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REPOSITORIO INSTITUCIONAL DA UFOP: Produção da verdade na mídia educativa brasileira para a produção do governo de si, dos outros e de estado.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RONDON MARQUES ROSA

PRODUÇÃO DA VERDADE NA MÍDIA EDUCATIVA BRASILEIRA PARA A PRODUÇÃO DO GOVERNO DE SI, DOS OUTROS E DE ESTADO

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RONDON MARQUES ROSA

PRODUÇÃO DA VERDADE NA MÍDIA EDUCATIVA BRASILEIRA PARA A PRODUÇÃO DO GOVERNO DE SI, DOS OUTROS E DE ESTADO

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. Orientador: Prof. Dr. Cláudio Lúcio Mendes

Mariana

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Ao silêncio, pela carga de dúvida!

Às falas, pela carga de incerteza!

Aos escritos, pelas cargas de leitura!

A Foucault, pela carga de poder-saber!

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AGRADECIMENTOS

Em momentos de conclusão de um percurso de busca e aprendizado acadêmico é preciso agradecer àqueles que tornaram cada passo uma possibilidade de colheita, em especial ao professor Cláudio, pelas provocações e orientação, e aos avaliadores, professores Saraí, Margareth, José Miguel e Hércules.

A busca dos argumentos analíticos passa pelo entendimento de um campo novo para mim, descortinado na oportunidade de fazer parte do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Ouro Preto, ao qual expresso minha gratidão.

Vejo o incentivo à formação continuada do corpo técnico com uma metodologia diferenciada de constituição de uma instituição mais humana e qualificada em seus processos, por isso reconheço a política de apoio da UFOP, conquista também do Sindicato Assufop.

O desenvolvimento não é solitário. A construção de cada parágrafo, mesmo antes de sua existência, contou com apoios diversos e discussões. Pelo aporte no olhar, meu penhor a Júnior, Wadson, André, Adilson e Juan.

Pelo compartilhamento das dúvidas, objetivos e hipóteses faço uma distinção aos meus companheiros de mestrado, mais de perto às minhas irmãs acadêmicas (Mariana, Gabriela e Luana), meus parceiros rosados (Panta, Dolipe e Fean) e a todas as meninas com seus diferentes estilos, cores, ardores, com realce para as gálicas correções de Elodia.

Justificando minha razão de ser e tentar, sempre ao meu lado, os que me afetam: Célio, meus irmãos (Mary, Reny, Rominho e Naldo), meus tios (Ivarte, Nelsina, Joanes, Dejanira e Toninho), meus sobrinhos (Isadora, Felipe e Jeferson), meus primos e outros entes que orbitam meu coração.

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“Tão pobres somos que as mesmas

palavras nos servem para exprimir a

mentira e a verdade.”

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RESUMO

A produção e estruturação das mídias audiovisuais educativas, em especial da TV Escola, é analisada, nesta pesquisa, a partir do referencial teórico de Michel Foucault e de outros pesquisadores sobre a constituição da verdade, entremeada nas relações de poder-saber e governo. O objetivo é verificar os procedimentos de constituição da verdade e suas possíveis articulações com o poder-saber e com determinadas governamentalidades. As Tecnologias de Informação e Comunicação têm adquirido relações múltiplas com as práticas pedagógicas nos últimos anos, tornando-se meio diferenciado para o ensino e a formação continuada. A mídia audiovisual educativa é um desses meios. Para sua contextualização, faz-se um breve histórico dos meios audiovisuais educativos e, na sequência, as produções da TV Escola são apreciadas com base em princípios foucaultianos de constituição da verdade, a saber: a relação com a econômica e política, o fomento ao consumo de modelos de sucesso, os arrolamentos com os aparelhos de controle e no confronto social, e a construção da veridicção nas práticas científicas. A dissertação é concluída com a confirmação da aplicação dos princípios e a sinalização de possíveis efeitos e caminhos de continuidade da pesquisa.

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ABSTRACT

The production and structure of educative, audiovisual media in TV Escola is analyzed, in this research, based on the studies of Michel Foucault and other researchers on truth constitution, placed among power-knowledge and government relationships. Our main goal is to identify the procedures of the constitution of the truth and its possible conexion with the power-knowledge and some specific governmentality. Information Technology and Communication Technology have obtained multiple relations as pedagogical practices have been developed recently, becoming different means to teaching and continuing education. Educative audiovisual media is one of these means. In order to contextualize it, a brief history of the educative audiovisual means was made and, then, TV Escola production was analyzed under

some of Foucault’s principles on truth constitution, which are the following: the relation with

economics and politics, the encouragement to the consumption of successful models, the census with the controlling sets and the social conflict, and the construction of the confirmation of scientifical practices application. The confirmation of the principles uses and the indication of the possible effects and paths for the continuity of this research conclude this dissertation.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1– Planilha da execução orçamentária do Ministério da Educação no ano de 2013

FIGURA 2 – Exemplar da Revista PN (Publicidade e Negócios) de 1960. Na capa, foto de Fernando Tude de Souza e chamada para a matéria: O escândalo da TV Educativa no Brasil

FIGURA 3 – Revista Veja, de 9 de setembro de 1970 destacando a proposta de exterminar o analfabetismo com a criação do Mobral

