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ELEMENTOS DO SABER PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA: entre provas e manuais pedagógicos

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ELEMENTOS DO SABER PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE

ENSINA MATEMÁTICA: entre provas e manuais pedagógicos

Viviane Barros Maciel1

RESUMO

Este texto integra um projeto maior que tem por temática o saber profissional do professor que ensina matemática nos primeiros anos escolares. O texto visa contribuir com as análises da tese de doutoramento, em desenvolvimento, na elaboração histórica de uma multiplicação para ensinar nos manuais pedagógicos, no período entre 1880 e 1920. Busca-se responder à seguinte questão: que elementos do saber profissional podem ser extraídos de provas e qual a relação entre estes e a matemática para ensinar nos manuais pedagógicos? Para respondê-la, o texto se referencia em autores que tomam os saberes objetivados como tema central do ensino e da formação docente. Os resultados mostram mudanças nos elementos relativos ao método, graduação e processos de ensino extraídos das provas de Aritmética. Estes elementos indicaram a passagem de uma multiplicação para ensinar abstrata e propedêutica para uma intuitiva e utilitária, tendo em vista a multiplicação para ensinar nos manuais pedagógicos. Do mesmo modo, elementos extraídos das provas de Pedagogia articulados com a aritmética intuitiva a ensinar, averiguada no período, pode se inferir a constituição de uma matemática para ensinar intuitiva, analítica e graduada.

Palavras-chave: Saber profissional. Matemática para ensinar. Formação de professor de matemática.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No cerne das discussões sobre as profissões do ensino e formação, o GHEMAT – Grupo de Pesquisa em História da Educação do Brasil tem tomado como pivô central de suas pesquisas o saber profissional do professor que ensina matemática nos primeiros anos escolares. A pesquisa de doutoramento, em desenvolvimento, se vincula a esta temática, e busca realizar uma análise histórica da multiplicação para ensinar nos manuais pedagógicos (1880 – 1920).

1 Doutoranda da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Campus Guarulhos. E-mail:

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A multiplicação compõe a matemática para ensinar no ensino primário, em sentido mais amplo, os saberes para ensinar. Os saberes para ensinar articulados aos saberes a

ensinar, definição dada pelos suíços, Hofstetter e Schneuwly (2009), têm contribuído na

compreensão de uma matemática para ensinar, tendo em conta uma matemática a ensinar. De acordo com Bertini et al. (2017), a matemática para ensinar está ligada à matemática como referência disciplinar, aos saberes científicos, aos saberes a ensinar e a matemática

para ensinar, aos saberes para o exercício profissão docente, saberes pedagógicos, que tem

na formação de professores lugar privilegiado para seu estudo, aos saberes para ensinar. Para o estudo da matemática para ensinar, documentos como manuais pedagógicos, livros didáticos, programas de ensino, revistas pedagógicas, cadernos, provas e exames, constituem lugar privilegiado para estudo do saber profissional do professor que ensina matemática, de uma parte, por serem elementos da cultura escolar, de outra parte, por estarem carregados de saberes objetivados “representando herança sedimentada de saberes comunicáveis passíveis de apropriação” (VALENTE, 2018, p.11, no prelo), os quais serão considerados nesta pesquisa.

Assim, para este simpósio temático, que prioriza provas e exames na escrita da história da educação matemática, buscar-se-á por respostas à seguinte questão: Que elementos

constituintes do saber profissional do professor de matemática podem ser extraídos de provas e exames do final do século XIX e primeiras décadas do século XX ? Qual a relação entre estes elementos e a matemática para ensinar nos manuais pedagógicos?

Objetiva-se, assim, articular a produção de elementos constituintes de uma aritmética

para ensinar, no curso primário, nos manuais pedagógicos, entre 1880 a 1920, bem como

verificar relações, potencialidades e contribuição de provas e exames na constituição destes elementos.

