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G I E Jayme Moraes Aranha Filho

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(1)

Jayme Moraes Aranha Filho

G

UIA DA

I

MPERMANÊNCIA DAS

E

XPOSIÇÕES uma investigação sobre transformações

do Museu Nacional do Rio nos anos 1940

Tese de Doutoramento em Antropologia PPGSA-IFCS-UFRJ

Orientador: José Reginaldo dos Santos Gonçalves

Rio de Janeiro 2011

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Jayme Moraes Aranha Filho

GUIA DA IMPERMANÊNCIA DAS EXPOSIÇÕES: Uma investigação sobre transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Cultural

Orientador:

Prof. José Reginaldo dos Santos Gonçalves

Rio de Janeiro

2011

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do Museu Nacional do Rio nos anos 1940

Jayme Moraes Aranha Filho

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Cultural.

Aprovada por:

Prof. ________________________________________

José Reginaldo dos Santos Gonçalves (orientador)

Prof. ________________________________________

Marco Antonio Gonçalves

Prof. ________________________________________

Luiz Fernando Dias Duarte

Prof. ________________________________________

César Gordon

Prof. ________________________________________

Amir Geiger

Profª ________________________________________

Elsje Lagrou (suplente)

Profª ________________________________________

Moema Vergara (suplente)

Rio de Janeiro 2011

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Agradecimentos, coleção incompleta

Ao PPGSA do IFCS, professores, colegas, secretaria, Claudia.

À Seção de Memória e Arquivo do MN e sua equipe, em especial a Maria José Veloso da Costa Santos, Silvia Ninita Moura, Gustavo Moreira e Regina Dantas. À Seção de

Museologia, a Thereza Baumann e Sabrina Silva. A Mara Leite e Guilhermina Ribeiro, da Seção de Assistência ao Ensino. Aos arquitetos Maria Paula Van Biene e Ricarte Gomes, do Grupo de Obras. À Biblioteca Central do MN e sua equipe, em especial aos funcionários Antonio Carlos Gomes Lima e Edson Vargas da Silva.

A Luiz Fernando Duarte, Antonio Carlos Souza Lima, Fátima Nascimento, do Dep. de Antropologia. A todos os professores naturalistas do Museu que me receberam para trocar idéias, especialmente a Paulo Young (que me ensinou a usar a câmera lúcida), Gabriel e Alcimar Carvalho, Clovis Castro e Márcia Kury, Ricardo Ventura, Claudia de Carvalho e Hilton da Silva. Aos colegas do Escritório Técnico-Científico, especialmente Hélio da Silva, Flavio da Costa, Gisele Freire, Milton Méier.

A José Reginaldo Gonçalves, Márcio Goldman, Maria das Graças de Moraes Augusto, Mariza Peirano, Elsje Lagrou e Marco Antonio Gonçalves, Luisa Massarani e Ildeu de Castro, Luiz Velho, Maria Esther Valente e Sibele Gazelli, Moema Vergara, Luciana Sepúlveda Kopke, Adriana Mortara, Dominichi de Sá e Nísia Trindade Lima, Carlos Pontes e Samara Mancebo, Maria Margaret Lopes, Regina Abreu, Adriana Ribeiro, Fernando Rocha, Luiz Felipe

Oiticica.

A Márcio, Tânia, Eduardo, Hermano e Amir, Ivone e Neide, Raimundo, Emerson, os Gecas, Rod, Laura, a Jane, Zuzu, Flor, mano e mana, a Azuli, Tico e Tum.

Aos filhos dos meus avós e avós dos meus filhos.

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“Você talvez não concorde comigo, mas para que as narrativas e descrições possam funcionar, deve haver coisas que permaneçam não explicadas. Deve haver uma espécie de depósito, como uma cova no chão, onde você põe certas coisas que não estão em foco, quando você escreve.”

(STRATHERN, 1999, p.168)

“A coragem, muitas vezes, é apenas curiosidade.”

(ROQUETTE-PINTO, E., 1935, p.286)

“Pesquisem, vocês a quem o labor do cosmo impele”

(LUCANO, Farsália, I, 417)

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Aranha Filho, Jayme Moraes

“Guia da impermanência das exposições: uma investigação sobre

transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940” / Jayme Moraes Aranha Filho – Rio de Janeiro, UFRJ, 2011.

viii + 179 f.

Orientador: Prof. Dr. José Reginaldo dos Santos Gonçalves

Tese (doutorado) – UFRJ / IFCS / Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia.

Referencias bibliográficas f.179

1. museus de história natural; 2. coleções científicas; 3. exposições

científicas; 4. viagem museográfica. I. Gonçalves, José Reginaldo Gonçalves; II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia; III. Título

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Resumo

ARANHA FILHO, Jayme Moraes. “Guia da impermanência das exposições: uma investigação sobre transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940”. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Antropologia Cultural), Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

Este é um estudo sobre transformações museológicas ocorridas no Museu Nacional do Rio de Janeiro, na passagem da geração de naturalistas de Edgard Roquette-Pinto para a de seus variados sucessores, vistas a partir das salas de exposição. O exame do material historiográfico é desenvolvido em contraponto a questões derivadas da experiência pessoal do autor, de seu trabalho junto a uma equipe de especialistas para conceber um projeto de remodelação integral do Museu Nacional. O estudo privilegia os registros visuais públicos das exposições, preservados como testemunhos do momento – plantas, guias, fotografias –, e os escritos de naturalistas da casa a respeito de como é e de como deveria ser o Museu. Há um vínculo recorrente entre estes escritos e uma tradição museográfica de viagem aos principais museus europeus e norte-americanos, espécie de Grand Tour museográfico, formador dos reformadores, informador de seus projetos de reforma. A partir da noção de que a criação de reservas técnicas – e a conseqüente retirada de exibição pública da maior parte das coleções – marca a ruptura do museu moderno com o do período clássico, o autor procura determinar de que forma tal evento se deu no âmbito do Museu Nacional. O exame comparativo da ocupação do espaço em vários momentos do Museu no período estudado permite demonstrar que o processo de separação das coleções, e, portanto, a instalação de reservas técnicas, só se estabeleceu efetivamente quando das reformas gerais iniciadas em 1941, e só concluídas 20 anos depois. Já o exame de registros fotográficos das exposições do Museu nos primeiros dois terços do século passado evidencia mudanças de modelo expográfico. A organização da instituição, as concepções do papel das exposições e do público visitante, no período anterior, podem ser melhor compreendidas se levarmos em conta que boa parte das coleções científicas encontrava-se intencionalmente distribuída nas próprias salas de exposição, e que tal distinção ainda não havia se instalado na ‘cultura museal’ dos naturalistas da casa. As concepções do papel do Museu em Roquette-Pinto, tomado como personagem emblemático do período, são assim relidas à luz desse princípio.

