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A PALAVRA FONOLÓGICA, O GRUPO CLÍTICO E A SEGMENTAÇÃO NÃO- CONVENCIONAL DE PALAVRAS

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A PALAVRA FONOLÓGICA, O GRUPO CLÍTICO E A SEGMENTAÇÃO NÃO-CONVENCIONAL DE PALAVRAS

Lilian Maria da SILVA (G-IBILCE/UNESP)1

Resumo: Neste trabalho, procuramos refletir em que medida marcas de segmentação não-convencional de palavras revela aspectos de práticas orais/faladas na constituição de textos escritos, produzidos por alunos de quinto e nono anos do Ensino Fundamental. Para isso, lançamos mão da noção dos constituintes prosódicos palavra fonológica e grupo clítico, na tentativa de embasar reflexões. Em nossa análise, ocorrências hipossegmentadas foram vistas como o registro gráfico de uma única unidade prosódica, em que um grupo clítico foi analisado como uma palavra fonológica. Já em ocorrências hipersegmentadas, a cadeia fônica foi grafada como duas unidades prosódicas: uma palavra fonológica foi percebida como um grupo clítico. Constatamos com isso que os escreventes investigados apresentam grande dificuldade em grafarem elementos clíticos, pertencentes, em especial a categorias gramaticais como preposições (‘concerteza’), pronomes (‘chamalo’) e artigos (‘amãe’). Fundamentamos nossa análise na noção de heterogeneidade da escrita, formulada por Corrêa (2004), no modelo de Teoria Prosódica de Nespor e Vogel (1986) e na descrição feita por Capristano (2007), Chacon (2004) e Tenani (2009), a respeito da relação entre prosódia e segmentação não-convencional de palavras.

Palavras-chave: Prosódia. Escrita. Hipossegmentação. Hipersegmentação.

Tratamos, neste texto, das segmentações não-convencionais de palavras escritas que envolvem elementos clíticos. Analisamos, em particular, a relação que esse tipo de marca gráfica estabelece com a prosódia da língua e, sobre isso, formulamos a seguinte questão: em que medida os chamados “erros” de segmentação de palavras revelam marcas orais/faladas na constituição de enunciados escritos? Para responder a essa questão, argumentamos a favor da pertinência dos constituintes prosódicos palavra fonológica e grupo clítico para descrever as características prosódicas observadas por meio das segmentações de palavras consideradas, a partir da análise de um córpus de produções escritas, produzidas em ambiente escolar.

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Nesse sentido, pretendemos, em última instância, contribuir para a compreensão acerca do fenômeno da segmentação não-convencional de palavras e, particularmente, sobre como características prosódicas da língua permeiam as relações, feitas pelos escreventes, entre enunciados falados e escritos.

Sobre a segmentação não-convencional de palavras e os constituintes prosódicos

A segmentação não-convencional de palavras diz respeito, em relação aos padrões ortográficos, ao uso “indevido” do espaço em branco, entre fronteiras de palavras gráficas. A partir desse critério, pode ser classificada em dois tipos: (1) hipossegmentação: caracterizada pela ausência do espaço em branco entre uma palavra e outra nos locais ortograficamente previstos, como por exemplo, ‘chamalo’ e ‘derrepente’; (2) hipersegmentação: marcada pela presença do espaço em branco em locais não previstos pela convenção ortográfica, como por exemplo, ‘da quela’ e ‘de pois’.