ELEMENTOS DO SABER PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA NOS MANUAIS

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explícita nas páginas dos manuais e por este processo de busca e extração de saberes se dar por etapas de modo a tentar “capturar métodos, didáticas, orientações pedagógicas que vão se transformando em saberes objetivados conduzindo a um movimento de institucionalização de saberes para ensinar referenciados em saberes a ensinar” (BERTINI ET AL., 2017, p. 25). Assim, se espera que, ao final, processos de objetivação se „sedimente‟ a essência destes saberes a fim de que se desvelem elementos do saber profissional. Para Valente (2018)

Estes processos resultam na constituição dos saberes objetivados. Envolvem tempo relativamente longo, situações de decantação, de estabilização, de consensos sobre determinados saberes que vão ganhando formas sistematizadas para se tornarem referência à formação de professores, em termos da constituição de matérias de ensino, de disciplinas escolares e científicas. Ter em conta processos de objetivação leva-nos a considerar saberes “ainda não objetivados”,por exemplo,

saberes da ação. Mais precisamente, coloca-nos o desafio de estudar

historicamente como se articulam, ao longo do tempo, esses dois saberes: objetivados, representando herança sedimentada de saberes comunicáveis passíveis de apropriação; e saberes da ação, evidenciados na prática pedagógica dos professores numa dada época histórica, transcritos sob formas diversas, chegando até a atualidade por meio de transcrições de relatos de experiências de práticas, de memórias da docência, de anotações em cadernos de classe e de alunos etc.

(VALENTE, p. 11, grifos do autor, no prelo)

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a instituição que define o seu campo de atividade profissional [...]” (HOFSTETTER E SCHNEUWLY, 2017, p. 134), que parecem enunciar uma aritmética para ensinar no período.

Pode-se, também, afirmar que, num primeiro processo desta objetivação, as análises mostram uma multiplicação para ensinar muito próxima à multiplicação a ensinar. A hipótese é que análises realizadas em diferentes escalas sejam capazes de determinar outros níveis de objetivação, de forma que se sedimente uma multiplicação para ensinar um pouco mais definida, objetivada.

Dentre as principais transformações que se nota, referente à introdução, é que de uma introdução descritiva, esta passa a contar com o aparato de imagens, exemplos da vida prática e até mesmo de problemas (a resolver ou resolvidos), uma introdução mais intuitiva.

Em termos de explicação da multiplicação, novos dispositivos são acrescentados ao ensino dos casos da multiplicação2, visando, especialmente, facilitar a memorização pelo aluno do primeiro caso: a Tabuada de Pitágoras3, como é o caso do manual de Monteiro de Souza (1910)4 a seguir (figura 1).

Figura 1: Tabuada de Pitágoras usada na explicação do primeiro caso da multiplicação

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Os três casos da multiplicação, presente nos manuais do final do século XIX e início do século XX, referiam-se à multiplicação entre dois números simples (de um só algarismo), primeiro caso; entre um número simples e um número composto (mais de um algarismo),segundo caso, e entre dois números compostos, este último, representando o terceiro caso.

3 O produto entre um algarismo da coluna da extrema esquerda (vertical) e um algarismo da linha da extrema

superior (horizontal) pode ser obtido tomando o algarismo que se encontra no cruzamento da linha pela coluna nas quais estes algarismos se localizam, respectivamente. Valente e Pinheiro (2015) escrevem um artigo em que mostram a permanência da cultura da memorização e a emergência de novos paradigmas para o ensino da tabuada com o abandono do ensino conjunto das quatro operações fundamentais da Aritmética.

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Fonte: Manual Monteiro de Souza, 1910, p.21.

Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/159291

Quanto à graduação ou progressão de ensino da multiplicação, a orientação para ensinar a multiplicação é que a introdução seja seguida da explicação dos casos e que após cada caso seja dada a regra geral. Neste ponto, as transformações que ocorrem é uma simplificação das explicações dentro de cada caso, e a generalização que se dava logo após a explicação de cada caso, vai sendo, aos poucos, substituída pelos princípios multiplicativos, com exemplos e demonstrações.

A partir da explicação dos casos é que se passava aos exercícios e ou problemas que, pouco a pouco, vão sendo usados como instrumentos de verificação do ensino de multiplicação. De exemplos resolvidos ao final de cada caso de multiplicação, os exercícios passavam a se estender no final da explicação da operação.

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Todas estas transformações ocorrem atreladas a uma aritmética intuitiva a ensinar. De acordo com Oliveira (2017), a transição de uma aritmética antes propedêutica e abstrata (na visão racionalista do filósofo francês Condorcet) para uma aritmética utilitarista e intuitiva (na visão empirista do pedagogo suíço Pestalozzi), vai levar o saber de elementar, a elementar científico, e depois para elementar psicológico5.

