estudos específicos para cada variável considerada.

Os estudos foram recolhidos através da MEDLINE, das citações de cada estudo e artigos de revisão e da consulta a colegas. A selecção demonstra ter sido feita de forma rigorosa.

Classificação da evidência

Foi identificada como sendo do tipo II.2 (Last, 1995).

Força da associação

Através da meta-análise realizada com 19 estudos, o risco relativo da doença isquémica do coração asso-ciado à exposição à PTA é de 30%, na idade de 65 anos (IC 95% = 1,22-1,38) (p < 0,001). A força desta associação demonstra-se pela grande improbabili-dade de se obterem estes resultados repetidamente em diversos estudos devido ao acaso, independente-mente da dimensão, como é o caso dos estudos recolhidos nesta pesquisa.

Contudo, neste estudo foi levada em consideração a variável de confundimento dieta pobre em vegetais (responsável por um risco acrescido de doença isqué-mica do coração de 6%), e que normalmente está presente em fumadores e nos que convivem com estes. Uma análise detalhada a respeito deste assunto demonstrou que o risco total de doença isquémica do coração associada à exposição à PTA, levando em conta a dieta como confundimento, é ainda de 23% (1,30/1,06 = 1,23), com IC 95% = 1,14-1,33, perma-necendo da mesma forma uma clara associação.

Relação dose-resposta

A relação dose-resposta foi avaliada em cada um dos 5 estudos prospectivos que associam a quantidade de tabaco fumado e o risco de doença. Os 5 estudos demonstram que existe alguma evidência para a asso-ciação entre o nível de exposição e o risco da doença, já que o risco de doença isquémica do coração aumenta continuamente com o consumo diário de tabaco nos fumadores. Definindo o risco relativo

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para não fumadores = 1,00, as estimativas dos riscos associados ao consumo de baixas doses foram anali-sadas, sendo consistentes entre si, e demonstrando que o risco relativo de fumar um cigarro por dia era de 1,39 (1,18-1,64, p < 0,001), e com 20 cigarros/dia era de 1,78, demonstrando uma relação dose-res-posta. Assim sendo, é possível extrapolar estes dados, comparando-os com os da exposição à PTA, asso-ciando uma relação dose-resposta semelhante para o aumento do risco de doença isquémica do coração e exposição à PTA.

Consistência

A dimensão da pesquisa, que inclui uma meta-aná-lise de 19 estudos em não fumadores expostos à PTA e uma análise de 5 estudos de cohort de fuma-dores, permite demonstrar uma consistência consi-derável seja pela quantidade de estudos nela inseri-dos, seja pela forma como foi delineada. No entanto, não está acessível o tamanho da população estudada em cada caso, apesar de encontrarmos algumas refe-rências que nos levam a crer em números que exce-dem alguns milhares de indivíduos (exemplo: 6600 eventos de doença isquémica relatados na meta-aná-lise).

Esta consistência também é confirmada por diversas outras meta-análises de estudos de menores dimen-sões, com resultados similares, que foram referencia-das tanto em estudos de cohort com homens e com mulheres como em estudos de caso-controle. A participação de Richard Doll e outros nomes res-peitados no meio científico, bem como o apoio do Health Department (England), são factores indicati-vos da consistência do trabalho. O artigo indica ainda diversos outros artigos nos quais foi citado como referência, além de ter sido publicado no BMJ. Outros relatórios/estudos concordantes — a mesma evidência tem sido sistematicamente encontrada atra-vés de revisões de estudos e relatórios desde 1992 com US EPA Report, 1992 (US Environmental Protection Agency, 1992), tendo-se repetido com a Cal EPA, 1997 (US. CAL EPA, 1997), Cal EPA, 1999 (US. CAL EPA, 1999), e ainda no NHMRC, 1997 (Canada. National Health and Medical Research Council, 1997).

Especificidade

Apesar de as doenças isquémicas do coração estarem ligadas a múltiplos factores, a exposição à PTA demonstra contribuir claramente para que tal situação se manifeste.

