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A problematização concernente ao enquadramento penal do ato do linchamento

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GRAZIELE BRAZ DE CARVALHO

A PROBLEMATIZAÇÃO CONCERNENTE AO ENQUADRAMENTO PENAL DO ATO DO LINCHAMENTO

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A PROBLEMATIZAÇÃO CONCERNENTE AO ENQUADRAMENTO PENAL DO ATO DO LINCHAMENTO

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

C331p Carvalho, Graziele Braz de.

A problematização concernente ao enquadramento penal do ato do linchamento / Graziele Braz de Carvalho. – 2015.

69 f.: il. color. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Orientação: Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago.

1. Linchamento. 2. Crime. I. Título.

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A PROBLEMATIZAÇÃO CONCERNENTE AO ENQUADRAMENTO PENAL DO ATO DO LINCHAMENTO

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago.

Aprovada em: 25/11/2015

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________ Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________ Prof. Dr. Samuel Arruda Miranda

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AGRADECIMENTOS

A todos os meus familiares, em especial aqueles que comigo convivem diariamente: minha mãe, Fátima Braz, que sempre me apoiou incondicionalmente nos meus estudos e ao meu pai, Geraldo Borges, pelo incentivo me dado durante toda a faculdade e a minha gata, Bilinha Braz, que eu tanto amo.

Aos meus professores, em especial ao Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago, por ter aceitado prontamente orientar este trabalho e por toda atenção e solicitude.

Aos meus companheiros de trabalho na 2ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, por todo apoio que me deram nesses quase dois anos de estágio, especialmente a Dra. Meire, diretora de secretaria e ao Marcos, analista, por terem paciência comigo e me ensinarem muito de direito penal e processual penal que sei hoje.

Aos meus poucos e bons amigos de faculdade que eu fiz nesses cinco anos: Camila Menezes, Klaricy Barreto, Marcelos Sales, Tiago Sobreira e Lívia Pozza.

A todos os meus amigos de vida, que sempre me apoiaram nas minhas decisões e me aconselharam a fazer o melhor possível, em especial Mylkleany, Gabriela e Vitória.

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Objetiva-se analisar a possibilidade de enquadrar penalmente o indivíduo que participa do ato do linchamento. Inicialmente, realiza-se uma análise minuciosa da literatura disponível sobre o linchamento, desde o conceito, passando pelos motivos que levam as pessoas a linchar e a prática do ato no Brasil. Então, passa-se à análise propriamente dita do tema, a partir do estudo dos principais crimes cometidos durante a prática do ato, desde os momentos que precedem o linchamento propriamente dito, como durante a sua execução, verificando-se a presença dos crimes contra a honra e dos crimes contra a vida. Faz-se uma análise da possibilidade de relação do ato do linchamento com o crime de associação criminosa e o exercício arbitrário das próprias razões. Por fim, verifica-se a possível presença da excludente de ilicitude de legítima defesa de terceiro, bem como se faz uma análise da presença dos institutos de concurso de pessoas, concurso materiais de crimes, as circunstâncias agravantes e atenuantes na prática do linchamento e a conexão intersubjetiva por simultaneidade.

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This study aims to analyse the possibility of criminally framing the individual who partipates in the act of lynching. Initially a thorough analysis of the literature available about the lynching subject is made, from its concept, going by the reasons that lead people to lynch and the practice of the act in Brazil. Then it goes to the actual examination of the theme, starting from the study of the main crimes committed during the practice of the act, from the moments that precede the lynching, as during its execution, verifying the presence of the crimes against the honor and the crimes against the life. An analysis of the possibility of the relation of the act of lynching with the crime of criminal association and the arbitrary exercise of one's own reasons is made. Finally, it is verified the possibility of exclusion of the illicitness claiming self-defense of a third person, as well as how an analysis of the presence of institutes of people's contest, materials' contest of crimes, the aggravating and extenuating circumstances in the practice of lynching and the intersubjective connection by simultaneity.

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1. INTRODUÇÃO ... 10

2. O LINCHAMENTO ... 13

2.1 – Conceito ... 13

2.2 – Os motivos para o linchamento ... 15

2.2.1 – Os desafios da justiça pública no Brasil ... 16

2.2.2 – O estudo sociológico dos linchamentos ... 19

2.2.3 – A justiça popular e os linchamento ... 23

2.3 – Histórico do linchamento ... 24

2.2 – O linchamento no Brasil ... 26

3. LINCHAMENTO E OS CRIMES CORRELATOS ... 28

3.1 – Dos principais crimes cometidos durante a prática do linchamento. ... 28

3.1.1 – Dos crimes contra a honra ... 28

3.1.2 – Dos crimes contra a vida ... 33

3.2 – A possível relação entre o linchamento, a assosciação criminosa e o exercício arbitrário das próprias razões ... 39

3.2.1 – Definição da associação criminosa constante no Código Penal- art. 288 ... 39

3.2.2 – Diferença entre associação criminosa e constituição de milicia privada- art. 288 -A do Código Penal ... 41

3.2.3 – O exercício arbitrário das próprias razões, art. 345 do Código Penal e sua possível relação com o linchamento ... 44

4. PARTICULARIZANDO INDIVÍDUOS E ATOS CRIMINOSOS NO LINCHAMENTO, A TIPIFICAÇÃO INDIVIDUALIZADA COMO FORMA DE SE EVITAR A IMPUNIDADE ... 47

4.1 – A possível excludente de ilicitude de legítima defesa de terceiro. ... 47

4.2 – O concurso de pessoas no linchamento e a Teoria Monista adotada pleo Código Penal ... 51

4.3 – O concurso material de crimes no linchamento. ... 55

4.4 – Circunstâncias agravantes e atenuantes presentes no linchamento.... 57

4.5 – A conexão intersubjetiva por simultaneidade ... 61

5. CONCLUSÃO ... 64

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 66

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1. INTRODUÇÃO

A prática do linchamento há muitos anos se faz presente na história da sociedade brasileira, desde o período colonial até os dias atuais. Entretanto, as causas ensejadoras do linchamento vão se modificando ao longo do tempo.

Constata-se que os primeiros casos relatados no Brasil tiveram um vínculo muito forte em relação à cor, normalmente as pessoas que mais eram acusadas de cometerem crimes que motivavam o justiçamento popular eram os negros.

Com a abolição da escravatura, e o início do êxodo rural, com a consequente urbanização do território brasileiro, as cidades começaram a se desenvolver economicamente, embora não tenha acompanhado o crescimento populacional. Deficiências na prestação de serviços por parte do Estado acabou tendo como consequência a acentuação da desigualdade no país.

Cenário este propício para o aumento da criminalidade principalmente nas áreas periféricas das cidades, onde o Estado não conseguia alcançar com suas políticas públicas. Em face desse abandono, a população se vê carente de quem proteja os seus direitos.

Como a ocorrência de crimes acaba sendo cada vez mais frequente, a revolta popular frente a essa situação também cresce, oportunizando a prática do linchamento, este sendo uma das formas de justiça com as próprias mãos.

É inegável que o linchamento possibilita a sensação de uma justiça realizada mais rapidamente do que seria capaz a repressão por parte do Estado de indivíduos delituosos, que na visão da população é lenta e ineficaz, muitos utilizando desses argumentos para legitimar suas condutas.

O problema, entretanto, consiste no fato de que os linchamentos nos últimos anos têm se acentuado, constatando-se pela quantidade de notícias relacionadas à prática desse ato nas mídias, não sendo veiculado, porém, o que acontece com os linchadores, tendo em vista que a prática do linchamento se perfaz num conjunto de crimes praticados contra a pessoa.

No primeiro capítulo o que se pretende fazer é um estudo minucioso sobre a literatura disponível sobre o linchamento, tendo como referência os principais estudiosos sobre o assunto: Maria Victoria Benevides, José Martins de Souza e Jacqueline Sinhoretto.