No campo da linguística, alguns estudiosos pesquisaram o funcionamento de marcas de segmentação não-convencional de palavras em textos produzidos em ambiente escolar. Abaurre (1988; 1991), Capristano (2007), Chacon (2004) e Tenani (2009) concluíram em seus trabalhos que, ao manipularem a escrita, os escreventes testam hipóteses por vezes conflitantes e excludentes (ABAURRE, 1988) entre si sobre o que seria uma palavra escrita e sua possível delimitação gráfica. Ou seja, antes de proporem, para seus textos escritos, uma segmentação em palavras ao encontro das convenções ortográficas, os escreventes formulam hipóteses acerca de critérios distintos sobre o que seria o limite de palavra para a escrita. Além disso, os três últimos autores consideraram, ainda, que marcas de segmentação de palavras distantes das convenções ortográficas, indicam na produção escrita: (i) a relação entre enunciados falados e escritos, revelado pelo trânsito dos escreventes por práticas sociais orais/letradas (CORRÊA, 2004); (ii) a observação de fronteiras de constituintes prosódicos da língua. Desse modo, os autores concluem que os fatores que estariam por trás desses tipos de segmentações são motivados – em diferentes graus – na co-existência entre critérios da ordem do oral e do letrado, representadas, por um lado, pelas características prosódicas da língua e, por outro, pela apreensão de características de atividades sociais de uso da escrita.

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mostraram que escreventes de sexto ano apresentam dados dessa natureza ao grafarem determinados itens gramaticais (preposições, artigos, conjunções e pronomes), particularmente, itens constituídos por elementos clíticos (elementos esses, que definiremos na sequência deste texto).

Para a análise desses dados de escrita, Tenani (2009) se apóia na proposta de Nespor e Vogel (1986) sobre a organização prosódica das línguas, para propor uma distinção entre os constituintes prosódicos palavra fonológica e grupo clítico. Segundo Nespor e Vogel (1986), a palavra fonológica forma-se no nível lexical e caracteriza-se por conter um único acento primário entre as sílabas que a compõe, dessa maneira, somente uma sílaba será forte ou dominante e as demais, fracas ou recessivas. Já a categoria do grupo clítico é composta por um ou mais clíticos acompanhado(s) por um único item de conteúdo. Por sua vez, os clíticos podem pertencer a diferentes classes gramaticais (preposição, conjunção, artigo, etc.) e, dos pontos de vistas sintático e fonológico, são formas dependentes (Câmara, 1970), em razão de não poderem ocorrer sozinhos em um enunciado. Além disso, para a fonologia, pelo fato de serem formações átonas (não-acentuada), os clíticos apóiam-se no acento da palavra precedente ou seguinte (Bisol, 2005), unindo-se a um hospedeiro no nível pós-lexical, formando um novo constituinte da hierarquia prosódica: o grupo clítico.

Nespor e Vogel (1986) argumentam, em relação ao comportamento dos clíticos, que tais elementos apresentam natureza híbrida, ou seja, ora não se comportam como uma palavra no enunciado, ora se sustentam como tais. Em decorrência disso, a definição do grupo clítico como nível da hierarquia prosódica vem sendo alvo de controvérsias. Se por um lado, há autores como Nespor e Vogel (1986) e Bisol (2000, 2005) que defendem a existência do grupo clítico, por outro, autores como Selkirk (1986), Vigário (2007) e Booij (1996) defendem que a prosodização dos clíticos não ocorrem no nível do grupo clítico, por isso, esse não é um nível na hierarquia prosódica.

No trabalho: O clítico e seu status prosódico, Bisol (2000) dedicou-se, exclusivamente, à argumentação de o grupo clítico ser, de fato, para o português brasileiro, um nível dentro da hierarquia prosódica. Nesse sentido, a autora apresenta três evidências para a sua pertinência:

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Entretanto, é a partir do processo fonológico do sândi que a autora oferece o argumento crucial. Ao dedicar-se ao estudo dos processos de degeminação e elisão, Bisol concluiu que diferentemente da degeminação, a elisão não se manifesta no interior de uma palavra fonológica, mas ocorre entre um clítico e seu hospedeiro, desse modo, ela “abrange todos os domínios prosódicos do pós-léxico, do maior ao menor, manifestando-se exclusivamente como sândi externo. Eis aí um argumento seguro para sustentar a hipótese da prosodização do clítico em nível pós-lexical” (BISOL, 2000, p. 28).

Assim como Bisol (2000, 2005) constatou, ao analisar o português brasileiro, que o grupo clítico é domínio de regras fonológicas específicas, Nespor e Vogel (1986) já haviam observado o mesmo para dados da língua grega.