Relação temporal

A relação temporal é claramente estabelecida através dos estudos de cohort (9 estudos) presentes na meta--análise, já que estes indivíduos não apresentavam qualquer sintoma que evidenciasse alguma doença antes da exposição.

Plausibilidade biológica

Foram relatados 8 estudos na pesquisa com animais que comprovam os efeitos da exposição à PTA numa razão de 50% a 100% mais problemas cárdio-vascula-res entre animais expostos e controles não expostos.

Pensamento por analogia

Sabe-se que fumar causa doença isquémica do cora-ção. Fumadores passivos e fumadores activos estão expostos às mesmas substâncias químicas, pelo que é razoável sugerir que a exposição possa causar a doença isquémica do coração. Tal facto contribui para a credibilidade dos resultados encontrados. A mesma analogia foi utilizada como hipótese da diminuição do risco após a interrupção da exposição. Apesar dos diferentes mecanismos de absorção para os dois casos das substâncias químicas que estão na origem da doença, estas, além de semelhantes, actuam da mesma forma no organismo humano, pro-vocando assim efeitos finais semelhantes.

Coerência da evidência

A evidência é coerente. A consistência dos resultados, a evidência da relação dose-resposta e a existência de estudos controlados em animais permitem admitir com um certo grau de confiança que os resultados reflec-tem uma relação causa-efeito, em vez de um mero artefacto estatístico. A disponibilidade de estudos de

cohort significa que podemos ter alguma certeza no

facto de que a exposição precedeu o início da doença. No entanto, torna-se algo surpreendente a proximidade dos resultados encontrados para a exposição à PTA e para o consumo de baixas doses de tabaco.

Conclusão

A evidência encontrada mostra-se suficientemente conclusiva quanto ao facto de que a exposição à PTA aumenta o risco de doença isquémica do coração, estando o risco bem delimitado. Em termos

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propor-cionais, este risco mostra ser da mesma magnitude que o encontrado para o cancro do pulmão, mas o número de mortes por doenças do coração será muito superior devido ao facto de estas doenças serem muito mais frequentes do que o cancro do pulmão. Assim, tal evidência cresce em importância devido às suas consequências.

Desta forma, torna-se adequada uma intervenção em relação a este risco (exposição à PTA) no que respeita a este assunto. Uma prevenção da PTA de modo a reduzir a exposição proporcionaria uma diminuição do risco maior do que a adopção de uma dieta ali-mentar saudável.

Do mesmo modo, deveriam ser desenvolvidos estu-dos que avaliassem a prevalência de tal situação na população portuguesa e nos diferentes locais em que os indivíduos possam estar expostos, de modo a avaliar-se o peso da doença derivado deste factor.

4.2. Principais conclusões e inserção no contexto português

O tabagismo e o meio ambiente interno

Nos recintos fechados onde se fuma, o ar encontra-se poluído com as mais de 4000 substâncias tóxicas do fumo do tabaco, nomeadamente a nicotina, o monó-xido de carbono e outros elementos lesivos para o aparelho respiratório e sistema cárdio-vascular. De todas as poluições ambientais, a mais frequente é a tabágica, que comummente atinge 80% do total dos agentes poluidores nestes locais (Brasil. Ministério da Saúde. INCA, 2000).

O grau de poluição tabágica ambiental varia de acordo com a dimensão e disposição arquitectónica dos recintos, com o arejamento, com o número de fumadores e a quantidade de cigarros consumidos. Considerando-se o monóxido de carbono, o padrão definido para o ar ambiental é de 9 partes por milhão (ppm) e a concentração máxima permitida no ar urbano é de 30 ppm. Nos ambientes de trabalho fechados, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera 50 ppm a concentração máxima a ser atingida. Nos locais onde se fuma ultrapassam-se frequentemente estes valores. Em alguns restauran-tes, no final do dia, pode chegar a haver 1000 partes por milhão e em recintos com muitos fumadores, como discotecas, já se têm detectado vários milhares de partes por milhão de monóxido de carbono. Sabendo que as pessoas passam 80% do seu tempo em locais fechados, tais como trabalho, residência, locais de lazer e hospitais, o fumo do tabaco é con-siderado pela Organização Mundial de Saúde o maior agente de poluição do meio ambiental interno.