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ocorrem com mais frequência. (BENEVIDES, 1982)

José Martins de Souza também seguiu a mesma linha de Benevides, chegando a algumas conclusões acerca do linchamento no Brasil, bem como por meio de seus estudos pode fazer uma separação dos principais grupos de pessoas que praticam o linchamento. (MARTINS, 2015)

O primeiro capítulo é de suma importância para os que se sucedem, uma vez pormenorizado o modus operandi do linchamento, torna-se mais fácil identificar cada tipo de crime praticado antes e durante o ato.

No segundo capítulo faz-se uma análise dos principais crimes cometidos antes e durante o linchamento, a fase que precede ao ato também chamada de “julgamento” pelo estudioso José Martins e logo em seguida vem a execução propriamente dita. (MARTINS, 2015)

Na fase do julgamento é o momento em que fica mais acentuado a prática de delitos contra a honra, sendo na execução em que os crimes contra a vida ocorrem de fato, momento este em que a vida do linchado está entregue às mãos de seus justiçadores.

A depender do inter criminis e da intenção dos linchadores, poderão estes incidir no crime de lesão corporal ou homicídio.

No terceiro e último capítulo, visa-se particularizar as condutas dos indivíduos que participaram do linchamento, iniciando-se com uma análise da possível incidência da excludente de ilicitude de legítima defesa de terceiro.

Passa-se em seguida a um estudo sobre o instituto do concurso de pessoas presentes no Código Penal, analisando os conceitos de autoria e participação, bem como a teoria monista adotada pelo código brasileiro. Busca-se verificar a participação individualizada de cada agente na prática do linchamento.

O estudo sobre o instituto do concurso material de crimes, também presente no Código Penal, faz-se de suma importância para a fase de um provável julgamento do linchador, momento em que se analisará a possibilidade do cúmulo material das penas.

Verifica-se ainda as circunstâncias agravantes e atenuantes presentes na prática do linchamento, visto que, não raro, os linchadores podem ser beneficiados ou ter sua pena agravada em razão dessas circunstâncias.

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2. O LINCHAMENTO

2.1 – Conceito

De modo geral, os linchamentos podem ser considerados como práticas coletivas de execução sumária de pessoas consideradas criminosas. A população se associa de forma espontânea, não existindo organização e que após a prática se dissolvem. A maior parte dos linchamentos ocorre em áreas de alta concentração urbana, entretanto também está presente em pequenas cidades e no meio rural. Normalmente o que motiva essa prática é a ocorrência de um crime de sangue, tal seja um homicídio, latrocínio, estupro seguido de morte ou também por outros crimes cometidos contra a pessoa.

A origem da palavra linchamento, segundo interpretação mais aceita de acordo com socióloga Maria Victoria Benevides, vem do fazendeiro norte-estadunidense Charles Lynch, líder de uma organização privada que visava punir criminosos e legalistas fiéis à coroa durante a revolução Americana. (BENEVIDES, 1982, p. 96)

Encontra-se essa prática ao longo da história da humanidade, quando se pretende substituir os meios legais de prevenção e repressão ao crime, sendo considerada uma justiça paralela.

Comumente, a palavra é utilizada para designar toda ação violenta que possui como finalidade punir os indivíduos supostamente ou efetivamente acusados de um crime, ou em algumas regiões identificados com movimentos de ordem política e racial. É caracterizado pela natureza de vingança, estando totalmente à margem de julgamentos ou normas legais. Considerado um fenômeno explosivo, espontâneo, atrai multidões, "justiça com as próprias mãos".

O linchamento pode ser encarado como a emergência de um conflito de interesses, denunciando a existência de um grupo social que está descontente com o funcionamento do sistema de justiça e o modo como são conduzidas as políticas públicas de segurança, que acabam instaurando a desigualdade.

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outros serviços públicos, como a saúde, a moradia, o saneamento, o transporte, a educação. O linchamento resulta quase sempre de uma decisão repentina, impensada, de modo geral imprevisível. Ainda que seja possível demonstrar que existe uma estrutura social estável por trás de sua ocorrência, que são os grupos de família e vizinhança dominados por um sentimento de comunidade, é difícil para a polícia identificar os linchadores, visto que após a prática estes se recolhem ao anonimato, bem como há uma dificuldade de encontrar alguém que queira testemunhar o fato.

Caracteriza-se por ser uma conduta de modo irracional e emocional de cunho egoístico e antissocial, ainda que visem à manutenção da ordem e à preservação do interesse de todos.

É considerado ainda como uma forma de inquietação social disseminada que se expressa na forma de violência coletiva, sendo situado num quadro em que não há distribuição de bens, de direitos e ainda de justiça.

Vale ressaltar a diferença existente entre o linchamento e a chacina, esta é praticada intencionalmente, há um prévio planejamento, não sendo raro pagamento para que a mesma seja praticada. Existindo diferenças substanciais em cada tipo de justiçamento com as próprias mãos.

Cada indivíduo na multidão age como se sua razão fosse dominada pela a vontade irracional da maioria, atuando conforme as circunstâncias. Diferente do que ocorre nas chacinas que são praticadas mediante recompensa, embora ambas as modalidades sejam de justiça com as próprias mãos.

Aponta-se a diferença existente entre os linchamentos e o vigilantismo, não sendo o linchamento uma atitude de vigilância para reprimir o crime, uma vez ser ele espontâneo e reunir uma multidão anônima, ainda nos casos em que o linchamento é praticado por um grupo comunitário mais facilmente identificável, seu caráter é espontâneo, se configurando sempre de uma decisão súbita, difusa, irracional e irresponsável.

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2.2 Os motivos para o linchamento:

Benevides (1982, p. 109-110) elenca algumas causas para o linchamento, tais são elas: o nível de ignorância e marginalidade econômica e social da comunidade envolvida; descrédito na polícia e na ação da justiça, existindo uma justiça para pobre e para rico; psicose coletiva devido ao aumento da criminalidade; absorção dos métodos violentos da própria polícia; consequência natural de um regime de repressão e arbítrio, que favorece a impunidade.

Benevides (1982, p. 104) classifica ainda os linchamentos em anônimos e comunitários. No primeiro, conta com a participação de pessoas que não são diretamente atingidas pelo suposto infrator, que apenas se envolvem no tumulto, motivadas pelo senso de fazer justiça, enquanto que no segundo caso as pessoas que participam são identificáveis, sendo diretamente vitimadas pela ação do criminoso que por elas é conhecido, ocorre normalmente em pequenas cidades e nas regiões periféricas das metrópoles.

Para Martins (2015, p. 72) há uma constante para as causas do linchamento, qual seja a motivação conservadora, que seria a tentativa de impor castigo exemplar e radical a quem tenha agido intencionalmente ou não contra os valores e normas que sustentam a sociedade ou que os tenham posto em risco. Pode-se apontar como causa também do linchamento a inércia da polícia, sendo esta, até mesmo, conivente com a situação.

Existe ainda no linchamento popular evidências da força do inconsciente coletivo, o que Martins (2015, p.9) chama de estruturas sociais profundas, sendo estas estruturas supletivas de regeneração social, que se tornam visíveis quando a sociedade é ameaçada ou entra em crise, fenômeno este que se expressa nos linchamentos. O linchado é considerado como o estranho ou o que, por seus atos, é considerado socialmente estranhado, sendo, portanto, repelido e excluído.

Martins (2015, p.11) faz uma alusão de que o que ocorre na sociedade brasileira é o divórcio entre o poder estatal e o povo, sendo o linchamento um agravamento dessa tensão, crescendo sempre quando aumenta a sensação de insegurança causada quando as instituições se mostram ineficazes para o cumprimento de suas funções.