Selkirk (1986), em posição contrária a das autoras supracitadas, observa que a prosodização dos clíticos ocorre no nível da palavra fonológica, pois, devido ao fato de não possuírem acento, os clíticos incorporam-se à palavra, formando, assim, um único vocábulo. Nessa perspectiva, os grupos clíticos ‘em busca’ e ‘chamá-lo’ seriam, na verdade, uma única palavra fonológica.

Do mesmo modo, Booij (1996), ao descrever o comportamento dos clíticos holandeses, concluiu que o grupo clítico não se mostra relevante para essa língua e, por isso, não pode ser considerado um nível da hierarquia prosódica. O autor propõe uma integração prosódica que diferencia procliticização e encliticização. Na procliticização, os proclíticos, similarmente aos prefixos, somam-se ao nó da palavra prosódica seguinte. Já na encliticização, os enclíticos, assim como os sufixos, são incorporados ao último nó da palavra precedente. Dessa forma, os proclíticos e enclíticos holandeses apresentam o mesmo comportamento que os prefixos e sufixos, unindo-se a um hospedeiro lexical, atingindo, então, nível prosódico no nível da palavra fonológica.

Vigário (2007), para a descrição do português europeu, parte da hipótese de haver um nível intermediário entre a palavra fonológica e a frase, porém, esse nível não seria o grupo clítico. Para ela, tal denominação não se faz pertinente, uma vez que “o que este constituinte agrupa não são, necessariamente, clíticos, mas sim palavras prosódicas. Deste modo, um aspecto fundamental a considerar é a mudança do nome deste domínio” (VIGÁRIO, 2007, p. 679). Assim, o que a autora propõe não é um novo domínio prosódico, mas sim uma nova designação, o Grupo de Palavra Prosódica.

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salientar que a proposta deste trabalho não é analisar profundamente o comportamento dos clíticos no português brasileiro. Nossa proposta é, antes de tudo, observar a partir de alguns dados de segmentação não-convencional de palavras, como os clíticos não são grafados de forma esperada pela convenção ortográfica, contribuindo, assim, para a compreensão do comportamento desses nos momentos de representação escrita. Por fim, antes de nos dirigirmos à análise dos dados, passaremos à descrição das características do córpus de investigação.

O córpus

Os textos investigados neste trabalho foram produzidos por alunos de quinto e nono anos do Ensino Fundamental (doravante, EF), de três escolas da rede estadual de ensino da cidade de São José do Rio Preto, município do noroeste paulista. Os textos referentes ao quinto ano fazem parte do córpus (em constituição) de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – em andamento – do Curso Licenciatura em Pedagogia (UNESP/IBILCE); os de nono ano são pertencentes ao Banco de Dados de Escrita do Ensino Fundamental II, oriundo do Projeto de Extensão Universitária “Desenvolvimento de Oficinas de Leitura, Interpretação e Produção Textual”, financiado pela Pró-Reitoria de Extensão (PROEx) da UNESP2.

O córpus selecionado para este estudo é constituído de 341 textos, sendo 139 produzidos por alunos de três turmas de quinto ano e 202 produzidos por alunos de três turmas de nono ano. A escolha desses dois anos escolares relaciona-se ao fato de serem os anos finais dos dois últimos ciclos do EF da rede estadual do Estado de São Paulo.

Na Tabela 1, abaixo, classificamos os textos quanto ao tipo de segmentação convencional. Dos 341 textos analisados, 109 apresentaram algum tipo de segmentação não-convencional, sendo desse total, 71 textos produzidos no quinto ano e 38 no nono ano.