Neste período, de acordo com Valente (2017) „o saber para ensinar constitui-se como ciência de formas intuitivas para a docência dos primeiros passos da aritmética e da geometria‟ (p. 216). Segundo o autor:

Tal saber para ensinar penetra na cultura escolar e deixa-nos marcas até hoje presente nas escolas. “Eu trabalho primeiro no concreto” é a expressão comumente utilizada pelos professores que indica a filiação longínqua que esse saber traz desde os tempos em que se afirma a chamada vaga intuitiva na pedagogia”.

(VALENTE, 2017, p. 216, grifos do autor)

Desse modo, uma aritmética para ensinar vai se constituindo articulada a uma

aritmética intuitiva a ensinar, constatada neste período.

CONTRIBUIÇÕES DE PROVAS E EXAMES NA CONSTITUIÇÃO DE UMA MATEMÁTICA PARA ENSINAR

O que se pode dizer com relação às provas e exames e a objetivação de saberes para ensinar? Provas e exames é um tipo de documentação que dá visibilidade a estes saberes. A prática de avaliar representa uma prática pedagógica: a de verificar o que foi ensinado. Além disso, provas e exames integram um dos elementos constituintes de uma disciplina escolar, segundo Chervel (1990): o aparelho docimológico. As avaliações, a exposição do conteúdo, os exercícios, as práticas de motivação e incitação são quatro elementos constituintes de uma disciplina segundo conforme este autor.

No Brasil, foram os exames finais impostos pelo regime de preparatórios – uma exigência para entrada no secundário – que cederam espaço a outros instrumentos avaliativos, como as provas parciais, segundo Valente (2008, p. 36). Especialmente, a

5 A tese de doutoramento de Pinheiro (2017) constata a existência de uma aritmética sob medida a ensinar

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partir de 1930, as salas de aula, divididas em níveis (seriação), e a ampliação do número de alunos que frequentavam a escola, motivaram novas formas de avaliação. De acordo com este autor, “esse tipo de avaliação, agora como instrumento de trabalho pedagógico do professor – por ele elaborado, por ele aplicado e corrigido – sofre muitos questionamentos inicialmente e deve ficar sujeito a um conjunto grande de normalizações para ser utilizado pelos mestres” (VALENTE, 2008, p. 37). De acordo com este autor,

Os exames e provas escolares são documentos valiosos para, por exemplo, estudo da apropriação realizada pelo cotidiano escolar das reformas educacionais. Essa documentação cria a possibilidade, dentre tantas outras coisas, de análise dos conteúdos selecionados pelos professores como mais significativos de seu trabalho pedagógico com os alunos; os exames e provas podem revelar também a concepção de avaliação dominante num determinado contexto histórico; podem ainda, através da análise dos enunciados dos exercícios e questões, possibilitar a leitura que o cotidiano escolar realiza de uma determinada época histórica; de parte dos alunos, as provas são instrumentos importantes para análise de processos de resolução de exercícios e questões de um determinado conteúdo escolar, além de possibilitar, através de inventário das notas obtidas pelos alunos, o estudo do desempenho dos alunos de diferentes épocas escolares, numa dada disciplina. (VALENTE, 2005, p.179-180)

A análise desta citação mostra que as provas estão carregadas de saberes. Os conteúdos compõem saberes, selecionados e priorizados, ensinados. Estes saberes, ensinados, carregam em si, saberes para ensinar articulados aos conteúdos. Pode-se, também, extrair das provas e exames, processos e procedimentos na resolução de uma questão, aspectos ligados ao método, bem como dispositivos que foram ensinados. Além disso, há questões nas provas que até podem indicam o manual utilizado, com uma descrição idêntica ao modo que se apresentam nos manuais (MACIEL, 2012, p. 142-143).