O que se percebe é a justiça de rua disputando autoridade com a justiça dos tribunais, sendo que sua prática está sendo considerada como um fato natural na vida rotineira

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2.2.1 Os desafios da justiça pública no Brasil:

O judiciário brasileiro é entendido como um reprodutor de desigualdades, que atua no interesse de determinadas classes. O que se vê na justiça do Brasil é que ela não é igualitária e não tem atingido a todos. (SINHORETTO, 2002, p.100)

Levanta-se a questão da morosidade da justiça, fala-se da existência de causas endógenas e funcionais que justifiquem essa demora. As endógenas são aquelas inerentes ao próprio judiciário, com o excesso de trabalho, falta de funcionários, seja pelo fato de problemas decorrentes de imperícia, despreparo ou negligência por parte dos responsáveis do serviço. Já as funcionais são aquelas causadas pelas próprias partes que realizam uma série de pedidos, expedientes para que a instrução do processo não avance, com a finalidade de enfraquecer o conjunto probatório. (SANTOS, MARQUES e PEDROSO (s/d), apud SINHORETTO, 2002, p. 102)

Essas decisões demoradas são tidas pela população como injustas, levando-se em consideração tanto para a vítima como para o acusado. A falta de uma resposta rápida por parte da justiça tem provocado o descrédito e favorecido a impunidade.

O distanciamento da população com as regras da justiça possibilita a reprodução de desigualdades dentro do sistema judiciário. São apontados como fatores de desigualdade no interior do sistema penal: a situação financeira, a cor da pele e o gênero.

Apontam-se também as condições das prisões brasileiras, que se tornaram “a materialização de um principio de vingança exercida pelo aparelho estatal”. O sistema penal limita-se a retribuir a violência cometida pelo acusado com outra violência, não se tornando um agente capaz de pacificar as relações interpessoais. (SINHORETTO, 2002, p. 112)

O que se percebe é que a violência que o Estado, em tese, busca reprimir, é reproduzida pelo seu próprio aparelho repressivo, uma vez ser incapaz de mediar os conflitos adequadamente e restabelecer equilíbrios nas relações, legitimando em última instância o recurso à violência para resolver disputas.

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com a justiça, tem-se investido na informalização desta última, acreditando-se que ao incorporar as demandas das castas excluídas do acesso à judicialização de seus conflitos, pode o poder público legitimar-se como instância de resolução de conflitos desses grupos.

A forma como o Brasil encontrou para informalizar a justiça foi através dos juizados especiais, cujo objetivo é descentralizar as estruturas físicas da justiça, fazendo com que seja possível a presença de juízes, promotores e defensores nas áreas periféricas, ampliando, destarte, o acesso à justiça.

O estudioso Moisés (1985, p. 52) aponta a questão de que um dos fatores para os linchamentos é o fato das classes populares se recusarem que seus semelhantes lhes imponham mais opressão e mais violência, e de igual modo por não acreditarem na existência de uma justiça pública que seja igual para todos.

Também corroborando com essa linha de pensamento Martins (1995, p.299), que relaciona a ocorrência dos linchamentos à descrença na justiça pública para com as classes populares. Acredita que existe nos atos dos linchadores uma reivindicação de participar da administração da justiça, de influenciar no modo de julgamento e participar ativamente da execução da pena.

Algumas sociedades já encontraram espaço no próprio sistema gerando uma alternativa de mediação de conflitos, enquanto que em outras essa participação e diálogo é reduzida, deixando margem ao surgimento de experiências de justiça à margem da lei.

O que ocorre é que as instituições de direito moderno não são capazes resolver todos os conflitos, deixando uma sensação de impunidade que se generaliza entre a população, tendo as regras tradicionais de vingança pessoal continuado a orientar a ação de muitas pessoas.

Para a melhor compreensão sobre a ocorrência dos linchamentos parte-se da premissa que esta conduta seja uma forma legítima de resolução de conflitos para parcela da população brasileira. Não existe por parte do estado uma política de repressão específica contra esses acontecimentos.

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ele não se resolve.

É importante mencionar a análise do direito que Weber (1973, p. 140-141) fez partindo do ponto de que o direito tem a pretensão de ser um acordo racional, mas que se tornou um saber de especialistas, as pessoas que não estão nesse meio não são capazes de justificar a existência desse acordo, o que nos possibilita compreender a legitimidade dos meios extralegais de justiça no interior da sociedade leiga. Sendo possível se pensar que uma vez existindo esse excesso de formalidade no direito moderno, acaba criando condições para o surgimento de práticas com um grau menor de racionalidade formal, que podem ser mais facilmente justificadas e legitimadas pelos cidadãos comuns, ou seja, práticas ilegais de resoluções de conflitos acabam se legitimando, como é o caso dos linchamentos.

Em suma, pode-se aduzir que a excessiva formalização e racionalização do direito acaba não sendo acessível a maior parte da população, não correspondendo a certos grupos sociais às necessidades de reparação e pacificação social, que ao recorrer à justiça pública não encontra sentido no seu funcionamento, cujos princípios são a ele inacessíveis, dando a oportunidade de vias alternativas para a resolução de conflitos que façam mais sentido e que ao mesmo tempo corresponda a valores éticos compartilhados pelo grupo, podendo dar a oportunidade ao surgimento do linchamento.

A socióloga Sinhoretto (2002, p.19) em suas pesquisas, constatou que o conflito entre moradores e bandidos tem como um dos componentes a segurança, uma vez que essa tensão encontrada em diferentes lugares não é canalizada por nenhuma instituição publica, ficando os cidadãos carentes da atuação policial. O agrupamento de moradores de uma determinada região acaba assumindo para si a tarefa de segurança e defesa daquela região, estando dispostos a intervirem diretamente no conflito que venha a ocorrer.

Para o senso comum dos moradores da periferia, a justiça dos fóruns não chega até eles. Devendo-se levar em consideração as dificuldades de acesso ao mundo formal das instituições.

Para Sinhoretto (2002, p. 18) o ato de linchar carrega em si uma mensagem relativa a valores de justiça. Estudos apontam a dificuldade de universalização do direito à justiça na sociedade brasileira.

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extermínios, chacinas, etc.

2.2.2 O estudo sociológico dos linchamentos:

A maior literatura sobre o assunto é de origem norte americana, lá as principais causas para o linchamento são de origem racial. No sul dos Estados Unidos, em sua fase mais acentuada além da questão racial havia um objetivo social que era o de enquadrar os negros em sua casta, tendo em vista os brancos se sentirem ameaçados no mercado de trabalho e no poder.

Os linchamentos ocorridos no sul parecem indicar uma tentativa dos brancos deste território manterem a sua hegemonia perante os negros, preservar as suas linhas de casta e seus privilégios, para isso impuseram aos negros a inferioridade e a sujeição por meio da violência privada.

No Brasil, observa-se que o linchamento ocorre quando uma “linha moral” é violada.

Os linchamentos nos Estados Unidos eram predominantemente rurais, enquanto que no Brasil predomina no meio urbano. Nos Estados Unidos há um caráter pedagógico na prática do linchamento de impor valores e normas de conduta, no Brasil o caráter é meramente punitivo, situado no que poderia se chamar de lógica da vingança. Há uma dupla moral envolvida nas ocorrências: a popular e a legal, sendo a legitimidade posta em questão.

Pontua-se a dificuldade em se obter informações acerca dos linchamentos, uma vez ser uma conduta, em regra, imprevisível, muitas vezes não chega ao conhecimento das autoridades policiais, e quando chegam, fica difícil prosseguir com as investigações, tendo em vista que as testemunhas preferem não se indispor com a comunidade que praticou a violência, ou ainda acredita a autoridade policial ser o linchamento ser um justiçamento legítimo por parte de quem o pratica.

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enxergarem legitimidade na prática.