Os poluentes do tabaco dispersam-se homogenea-mente na atmosfera ambiente, de tal forma que os não fumadores próximos ou distantes dos tabagistas aca-bam por inalar as mesmas quantidades desses poluen-tes. Esses e outros dados revelam que todas as tenta-tivas de limpar a atmosfera da poluição tabágica nos prédios onde se fuma são infrutíferas, como a renova-ção mecânica da ventilarenova-ção, processos químicos e de filtragem, sendo que a única saída para se conseguir um ambiente isento da PTA é mantê-la no nível zero, isto é, abolir completamente o consumo de tabaco.

Os fumadores passivos

As pessoas que vivem expostas à poluição ambiental, seja nos locais de trabalho, nos domicílios ou em outros locais, inalam substâncias tóxicas do fumo, o que é comprovado por apresentarem quantidades variáveis, conforme os casos, de cotinina (substância resultante da sua decomposição) na urina, no sangue e na saliva. O mesmo sucede com outras substâncias tóxicas do fumo. São chamados fumadores passivos. Os malefícios para a saúde dos fumadores passivos variam de acordo com o tempo e a intensidade de exposição à poluição tabágica ambiental e de acordo com a idade. Entre estes malefícios destacam-se: • As crianças de baixa idade cujos pais

(especial-mente a mãe) são fumadores, com muito mais frequência (+ 57% para qualquer dos pais e + 72% para a mãe), apresentam o chamado «chi-ado do peito» e têm risco acrescido de virem a sofrer de bronquiolite, bronquite, pneumonia, otite, sinusite e amigdalite;

• As crianças em idade escolar têm com mais fre-quência tosse, expectoração, surtos agudos de bronquite e ataques de asma;

• Os adultos expostos à poluição tabágica ambien-tal na residência ou no local de trabalho, durante muitos anos, têm valores funcionais respiratórios abaixo dos padrões normais;

• Da mesma forma, os adultos expostos à poluição tabágica ambiental na residência ou no local de trabalho, durante muitos anos, têm muito maior risco de contraírem doenças isquémicas do cora-ção (+ 30%) e cancro do pulmão (+ 24%), em confronto com os não expostos;

• Nos adultos que são fumadores passivos desde a infância, esses riscos são aumentados significati-vamente.

Nos EUA, a US Environment Protection Agency definiu a PTA (ETS) como substância carcinógena, actualmente inserida na «lista A» das substâncias

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conhecidas. Tal classificação implica a limitação e vigilância desta substância (PTA) em locais de acesso ao público, ambientes colectivos ou de trabalho. Não existem dados confirmados sobre o montante de fumadores passivos no mundo. Sabendo-se que os tabagistas são mais de mil milhões, o número de fumadores passivos deve ser, pelo menos, o dobro, sendo que cerca de 700 milhões são crianças. Este último número corresponderia a quase metade das crianças de todo o mundo. Estudos de vários países reafirmam estes números, apresentando uma percen-tagem de crianças fumadoras passivas que oscila entre 50% e 70% da população desta faixa etária.

O contexto português

Após relatar anteriormente as evidências tidas como mais significativas para as tomadas de decisão nesta área, podemos agora perceber o impacto que a PTA causa na população portuguesa. Partindo de estudos a nível europeu sobre a prevalência do tabagismo na população portuguesa (Portugal. Ministério da Saúde, 2000), sabe-se que 26% da população são fumadores, o que nos levaria a estimar que o dobro deste número está exposto à PTA, totalizando cerca de metade da população portuguesa. A maior parte destes fumadores encontra-se em idade activa e inse-rida em algum contexto laboral ou educacional. Os fumadores passivos que aí se encontram são os mais expostos devido ao tempo de exposição e ao número de fumadores presentes nesses locais. Por outro lado, uma boa parte destas pessoas possuem famílias com crianças em casa.