Assim, um primeiro movimento de pesquisa foi procurar por provas6 nas quais os

saberes para ensinar pudessem se tornar mais visíveis. Os principais tipos de provas

presentes no RI-UFSC, neste período, são provas de concurso do ensino primário do final do século XIX (a maioria de Sergipe); provas para provimento de cargos públicos (como tabelião); provas de Pedagogia de alunos da Escola Normal etc.. Foram escolhidas duas

6 Deve-se aqui chamar a atenção para a dificuldade de se encontrar provas, mesmo com o projeto de

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provas de Aritmética7 (1893 e 1915) e um grupo de provas de Pedagogia8 (1906). Optou-se por provas deste período, 1880 a 1920, a fim de possibilitar uma articulação entre a aritmética intuitiva a ensinar averiguada pela pesquisa de Oliveira (2017) com os saberes para ensinar extraídos destas.

Provas de Aritmética

As provas para cargos públicos geralmente eram realizadas após a conclusão do secundário, porém, mesmo assim, havia provas em que pontos (temas) do ensino primário eram cobrados, como é o caso da Prova de Aritmética para o cargo de „1º Tabelião da Capital‟, do ex-aluno do Liceu de Goiás, João César Caldas, de acordo com Maciel (2012). Além do Termo de Exame, se tem, também, a prova. Esta prova é datada de 29 de maio de 1893. Nela havia três questões, uma sobre multiplicação, outra sobre divisão seguida da prova para validação da operação e, em terceiro lugar, uma que pedia a demonstração de um teorema, referente aos princípios multiplicativos.

1º. Multiplicar um número composto 6739854 por 4637”;

2º. Dividir os dois números 278964 a 5370 e tirar a prova desta divisão.

3º. Demonstrar o seguinte teorema, o produto de uma soma por qualquer número é igual a soma dos produtos de cada parcela por esse número.

(MACIEL, 2012, p.106)

As soluções a estas questões se deram de modo descritivo, em conformidade com os manuais do final do século XIX: uma longa explicação e um exemplo, que segundo Oliveira, isto caracterizava um ensino em que prevalecia a divisão científica do conteúdo, uma marcha sintética, das partes para o todo, prevalecendo um ensino propedêutico. Assim, como resposta à primeira questão o aluno diz que:

Multiplicar um número composto por outro é repetir o multiplicando tantas vezes quantos são os algarismos do multiplicador. Ora, sendo o multiplicando 6739854 um número composto e 4637 outro de igual natureza, é claro que temos de repetir 6739854 sucessivamente pelos algarismos 7,3,6,4, isto é, da direita para esquerda, achando o resultado de cada multiplicação debaixo de algarismo pelo qual se opera, e assim

7 Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179772 . 8

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procede-se até final; traça-se um risco orisontal [sic] por baixo desses algarismos e soma-se -as, encontra-se, então, um todo que toma o nome de produto ou resultado” (MACIEL, 2012, p.107).

O algoritmo da multiplicação se dava logo após a explicação da operação. A segunda questão versava sobre a divisão. Dividir os dous numeros 278964 e 5370 e tirar a

prova dessa divizão [sic].. O aluno então respondeu que bastava para isso colocar o

número que se quisesse dividir à esquerda do divisor e procedia com a operação. Do mesmo modo, ele trazia então a divisão e toda a explicação da prova com a solução. (MACIEL, 2012, p.108).

No caso da terceira questão, o princípio multiplicativo questionado era um desdobramento de que a inversão dos fatores de uma multiplicação conserva o produto. No entanto, a demonstração numa prova infere aproximação com uma matemática anterior à

matemática intuitiva a ensinar averiguada por Oliveira (2017). O aluno, João Cézar

Caldas, apresenta um exemplo, no lugar de demonstrar: “Suppondo que sejam (2 + 5) × 8.

Esta multiplicação indica que (2 + 5) × 8 dá o mesmo resultado que se multiplicar-se 2 por 8 e 5 por 8, e somando-se essas duas parcelas, o que quer de uma de outra maneira sempre dará 56. E assim fica demonstrado o theorema” (MACIEL, 2012, p. 108). A prova

contou com a assinatura de Arthur Napoleão, indicado como examinador de Aritmética e Manoel Caiado professor de Língua Portuguesa, e a assinatura de Souza Morais, terceiro examinador, que o julgaram “plenamente aprovado” para assumir o cargo público.