Segundo Martins (2015, p. 32), os linchamentos decorrem da combinação de dois impulsos: a primeira seria a fase de julgamento popular do delito, o reconhecimento que um crime foi cometido, podendo esta fase ser rápida (coisa de minutos) ou lenta (durar semanas), sendo, entretanto, mais lenta que a fase seguinte, que é a fase da execução, ou seja, a aplicação da pena, o linchamento propriamente dito. Esse segundo impulso é extremamente rápido, dependendo apenas de circunstâncias de participação e crueldade dos indivíduos.

Faz-se a diferenciação ocorrida entre os linchamentos nas capitais e nas cidades do interior, tendo como ponto de partida a motivação dessa conduta, à participação e ao número de participantes. Nas periferias urbanas é notória a presença de população pobre, de trabalhadores, constatando-se ainda a presença de uma pequena parcela da baixa classe média. Enquanto que nas cidades do interior os linchamentos são praticados diretamente pela classe média.

Nas grandes cidades a população pobre e trabalhadora age como forma de manifestar a sua vontade de justiça contra o indivíduo que rouba, estupra ou mata, possuem juízos próprios a respeito do que é certo ou errado. Enquanto que no interior, a motivação é conservadora, de cunho moral e repressivo com a finalidade de defender a própria classe média. Mas em ambos os casos há pontos em comuns na conduta do linchamento, tais são eles: linchamento como um procedimento punitivo, sendo todos os delitos igualados.

Para Martins (2015, p.54), o linchamento não é uma violência original e sim uma segunda violência, em que está fundamentado num julgamento moral, é um indicativo de que há um limite para o crime e para a própria violência, existindo destarte o crime legítimo, embora ilegal e o crime sem legitimidade.

Essa situação fica visível quando ocorrem linchamentos no interior de presídios, quando alguém é linchado por seus iguais, ou seja, também criminosos, nos casos de linchamento de autores de estupros de crianças.

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ocorridos no Brasil no período de 1976 a 1996, Martins (2015, p.76) pode agrupar quatro categorias de linchadores bem distintas, tais são elas: 1) parentes e amigos de alguém que tenha sido vitima do linchado, 2) vizinhos e moradores da localidade de moradia de alguém que tenha sido vítima do linchado; 3) grupos coorporativos de trabalhadores; 4) grupos ocasionais especialmente multidões de rua, apesar da palavra “multidão”, a tendência é de que seja praticado por grupos relativamente pequenos, sendo menos que 100 pessoas.

A multidão reúne pessoas que não possuem vínculo entre si, apenas o possuindo apenas o vínculo fortuito e acidental derivado de uma ação orientada por um objetivo passageiro, embora exista um sentimento de identidade e companheirismo.

Foi constatada que a maior parte dos linchamentos é praticada por grupos de pessoas que são ligadas entre si, por relacionamentos do tipo tradicional, comunitário e autodefensivo, ou seja, grupos com estabilidade e continuidade.

Portanto, a pesquisa realizada resultou na conclusão de que existem dois grandes grupos de linchadores: a multidão, imediata e súbita e a comunidade, caracterizada pela vizinhança e do bairro.

Há uma tendência tradicionalista praticada pelo grupo 1, visto ser o linchamento praticado por esse grupo de maior expressão na região norte do país, região mais rural, enquanto que a maioria dos casos praticados pelo grupo 4 encontra-se concentrado no sudeste, região mais urbanizada e industrializada do país. Entretanto, observou-se que os linchamentos praticados pelo grupo 1 possuem a maioria de casos também na região sudeste, indicando que os padrões tradicionalistas de justiçamento se encorpam nas áreas supostamente mais urbanizadas.

Nos dois primeiros grupos o sentimento que leva ao linchamento é o de vingança, enquanto que nos dois últimos é o de castigo, de punir o suposto acusado de uma prática ilícita.

Constatou-se que a maioria dos linchamentos foi praticado contra indivíduos acusados de cometerem crimes contra a pessoa, sendo em segundo lugar os relativos à motivos fúteis e aos casos de roubos e assaltos. Nota-se que quanto aos motivos fúteis, tem-se que os linchadores têm baixa tolerância a quem viola as regras de convivência social, indicando assim o seu conservadorismo.

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falta de humanidade à vítima, a sua exclusão do gênero humano.

Estudos indicam que o linchamento não tem, em princípio, um perfil estigmatizado, podendo qualquer pessoa ser vítima desta conduta violenta, entretanto a maioria das vítimas é do sexo masculino.

O linchamento é público pelo fato de esta conduta não ser considerada um crime pelos seus praticantes, sendo crime o que o linchado faz às escondidas, traiçoeiramente, por isso o linchamento é público, e com um sentimento coletivo de cumplicidade, o que dificulta a apuração de responsabilidade para a instauração de inquéritos.

A justiça popular autodefensiva procura, antes de tudo, a função social e fornecer aos participantes um meio de reparar a situação de anomia em que a sociedade se encontra. O ato de linchar é uma tentativa de fazer com que a sociedade seja o que ela deveria ser, uma tentativa de consertar a sociedade para que ela se torne uma comunidade imaginada pela maioria da população.

O aumento dos casos de linchamento nos últimos anos põe em questão a presença de um problema social. Para os sociólogos, esse tipo de justiçamento sugere um quadro de mudanças sociais relacionadas ao desenvolvimento e modernização da sociedade em sua parte visível.

Os linchamentos se baseiam em julgamentos frequentemente súbitos, carregados de sentimento de ódio ou de medo, em que os sujeitos ativos da prática não se importam em saber o que realmente ocorreu, existindo, destarte, uma dispensa de provas, não tendo a vítima sequer oportunidade de se defender, não há um terceiro imparcial e neutro que possa julgar a situação, o que Martins (2015, p. 71) aduz se tratar de um “julgamento sem possibilidade de apelação”.

Há diversos motivos que ensejam os linchamentos, tais como o sentimento de vingança, a descrença na justiça em relação à crimes que a sociedade não aceita impunidade, temendo que a pena imposta não seja suficiente ante a gravidade do delito, com base nos valores da tradição e do senso comum, sendo frequente ainda a participação pelo simples fato de ter surgido a oportunidade, pois se encontravam no local. O mais comum é que uma vez iniciado o linchamento, as motivações se reúnam, não sendo possível identificar particularmente a motivação.

Observa-se que ainda restam diversas características presentes no linchamento que

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2.2.3 A justiça popular e os linchamentos:

É bastante frequente se falar que o linchamento como forma de justiça com as próprias mãos é decorrente da descrença na justiça institucional. A população não acredita que a justiça e a polícia sejam possíveis de controlar a desordem social, não possibilitando a restauração da ordem. Acham, portanto, que todo o desvio da ordem e da convivência coletiva deve ser castigado. Não admitindo ver uma pessoa condenada pela justiça popular ser solto ou absolvido pela justiça institucional.

É importante observar as características da vítima da vítima, ou seja, a vítima de quem foi linchado, esta é considerada uma pessoa inocente, indefesa, pura, não sendo justo qualquer violência contra ela.

Verifica-se que o maior número de procedimentos depende das causas que o motivam, ou seja, do tipo de crime que o linchado praticou, depende também das condições em que o linchamento é praticado e do número de participantes.

Os linchadores proclamam a precedência da sociedade em relação ao indivíduo e a vida como um bem comum e não como direito individual, negando, portanto, a legitimidade do juiz e do tribunal, embora essa instituição aja em nome da sociedade.

A violência individual e coletiva deveria ser objeto de mais atenção das autoridades, sobretudo da própria justiça em relação à definição da pena. Quando os magistrados e os tribunais abreviam a pena do crime hediondo ou quando restituem a liberdade de alguém que é ritualmente impedido de recebê-la, faz com que exista, destarte, uma sociedade dividida entre duas culturas: a popular e a jurídica, sem qualquer diálogo entre elas.