Tabela 1. Tipos de segmentação não-convencional nos textos no quinto e nono anos

Ano escolar Textos com hipossegmentação Textos com hipersegmentação Textos com ambos Total

5° 34 16 21 71

9° 19 13 06 38

Total 53 29 27 109

Ainda em relação aos tipos de segmentação não-convencional, destacamos que há redução do número total de textos com algum tipo de ocorrência do quinto (71) para o nono

2 Esse projeto está vinculado ao grupo de pesquisa “Estudos sobre a linguagem” (GEL/CNPq), coordenado pelo

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ano (38), do mesmo modo, ocorre com os textos que apresentaram ambos os tipos de segmentação não-convencional do quinto (21) para o nono ano (06). Nota-se, também, que a quantidade de textos com hipossegmentação é maior para os dois anos escolares, revelando, assim, uma semelhança entre eles. Além do mais, a quantidade de textos com os dois tipos de segmentação não-convencional é menor em relação ao número de textos com apenas um dos tipos. Nesse sentido, concluímos que escreventes desses níveis escolares tendem a unir mais as palavras em suas produções escritas do que oscilar entre juntá-las e separá-las em um mesmo texto.

Na sequência, a Tabela 2, apresenta a quantidade de ocorrências identificadas entre os textos. Dessa Tabela, podemos destacar, para o quinto ano, que entre 195 ocorrências, há o predomínio das hipossegmentações (137) em relação às hipersegmentações (58). Já, considerando as informações referentes ao nono ano, o total de ocorrências diminui (60), mas matem-se a relação entre os tipos, havendo 33 hipossegmentações e 27 hipersegmentações. A partir desses dados constatamos, para os dois anos escolares, a tendência em haver maior número de hipossegmentação do que de hipersegmentação, conclusão a que também chegamos para os resultados obtidos na Tabela 1. Além disso, ao constatarmos que o número de ocorrências identificadas no quinto ano (195) é três vezes maior que o número encontrado no nono ano (60), levantamos a hipótese de que a diferença no tempo de escolarização existente entre quinto e nono anos pode ser um fator que favorece esse declínio de ocorrências, sendo, importante, também, para as hipóteses dos escreventes do que seja uma palavra escrita.

Tabela 2. Total de hipo e hipersegmentações no quinto e nono anos

Ano Escolar N° de hipossegmentação N° de hipersegmentação Total

5° 137 58 195

9° 33 27 60

Total 170 85 255

Apresentada as características gerais do córpus de investigação, bem como a demonstração geral dos dados distribuídos entre os textos, passemos, no próximo tópico, a analisar as ocorrências encontradas em termos dos constituintes prosódicos palavra fonológica e grupo clítico.

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Dado o foco deste trabalho, apresentado na introdução, selecionamos dentre as 255 ocorrências de segmentação não-convencional identificadas nos textos somente aquelas que envolviam a grafia não-convencional de elementos clíticos. Chegamos, então, à quantidade de 185 ocorrências, dentre as quais 131 foram produzidas pelas turmas de quinto ano e 54 pelas turmas de nono. Dessa maneira, nesta análise, consideramos 72,54% (185/255) do total de ocorrências encontradas. No Quadro 1, abaixo, estão apresentados os dados selecionados.

Quadro 1. Ocorrências de segmentação não-convencional selecionadas para análise

Ano

escolar Hipossegmentação Hipersegmentação

5° agente (20x), agemte, ajente (3x), agete, prala, praca, coma (com a), asvesses, mida, amãe, umdia, amenina, elevou, nassal (na sala), domesmo, itambém, iquando, mipanha (mim apanhar), funa (fui na), derebende, braleva, norecreis, uminino, nadiretoria, seconheceu, doque (2x), dimim (2x), demim, umdia, udia, dimal, encontrala (2x), esquesela, porisso, poríso (por isso), poriso, poríco, poriço, cigosta, aves, porquausa, cotodo (com todos), secode, ríoque, sechama, masípodia, dicara, delá, dela, umelhor, sesepara, seconeceu, atarde, enfrente, prafila, aMateria, afica, uguanto, oquanto, oque (3x), ea, Tidexa, Veque, imtoma, puvavo (por favor), amim, efui (eu fui), entrana, napele, osdias, Tenque, sivose, sevocê, sidiverti (2x)

a miga, a migo (2x), na quele, com cordo, ou tro, em tão, em bora (3x), e separaves (inseparáveis), de posi (depois) (4x), de pois (7x), de ela (dela) (2x), a té (até), do mava (tomava), o lá (2x), a braços, em tão, se não (5x) (senão), im potante, e qual (igual), a ruma