5. Poluição tabágica ambiental (PTA) e a definição da proibição de fumar em deter-minados locais em território português Formulação de recomendações para a tomada de decisões

Considerando que os custos inerentes às medidas legislativas a serem propostas são reduzidos, podendo ser facilmente absorvidas pelos serviços e indivíduos directamente afectados, e que os benefí-cios materiais, económicos, sociais e a nível da saúde pública poderão ser bastante significativos, apre-senta-se a seguinte proposta:

A) Recomenda-se a nível da legislação:

1. A aplicação de medidas claras que incidam sobre as situações que envolvam a exposição à PTA,

fornecendo um quadro de esclarecimento e conscientização de todos os envolvidos;

2. Ao mesmo tempo, que se defina claramente, nos locais onde é possível e viável fazê-lo, uma limi-tação para o consumo de tabaco quando e onde este seja prejudicial a terceiros;

3. Desta forma, por motivos ligados à saúde pública e dos indivíduos em particular:

3.1. Que, como refere o actual artigo 2.o do

Decreto--Lei n.o 226/83, se torne ou permaneça

total-mente proibido fumar em locais, designada-mente os que se seguem:

a) todos os locais prestadores de serviços e

cui-dados de saúde, públicos ou privados;

b) todos os estabelecimentos de ensino,

públi-cos ou privados, na totalidade das suas insta-lações;

c) todos os locais destinados a assistência e

convívio de menores de 18 anos;

d) todos os locais destinados a assistência e

convívio de idosos;

e) todos os recintos fechados de convívio

social, cultural e desportivo;

f) todos os recintos fechados e instalações das

estações que servem os meios de transportes públicos e privados;

g) todos os locais públicos fechados ou

destina-dos ao atendimento do público em geral;

h) totalidade dos espaços colectivos fechados

de locais de trabalho e espaços associativos;

i) totalidade dos espaços colectivos fechados

de restaurantes, refeitórios, bares, estabeleci-mentos similares hoteleiros;

j) todas as áreas de acesso e instalações

contí-guas aos locais anteriormente citados; 3.2. Que em todos os locais citados anteriormente

seja permitida a criação de salas de fumo em áreas totalmente isoladas, física e atmosferica-mente, destinadas aos trabalhadores, funcioná-rios e utentes fumadores e independentes dos restantes espaços colectivos;

3.3. Que as salas de fumo destinadas ao público e utentes dos serviços não ocupem mais de um terço do espaço colectivo total destinado ao público e utentes em geral;

4. Da mesma forma, por motivos ligados à saúde pública e dos indivíduos em particular:

4.1. Que, como refere o actual artigo 3.o do

Decreto--Lei n.o 226/83, se torne ou permaneça

total-mente proibido fumar em meios de transportes públicos ou de serviço ao público, de bandeira portuguesa, designadamente os que se seguem: rodoviários, ferroviários, marítimos, aéreos e outros similares;

(15)

4.2. Que nos meios de transportes públicos ou de serviço ao público, designadamente ferroviários e marítimos, anteriormente citados, seja permi-tida a criação de espaços de fumo em áreas totalmente isoladas, física e atmosfericamente, destinadas aos trabalhadores, funcionários e utentes fumadores e independentes dos restantes espaços colectivos;

4.3. Que os espaços de fumo destinados ao público e utentes dos serviços não ocupem mais de um terço do espaço colectivo total destinado ao público e utentes em geral;

5. Os dísticos que definem os locais onde é proibido e onde é permitido fumar, conforme os termos do actual artigo 4.o do Decreto-Lei n.o 226/83,

deve-riam possuir informação escrita breve sobre os malefícios da PTA;

6. Simultaneamente, deve-se estimular a cessação do hábito tabágico como melhor opção disponí-vel, fornecendo informação necessária adequada a este fim através de cartaz afixado nos locais destinados às salas e espaços de fumo e facili-tando o acesso aos meios para a concretização desta cessação.