As normas permitem a progressão de regime nos crimes, fazendo com que os acusados sejam postos em liberdade, traz a população uma indignação. O simples fato de que os criminosos serão presos, mas não serão castigados, ficando um tempo considerado insuficiente na cadeia para pagar seu crime e ainda serão alimentados à custa do povo que trabalha, faz com que surja um sentimento de impunidade na sociedade.

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linchamento tampouco a definição de como puni-lo.

2.3 Histórico dos linchamentos.

Inicialmente cumpre destacar que a grande fonte para o estudo sobre o linchamento são os noticiários de jornais, visto que é a única fonte disponível em escala nacional.

Os primeiros relatos de linchamentos ocorridos no Brasil datam ainda no período colonial, tendo a palavra que designa essa conduta surgida nos Estados Unidos apenas no século XVIII e chegando ao Brasil no século XIX, período este de tensão da proximidade da abolição da escravatura.

O linchamento mais antigo de que se tem notícia no Brasil, é o de Antônio Tamandaré, em 1585, em Salvador Bahia, sendo este um índio que liderava um movimento religioso no sertão, conhecido como Santidade, que possuía um grande número de seguidores: índios tupinambás, mamelucos, negros da guiné, inclusive brancos. Teve o seu templo queimado pelos seus próprios índios seguidores, em seguida prenderam-no, torturaram-no e cortaram-lhe a língua e por fim o estrangularam.

Existiram vários casos de linchamento no séc. XVIII em Minas Gerais fundados por sentimentos nativistas, sendo citado já no final do século XIX essa palavra para designar a justiça com as próprias mãos.

Mas os motivos pelos quais se linchavam nos séculos passados não são os mesmo dos de atualmente. Durante o século XIX as causas eram sempre ligadas a questões raciais, sendo os negros constantemente mortos por brancos pelo simples fato de ultrapassarem a barreira de cor e invadir espaços.

No período de 1945 a 1999, Martins (2015, p. 104) conseguiu fazer um monitoramento dos linchamentos, chegando a conclusão que a cidade de São Paulo é a que mais lincha, seguida por Salvador e Rio de Janeiro.

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Brasil, alguns linchamentos ficaram famosos por terem sido noticiados em escala nacional, a seguir um pequeno histórico em ordem cronológica desses casos, conforme veiculado pelo jornal G1 (D’AGOSTINHO, 2015):

1897, Linchamento dos Britos - Araraquara (SP): Um jornalista e seu tio, se desentenderam com um coronel, contra quem o primeiro desferiu quatro tiros. O coronel morreu em seguida, e ambos foram presos. Durante a madrugada, foram retirados da prisão e linchados em frente à delegacia. Os envolvidos foram absolvidos em julgamento.

1983, Barracão (PR): Cerca de 150 pessoas encapuzadas invadiram uma delegacia, dominaram os policiais de plantão e levaram seis presos acusados de matar um taxista no Sudoeste até um campo de futebol, onde foram linchados e esfaqueados.

1986, Umuarama (PR): Acusados pelo assassinato de um fotógrafo e estupro de sua namorada foram retirados por uma multidão de dentro da delegacia, arrastados por 5 quilômetros e queimados em praça pública.

1990, Chacina de Matupá (MT): Três assaltantes morreram queimados após manter duas mulheres reféns por mais de 15 horas em Matupá. Eles se renderam, mas, antes de serem levados pela polícia, foram capturados pela população, espancados e queimados em praça pública. Apenas um dos linchadores foi condenado, e outros sete, absolvidos.

1991, Porto Velho (RO): Em represália à morte de um taxista, três pessoas são linchadas.

1994, Salto da Lontra (PR): O linchamento foi gravado por câmera da TV Globo. As vítimas eram três homens que foram tirados da delegacia pelos linchadores após terem sido acusados pelo homicídio de uma enfermeira.

Tabela em anexo demonstrando o número de casos de linchamentos noticiados no Brasil no período de 1980 a 2006.

2.4 Linchamentos no Brasil

A história do linchamento no Brasil remonta até o século XVI. Verifica-se que os motivos que provocam o linchamento têm mudado em diferentes épocas no Brasil.

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concentram nas áreas periféricas das grandes cidades, mostrando as pesquisas que ocorrem principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.

Somente nos últimos anos que o linchamento vem sendo reconhecido como um fenômeno social peculiar e significativo. A falta de dados disponíveis tem impedido a produção de evidências de sua ocorrência bem como a dificuldade de documentá-lo.

A única fonte totalmente disponível que o estudioso Martins (2015, p.173) encontrou para fazer sua pesquisa foi através de jornais de diversas partes do país, aduziu que uma das dificuldades de se encontrar boletins de ocorrências em delegacias diz respeito ao fato de que a maioria dos casos são indiciados como homicídio, tentativa de homicídio ou lesões corporais.

No Brasil, a grande parte dos linchamentos são praticados por grupo de vizinhança, seja no interior, seja na capital, tendo a própria polícia dificuldade de obter informações que lhe permita identificar o crime e indiciar os participantes. Os moradores preferem silenciar o acontecido, ocorrendo até de saberem da identidade do linchado e o motivo pelo qual sofreu a violência.

Constata-se que o linchamento se concentra mais nos bairro de periferia, sendo clara a marginalização que ocorre nessas áreas, presente nos setores menos urbanizados, nas regiões limítrofes entre favelas e bairros pobres.

Os linchamentos no Brasil podem ter as mais variadas motivações, como exemplos a corrupção policial, tradicional parcialidade e morosidade da Justiça que acentuou a descrença no poder e eficácia nas instituições policias, fazendo com que as pessoas se associem para tomarem medidas de modo a resolverem os problemas que a elas ocorrem.

Simultaneamente aos movimentos sociais ocorridos na década de 70, estavam ocorrendo o que os sociólogos chamaram de comportamento coletivo, sendo considerados como tais os quebra-quebras de ônibus, trens, estações rodoviárias, os saques e os linchamentos. Nesses casos as condutas se desenvolvem de modo irracional, sendo ações egoísticas e antissociais, ainda que praticadas em nome de valores sociais em relação à manutenção da ordem e do interesse de todos.

O que se percebe é que os comportamentos coletivos tendem a se constituir e manifestar como tendência oposta aos movimentos sociais, sendo uma conduta autodefensiva que chega a conflitar com as conquistas da civilização.

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inviável uma transição do comportamento coletivo para os movimentos sociais, o governo interferiu diretamente nesses órgãos para torná-los parciais e submetê-los às suas diretrizes políticas, uma vez ter utilizado o judiciário como meio de garantir decisões em prol do regime, bem como se utilizou da polícia como uma força auxiliar da repressão politica.

Para os cidadãos, esses serviços após a ditadura não voltaram ao seu estado natural, que é o do serviço ao cidadão.

Constatou-se ainda que após o fim da ditadura militar no Brasil o número de casos de linchamento aumentou e uma das possíveis explicações para esse acontecimento é que o novo regime político que seria produto de um pacto entre os setores militares, a burguesia urbana e setores das velhas oligarquias locais reestimulou concepções de práticas de justiça privada, que já eram comuns nas áreas rurais atrasadas. Verificou-se a aparição de “justiceiros” que a mando de comerciantes locais, exterminavam pessoas acusadas de cometerem diferentes delitos, particularizando-se o roubo.

Martins (2015, p. 37/38) fez uma análise do número de casos de linchamento no Brasil no período de 1970 a 1996, totalizando 689 ocorrências e tentativas de linchamento, constatando-se que o maior número de casos está presente no sudeste, nordeste e norte.

Ressalte-se que no norte e no centro-oeste a proporção de linchamento é menor, embora sejam as áreas de linchamentos rurais e linchamentos de indígenas, é uma área em que ainda é forte o poder pessoal e a justiça privada dos detentores da terra.