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Abstract

ARANHA FILHO, Jayme Moraes. “A guide to the impermanence of exibitions: an investigation of the transformations of the Museu Nacional do Rio in the years begining 1940”. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Antropologia Cultural), Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

The present study deals with the transformations that took place in the Museu Nacional do Rio de Janeiro (National Museum of Rio de Janeiro) from the generation of naturalists headed by Edgard Roquette-Pinto to that of his successors, from the point of view of the exhibition halls. The examination of historiographic material is developed as a counterpoint to events and issues from the author’s personal experience when he worked alongside a team of specialists on a project to design a comprehensive redevelopment of the National Museum. From the archival files, the study highlights the visual records of public exhibitions, preserved as testimony of the time - plans, guides, photographs - as well as the writings of the staff’s own naturalists concerning what the museum was and what it should be. The author found evidence of a tradition of staff travel to major museums in Europe and North America, a kind of museological Grand Tour, as a way of consolidating the reformers’ education and as a means to inform their reform projects. He takes into account the notion that the creation of technical reserves and the consequential withdrawal of a significant portion of the collections from public display, marks the rupture between the modern museum and its counterpart in the Classical period. The author seeks to determine how, in the case of the National Museum, such event occurred. Through a comparative examination of the floor plans of the museum’s sectors at various moments of the period studied, he argues that the process of setting the collections apart, and therefore the installation of technical reserves, was effectively established when the great reforms started in 1941 and took 20 years to complete. The examination of photographic records of the museum’s various exhibitions in the first two thirds of the last century makes it possible to trace the changes in the models of exhibition procedures. The institution's organization and ideas about the role of exhibitions, and their correlatives - the ideas regarding the visiting public in the previous period - can be better understood if we consider that much of the scientific collections were intentionally distributed in the showrooms proper, and that this distinction had not yet been absorbed by the 'museum culture' of the staff scientists.

Taken as emblematic of the period, Roquette-Pinto’s ideas about the role of the Museum were thus chosen for an analytical overview, with this principle in mind.

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Siglas

MN Museu Nacional do Rio de Janeiro UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

ETC Escritório Técnico-Científico PNE Projeto da Nova Exposição

Comex Comissão de Exposições do Museu Nacional

SEMEAR Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional/Projeto Memória SEMU Seção de Museologia, do Museu Nacional

SAE Seção de Assistência ao Ensino, do Museu Nacional SEC Seção de Extensão Cultural, do Museu Nacional SAMN Sociedade dos Amigos do Museu Nacional

RAMN Relatório Anual de Atividades do Museu Nacional INCE Instituto do Cinema Educativo

SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ICOM Comitê Internacional de Museus, órgão da UNESCO/ONU ONICOM Comitê Brasileiro do ICOM

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Sumário

1. vestíbulo 1

Temporariamente museólogo

aproximadamente oitenta e quatro centímetros museológica

roteiro de exposição

2. museográfica 15

Temporariamente ausente, em visita alhures

diretores reformadores

digressão sobre a deriva do termo museografia gêneros museográficos

‘alter egos museológicos’ de dona heloisa plantas e fotos como índices do tempo...

... e como máquinas do tempo antílope azul

dupla viagem cronotópica

3. cronográfica 46

Temporariamente fechado para reformas

destino ypiranga & destino quinta

três ou quatro mutações em curso em 1940 em busca de índices de historicidade

elipse da era vargas proto-cronologias nativas

temporariamente fechado para reformas: ciclos expositivos quatro reformas gerais

4. topográfica 74

Bissecção das coleções: a evidência arquitetônica

exercícios de labirinto vista geral

índice sinótico de 1914

setorização pré e pós Torres-Carvalho guias do circuito

redistribuição dos espaços: corte 1941-61

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5. roquetteana 95

Totalidade das coleções: a experiência do pequeno naturalista

amostra reduzida

cada visitante um amador o curioso e o banal

amadores e autodidatas

biblioteca e universidade do povo desenho como método

fio d’água atlas e texto guias de coleções

encenação da totalidade

6. iconográfica 115

Bissecção das coleções: a evidência fotográfica

o que antigos poderiam achar como se fotografava uma galeria esplêndidos armários de vidro como se passa a fotografar preferência por menos peças metamorfose das vitrines circuito dobrado

da continuidade histórica das reservas longo corredor de armários

spatium fugit

algo da alma das antigas exposições

. bibliográfica 148

. mostruário 163

Apêndices

dois (ou três) chapéus de roquette paulo roquette assiste ao ensino museólogos de fato 1941-61 mapoteca

fototeca

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1.vestíbulo

temporariamente museólogo

Aproximadamente oitenta e quatro centímetros

“Lorsque nous avons entrepris d’organiser les salles des invertébrés du département de zoologie, notre expérience muséographique était pratiquement nulle.”

(FEIO, 1959, p.229)

Esta tese deriva antes de tudo dos desdobramentos de uma experiência de trabalho ocorrida entre 2001 e 2003, quando me juntei a uma equipe técnica temporária do Museu Nacional do Rio de Janeiro que se dedicava a elaborar um projeto de reformulação integral das exposições públicas permanentes do Museu. Minha função oficial, ao menos no início, era a de

‘tematizador científico’ (o equivalente a ‘pesquisa e roteiro’ numa produção audiovisual), o que me fez atuar sempre como uma espécie de mediador entre a equipe técnica de designers, museólogos, arquitetos, educadores e os ‘cientistas da casa’ – considerados os detentores dos saberes que se queria transpor em exposição. Há uma hierarquia de autoridade e poder institucional bem marcada distinguindo esses dois grupos. Os ‘cientistas’ são professores dos departamentos acadêmicos do instituto, desde ao menos 1946 uma unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e abrigando alguns programas de pós-graduação academicamente relevantes1. Eles são também as autoridades últimas no que diz respeito às coleções. Neste museu não existe propriamente uma instância central responsável pelo controle e cuidado de todo o acervo. As coleções científicas são setoriais. Cada setor acadêmico é responsável por sua parte competente do acervo, indicando um curador científico (que tem plena autoridade;

1 Em especial o de Antropologia Social, criado em 1968, e os de Zoologia e de Botânica, criados em 1972.

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em geral o professor senior da área) e um curador técnico (dedicado diretamente à conservação e à organização material da coleção).

É bom acrescentar que eu já fora freqüentador regular da instituição há mais de década: no final dos anos 1980 lá cursara o meu mestrado em antropologia social, e na década de noventa voltara a freqüentar cursos diversos. O convite para o trabalho partira do então diretor do Museu, e coordenador geral dos projetos de renovação, prof. Luiz Fernando Duarte, que bem conhecia minhas afinidades intelectuais por ter sido outrora meu orientador. Eu trazia, assim, alguma familiaridade com alguns setores da instituição, vivida do ‘lado de lá’, como pós- graduando entre cientistas e acadêmicos.

Tal como na epígrafe de José Lacerda de Araújo Feio, naturalista que colaborou intensamente na organização das novas salas de invertebrados das exposições do Museu inauguradas nos anos 1950, também devo dizer que, antes de aceitar este trabalho, a minha experiência com montagem (ou estudos e reflexão a respeito) de exposições era nula. De algumas das intercorrências e impressões desta experiência de trabalho derivam as questões que me

motivaram inicialmente a desenvolver a pesquisa de doutorado. Este período representou para mim uma imersão no mundo e na cultura dos profissionais de museus, e, assim, passou, ainda que a posteriori, a ocupar o lugar do equivalente a uma experiência de campo etnográfico.

Devo dizer que, subjetivamente, atravessei todo este período basculando numa tensão entre a atração e a repulsão ao objeto de trabalho. Por um lado, atraía-me o caráter clássico das exposições de museus de história natural como grandes narrativas de cosmologia científica, tema geral com o qual trabalhara no mestrado. Afinal, era esta continuidade temática o que mais autorizava a adequação das minhas competências à equipe. Era uma oportunidade de voltar a este universo sob condições privilegiadas: colaborar com especialistas que se vêem compelidos (e às vezes relutantes) a se envolver em divulgação científica, acompanhando o processo tanto das conjecturas teóricas do que julgam relevante quanto o das indicações de espécimes de coleção candidatos a exibição. As condições de trabalho sui generis e a estratégia escolhida no projeto eram um desafio instigante à parte: a intervenção através de um órgão temporário constituído ad hoc, externo à burocracia da casa, financiado diretamente pelo CNPq; e sobretudo o partido museográfico2 que privilegiaria a historicidade e a

2 Termo aqui referido ao sentido usual, e não ainda no peculiar, definido adiante no capítulo ‘Museográfica’, a que reservarei o seu uso no resto desta tese.