9° chamalo, alcançala, velo, buscala, protegela, conservala, derrepente (4x), denovo, enquando, apouco, embusca, anoite, apé (andar a pé) (2x), seconhecia, agente (3x), concerteza, praque (2x), oque, afavor (2x), metira

da quela, a quele, de mais (6x), em cantado, na quele, mora-va, em bora (4x), perder-mos, a gora (2x), de veres, salvar-mos, com cordo, com migo, com tinua, se não (senão) (3x)

Partindo das definições de palavra fonológica (ω) e grupo clítico (C), verificamos que nos casos em que ocorreram hipossegmentação, como em ‘porisso’ (5° ano) e ‘metira’ (9° ano), o escrevente registrou como uma palavra escrita os grupo clíticos ‘por isso’ e ‘me tira’, ou seja, duas unidades prosódicas foram interpretadas como uma só. Por sua vez, nos casos de hipersegmentação, a cadeia fônica foi interpretada como duas unidades prosódicas; uma palavra fonológica foi grafada como um grupo clítico, como nas ocorrências ‘em bora’ (ambos os anos) e ‘da quela’ (9°ano).

Levando em consideração as características prosódicas das ocorrências selecionadas, identificamos dois tipos de estrutura de dados hipossegmentados e uma estrutura de dados hipersegmentados, como mostra a Tabela 3, abaixo.

Tabela 3. Estruturas prosódicas envolvidas nas segmentações não-convencionais

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cl+ω 101 59 160

ω+cl 13 - 13

Total 114 59 173

Em sua maioria ocorrências hipossegmentadas apresentaram a estrutura ‘cl+ω’ (101/185, ou seja, 55,19%), como, por exemplo, ‘asvesses’ (5° ano) e ‘denovo’ (9° ano). Nesses casos, os clíticos foram interpretados como sílabas pretônicas das palavras ‘vezes’ e ‘novo’, respectivamente. A segunda estrutura que observamos em relação às hipossegmentações, diz respeito à sequência de uma palavra + um clítico (‘ω+cl’) (13/185, ou seja, 7,10%), como nas ocorrências ‘esquesela’ (5° ano) e ‘buscala’ (9° ano). Esses dados referem-se, também, a interpretação de um grupo clítico como uma palavra fonológica, assim como os dados apresentados anteriormente. Porém, nesse caso, a estrutura é diferente, uma vez que o clítico ‘la’ foi interpretado como sílaba postônica das palavras e não pretônicas como nos casos anteriores. Além disso, tais dados carregam consigo uma forte informação letrada, uma vez que a colocação pronominal enclítica é característica de enunciados escritos, sendo pouco empregada na fala. Isso demonstra a atenção dos escreventes não só aos aspectos orais, mas, sobretudo, à escrita a sua volta.

Por sua vez, as ocorrências hipersegmentadas derivaram de uma única estrutura prosódica: ‘cl+ω’ (13/185, ou seja, 7,02%), em que uma palavra fonológica foi interpretada como um grupo clítico. Nos exemplos, ‘na quele’ (5° ano) e ‘da quela’ (9° ano) as sílabas pretônicas ‘na’ e ‘da’ foram interpretadas como clíticos das pseudo-palavras3 ‘quele’ e ‘quela’. Dessa maneira, as marcas de segmentação não-convencional de palavras tanto do quinto ano quanto do nono ano nos revelaram a dificuldade dos escreventes em grafar elementos clíticos, pertencentes a diferentes classes gramaticais. Enfatizamos, ainda, que as junturas/separações indevidas de elementos clíticos remetem não só para a pertinência dos constituintes prosódicos estudados neste trabalho, mas também para marcas de informações letradas como pistas da relação fala/escrita relacionadas a categorias gramaticais dos clíticos que foram identificados.