Sejam os linchamentos ocorridos nas áreas urbanas ou rurais, percebeu-se que estes tendem a se manifestar em bairros novos, ou seja, de constituição recente, portanto, conclui-se que as vítimas dessa prática são estranhos, mal integrados na convivência social local. São populações recentes em transição do mundo rural para o mundo urbano, no qual ainda não foi definido um padrão estável de sociabilidade.

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3. LINCHAMENTO E OS CRIMES CORRELATOS:

Busca-se neste capítulo fazer uma análise minuciosa dos principais delitos praticados durante o linchamento, bem como verificar a possível relação da associação criminosa e o exercício arbitrário das próprias razões com o ato do linchamento.

3.1 Dos principais crimes cometidos durante a prática do linchamento

3.1.1 Dos crimes contra a honra

Em um primeiro momento, na avaliação dos crimes praticados antes e durante o ato do linchamento, verifica-se a presença inicial dos crimes contra a honra, encontrados no capítulo V, do título I- Dos crimes contra a pessoa, no Código Penal Brasileiro.

Conforme anteriormente mencionado no capítulo I, tópico 1.2- Os motivos para o linchamento, constata-se dois momentos distintos na atuação dos linchadores, sendo o primei-ro o julgamento do acusado, momento este em que fica mais caracterizado a prática dos cri-mes contra a honra, tais são eles: calúnia, difamação e injúria.

Este momento que precede a prática propriamente dita do linchamento é aquele em que o indivíduo que acabou de cometer o delito passa por um julgamento por pessoas que presenciaram o crime e conseguiram detê-lo, e a partir de então se inicia prática dos crimes contra a honra, como, por exemplo, o indivíduo esteja sendo acusado de cometer um roubo, normalmente as palavras proferidas contra ele serão a de “ladrão”, “safado”, “vagabundo” etc. Sendo, portanto, visível a intenção de atingir diretamente a honra do suposto transgressor da lei.

Cumpre, a partir de então, analisar cada delito contra a honra, fazendo a sua clas-sificação e demonstrando a suas particularidades dentro da prática do linchamento. O primeiro que será estudado é o crime de calúnia, presente no artigo 138 do Código Penal, in verbis:

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Pelo que pode se depreender do tipo penal mencionado, para que haja a sua mani-festação é necessário que exista sempre uma imputação falsa de um fato definido como crime ou ainda na hipótese de o fato ser verdadeiro, mas falsa sua atribuição à vítima.

É importante observar que o tipo penal menciona expressamente a imputação de um fato definido como crime, este é definido pelo artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal como sendo “uma infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”, portanto, não c o-mete o delito de calúnia o indivíduo que imputa falsamente a prática de uma contravenção penal, podendo, entretanto, ser caracterizado o delito de difamação.

O objeto juridicamente protegido é a honra objetiva, sendo definida nas palavras do doutrinador Bitencourt (2012, p. 363) como sendo “(...) a reputação do individuo, ou seja, o conceito que os demais membros da sociedade têm a respeito do indivíduo, relativamente a seus atributos morais, éticos, culturais, intelectuais, físicos ou profissionais”. Portanto, a ho n-ra objetiva constitui o conceito que os demais membros da sociedade têm sobre nós. E o obje-to material é a pessoa contra quem são dirigidas as imputações ofensivas à sua honra objetiva.

Doutrinariamente, a calúnia é definida como crime comum, formal (consuma-se independentemente que o sujeito ativo tenha conseguido o resultado pretendido, qual seja, macular a honra objetiva da vítima), doloso, de forma livre, instantâneo (consuma-se no mo-mento em que a ofensa é proferida), podendo ser unissubsistente (via oral) e plurissubsistente (por escrito).

É possível nessa etapa de julgamento do linchado que transeuntes, ao passarem pelo local onde ocorrerá o linchamento ou até mesmo este já tenha começado, recebam infor-mações de populares, estes crendo no que estão falando, de que o acusado do linchamento teria cometido um delito, como, por exemplo, estar sendo acusado de ter praticado um roubo. Neste caso, quando o agente, acreditando veementemente que o fato definido como crime é verdadeiro, pode incorrer no erro de tipo, afastando, destarte, o dolo do artigo 138, podendo ser, contudo, responsabilizado pelo delito de difamação.

É possível a exceção da verdade no presente delito, ou seja, pode o autor provar que os fatos por ele narrados são verdadeiros, afastando, destarte a incidência do crime, entre-tanto com algumas ressalvas conforme o constante no §3º do artigo 138.

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veracida-de dos fatos veracida-definidos como crime que se imputam ao linchado poveracida-derá veracida-desclassificar a infra-ção para a prevista no artigo 139, do Código Penal, abaixo colacionada:

“Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”

O delito de difamação é de menor gravidade comparado ao de calúnia, basta que o agente delituoso imputa fatos à vítima que sejam ofensivos à sua reputação, não havendo a discussão se tais fatos são verdadeiros ou não, bem como os fatos considerados ofensivos não sejam definidos como crime.

Ainda que as imputações sejam verdadeiras, o que se pretende proteger no presente delito é a honra objetiva da vítima, o fato imputado incorre apenas na reprovação moral, como já dito, o conceito que o agente presume que goza perante a sociedade.

Pretende-se punir na difamação o que popularmente é conhecido como “fofoca”, nas palavras de Greco (2012, p.428). É bastante frequente no julgamento do indivíduo a prática da difamação, podendo ser proferidas ofensas tais como “tal pessoa é desonrosa por ter praticado tal delito”, “tal pessoa não possui caráter”, ficando evidente o animus de denegrir o acusado perante os demais que participam e, até mesmo, assistem ao ato do linchamento.

Doutrinariamente o delito de difamação é classificado como um crime comum (podendo ser praticado por qualquer pessoa), crime formal, instantâneo, comissivo (excepcionalmente omissivo impróprio, sendo garantidor o agente), podendo ser unissubsistente ou plurissubsistente.

Somente é admitida a modalidade dolosa na difamação, seja dolo direto ou mesmo eventual.

É importante asseverar que o presente delito não admite exceção da verdade, ainda que os fatos divulgados pelo agente sejam verdadeiros, continuando incurso nas penas do delito. Excetuando-se, contudo, o parágrafo único do citado artigo que permite a exceção da verdade em caso de funcionários públicos.

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Destarte, é indispensável que a imputação chegue ao conhecimento de outra pessoa que não o ofendido, sendo justamente essa a reputação que a vítima possui na comunidade que deve ser lesada, somente existindo essa lesão se alguém tomar conhecimento da imputação desonrosa, conforme assevera o doutrinador Bitencourt (2012, p. 391).

E por fim, o último crime contra a honra presente em nosso ordenamento jurídico e também praticado no ato do linchamento é a injúria, constante no artigo 140, do Código Penal, abaixo transcrito:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.”

Aqui, o objeto jurídico tutelado é a honra subjetiva, isto é, “a pretensão de respeito à dignidade humana, representada pelo sentimento ou concepção que temos a nosso respeito” (BITENCOURT, 2012, p. 401). Injuriar é ofender a dignidade ou decoro de alguém, é uma manifestação de desprezo e de desrespeito para ofender a honra da vítima no seu aspecto interno.

Há no presente delito não a imputação de fatos, mas a emissão de conceitos negativos sobre a vítima, que atingem a estima própria, o juízo positivo que cada um tem de si.

A injúria é o delito mais abrangente dos três que lesam a honra, pois toda calúnia ou difamação injuriam o ofendido, mas nenhuma injúria o calunia ou o difama, portanto, uma vez existindo dúvida razoável quanto à atribuição de fato ou qualidade negativa, deve o intérprete optar pela injúria.

A dignidade e o decoro abrangem os atributos morais, físicos e intelectuais de cada indivíduo. É indispensável que seja lesado um mínimo daquela consideração e respeito que todos têm direito.