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constituição das coleções exibidas enquanto coleções científicas de uma instituição nacional – ao invés de uma cenografia de apelo imaginário mais convencional, da reconstituição

‘realística’ de supostos ambientes originários a que tais coleções remeteriam.3

Por outro lado, incomodava-me uma sensação permanente de desconforto, como se eu,

desavisado, viesse ocupar uma posição previamente estigmatizada, havendo-me com vícios de uma “identidade deteriorada” – para usar a terminologia de Goffman4. Antes de tudo, por desprestígio da área diante dos colegas e pares antropólogos: embora seja possível que este cenário venha mudando nas últimas décadas (JONES, 1993), estudar museus, trabalhar com coleções ou, pior, montar exposições era, é, de alguma forma, nem sempre explícita mas sempre evidente, tomado como uma escolha profissional menor5. Entre as demais áreas acadêmicas do Museu, mais propriamente de ciências naturais, embora o trabalho direto com coleções (coleta, descrição, classificação) mantenha-se como o centro das atividades, só era valorizada a produção estritamente científica; dedicar-se a atividades de divulgação, e

sobretudo montar exposições tendia a ser considerada atividade desprestigiada, e afinal desvio de finalidade6. Por fim, percebia recorrentes sinais de desconfiança de funcionários regulares da casa quanto à situação institucional um tanto privilegiada de todos os membros contratados do Escritório Técnico, instalados com equipamentos novos e em condições materiais

3 A tensão entre estas duas direções de tratamento expográfico (e entre seus partidários) era uma permanente no desenvolvimento dos trabalhos. P. ex., quando entrei no Projeto, uma primeira proposta de aproveitamento das coleções de arqueologia egípcia recém havia sido apresentada por uma designer, sugerindo o clima de uma fictícia tumba ou “câmara egípcia”, e duramente criticada pela Comissão de Exposições (Comex) – o órgão colegiado oficial da instituição, que reunia representantes dos departamentos e dos setores técnicos, responsável pela supervisão e arbitragem dos trabalhos. Segundo a orientação que se buscava impor, as peças egípcias deveriam aparecer como legado do colecionismo da família imperial, contextualizadas como testemunho dos valores e das circunstâncias em que foram adquiridas e exibidas outrora.

4 Autor onde encontra-se a, para o caso presente, curiosa passagem: “A história natural de uma categoria de pessoas com um estigma deve ser claramente diferençada da história natural do próprio estigma” (GOFFMAN, 1978, p.41).

5 Um constrangimento análogo sempre pesou também sobre meu tema de mestrado: ainda hoje, quando um novo colega descobre o título da minha dissertação, sempre tenho que justificar com muita seriedade o interesse e a relevância do tema da “busca por inteligência extraterrestre” como categoria articuladora das cosmologias científicas contemporâneas. Preço por não eleger para pesquisa objetos canônicos bem assentados...

6 Há, sem dúvida, exceções entre os quadros da instituição, onde se encontra alguns empenhados (e bem sucedidos) em atividades de divulgação. Tais casos, porém, se contrapõem a opiniões como a que recolhi de um dos docentes, em depoimento individual quando eu promovia uma rodada de visitas aos setores para ouvir expectativas e sugestões gerais quanto ao projeto, quando me revelou que, como regra geral, o professor que tem tempo e disposição para se dedicar à exposição é por não estar mais produzindo, provavelmente com carreira comprometida ou basicamente encerrada. O fato da participação em atividades de exposição não conferir praticamente nenhum crédito formal em relação às obrigações acadêmicas (e.g. nos sistemas ‘Ged’, ‘Sigmas’,

‘Lattes’, etc) é sem dúvida fator crítico nesta configuração.

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excepcionais para os padrões costumeiros, eventualmente encarados como uma categoria

‘arrivista’ ou ‘oportunista’, potencialmente ameaçadora à ecologia empregatícia local.

Conduzi os trabalhos sob esta linha de tensão, cabo de guerra, a fletir a minha ‘vontade de trabalho’ e distender a minha confiança na importância e viabilidade do projeto. Atravessei todo esse período – aliás progressivamente assumindo papéis de responsabilidade crescente – refém de uma ambivalência moral e desejante inescapável. Na maior parte do tempo, o empenho integral ao projeto, convencido de que estávamos aproveitando uma oportunidade única de nos endereçarmos a questões centrais de toda a área – para a antropologia da ciência, para a divulgação científica, lidando com alguns dos pontos nevrálgicos da própria

constituição daquelas ciências naturais ali reunidas. Eventualmente basculava e me via minado em dúvidas e incertezas quanto à relevância, à conseqüência, ao valor do que tentávamos fazer – diante do ceticismo ou a resistência de boa parte do corpo acadêmico da casa a colaborar nos trabalhos, ou das várias ocasiões em que me percebia sob mira

estigmatizante, no jogo incansável das disputas acadêmicas e institucionais.

De toda a experiência de trabalho, duas condições estruturais do projeto permaneceram como questões mal esclarecidas, e alimentaram inicialmente a minha pesquisa. A primeira é quanto ao partido arquitetônico adotado no plano diretor de renovação institucional: a separação física das unidades de pesquisa e as de divulgação em prédios distintos (pela construção de novas unidades no Horto anexo para abrigar departamentos acadêmicos e coleções, e a liberação integral do palácio para fins educativo-culturais). Aliás, toda a oportunidade de reformular o projeto expositivo derivava antes de tudo da diretiva desta separação física – as coleções e os gabinetes, enfim, todas as instalações propriamente de pesquisa, seriam

evacuadas do antigo palácio. Esta era, no fim das contas, também a maior motivação do corpo de cientistas da casa. Ganhariam uma renovação completa de suas instalações de trabalho – o que, considerando o jeito como há décadas se amontoavam salas, laboratórios, caixas e caixas de coleções, pelos corredores do velho palácio, não poderia ser mais justo e urgente. Já quanto à colaboração nas novas exposições, bem, isto dependia de ‘boa vontade’. Indagava-me se esta ruptura de duas esferas das atividades museais – e que parecia um dos poucos consensos que encontrei entre todos os membros da casa – era fruto de determinações estruturais mais antigas e afinal cruciais para entender os processos então em andamento.

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A segunda era mais diretamente implicada nas minhas responsabilidades no projeto: quando aderi ao ETC, herdei um pré-roteiro temático para o circuito expositivo já definido, fruto de um processo de negociação por meio de consulta a cada especialidade científica da casa, com a colaboração de todos os setores departamentais7. O resultado era um roteiro afinal ainda não muito diferente dos tradicionais – apesar dos nossos esforços, talvez um tanto retóricos, de tentar rearranjá-lo e sobrepor-lhe uma grade de grandes chaves conceituais. Desenrolava-se, no fundamental, como a reiteração serial da estrutura disciplinar das ciências naturais, segmentando a seqüência temática por áreas de especialidades e suas coleções específicas.

Afinal, a mesma matriz que informou a velha exposição dos anos 1950: uma teatralização museográfica do colegiado acadêmico. Indagava-me se este efeito, de ‘colamento territorial’

da estrutura acadêmica (e de guarda das coleções) determinando a balcanização curatorial do circuito de exposição, era resultado apenas de um incipiente ou infeliz encaminhamento, ou se era condição inerente ao campo e à cultura institucional deste Museu.