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Figura 3. Prova de Aritmética de Ilda Walois Galvão, Sergipe, 1915

Fonte: Provas e Exames - RI- UFSC

Nestes exemplos, tanto nos manuais, quanto nas provas, os saberes vão sofrendo transformações, tais problemas resolvidos assim, se pode inferir que o cálculo mental começa a ser cobrado também nas provas no final deste período. São mudanças que o saber elementar a ensinar sofre para „saber elementar psicológico‟, conforme Oliveira (2017) citado nas páginas iniciais. De acordo com Oliveira (2017), o manual de Arthur Thiré9 (1914) prioriza o cálculo mental como sendo um facilitador de aprendizagem. (THIRÉ, 1914, p.111) enunciando uma nova forma de ensino intuitivo da aritmética que, segundo ele,

com vistas a ajustarem-se à finalidade de ensinar psicologicamente à Aritmética do projeto alfabetizante da escola primária. Nesse projeto, os saberes escolares se identificavam mais com a finalidade rudimentar que com a ideia de fundamentos de um estudo mais avançado.

(OLIVEIRA, 2017, p.43)

Percebe-se, na prova de 1893, a ocorrência de um ensino abstrato e propedêutico e a presença das explicações, geralmente, repetindo todo o procedimento usado nas explicações aos casos, nos manuais pedagógicos, num momento que antecede à aritmética

intuitiva a ensinar, constatada por Oliveira (2017). Na prova de 1915, diferentemente, não

há uso da retórica para explicação dos cálculos. O aluno resolve a multiplicação fazendo uso de uma sentença, em uma só linha: operação seguida da solução. O que enuncia mudança nas finalidades de ensino da multiplicação: era preciso multiplicar “de cabeça”,

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de memória10, fazendo uso do cálculo mental em problemas da vida prática. Problemas para o ensino das operações. O ensino prático indica um ensino baseado em rudimentos (VALENTE, 2016), ensinando-se o que é útil e não, com o objetivo de continuar ou aprofundar um saber.

Provas de Pedagogia

A escolha pela Prova de Pedagogia para análise dos saberes se deu, especialmente, a partir da leitura do trecho de Lussi Borer (2009) sobre os saberes de referência para formar o professor primário. De acordo a autora, as escolas normais ofereciam uma formação geral e uma profissional sob o controle da administração, geralmente o diretor. A autora afirma que as escolas normais tinham pouca relação com as ciências da educação e que quando se fazia a articulação era via direção da escola, que muitas vezes era o professor da disciplina de Pedagogia. (LUSSI BORER, 2017, p. 178).

Também ao ler que os saberes para ensinar se evoluem. Segundo Lussi Borer

Tanto na formação para o ensino primário quanto para o secundário, os saberes para ensinar evoluem: constituídos inicialmente por saberes teóricos em pedagogia ou ciência da educação, estes pouco a pouco sofrem a concorrência dos saberes metodológico-didáticos e psicológicos em um segundo momento, seguidos pelos exercícios práticos ou estágios, que se tornam obrigatórios no final do período.

(LUSSI BORER, 2017, p. 188)

Assim, provas de Pedagogia11 poderiam ser indicativas de saberes para ensinar. Assim, nas provas analisadas, datadas de 17 dezembro de 1906, de alunos do quarto ano da Escola Normal, anexa ao Liceu de Goiás12, foram identificados saberes ligados à metodologia.

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De acordo com Oliveira (2017) em se tratando de Aritmética, a progressão psicológica do cálculo colocaria em movimento a memória e outras faculdades através do chamado cálculo mental.

11https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179772 .

12 A Escola Normal, anexa ao Liceu funcionava na Cidade de Goiás, Estado de Goiás. Grande parte da

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A disciplina Pedagogia e Metodologia, de acordo com o Relatório de Instrução13, de José Xavier de Almeida, de 13 de maio de 1905 (p.21), estava presente no quarto ano da Escola Normal:

primeiro ano, português, francês e geografia; segundo ano, português, francês e geografia, compreendendo cosmografia e aritmética; terceiro ano, português, aritmética, geometria e história universal; quarto ano, história universal, pedagogia e metodologia e prática escolar.