Houve ainda, entre as ocorrências de hipossegmentação, a juntura de dois elementos clíticos, como nos dados: ‘doque’ (5° ano) e ‘praque’ (9° ano). Nesses casos, não ocorre a formação de um grupo clítico, pois não há um hospedeiro acompanhando esses elementos.

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Esses dados se referem à relação de dois clíticos fonológicos, ou seja, de duas unidades átonas, que foram interpretadas como uma única unidade prosódica. Possivelmente, isso ocorre justamente pela ausência de proeminência acentual de ambos os termos ou, ainda, sinaliza para o funcionamento de construções nas quais ‘que’ figura como elemento com alguma proeminência prosódica, quando precedido de um elemento clítico.

Identificamos também, exclusivamente nos dados do nono ano, hipersegmentações como ‘mora-va’ e ‘perder-mos’, onde observamos informação letrada evidenciada pelo emprego não-convencional do hífen. Certamente, os escreventes já observaram em inúmeras atividades escritas o emprego de tal sinal gráfico, especialmente em estruturas verbais. Acreditamos que esse aspecto letrado é ponto fundamental para explicar o fato de estruturas como essas terem aparecido unicamente nos dados de nono ano, já que esses estão imersos há mais tempo em práticas de letramento, ao menos, em ambiente escolar.

Realizada a exposição dos tipos de estruturas envolvidas nas ocorrências de segmentação não-convencional, trataremos agora de outro aspecto relevante apontado pela análise prosódica realizada: a categoria gramatical dos elementos clíticos. Na Tabela 4, apresentamos uma relação da classe gramatical com as ocorrências de hipo e hipersegmentação. Dentre as ocorrências de hipossegmentação, verifica-se o predomínio de preposições, artigos e pronomes. Há a tendência de o clítico ser um artigo (49 ocorrências) ou uma preposição (29 ocorrências), quando a estrutura prosódica for ‘cl+ω’, como nos casos ‘amãe’ (5° ano) e ‘derrepente’ (9° ano), respectivamente. O fato de o maior número de artigos ocorrerem entre as hipossegmentações pode estar ligado à recorrência da grafia do grupo clítico ‘a gente’ (‘agente’ (23x), ‘agemte’, ‘ajente’ (3x), ‘agete’), o que revela a sensibilidade dos escreventes a elementos oriundos de práticas orais como, neste caso, o grupo clítico ‘a gente’, que significa ‘primeira pessoa do plural’, o que é distinto de ‘agente’, que significa ‘aquele que promove a ação’. Já em ocorrências cuja estrutura deriva da formação de palavra fonológica seguida de um clítico (‘ω+cl’), a categoria dos pronomes (10 ocorrências) mostrou-se mais relevante e envolvem, especialmente, os pronomes ‘lo’ e ‘la’. Em relação às ocorrências hipersegmentadas, verificou-se a tendência (39 ocorrências) de as sílabas pretônicas das palavras terem sido interpretadas como preposições ou contrações de preposição seguida de artigo, como nos exemplos, ‘com cordo’ (ambos os anos) e ‘na quele’ (9° ano), respectivamente.

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Classe gramatical Hipossegmentação Hipersegmentação cl+ω ω+cl cl+ω Preposição 29 04 39 Pronome 16 10 08 Artigo 49 - 10 Conjunção 07 - 03 Total 101 14 58

Enfim, averiguamos, a partir dos resultados apresentados nesta sessão, que os dados de segmentação de palavras fora das convenções ortográficas que podem ser encontrados em textos escritos por alunos de quinto e nono anos do EF são causados, particularmente, pela dificuldade em reconhecer elementos clíticos, especialmente os pertencentes às classes gramaticais dos artigos, pronomes e preposições. Verificamos também, que esses dados revelam não apenas uma relação com a prosódica da língua, mas, sobretudo, com aspectos de informações da ordem de práticas letradas, como por exemplo, a sensibilidade dos escreventes de nono ano em relação à colocação de hífen.