Quando o projeto foi encerrado8, fui o último a apagar as luzes do Escritório. Juntei toda a documentação e registros reunidos ao longo dos três anos de produção, acondicionei-os em caixas de papelão tipo ‘arquivo-morto’, e levei, eu mesmo, toda a documentação diretamente para a Seção de Memória e Arquivo do Museu (SEMEAR), no 3º andar do Palácio.

Entreguei-os em mãos à sua então chefe, a querida Maria José Veloso, que deu partida no procedimento para a criação de uma nova seção no Arquivo: o Fundo ETC. Saí do prédio deixando toda a papelada devidamente ‘patrimonializada’. Levando comigo ainda aquelas questões. Não sei quanto tempo depois, consultando o sítio web do Museu, na página do Arquivo, verifiquei a listagem de Fundos de documentos. Lá encontrei (e ainda lá está):

Código/Referência Título Data de Produção Dimensão (aprox.) BR MN . MN ETC Escritório Técnico Científico 1995-2004 0,84 m

7 O pré-roteiro derivou da colagem das contribuições de um grande evento promovido pela Comissão de Exposições dedicado à tarefa, conhecido por todos apenas como o “Workshop de 1999”. Uma memória deste evento foi incorporada ao Relatório de Atividades do ETC/PNE de 2002, como um dos Anexos do volume de Conceito (DUARTE et al, 2002, vol. 2, p. 127-168). Neste documento também encontra-se o ponto mais avançado a que conseguimos chegar na elaboração deste “Guia Temático” (id., ib., p. 23-124).

8 Tendo alcançado o estágio de anteprojeto arquitetônico, e de anteprojeto museográfico de algumas galerias piloto, apresentados no relatório final (DUARTE et al, 2003).

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Museológica

Após longo período de quase abandono (JONES, 1993), nas últimas décadas os estudos sócio- culturais que tomam por objeto museus, coleções ou alguma de suas derivativas vêm se expandindo e consolidando. Boa parte deles concentra-se em revelar o papel de tais instituições, especialmente os emblemáticos “museus nacionais”, como instrumentos de representação e construção de identidade – e.g. da comunidade imaginada como dupla articulação de nação naturalizada e de natureza nacionalizada, segundo a feliz fórmula de DUARTE (2005). Neste rumo também se encontram análises da retórica do patrimônio e das instituições de memória (GONÇALVES, 2002, 2007). Parte da contribuição destes estudos é a capacidade de ‘desnaturalizar’ as categorias de representação hegemônicas, desestabilizando sua eficácia político-ideológica e permitindo ressituar as questões das coleções e do uso social da memória em novos patamares.

Vertentes renovadoras destes estudos – e não excludente das demais – concentram o foco nos mecanismos de constituição das próprias coleções museais. A ênfase aqui é menos na retórica e nas representações imaginárias. Também menos nos usos políticos e ideológicos,

apropriações externalistas dos saberes cultivados nessas instituições, onde as coleções tendem a ser consideradas mera ‘ilustração’ ou ‘suporte’ para usos alheios. A estratégia é a de

concentrar o foco nas redes de produção e circulação dos objetos de coleção, e dos saberes técnicos e teóricos que os acompanham (catálogos, papers, equipamentos, etc.).

Minha perspectiva inicial de pesquisa foi perseguir a trajetória histórica das ‘exposições permanentes’ do MN, concentrando-me na grande reforma ocorrida nas décadas de 1940-50.

As exposições permanentes então montadas haviam sido extremamente bem sucedidas, exultadas na época e acolhendo uma escala de público inédita (quase meio milhão de visitantes anuais), e permanecido por meio século com poucas alterações nas suas linhas mestras9. Pretendia deixar de lado todas as questões que envolvessem diretamente as reservas técnicas, como os procedimentos de recepção das remessas de campo, tratamento de

espécimes, classificação, registro em livros de tombo, armazenamento, etc. Desde que reconhecesse os vínculos e permutas, e deles desse aviso sempre que necessário, acreditava que era metodologicamente possível restringir-me a uma esfera sem confundir com a outra.

9 As últimas salas remanescentes ainda nos moldes das velhas montagens foram encerradas para reforma em 2007.

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Qual não foi minha surpresa quando deparei-me com a constatação de que, a um certo ponto do recuo histórico, elas se fundiam: exposições correspondiam fundamentalmente, senão à totalidade, ao principal das coleções.

Induzido pelas perspectivas abertas por alguns estudos10, dirigi minha análise para um aspecto e um momento particular da ‘circulação’ dessas coleções, já no interior da instituição11: o processo da grande repartição entre as coleções que deveriam permanecer expostas à visitação pública, e as reservadas aos depósitos, destinadas exclusivamente aos estudos científicos pelos especialistas. Esta distinção fundamental nas coleções de museus modernos é uma noção surgida prioritariamente nos museus de história natural na segunda metade do séc. XIX, e que se impôs paulatinamente, e com variados matizes, a todos os museus modernos. As razões alegadas para a imposição desta mudança de modelo costumam apontar o crescimento excessivo das coleções (que requer formas compactas de armazenamento) e o imperativo de apresentar exposições didáticas para um público leigo em ciências (o que exige a parcimônia informativa). Razões, portanto, de ordem estritamente prática, o que escamoteia, suspeitamos, também razões outras de maior alcance e relevância12.

No caso de um museu com uma trajetória que se inicia em 1818, e que hoje é um instituto universitário de pesquisas, depositário de alentadas coleções de valor científico e histórico13, cabe indagar como e quando se deu o processo de instalação desta separação de coleções. Pois

10 O encontro com essas questões, e a já robusta literatura que as desenvolve, foi deslanchado sobretudo pela leitura inicial de SHEETS-PYENSON (1988) e, entre nós, dos trabalhos de LOPES (passim). Também fui instigado pela originalidade da abordagem desenvolvida por SANTOS (2006) na análise comparativa das concepções de exposição em dois momentos nitidamente distintos do Museu Histórico Nacional, embora me pareça que algumas de suas conclusões mais generalizantes não possam ser estendidas a museus científicos nos mesmos termos.

11 Pode-se considerar que as coleções naturalistas continuam ‘circulando’, ainda que mais restritamente, mesmo após darem entrada no museu, sobretudo por um período intermediário de assimilação pelas coleções da casa:

chegadas do campo (ou do mercado), passam um período de triagem e pré-tratamento num entreposto dos laboratórios, até serem apropriadamente examinadas, classificadas, catalogadas, e ganharem assentamento

‘definitivo’ nalguma gaveta ou prateleira. Aceitando-se certa extensão do termo, pode-se ainda considerar

‘circulação’: o eventual acesso do especialista para exame e/ou conservação, ou quando eleita para rodízio nas exposições públicas, p.ex., por ocasião de uma exposição temporária de temática pertinente (provisoriamente mobilizada, abandonando seu nicho na reserva para uma temporada em exílio). Do mesmo modo, em um museu tradicional, pode-se considerar como uma fase de grande ‘circulação’ (interna) das coleções o momento das reformas que instauram reservas técnicas e obrigam à redistribuição geral das coleções.

12 Sahlins há muito nos ensinou a enxergar nas razões práticas e instrumentais formas de naturalizar escolhas culturais e valorativas (SAHLINS, 2004).

13 “[O] acervo da instituição [...] hoje conta com mais de 15 milhões de peças em suas coleções científicas e constitui-se em um dos mais importantes museus de história natural da América Latina” (O Museu Nacional, Safra, 2007, p.34).

