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Mana vol.17 número3

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Academic year: 2018

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RESENHAS 665

particular, afirmando que o processo de identificação por ela investigado coloca-se “como um agregado de procedimentos e registros burocráticos que marca, a um só tempo, corpos pessoais e desigualda-des sociais” (:171). Redigido inicialmente como dissertação de mestrado, o trabalho que, como lembra no Prefácio a orienta-dora Adriana Vianna, causou espanto, hoje ocupa prateleiras obrigatórias para estudos sobre administração pública, gestão de populações, assimetrias sociais e Estados – no plural.

HARRIS, Mark. 2010. Rebelião na Amazônia.

Cambridge: Cambridge University Press. 302 pp.

James Andrew Whitaker

Doutorando, Departamento de Antropologia,

Tulane University, New Orleans

Este é o livro mais recente de Mark Harris a envolver-se com debates relativos à floresta amazônica e seus povos. É o primeiro livro em inglês que toma como tema fundamen-tal um paroxismo específico de rebelião que ocorreu na Amazônia brasileira durante a década de 1830. Iniciada em 1835 com a queda de Belém, a revolta veio a ser conhecida como Cabanagem nas décadas posteriores do século 19. Este termo signi-fica “a atividade das pessoas que moram em cabanas, a habitação mais pobre da re-gião” (:5). Harris apresenta uma explicação densa e sociologicamente detalhada desta rebelião. Em relação ao período mais amplo de história brasileira, no qual a Amazônia e a Cabanagem estão entrelaçadas neste trabalho, Harris tenta “mostrar como o sucesso da economia da borracha se tor-nou possível pela persistência de valores camponeses e a sujeição da região” (:9).

A pesquisa que fundamenta este livro abrange tanto fontes primárias quanto

secundárias. Harris usou materiais de arquivos locais bem como nacionais. No entanto, ele explica que muitos dos documentos locais relevantes, que pode-riam ter oferecido informação importante sobre o contexto, foram destruídos pelos rebeldes durante a Cabanagem. Histórias orais não foram utilizadas na preparação deste livro em conformidade com o foco na historiografia brasileira. No entanto, em algumas poucas passagens, tais como na discussão sobre os canhões falsos usa-dos em Ecuipiranga (:254), há referências à história oral. As notas sobre fontes de Harris são detalhadas no que se refere ao conteúdo e à localização do arquivo; elas serão de grande valor para futuros pesquisadores.

O rio Amazonas é um símbolo podero-so de confluência não fixa. Harris escreve que “o rio não era apenas o palco onde a vida transcorria, ele também escrevia a peça e atuava na apresentação” (:104). Mobilidade e fluidez são apresentadas como temas que conectam e interrompem aspectos geográficos, sociais, políticos e econômicos da sociedade paraense. No entanto, subjacente a esse exterior flui-do, há interesses opostos, a maior parte deles relativa ao controle e à utilização de trabalho e terra, que tomaram forma ao longo do tempo para produzir cisões tanto em nível provinciano quanto nacio-nal. A mobilidade atenuou as tensões até certo ponto. Em parte devido à paisagem ribeirinha, as elites ficaram bastante per-plexas nas suas tentativas de estabelecer uma forma de vida fixa e sedentária no Pará. Os padrões paraenses mutantes de circulação, interação, expressão religiosa e mesmo linguagem parecem ter sido caracterizados pela mistura fluida, em-préstimo e fronteiras porosas.

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RESENHAS 666

essas divisões, explicam-se os ambientes econômico e político (também mutan-tes) como contexto para a Cabanagem. O mundo atlântico liberal influenciou reformas no Pará de fim de século 19 – en-quanto dava liberdade a alguns índios – aprofundou divisões sociais e conduziu a formação e a instituição de um “cam-pesinato semiautônomo” multiétnico (:122). É a este campesinato que Harris se refere ao perceber “a emergência de um novo agente político” no Pará (:7, 22). Justapostos às elites coloniais e portu-guesas, este campesinato e sua “cultura popular” foram centrais nos eventos da Cabanagem. Várias memórias históricas da resistência do período colonial ficaram firmemente gravadas na consciência política do campesinato paraense. Esta classe vagamente identificável e sua mobilidade tornaram-se alvo da brutal repressão pós-Cabanagem.

A formação, o movimento e a subse-quente repressão do campesinato são temas centrais no livro de Harris. Este livro contribui para a historiografia da Cabanagem, interrompendo a dicotomia entre interesse pessoal pragmático versus ideologia liberal na compreensão das motivações cabanas. O liberalismo foi in-terpretado localmente e usado no idioma para expressar interesses e divisões. As ideias liberais erodiram a “autoridade” tradicional, oferecendo “linguagem e ideologia” limitadas, com as quais se pode orientar antagonismos e aspirações (:178, 201). O surgimento da Cabanagem está situado no contexto de antagonismos entre brasileiros e portugueses, clivagens regionais no Brasil pós-Independência, subordinações político-econômicas, “valores camponeses amazônicos”, bem como “experiências de escravidão” (:175). Embora a Cabanagem tenha sido representada como se fosse motivada por questões raciais durante o período seguinte de repressão, Harris chama a

atenção para o complexo conjunto de atores envolvidos, argumentando que a violência racial não foi um ímpeto pri-mordial para a revolta. Na verdade, essa representação surge depois, construída por aqueles que tentaram legitimar a repressão posterior.

Harris dá vida à Cabanagem e aos fatos que a circundam para o leitor por meio de sua escrita clara e sua análise cuidadosa da multiplicidade de contextos que moldam esse conjunto de eventos fundamentais. Este livro pretende ser “uma etnografia histórica escrita por um antropólogo” (:1). O conceito de “reenact-ment imaginativo” de R. G. Collingwood é utilizado por Harris ao referir-se ao seu objetivo declarado de descrever “as condições de vida na Amazônia no início do século XIX: uma forma moldada para inserir as motivações rebeldes” (:2). Este é um texto essencialmente etnográfico e não apenas histórico.

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