Doutrinariamente é classificado como crime comum, forma, instantâneo, doloso, monossubjetivo, unissubsistente ou plurissubsistente.

A injúria constante no caput do artigo pode ser praticada de qualquer forma, sejam por gestos, palavras, símbolos etc., todos os meio idôneos de manifestar pensamento, caso seja empregada com violência ou vias de fato na sua execução, estaremos diante da injúria real, forma qualificada desse crime, constante no §2º do mencionado artigo.

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ridicularizar por meio da violência ou vias de fato, como sanção além da pena prevista para essa modalidade qualificada também deverá responder o agente pela prática do delito de lesão corporal por ele usado como meio de execução da injúria, existindo, destarte, um concurso formal de crimes, em razão dos desígnios autônomos que orientam a prática delitiva, conforme art. 70, caput, segunda parte, do Código Penal.

Ressalte-se que a contravenção “vias de fato” é absorvida, ainda que também constitua uma “violência”, sendo elementar da injúria real e, portanto, já está valorada na penas de três meses a um ano de detenção e multa. Diferente quando a violência empregada na injúria real for além, configurando em si mesma crime, no caso das lesões leves ou graves, devendo ser, como anteriormente mencionado, as penas cumuladas.

Como exemplo de injúria real praticada dentro do ato do linchamento, temos quando os agentes cospem no linchado, dão tapas no rosto, trazendo em sua essência o desprezo pela vitima, ferindo mais a dignidade humana do que a própria integridade física, em alguns casos.

Outra modalidade qualificada da injúria que frequentemente se encontra presente nos linchamentos é a injúria preconceituosa, constante no §3º do artigo estudado, que consiste quando a ofensa à dignidade ou decoro utilizar elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência física.

É mais comum na prática do linchamento quando a injúria é proferida em relação à raça, como já mencionado no primeiro capítulo, é grande o número de negros acusados de terem praticado crimes e por esse fato acabam sendo linchados, não sendo incomum a ofensa com a finalidade de atingir a honra subjetiva da vítima em razão da cor da pele.

Assim como na difamação, não se exige na injúria que as imputações ofensivas à honra subjetiva sejam verdadeiras, sendo puníveis na forma do art. 140 do Código Penal.

É importante destacar o artigo 141, inciso III, do Código Penal, que aduz que “as penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: (...) III- na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria”.

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3.1.2 Dos Crimes contra vida

Continuando a análise dos crimes praticados no linchamento, chega-se nos princi-pais delitos para a execução propriamente dita deste ato, momento em que o linchado está entregue a própria sorte frente a ira dos linchadores.

O primeiro delito que será analisado é o de homicídio, presente no Título I- Dos crimes contra a pessoa, Capítulo I- Dos crimes contra a vida, artigo 121 do Código Penal, in

verbis:

“Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”

Pode-se identificar com clareza o núcleo do tipo penal, tal seja, matar. Foi dividi-do o mencionadividi-do artigo em três modalidades: homicídio simples (caput), privilegiadividi-do (§1º) e qualificado (§ 2º).

Doutrinariamente é classificado como sendo crime comum, podendo ser doloso ou culposo, comissivo ou omissivo, de dano, material, instantâneo de efeitos permanentes, monossubjetivo, plurissubsistente.

O bem juridicamente protegido é a vida. O agente atua com animus necandi, ou

seja, sua conduta é dirigida finalisticamente a causar a morte de um homem, sendo admitido tanto o dolo direto (quando quer a produção do resultado morte), como eventual (quando as-sume o risco da produção do resultado). Nesta avaliação, verifica-se que na prática do lin-chamento muitas vezes os agentes atuam com o dolo eventual, como também com o dolo di-reto.

Ao ser estudado as motivações que levam ao linchamento, constatou-se que as pessoas agem com a vontade dar uma punição, que poderia ser até mesmo ceifando a vida do acusado, de modo a fazer justiça, a depender do suposto crime praticado anteriormente pelo o linchado, sendo aqueles delitos contra a pessoa o que causam maior repugnância, uma espécie de justiça sendo feita na “mesma moeda”.

No homicídio é interessante ressaltar a possibilidade da tentativa, visto ser possí-vel a hipótese de fracionamento do inter criminis, caso também comum na prática do

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mencionado artigo, estando ambas presentes como causas do linchamento, tais são elas: o agente e impelido por relevante valor social ou moral; ou age sob o domínio de violenta emo-ção, logo em seguida a injusta provocação.

Como analisado no primeiro capítulo, situam-se entre as motivações do lincha-mento as duas causas de redução de pena no mencionado parágrafo, sendo um direito subjeti-vo dos agentes de verem ser diminuídas as suas penas.

Por motivo de relevante valor social, entende o doutrinador Greco (2011, p. 145)

como sendo “motivo que atende aos interesses da coletividade. Não interessa somente ao agente, mas, sim, ao corpo social”. Já por causa de relevante valor moral é aquele em que se é levado em conta os interesses do agente. É esta exatamente uma das causas que motivam o linchamento, quando a população não consegue conviver com uma pessoa que comete um estupro de uma criança, por exemplo, sendo impelidas a praticarem o linchamento do autor desse grave delito.

A segunda hipótese que determina a diminuição da pena é a “sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Por violenta emoção en-tende-se como aquela que domina o próprio autocontrole do agente, que deve ser totalmente dominado por ela. Injusta provocação deve ser de tal ordem que justifique a repulsa do agente, a sua indignação. A expressão “logo em seguida” admite-se o decurso de minutos, entretanto não se podendo estender o conceito para horas, tampouco para dias, conforme leciona o dou-trinador Nucci (2003, p. 387).

O que também pode ser verificado no linchamento, quando uma pessoa que acaba de ser vítima de um delito reage de forma a tentar reverter a situação na qual foi vitimada, passando a linchar o suposto acusado.

Logo após a causa de redução de pena, encontra-se o homicídio qualificado, sendo os mais comuns na prática do linchamento os constantes nos incisos: II- por motivo fútil; III- com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV- à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.

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O inciso III é bastante notório no modus operandi dos linchadores, quando estes

chegam até mesmo a queimarem suas vítimas ainda vivas, bem como a torturam até a morte, como foi o que ocorreu com Tamandaré, o primeiro caso de linchamento de que se tem notí-cia no Brasil.

Ressalte-se que por meio insidioso entende-se aquele em que o agente utiliza de um meio sem que a vítima dele tome conhecimento, e cruel sendo aquele que causa um sofri-mento excessivo, desnecessário à vítima.

Importantíssimo asseverar aqui a diferença entre a tortura que tem por finalidade qualificar o homicídio e a tortura prevista no art. 1º, §3º da Lei de n.º 9.455 de 1997: “Se re-sulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.”. A tortura do art. 121 do Código Penal é apenas um meio para o cometimento do homicídio, enquanto que na Lei n.º 9.455/97, a tortura é um fim em si mesmo, caso venha a acontecer o resultado morte, este somente qua-lifica a tortura a título de culpa, sendo, portanto um delito preterdoloso.

É bem comum também que a vítima do linchamento seja vítima de uma embosca-da, quando é surpreendida na sua própria casa e levada para a rua para que o ato possa ser executado, não deixando margem de possibilidade de defesa. É o homicídio qualificado pela emboscada um delito premeditado. Presente também o “outro recurso que dificulta ou impo s-sibilita a defesa da vítima” sendo compreendido como uma hipótese análoga à traição, em-boscada ou dissimulação. Como exemplo típico e mais frequente é a surpresa, esta constituin-do em um ataque inesperaconstituin-do, imprevisto e imprevisível. A surpresa pode ser comum nos ca-sos em que a vítima do linchamento não era o “verdadeiro criminoso”, ou seja, o autor do delito que motivou o linchamento.