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é certo que, inicialmente, tal separação não havia. Como observa Fátima Nascimento, em estudo sobre a formação das coleções de cultura material do MN no século XIX, “aquilo hoje denominado como exposição permanente parecia uma mistura de exposição e o que hoje denominamos reserva técnica, ou seja, com exceção do acervo nos laboratórios, tudo era exposto ao público” (NASCIMENTO, 2009, p.85-6). Claro que nem tudo é guardado nas galerias públicas – além dos espécimes de uso nos laboratórios (cf id., ib., p.34), há coleções, como o herbário, que sempre exigiram espaços reservados e condições materiais de guarda incompatíveis com vitrines e exibição permanente.

Ou ainda, como alegado por Lacerda: “Além do material exposto nesta seção existem guardados infinitos objetos zoológicos, uns porque carecem de armários para serem instalados, outros porque não foram ainda determinados e classificados.” (Lacerda, 1905, p.96). Se fora da exposição não é por exercerem uma outra função, organizados de outra maneira num espaço reservado, mas quer por abundância, excesso, quer por vitalidade: falta de equipamentos de exibição, ou por ainda se encontrarem dando entrada na coleção, ainda no entreposto das remessas não classificadas. Mas, de maneira geral, o principal das coleções é guardado no espaço de exibição pública. Mais: compartilha-se a convicção de que tudo que for possível deve ser deixado em exibição.

Em algum momento, a convicção neste modelo começou a sofrer rachaduras. Já Antonio Carlos de Souza Lima, num estudo pioneiro sobre a construção do indigenismo e sua relação com museus no Brasil, ao comentar as provocações de Ihering desconsiderando o padrão científico do Museu Nacional, no discurso de inauguração do Museu Paulista, observa que um ponto chave, não contestado na réplica de Lacerda, era a reivindicação da necessária

“separação das coleções expostas e das coleções de estudo”:

“Para se aferir a justeza das contestações de Lacerda e (ainda que pelo silêncio) da posição de Ihering quanto ao caráter científico do Museu Paulista – notadamente a separação entre coleções de exposição e coleções de estudo – seria necessário um esforço de pesquisa em si.” (LIMA, 1989, p.296)

Ihering escolheu um momento crítico para lançar seu agravo. Em 1895, enquanto inaugurava o seu Museu Paulista, o Museu Nacional acabara de passar pelo custoso processo de

transferência do antigo prédio no Campo de Aclamação (Praça da República) para as novas instalações no palácio da Quinta da Boa Vista, que fora residência imperial, e abrigara a

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Constituinte nos primeiros anos da República. As condições de acomodação eram ainda muito precárias, em prédio pouco adequado às novas finalidades. As coleções apenas depositadas sem maior organização, e o pouco aberto à visita pública encontrava-se à volta do pátio da fonte, no ambiente onde ocorrera a Constituinte. Ainda levará quase duas décadas para que o prédio seja adequadamente reformado e equipado, e as novas instalações inauguradas com exposições públicas em 1914. No entanto, nada indica que então o modelo de disposição das coleções tenha mudado: elas encontravam-se agora muito bem acondicionadas, e

“cientificamente organizadas”, nas galerias abertas à visitação pública. O MN seguia o modelo do Muséum d’Histoire Naturelle de Paris, caso excepcional de grande museu central que manteve todas as suas coleções expostas até a década de 196014. A opção pelo modelo francês é explícita em Lacerda, que não fazia qualquer menção à distinção de coleções de estudo e de exposição, e chegou a alegar que “apenas a falta de espaço” não permitia a plena exposição de todas as peças de valor15.

Este modelo já há muito não é seguido. Como terá se dado esta mudança? Antes de tudo é preciso determinar se foi um processo gradual e contínuo, constituindo depósitos parciais em separado das exposições à medida em que as coleções se formaram e foram ganhando escala, ou se, ao contrário, continuou-se a acomodar a maior parte do acervo no espaço expositivo, expandindo-o e adensando-o ao limite, até que, em um momento concentrado de crise e reforma, uma grande mudança de modelo de guarda e exibição de coleções foi implantado. A determinação desta questão tem sido até agora deixada de lado por quase todos que se

detiveram a estudar a trajetória do MN. É, no entanto, ponto crucial a ser resolvido se quisermos abordar as transformações por que passaram os nossos museus no século passado16.

14 “La Grande Galerie de Zoologie fonctionnera ainsi comme une gigantesque bibliothèque de spécimens naturalisés, jusqu’à sa fermeture au public en 1965” (VAN PRAËT, 1995, p.114). Para se ter noção do aspecto geral de suas galerias, ver as fotografias de Pierre BÉRENGER (&al, 1981), e algumas do ‘foto-romance’ La jetée de Chris Marker (1962).

15 Sobre estas afirmações de Lacerda, ver os comentários de LOPES, 1997, p.246 e p.295.

16 Uma nota sobre as lides do anacronismo. A dificuldade maior em conceituar esta transformação é que a distinção das coleções em duas categorias encontra-se já completamente naturalizada entre nós. Nada mais normal e tomada como óbvia por qualquer um minimamente familiarizado com museus do que a existência de, por um lado, reservas técnicas vedadas ao público, de acesso estrito a staff autorizado, destinadas a conservar em condições técnicas ótimas o grosso do acervo e à serviço da pesquisa científica especializada (e que, afinal, só a ela interessa mesmo...); e, por outro, a exibição pública de uma seleta criteriosa das coleções, apresentadas ao estilo de mídia didática, cumprindo função de divulgar conhecimento e educar o público leigo em geral, em suas variadas configurações particulares (escolares, famílias, turistas, etc.). Acostumamo-nos a considerar esta bipartição física e funcional como a forma natural de organizar um museu e suas atividades, tida como solução racional auto-evidente. Se alguém, mais ilustrado na história dessas instituições, advertir-nos que em nenhuma

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Em 1932, em relatório entregue ao diretor a respeito de sua viagem aos museus norte-

americanos, atendendo a convite da Associação Americana de Museus, Bertha Lutz se mostra animada com “uma nova teoria do Museu, sintetizada pela primeira vez pela expressão the new museum idea”, de Flower, que gostaria ver implementada entre nós17. Outra década e meia passada, e já em pleno curso as grandes reformas iniciadas em 1941, encontramos ainda Castro Faria, no discurso que anunciava a reabertura do MN ao público (com as novas

exposições de antropologia e arqueologia), atribuindo como “responsável pela maior parte das falhas [...] a falta, no momento, de depósitos convenientes para as coleções de estudo, que são ao mesmo tempo as reservas destinadas não só ao suprimento, como à renovação periódica dos grupos expostos.” (CASTRO FARIA,1949, p.16-7). Acrescento mais um testemunho a esta série: em notas manuscritas onde resenha as “Atividades do Museu Nacional do Segundo semestre de 1941 a dezembro de 1944”, Heloisa Alberto Torres justifica parte da demora no preparo das peças de exposição ao esforço, em paralelo, do trabalho pouco visível de

organização das coleções da reserva técnica: “a revisão das coleções científicas a serem expostas ao público tem que ser feita concomitantemente com a revisão das coleções de estudo que constituem a maior riqueza de todo o patrimônio do Museu Nacional. Apenas a Divisão de Antropologia tinha catálogos – senão de organização perfeita – ao menos razoável!” 18.