Considerando que a situação estudada demonstra ser preocupante do ponto de vista da saúde pública e que, como tal, seria esperada uma acção específica nesta área que desse resposta ao problema, apresen-tam-se algumas propostas acessórias adequadas ao quadro actual:

B) Recomenda-se a nível dos cuidados de saúde:

1. Que o Estado português reconheça a PTA como substância carcinógena conhecida para a saúde humana, à semelhança do tabaco. Tal classifica-ção facilitaria a limitaclassifica-ção e vigilância desta subs-tância (PTA) em locais de acesso ao público, ambientes colectivos ou de trabalho;

2. Que as recomendações legislativas referidas ante-riormente sejam implantadas, num primeiro momento e como projecto piloto, em todas as ins-tituições e serviços públicos governamentais onde haja condições mínimas, de forma que se pre-serve a saúde de todos os envolvidos, estimulan-do e danestimulan-do o exemplo para a criação de ambien-tes saudáveis. Para tal, deve-se estimular a aplicação de programas de promoção e protecção da saúde que sejam abrangentes e forneçam suporte a essas medidas, permitindo acompanhar a sua evolução e avaliar o seu impacto;

3. Que seja feita uma sensibilização à classe médica e outros profissionais de saúde, especialmente aqueles afectos ao serviço público, dos malefícios

da exposição à PTA para a saúde humana, princi-palmente nas crianças, devido à sua exposição involuntária, mas também dos malefícios do tabaco para que estes possam incentivar e apoiar adequadamente os fumadores envolvidos na ces-sação da sua dependência;

4. Que seja feita uma sensibilização à classe médica e outros profissionais de saúde, especialmente aqueles afectos aos serviços de saúde ocupacional das empresas e instituições, dos malefícios da exposição à PTA para a saúde humana, mas tam-bém e principalmente dos malefícios do tabaco, de modo que estes possam incentivar e apoiar adequadamente os trabalhadores fumadores na cessação da sua dependência;

5. Que sejam desenvolvidos estudos que determi-nem a prevalência de situações de risco de doença na população portuguesa e nos diferentes locais em que os indivíduos possam estar expostos à PTA, de modo a avaliar-se o peso da doença deri-vado deste factor e os seus custos para a socie-dade. Tal poderá proporcionar uma melhor per-cepção do problema na nossa sociedade e acompanhar a evolução e o impacto das medidas que forem implantadas.

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Summary

RECOMMENDATIONS FOR PREVENTION OF ENVIRON-MENTAL TOBACCO SMOKE (ETS) EXPOSURE: EVI-DENCES FOR DECISION-MAKING AND IMPLEMENTA-TION OF MEASURES

Recent advances on tobacco use and its impact in the increas-ing share of disease burden in all countries demand a constant review of health politics and special attention to the adapta-tion of the existent legislaadapta-tion to this reality.

Today, those in danger are not only those who smoke but also those who are closely in touch with a smoker. The passive smoker exposed to ETS is exposed to many potential diseases that need to be prevented. Therefore, it is up to society to protect the health of their citizens through the application of a legislation which protects non-smokers and that respects the options of those who smoke.

In this article, the author reviews the existing evidences pre-sented in two major studies that can contribute, in an effective way, to a decision about either prohibiting smoking in certain places or taking other needed measures to protect those ex-posed to ETS.

At the end, the author proposes changes in the actual law regarding passive smoking, gathering all the existing laws and presenting a broader vision of the role of society as a whole in this field.

(17)

ANEXO 1

Table 1 — Diseases linked to secondhand smoke

Effects causally associated with secondhand smoke exposure Developmental effects

Fetal growth: low birth weight or small for gestational age Sudden infant death syndrome (SIDS)

Respiratory effects

Acute lower respiratory tract infections in children (e. g., bronchitis and pneumonia)

Asthma induction and exacerbation in children Chronic respiratory symptoms in children

Eye and nasal irritation in adults Middle ear infections in children

Carcinogenic effects

Lung cancer Nasal sinus cancer

Cardiovascular effects

Heart disease mortality

Acute and chronic coronary heart disease morbidity

Effects with suggestive evidence of a causal association with secondhand smoke exposure Developmental effects

Spontaneous abortion

Adverse impact on cognition and behavior

Respiratory effects

Exacerbation of cystic fibrosis Decreased pulmonary function

Carcinogenic effects

Cervical cancer

Source: California Environmental Protection Agency (1997). Health effects of exposure to environmental tobacco smoke, table ES.1.

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