(GOYAZ, RELATÓRIO DE INSTRUÇÃO -1905, p.21, grifo nosso)

No início da prova constavam assinaturas do chefe da instrução pública, João Alves de Castro, e dos professores que constituíam a banca examinadora, Gastão de Deus, Aloízio Morais e A. Péricles. No final da prova escrita constavam as assinaturas da banca com dando sua concordância (“concordo”), com as notas parciais, da prova escrita e oral, e então a nota final com a aprovação, assinada pelo professor da disciplina de Pedagogia, Joviano de Castro.

Na Prova de Pedagogia se cobrava como principal conteúdo, os princípios

didáticos. Os princípios didáticos nas respostas das alunas estavam em conformidade com

os princípios que se apresentam na segunda lição do manual de Helvécio de Andrade (1913)14, Curso de Pedagogia. Neste manual, a segunda parte „metodologia‟, é composta primeiramente pelos métodos, seguido dos princípios didáticos e, por último, modos, formas e processos de ensino. Antes de enunciar os princípios, o autor explica que a didática é a parte da metodologia responsável por formular as principais regras no ensino e que os princípios se dividem em três partes: uma relativa ao ensino, outra ao aluno e outra ao mestre. Por se tratar dos mesmos princípios das provas encontradas, neste texto a análise partirá dos manuais para as provas, nos princípios que possuem mais relações com a aritmética intuitiva a ensinar averiguada.

13 Disponível em : http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u196/ .

14Segundo o autor a obra dele tem a vantagem de oferecer um plano de estudos “methódico e coordenado”,

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Nos princípios relativos ao ensino, este deveria ser: racional (leis da lógica e faculdades mentais); intuitivo (instigando os sentidos, mostrando objetos); simples na forma e elementar; o ensino deve ser analítico e depois sintético (pelas recapitulações), prático (praticar para saber, baseado na vida prática); ensino moral, religioso e cívico; matérias de ensino com conhecimentos simples passando para os complexos. Quanto aos princípios, referentes aos alunos, este era enunciado em um só: o aluno deverá ser convencido pelo mestre sobre a necessidade de aprender, de ter boa vontade para com a escola despertando a curiosidade e o interesse, de modo a desenvolver a autonomia. Com relação ao professor, tornar o ensino atraente, animado e variado, pondo em prática diferentes métodos; ministrar lições de forma gradativa das muito fáceis às mais difíceis; preservar a saúde do aluno e desenvolver as forças físicas através dos jogos e exercícios, instruir os alunos na moral e religião. (ANDRADE, 1913, p. 86 – 88)

Figura: Prova de Pedagogia Oldrília Augusta d‟Ávila – Escola Normal – Goyaz - 1906

Fonte: Provas e Exames RI-UFSC

Os princípios didáticos são, na formação das normalistas, princípios para ensinar uma matemática intuitiva a ensinar que vigorava no período, decantando, deste modo, uma

matemática para ensinar intuitiva, analítica e graduada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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para ensinar conformada com a aritmética a ensinar. Isto também foi evidenciado nas

análises de provas.

Ao se fazer o exercício de extração e análise de saberes para ensinar em provas de Aritmética e de Pedagogia, elementos relativos aos métodos, processos e à graduação de ensino emergiram. A Prova de Aritmética analisada, de 1893, mostrou uma aritmética propedêutica e abstrata15, enquanto que a de 1915 trazia uma aritmética com novos elementos pedagógicos e métodos, o uso de problemas da vida prática para ensinar multiplicação e o cálculo mental para resolvê-los, uma aritmética para ensinar intuitiva, prática e utilitária, ambas em conformidade com os resultados apresentados por Oliveira (2017). Na análise das provas de Pedagogia, os princípios didáticos cobrados dos normalistas, se mostraram articulados a uma aritmética a ensinar do período. Desta articulação pode se inferir que uma aritmética para ensinar se dá de forma intuitiva, analítica e graduada.

As análises colaboraram com a extração de elementos dos saberes para ensinar e para o delineamento de uma multiplicação para ensinar a partir de manuais pedagógicos e de provas. Espera-se, continuando a pesquisa de doutorado a que este texto se vincula, captar períodos em que estes elementos do saber profissional se estabilizem, possibilitando o processo de objetivação e sistematização dos mesmos, e se tornando referência na formação de professores que ensinam matemática.

REFERÊNCIAS

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