Esta tese é uma exploração inicial do mérito do problema. Com ao menos três resultados relevantes. Em primeiro lugar, procura demonstrar que, no caso do MN, o processo de separação das coleções, e portanto a instalação de reservas técnicas – depósitos de coleções para uso exclusivamente científico, franqueadas apenas a pesquisadores autorizados –, só se

parte do mundo era assim até ao menos meados do século XIX, e mesmo que apenas alguns poucos museus haviam começado a adotar esta custosa disposição na virada para o XX, tendemos logo a assumir que isto só poderia dever-se então à evolução ainda incipiente das coleções, dos museus, ou do seu entendimento. Como se o conceito da “disposição dual”, a sua pertinácia e adequação inexoráveis, já estivesse necessariamente embutido na idéia mesma de museu desde os seus primórdios, e apenas a sua implementação é que tivesse de esperar amadurecimento e escala para começar a se impor em fins do Oitocentos. O anacronismo é o etnocentrismo dos historiadores (e o somos, um tanto, todos). Para ter acesso a uma leitura mais sutil e interessante do legado é preciso antes de tudo admitir que as outras gerações não são meramente tal qual a nossa dotadas de mais

ingenuidade e menos recursos. Deve-se, ao contrário, ainda que por precaução e método de atentar à diferença (e as sutis são as que mais importa perceber), partir do princípio de que elas atingiram o esplendor ao seu modo.

Um modo qualitativamente distinto dos nossos. Pois não resta dúvida de que “the past is a foreign country: they do things differently there”, na célebre fórmula de abertura do romance de Hartley, retomada no ensaio de Lowenthal (1985).

17 LUTZ, 2008, p.30-1; BENCHIMOL et al, 2003, p.212-13; LOPES &MURRIELLO,2005, p.22.

18 SEMEAR, MN Classe 624, 1944-1972, p.6 (seção intitulada “Coleções Científicas”).

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estabeleceu efetivamente quando das grandes reformas iniciadas em 1941 e que levarão 20 anos para serem concluídas19. As demais mudanças ocorridas no período são solidárias e só podem ser compreendidas se relacionadas a tal divisão. Especialmente as transformações quanto à concepção geral do que deve ser uma exposição, e quanto ao modelo de subjetivação do público a que se destina.

Em segundo lugar, e da mesma forma, a organização da instituição e as concepções do papel das exposições – e o seu correlato, a concepção de público visitante – no período anterior pode melhor ser percebida se levarmos em conta que boa parte das coleções científicas encontravam-se intencionalmente20 distribuídas nas próprias salas de exposição, e que tal distinção ainda não havia se instalado na ‘cultura museal’ dos professores do Museu.

Um terceiro resultado é quanto aos expedientes pelos quais os naturalistas do Museu elaboram seus projetos de reforma, que obriga ao intercâmbio e à comparação com outros institutos do mesmo gênero, especialmente as instituições de referência européias e americanas. Sobretudo recorre à viagem do próprio naturalista em visitação direta aos museus e o seu subseqüente relato.

Um quarto resultado, cuja relevância só percebi tardiamente na análise do material, foi reservado para ser desenvolvido após a tese. Por sobejo. (É sempre bom deixar algo não visto para pretexto de voltar a um museu). Diz respeito à mudança radical da imagem presumida do público visitante do período de Roquette (que analiso em capítulo dedicado) para a que

19 É oportuno ressaltar que a localização deste evento em um intervalo restrito da história da instituição, numa

‘janela de oportunidade’ delimitada, não implica em que o processo só possa ser encontrado aí, como fato acontecido de uma vez por todas. A separação das reservas e a instituição da dicotomia das coleções podem ser melhor entendidas como uma tensão constitutiva destas instituições, em processo permanente de ‘purificação’, nunca completado e no qual é preciso empenhar trabalho permanente, sob o risco de ver o corte se corromper.

(De que é exemplo o atual processo de expansão do instituto, levando as unidades acadêmicas, e os acervos de que são responsáveis, a ocupar novos prédios no horto, 'liberando o palácio' integralmente para atividades educativas e culturais). Além disso, a criação de reservas – setores de atividades reservadas – tende a se sobrepor em camadas, i.e., distinguir níveis diferentes de interdição de acesso, com setores mais opacos e preservados da divulgação do que outros. Nas ocasiões de 'show dos bastidores' é possível eleger-se apenas algumas destas camadas – as mais externas e 'similares' às exposições – satisfazendo a curiosidade do público e ocultando no mesmo movimento todas as demais. Assim como a separação e constituição das reservas é um processo permanente, também a instauração da exposição ‘pura’ como nova face pública do museu, pela qual quer ser reconhecido, em oposição e até mesmo por desdém às reservas (à conservação do acervo, à guarda de coleções de objetos nos depósitos) é um processo interminável: a cada nova reforma e recuperação de exposições o museu vem a público anunciar que ele ‘já não é’ um mero depósito de objetos, ou de coisas antigas e velhas, ou de meras curiosidades, coisas raras ou aberrantes – um depósito, um antiquário, um gabinete de curiosidades.

20 E não por acidente, ou insuficiência – seja de recursos, seja de ‘esclarecimento’.

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começa a se desenhar nos anos 1930, e se estabelece hegemônica no pós-guerra. Uma nova rede de categorias parece se impor como crucial para conceber a figura do visitante e do seu comportamento, vinculadas a noções derivadas da psicofisiologia – esforço, monotonia, excesso; interesse, atração, atenção; inibição, intimidação –, alavancadoras dos primeiros

“estudos de público”, e que podem ser enfeixadas sob a alcunha de “o problema da fadiga” ou o “mal de museu”.

Roteiro de exposição

Este é um estudo sobre transformações museológicas que se dão no Museu Nacional do Rio na passagem da geração de Edgard Roquette-Pinto para a de seus variados sucessores, vistas a partir das salas de exposição. Mantive a postura de um suposto visitante genérico, aquele capaz da visão sintética propiciada pelo “coup d’oeil” (DIAS, 1997b), que não se detém em nenhum setor específico, sem qualquer predileção seja por aves, baleia, múmias, império, índios ou bendegó. Não elegi uma coleção específica para estudo aprofundado,

acompanhando-a verticalmente na instituição, tanto nos procedimentos da reserva técnica, seus estudiosos e curadores, a extração de resultados científicos, quanto nas preparações didáticas para exibição nas vitrines21. Do material de arquivo, privilegiei os registros visuais públicos, preservados como testemunhos do momento – plantas, guias, fotografias –, e os escritos de naturalistas da casa a respeito de como é e como deveria ser o Museu.

De certa forma, e numa perspectiva inversa à que freqüentei quando do trabalho no ETC, preferi deliberadamente permanecer restringido ao espaço de circulação das salas de exposição, obedecendo ao interdito trivial que impede o público anônimo de ultrapassar delimitadores como correntes e portas e invadir os ‘bastidores’ do instituto, exclusivo para

‘pessoal autorizado’. Digamos que “estico o olhar” o quanto posso para alcançar o que puder enxergar do que se passa lá atrás, mas sem arredar pé da platéia.

21 Fui algumas vezes aconselhado a optar por tal abordagem, que tem produzido resultados de valor.

Mencionemos o estudo da trajetória da Coleção Miguel Calmon no Museu Histórico Nacional, por Regina Abreu (1996), e os recentes trabalhos, acompanhando coleções específicas do MN, de Carla Dias (2005) e de Fátima Nascimento (2009). Cheguei a ficar tentado a dedicar-me com lupa à trajetória das montagens etnográficas depois que Fátima revelou-me documentação do setor. Também cogitei em perseguir comparativamente a trajetória expositiva de exposições setoriais que houvessem seguido curso distinto, desde a sua inauguração nos anos 1950 – e.g., a de antropologia física, a de insetos, as tentativas nunca realizadas da botânica. Ao fim de cada mergulho num setor, sempre retornava ao saguão central e consultava, no guia de visitação, qual a sala que ainda restava a conhecer...