Considerações finais

Apresentamos, neste texto, resultados da investigação acerca da grafia das segmentações não-convencionais de palavras, presentes nas produções textuais de escreventes de quinto e nono anos do EF. Pudemos observar:

1. Como são construídas as hipóteses desses escreventes sobre o que seja uma palavra escrita e, em decorrência disso, sua possível delimitação gráfica. Notamos que essas hipóteses são estabelecidas, por um lado, com base em informações prosódicas da língua (especialmente, no que diz respeito aos constituintes palavra fonológica e grupo clítico) e, por outro, em aspectos letrados (referente à colocação de hífen entre verbo e pronome e separações de determinados elementos que poderiam constituir-se, também, em elementos autônomos nas sentenças escritas: os elementos clíticos);

2. Pistas privilegiadas das hipóteses que fazem os escreventes em direção à escrita convencional, evidenciada pelas reflexões acerca de categorias gramaticais, especialmente, no caso dos escreventes de quinto e nono anos, as classes dos pronomes, artigos e preposições. Esse resultado confirma constatações feitas por Tenani (2009), para textos produzidos por alunos de nono ano, em relação à dificuldade de grafia desses mesmos itens gramaticais.

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observação já realizada por Ferreiro e Pontecorvo (1996), para dados de escrita infantil, sobre a tendência de hipossegmentações.

Por fim, concluímos acreditando ter esboçado algumas características das segmentações não-convencionais de palavras e ter, assim, trazido elementos que revelam a complexidade da relação entre fala/escrita, oral/letrado, em textos escolares. E, com isso, buscamos ter mostrado algumas pistas do trânsito dos escreventes por práticas orais/letradas, apontando para o modo heterogêneo de constituição da escrita, tal como proposto por Corrêa (2004).

Referências:

ABAURRE, M. B. M. O que revelam os textos espontâneos sobre a representação que faz a criança do objeto escrito? In: KATO, M. A. (Org.). A concepção da escrita pela criança. 2. ed. Campinas: Pontes Editores, v. 1, p. 135-142, 1988.

___. A relevância dos critérios prosódicos e semânticos na elaboração de hipóteses sobre segmentação na escrita inicial. Boletim da Abralin, Campinas, v. 11, p. 203-17, 1991.

BISOL, L. O clítico e seu status prosódico. Revista de Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 9, n.1, p. 5-20, 2000.

____. O clítico e o seu hospedeiro. Letras de Hoje, Porto Alegre, v.40, n. 3, p. 163-184, 2005.

BOOIJ, G. Cliticization as prosodic integration: the case of Dutch. In: The Linguistic Review, p. 219-242, 1996.

CAMARA Jr., J. M. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970.

CAPRISTANO, C. Aspectos de segmentação na escrita infantil. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

CHACON, L. Constituintes prosódicos e letramento em segmentações não-convencionais. Revista Letras de Hoje. Porto Alegre. v. 39, nº. 3, p. 223-232, 2004.

CORRÊA, M. L. G. O modo heterogêneo de constituição da escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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FERREIRO, E. PONTECORVO, C. Os limites entre as palavras. A segmentação em palavras gráficas. In: FERREIRO, E. PONTECORVO, C. MOREIRA, N. HIDALGO, I. G. Chapeuzinho Vermelho aprende a escrever. São Paulo: Ática, p.38-66, 1996.

NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic phonology. Dordrechet: Foris Publications, 1986.

SELKIRK, E. On derived domains in sentence phonology. Phonology Yaerbook, nº3, 1986.

TENANI, L. Entre o grupo clítico e a palavra fonológica: os erros de segmentação não-convencional de palavras. VI Congresso Internacional da ABRALIN, 2009.

____. Letramento e segmentações não-convencionais de palavras. In: Leda Verdiani Tfouni. (Org.). Letramento, escrita e leitura: Questões Contemporâneas. 1 ed. Campinas: Mercado de Letras, 2011, v. 1, p. 229-243.

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