Necessário ainda ater-se a causa de aumento de pena constante no §4º do mesmo artigo, na parte em que aduz “Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um ter-ço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.”, não raro a ocorrência de linchamentos de adolescentes e até mesmo de crianças, po r-tando, devendo incidir o aumento de pena mencionado.

Após analisar o delito de homicídio no linchamento, passa-se a análise do crime de lesão corporal constante no artigo 129, do Código Penal, abaixo colacionado:

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O delito de lesão corporal pode ocorrer por meio de seis modalidades presentes no artigo 129 e seus parágrafos, mas de interesse a aplicação concreta a prática do linchamento, será importante analisar a modalidade de lesão corporal leve (caput), lesão corporal grave (§1º), lesão corporal gravíssima (§2º), lesão corporal seguida de morte (§3º) e as lesões privilegiadas (§§ 4º e 5º) e majoradas (§7º).

O bem jurídico tutelado na lesão corporal é a integridade corporal e saúde do ser humano, sendo o objeto material a própria pessoa humana. Valendo ressaltar que a pluralida-de pluralida-de lesões não altera a unidapluralida-de do crime.

Doutrinariamente é classificado como crime comum quanto ao sujeito ativo, cri-me material, de forma livre, comissivo, omissivo impróprio, instantâneo, de dano, monossub-jetivo, plurissubsistente, podendo se apresentar na forma dolosa, culposa ou preterdolosa.

A modalidade caput de lesão corporal somente pode ser praticada a título de dolo, seja direto ou eventual, sendo conhecido o dolo de causar lesão como animus laedendi.

É mais comum na prática do linchamento a ocorrência de lesões corporais graves ou gravíssimas, que é quando o linchado acaba sendo salvo pela polícia, por exemplo, o que impede que os linchadores continuem a lesar a vítima e até mesmo causar-lhe a morte, quando particularizado cada caso de linchamento, analisando o animus com o qual atuam, seja o

ne-candi ou laedendi.

Nem sempre os linchadores atuam com o animus necandi, existindo muitos casos

em que apenas pretendem dar uma “lição” ao acusado de cometer um crime por meio de so-cos, pontapés, chutes, etc., para que os mesmos não voltem a delinquir após o “castigo” dado pelos linchadores.

Considera-se grave a lesão corporal se resulta na vítima: “I- incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II- perigo de vida; III- debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV- aceleração de parto”.

As ocupações habituais contidas no art. 129, §1º, I, do CP, devem ser entendidas como atividade ocupacional, tradicional, regular de natureza lícita, não possuindo sentido de trabalho diário, mas de ocupações do cotidiano do indivíduo, conforme leciona o doutrinador Bitencourt (2012, p.219).

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Quanto à qualificadora constante no inciso §1º, inciso II- perigo de vida, é neces-sário que esse resultado não tenha sido querido pelos agentes, ou seja, eles não agiram com dolo de causar perigo de vida à vítima contra a qual praticaram as lesões corporais.

Trata-se, portanto, de uma qualificadora de natureza culposa, existindo dolo no cometimento das lesões corporais e culpa quanto ao resultado agravador, portanto, um crime preterdoloso.

Quanto a qualificadora do inciso III- debilidade permanente de membro, sentido ou função, admite-se que tal resultado seja atribuído ao agente a título de dolo direto ou even-tual, e até mesmo culposamente.

A debilidade é entendida como enfraquecimento ou redução da capacidade funci-onal da vítima, sendo permanente a debilidade de duração imprevisível, sem possibilidade de retorno à capacidade original. Os membros são as partes do corpo que se prendem ao tronco, podendo ser superiores ou inferiores e função é a atividade específica de cada órgão do corpo humano. (GRECO, 2012, p.263)

Possível ainda se pensar na qualificadora de aceleração de parto presente no inciso IV, quando o agente com a finalidade apenas de lesionar a mulher que se encontrava grávida, mas que devido à sua condição de gestante, veio a dar a luz prematuramente ao feto, anteci-pando, destarte, o parto.

Importante asseverar é que caso o agente não tenha conhecimento da condição de gestante da mulher, responderá tão somente pelas lesões nela produzida, afastando-se a quali-ficadora.

As lesões corporais denominadas gravíssimas se encontram no §2º do art. 129, se

resulta: “I- incapacidade permanente para o trabalho; II- enfermidade incurável; III- perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV- deformidade permanente; V- aborto”.

A incapacidade permanente para o trabalho não se confunde com a incapacidade para as ocupações habituais do parágrafo anterior. Aqui se entende que a incapacidade é per-manente somente para o trabalho, ou seja, para o desempenho de uma atividade laboral, pro-fissional, lucrativa.

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O inciso III do mencionado parágrafo é um dos mais frequentes como resultado das lesões corporais nos casos de linchamento, quando o linchado acaba perdendo algum membro do corpo (uma perna, por exemplo), sentido (quando possui seus olhos arrancados, conforme já noticiado em jornais) ou função (mutilação da bolsa escrotal, perdendo a sua fun-ção reprodutora).

Da mesma forma é bastante comum que resulte em deformidade permanente, qua-lificadora presente no inciso IV, quando a deformidade é de tal tamanho que gera desgosto na vítima, bem como vexame e humilhação e desconforto a quem vê. É necessário que exista comprometimento permanente, definitivo, irrecuperável do aspecto físico-estético (BITEN-COURT, 2012, p. 226).

E por fim a qualificadora do aborto, assim como na qualificadora do parágrafo an-terior de aceleração do parto, também é possível no linchamento, bem como somente poderá ser atribuído a título de culpa, sendo, portanto, crime preterdoloso.

Passando-se a análise da lesão corporal seguida de morte presente no parágrafo §3º, do art. 129,do Código Penal, abaixo transcrita:

“§3º- Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o

re-sultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”

Também conhecida como homicídio preterdoloso, quando a conduta do agente é dirigida à produção de lesões corporais, tendo o resultado morte sido produzido a título de culpa. Se o resultado morte for imprevisível ou decorrente de caso fortuito, o agente respon-derá somente pelas lesões corporais, mas se houver dolo eventual quanto ao resultado mais grave, o crime será o de homicídio.

Quanto à lesão corporal considerada privilegiada constante no § 4º- “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”- aplica-se o mesmo raciocínio desenvolvido para o delito de homicí-dio privilegiado (art. 121, §1º) anteriormente estudado. É, portanto, obrigatória a aplicação por parte do juiz dessa causa de diminuição de pena.

(40)

3.2 A possível relação entre o linchamento, a associação criminosa e o exercício

arbi-trário das próprias razões

3.2.1 Definição da associação criminosa constante no Código Penal- art. 288

O presente delito encontra-se capitulado no Título IX- Dos crimes contra a paz pública, artigo 288, do Código Penal, abaixo colacionado:

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é arma-da ou se houver a participação de criança ou adolescente.”

Na redação original do Código Penal contemplava dois crimes, quadrilha e bando, mas com a alteração feita pela Lei 12.850/2013, o nomen iuris foi alterado para associação

criminosa.

Doutrinariamente o delito é classificado como crime comum, formal, de consu-mação antecipada, vago, de forma livre, comissivo, permanente, plurissubjetivo ou plurilate-ral, plurissubsistente.

O núcleo do tipo penal é “associarem-se”, ou seja, reunirem-se três ou mais pes-soas com a finalidade de cometer crimes. Tal associação deve ser estável e permanente, sendo neste ponto em que se diferencia a associação criminosa do concurso de pessoas para a prática de delitos.

Conforme ensina o doutrinador Masson (2014, p. 997), a o acordo ilícito entre três ou mais pessoas deve versar sobre uma ação duradoura, com finalidade de realização de cri-mes indeterminados, podendo ser de igual natureza ou ainda de natureza diversa. Ausente esse vínculo associativo, a união de três ou mais indivíduos para a prática de um ou mais crimes caracteriza o concurso de pessoas, constante no art. 29, caput, do Código Penal.

Referências

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