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Além deste primeiro capítulo introdutório, a tese se compõem de mais cinco capítulos. Os dois primeiros são propiciatórios. Delineiam traços e elementos gerais de paisagem para o posterior enquadramento do argumento, desenvolvido nos três últimos.

O capítulo “Museográfica” trata da relação entre a formulação de exposições e a viagem. A viagem, bem entendido, para conhecer outras exposições. Indicam que o acesso ao ponto de vista do visitante só é possível em visita alhures. O mesmo quanto à autorização do

reformador de museus. Constato a existência de um gênero de escritos que registra estas impressões de visita a outros museus, e que compõe o repertório para a formulação de projetos de reforma do próprio (ou de criação de novos) museu. Comento as principais

contribuições implicadas nas transformações por que passou o MN no período eleito. Termino discutindo as incidências deste viés viajante na minha própria experiência de trabalho no projeto de renovação do MN.

O capítulo “Cronográfica” apresenta parâmetros históricos para compor a paisagem diacrônica em que os eventos estudados ocorrem, vista da perspectiva dos salões de

exposição. Estabelece uma periodização da história do Museu Nacional no século XX balizada pelo critério dos ciclos expositivos, definidos com base na continuidade/interrupção na

permanência de exposições abertas ao público. Sugiro alguns dos principais processos

institucionais em curso na renovação do Museu nos anos de reforma: a divisão das coleções e constituição de reservas técnicas; a consolidação das especializações dividindo os campos tradicionalmente mesclados das ciências naturais e antropológicas; o deslocamento do centro de gravidade das redes de relações com outros museus do mundo da Europa para os Estados Unidos. Em seguida, apresento algumas das cronologias ‘nativas’ circulantes, gêneros variáveis de registro corrente da memória institucional que encontrei enquanto trabalhava no Projeto da Nova Exposição. Procuro situar o momento das reformas do MN em relação aos grandes ciclos expositivos da casa durante o século XX. Proponho assim uma cronologia de referência que destaca as grandes montagens da exposição dita permanente, escandidas por momentos em que o Museu se fechou à visitação pública.

Os três últimos capítulos descrevem aspectos da grande transformação ocorrida nas reformas de meados do século no Museu. O “Topográfica” procura, através da análise comparativa das plantas baixas de todo o Museu ou apenas das áreas de suas exposições de diversos períodos,

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evidenciar que não havia separação entre exposições e coleções antes dos anos 1940, mas que tal divisão é definitivamente estabelecida após a reforma de então. Através deste estratagema – espécie de evidência-atalho no arquivo documental – pode-se responder afirmativamente à questão que nos colocamos acima.

O “Roquetteana” apresenta uma interpretação sobre a função das exposições do Museu no período anterior ao da reforma de 1940, privilegiando a análise das concepções do papel do Museu em Edgard Roquette-Pinto, tomado como personagem emblemático do período. Em desafio às leituras que atribuem continuidade de suas concepções com as que se seguiram, argumento que o museu pensado por Roquette estava baseado numa organização das coleções radicalmente estranha à que se lhe seguiu, onde a indistinção entre exposição e coleção era inseparável e constitutiva da própria concepção de museu e exposição.

Finalmente o “Iconográfica” se detém sobre um conjunto de fotografias das exposições do Museu antes e depois das reformas de meados do século, em busca de evidências da mudança de modelo expográfico.

(Na guarita de segurança da entrada de funcionários, última visita do autor ao Arquivo do MN, 3/9/2010)

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2.museográfica

temporariamente ausente em visita alhures

“Os próprios índios atuais dão ao etnólogo a impressão de viajantes que acabam de chegar”

Roquette-Pinto1

“Para nós a Europa já é o universal”

Antonio Candido2

Este capítulo, em mais de um sentido, é sobre viagem pelos museus. Pretendo explorar – a partir do material com que me deparei no estudo do ‘caso MN’, assim como do meu

envolvimento pessoal na sua renovação – alguns dos sutis e complexos vínculos que há entre certa noção de viagem, incidências de temporalidade, e o compromisso de elaboração de um projeto de museu.

O recurso clássico para iniciar a formulação de um projeto de museu ou de sua renovação sempre foi partir em viagem. Viagem de ilustração museográfica, bem entendido. Numa espécie de Grand Tour museográfico, o naturalista responsável pela condução da reforma costumava partir em roteiro para conhecer (ou atualizar-se sobre) os principais museus de outras nações, onde ciências e museus eram considerados os mais desenvolvidos. Retornava amadurecido, com opinião formada quanto ao que deveria ser implementado no próprio Museu, que costumava registar em relatórios e ensaios programáticos.

Tais escritos resultantes das impressões dessas viagens (ou suas substitutas), que chamarei de

‘corpo museográfico’, compõem o conjunto principal de documentação em que a tese se

1 “Anacronismos da vida brasiliana”, in ROQUETTE-PINTO, s/d, p.139.

2 Apud PEIRANO, 1995, p.9.

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funda, minhas fontes ‘privilegiadas’. (Mesmo as plantas e fotos, que utilizei fartamente para desenvolver o argumento, foram extraídas sobretudo desta documentação). Um objetivo complementar, mas não menos estratégico, deste capítulo é estabelecer algumas

características, como também limites, desta documentação. Cumpre assim também um papel metodológico, fazendo uma apresentação inicial deste material, seus principais títulos, as circunstâncias de sua produção e articulação com as reformas empreendidas.

Mais que um conjunto heteróclito de documentos reunido ad hoc pelas lentes da minha pesquisa (sem deixar de sê-lo também), procuro argumentar que eles configuram um gênero de produção documental em si, e que são freqüentados sistematicamente por todo naturalista reformador. Ou seja, é o fato de este grupo peculiar de leitores especializados recorrentemente tomá-los em conjunto que confere a esta coleção um estatuto ‘nativo’.

Diretores reformadores

Ao assinalar os avanços recentes nos estudos dos museus e seu papel na história das ciências baseadas na formação e exame de coleções, Lopes (2005, p.16) remete-nos à prescrição de Daston (1988), para quem as perguntas-guia de uma investigação devem ser: quem coletou, o quê, como, quando, por que? O modo de retraçar a constituição dessas ciências naturais deve se dar através da história propriamente da constituição e da trajetória da formação de suas coleções de estudo. O mesmo programa de pesquisa pode ser proposto para certa tradição antropológica, aquela fortemente calcada no exame da chamada ‘cultura material’ recolhida de outros povos. É o que faz Ira Jacknis (2002), que persegue rigorosamente aquelas mesmas perguntas em sua investigação sobre a arte kwakiutl (ou melhor, kwakwaka’wakw) da costa noroeste.

Transpondo os registros para o nosso estudo, e admitidas algumas torções, é possível considerar um procedimento análogo. Não se trata aqui primordialmente dos conjuntos de espécimes de naturalia coletados, encomendados, trocados, pilhados, etc. para enriquecer de

‘evidências empíricas autênticas’ as coleções científicas do próprio museu. Tampouco lidamos aqui com o tradicional “naturalista viajante” propriamente dito, empenhado em intrépidas expedições de campo para, desde paragens remotas e natureza incógnita, arrematar amostras a remeter à instituição de base.

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Por outro lado, o móvel não deixa de ser viagens, naturalistas em viagem, e o objetivo último, em certo sentido, coletas e permutas. Só que o objeto a ser adquirido é antes conhecimento a respeito de outros museus. Sobretudo um tipo ou qualidade de conhecimento a que não se pode ter acesso apenas através dos catálogos publicados: como estão exatamente acomodadas as suas coleções, os recursos efetivamente disponíveis para que pesquisadores consultem as séries de estudo reservadas, e, sobretudo, a experiência subjetiva provocada pela visita às suas exposições públicas, o espírito do lugar, com a variedade de soluções circunstanciais de montagem, de mobiliário, iluminação, etiquetagem, etc. A experiência comparativa que um

‘naturalista residente’ somente poderia ter ao confrontar-se com um teatro distinto, na condição de ‘naturalista visitante’. Retornam como que com “coleções de impressões de visita” – o relato da experiência vivida dos maiores impactos, inovações felizes, decepções, que gostariam de reproduzir ou evitar, de todo modo ter como referência a partir da qual idealizar um modelo próprio de como deve ser o seu museu. Num linguajar anacrônico, a coleção sobre a qual me detive não é de naturalia ou artificialia, mas de memorabilia da disposição daquelas noutras casas. São as impressões e descrições de outros museus, e os insights despertados ao experienciá-los reutilizáveis em casa.

As nossas perguntas então seriam: quem viajou, quando, por que, que museus visitou, que intercâmbios firmou, com que opiniões antes não formadas voltou? O que escreveu sobre seu percurso ou achados museais? Publicou suas impressões? Ou, mais focadamente: quando da iminência de uma grande reforma, recorreu-se à viagem prévia? No que opiniões provocadas pela experiência de viagem influenciaram o projeto de reforma?

O caso mais característico desse gênero de viagem é aquele protagonizado por um naturalista que ocupa o cargo de direção de um museu, o qual está em vias de ser constituído, expandido, ou que se encontra na iminência de atravessar uma grande reforma. É então preciso passar pelo papel de visitante de outros museus longínquos para poder autorizar-se plenamente a conceber o próprio museu. Lopes analisa com cuidado dois casos exemplares de diretores- viajantes no início do século vinte: Ihering (M. Paulista) e Lacerda (M. Nacional). O primeiro empreendeu uma viagem à Europa em 1907 com o objetivo explícito de verificar o estado da arte dos museus de história natural; publicou suas impressões no mesmo ano, na revista da sua instituição. Seu diagnóstico – de que só teriam futuro os museus especializados – reforçava os rumos que tentava imprimir na instituição que fundou em 1895, e que pretendia tornar o maior museu especializado em moluscos da América Latina. “[O]s diretores do Museu

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Paulista não só recebiam colegas diretores de museu como eles também fizeram viagens de estudos e para participação em congressos científicos em suas especialidades. [...] Mas eles também visitavam museus e, ao voltar dessas viagens, revestidos da autoridade que essas lhes conferiam, pontificavam acerca do que consideravam seus ideais de museus”. (LOPES,1997, p.285).

Quanto a Lacerda, justo no curso de empreender a grande reforma de adaptação do Palácio da Quinta da Boa Vista às necessidades funcionais do Museu Nacional, aproveitou ida como delegado brasileiro ao Congresso Universal das Raças, na Londres de 1911, e prolongou sua estadia por três meses e meio em “demorada visita” para investigar as principais instituições de Londres (British, Natural History Museum, Kew Gardens) e Paris (Muséum au Jardin des Plantes), os “dois maiores focos da civilização moderna, às duas grandes metrópoles, que encerram, nos seus monumentos, as mais estimadas produções artísticas e científicas do mundo” (LACERDA, 1914, p. 195-6), e “ver também o que poderia ser ali copiado e reproduzido” no Museu do Rio de Janeiro (id., p.221), sobre as quais redigiu detalhado relatório de impressões e sugestões, encaminhado ao ministro. Logo na abertura de seu relato, pronuncia declaração chave que funda a retórica da opinião formada por testemunho e

experiência direta, própria da narrativa do diretor-viajante: “Não estando preso ao compromisso de dizer as coisas com ideias preconcebidas, nem segundo impressões de outrem, escrevo sem a preocupação de que porventura possam ser mal recebidas ou

controvertidas as minhas opiniões. A impressão é toda minha e o juízo é todo meu, em todas as seções deste relatório.” (id., p.196). Desta mesma viagem participou o jovem Roquette- Pinto. Após o Congresso de Londres, prolongou sua estadia em Paris até completar os mesmos 6 meses (Cf LINS, 1956, p.77).

Como sugere Lopes:

“Sintomas evidentes das mudanças essenciais por que passavam o mundo dos museus e suas ciências, mesmo que examinados pelos mais diferentes olhares, as viagens que fizeram permitiram também que os diretores de museu continuassem classificando, buscando agora catalogar e pôr ordem em suas instituições. [...] Essas viagens – quer fossem as de Bather, Coleman e outros naturalistas, quer fossem essas de Ihering e Lacerda em sentido inverso, do Brasil para a Europa – todas tinham um sentido classificatório e normativo. [...] As viagens convertiam-se em mais um exercício de descrição, definição e mapeamento do território brasileiro, mesmo que se tratasse, no caso, do território dos museus. [...] Apoiados na autoridade que as viagens ao exterior

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lhes conferiam, esses diretores montavam suas argumentações para sustentar as diferentes propostas de museus que se confrontavam no país.”

(LOPES, 1997, p.301-2, grifos j).

Em outra viagem independente, mas neste mesmo ano de 1911 e com duração de pouco mais de seis meses, o substituto da Seção de Zoologia do MN Alípio de Miranda Ribeiro percorreu institutos distribuídos num grande arco que incluiu Nápoles, Roma, Florença, Gênova,

Mônaco, Turim, Trieste, Viena, Berlim, Hamburgo, Paris, Londres e Nova Iorque. O motivo da expedição era, segundo resolução da Congregação, “para dar organização adequada aos seus fins ao Laboratório de Taxidermia do Museu, a fim de verificar os processos usados nas oficinas de Taxidermia dos estabelecimentos congêneres à esta instituição no estrangeiro”

(Miranda-Ribeiro, 1912, p. iii, grifo original). A esta tarefa Alípio acrescentou o levantamento de exemplares de espécies brasileiras presentes nos museus estrangeiros: “[...] verifica-se que eu incluí – no programa da minha ida à Europa para organização do Laboratório de Zoologia – o estudo das coleções brasileiras na Europa”, como relata em conferência de 1914 (Idem, 1945, p.32, grifos j). No retorno, visitou ainda institutos de São Paulo, Pará e Ceará (Idem, 1912, p. v). O seu relatório de viagem está dividido em duas partes: a primeira é um manual de introdução às técnicas de taxidermia (farta em ilustrações didáticas); a segunda uma recensão das impressões deixadas pelas coleções em exposição apreciadas nos museus estrangeiros (farta em fotografias das ditas ‘preparações’). Termina com recomendações normativas para a constituição do serviço no MN.

A viagem permanecerá o método, senão o emblema, privilegiado de autorização do diretor- reformador por gerações. Passados cinquenta anos da viagem de Lacerda, no momento em que deixava a direção do MN, após seis anos em que completou as reformas iniciadas por Heloisa Alberto Torres e a reabertura das exposições públicas, José Cândido Carvalho deu um depoimento aos jornais sobre as realizações de sua gestão. É antes de tudo à sua bagagem de itinerância pelas instituições de excelência estrangeiras que atribui sua competência na tarefa:

“Conheço a maioria dos museus internacionais e com a experiência de minhas viagens eu e meus companheiros do Museu Nacional trabalhamos arduamente no sentido de mostrar que museu já não significa mais ‘depósito de peças’” (CARVALHO, 1961) As passagens por outros museus não são reivindicadas aqui para qualificá-lo como cientista, ou por saber bem organizar suas coleções de estudo, o 'depósito de peças' – que aliás, apesar

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