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SUMÁRIO

A PRODUÇÃO DA VERDADE NA MÍDIA AUDIOVISUAL EDUCATIVA 13

1 A CONSTITUIÇÃO DA VERDADE E SUA RELAÇÃO COM O

PODER-SABER E GOVERNO 21

1.1 Relação entre as noções de governo, poder-saber e verdade 23

2 A MÍDIA AUDIOVISUAL EDUCATIVA NO BRASIL 30

2.1 Qual a importância metodológica de se apresentar a constituição histórica da

mídia audiovisual educativa? 31

2.2 Experimentos da mídia educativa no rádio e no cinema 34

2.3 Tentativa e erro nos primeiros passos da mídia audiovisual educativa

brasileira 45

2.4 A conduta da conduta na alfabetização da massa 55

2.5 A TV Escola e o ensino a distância na formação continuada e como

ferramenta pedagógica 63

3 A VERDADE E A ECONOMIA POLÍTICA 71

3.1 O regime de verdade no Estado gerencial 72

3.2 A economia política da Educação 74

3.3 Educação e tecnologia nas diretrizes dos Organismos Internacionais e

políticas do Estado Brasileiro 76

4 A VERDADE E O CONSUMO 88

4.1 O modelo de si como objeto de consumo 88

4.2 Os modelos de si e a Educação 92

4.3 TV Escola na divulgação dos modelos de si 95

5 A VERDADE, OS APARELHOS DE CONTROLE E A RESISTÊNCIA NO CONFRONTO SOCIAL

99

5.1 Espaços educativos como objeto e sujeitos de veridicção 99

5.2 A tecnologia educativa como espaço de veridicção 103

5.3 A TV Escola como estrutura de veridicção 105

5.4 A verdade como objeto das resistências ideológicas 107

5.5 A resistência à verdade suprema no campo da Educação 109

5.6 Elementos de produção na TV Escola 111

(12)

6.1 Do inquérito às verdades científicas 116

6.2 As verdades científicas no campo contemporâneo da Educação 119

6.3 As verdades científicas nas atividades da TV Escola 120

7 “NEM BEM, NEM MAL”: UMA PESQUISA SOBRE A MÍDIA EDUCATIVA

BRASILEIRA

126

REFERÊNCIAS 136

ANEXO I - APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO “PRODUÇÃO DA

VERDADE NA MÍDIA EDUCATIVA BRASILEIRA PARA A PRODUÇÃO DO

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A PRODUÇÃO DA VERDADE NA MÍDIA AUDIOVISUAL EDUCATIVA

“Boa noite!” Mas também poderia ser um “bom dia” ou “boa tarde”! A chegada de um professor à sala de aula e o início de um telejornal podem ter muito mais em comum do que pode ser percebido de imediato. Cumprimentos como esses são, além da prova de refinamento, o início de uma etapa na qual será relatada a realidade ou, pelo menos, o que se entende por verdade naquele momento. Uma formalidade comum no encontro de pessoas, mas que, nessas situações, é um sinalizador, uma forma de chamar a atenção de seus interlocutores para o que será apresentado a seguir. Uma introdução, um colocar-se no local da fala, da exposição, da preleção, do relato da verdade. E essa não é apenas uma característica do ensino e do jornalismo. Em diversas outras situações, as informações a serem repassadas são postas como verdades absolutas, relatos claros dos fatos, descrições fechadas da história. Esse também é o caso dos discursos políticos, nas conferências científicas, nas ações de publicidade e propaganda, nas mesas de debate e em outra centena de situações nas quais alguém assume o papel de referência do conhecimento, do poder, do saber.

As questões relacionadas à constituição da verdade, poder-saber e governo são o percurso buscado nesta pesquisa para analisar a produção e estruturação das mídias audiovisuais educativas, em especial da TV Escola. Tendo como referencial teórico parte da produção de Michel Foucault e de outros pesquisadores, o objetivo deste estudo é olhar de frente, de lado, de baixo e de onde mais se conseguir para o objeto em questão e, com os

“óculos” disponíveis, promover uma releitura do que está em seu corpo e entorno, entendendo o conceito de metodologia como

um certo modo de perguntar, de interrogar, de formular questões e de construir problemas de pesquisa que é articulado a um conjunto de procedimentos de coleta de informações – que, em congruência com a própria teorização, preferimos chamar de “produção” de informação – e de estratégias de descrição e análise (MEYER; PARAÍSO, 2012, p. 16).

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relação entre as tecnologias de comunicação e informação e as práticas pedagógicas têm múltiplas maneiras de imbricar-se.

Em uma reportagem da revista Mídias Dados Brasil 2014, a entrevistada Aline Prado chama a atenção para a proposição de uso das habilidades técnicas do profissional de comunicação na sua relação mercadológica como fator componente da estrutura curricular do

próprio curso no qual se formou: “Talvez as faculdades devessem passar um pouco isso: a nossa capacidade, como mídias1, de fazer as coisas funcionarem, dar performance a elas. Aí é

que está a mágica da mídia” (2014, p. 44). A destreza de avaliar o meio no qual está atuando e, de acordo com suas características, propor soluções direcionadas, é arrogada para a construção de uma imagem fortalecida da formação profissional. Se existe essa expertise e os profissionais fazem uso das estratégias disponíveis na atuação do mercado, por que não utilizar o mesmo método de convencimento na discussão dos conteúdos durante a formação? Não cabe aqui definir se a melhor diretriz para esse curso em questão é seguir uma linha de conceitos do marketing aplicados ao ensino. O que é possível confirmar, nessa fala, é a confluência, confirmada por dezenas de pesquisadores brasileiros e outros tantos pelo mundo, do encontro entre os princípios da Educação e as potencialidades das TIC.

Entendendo que as Tecnologias de Comunicação e Informação envolvem uma gama volumosa de áreas de atuação (televisão, rádio, cinema, jornal, internet, livro, revista, cartaz, panfleto etc.), a possibilidade de análise de todas elas torna-se inviável. Tendo o recorte do envolvimento e produção de subjetividades no conceito educativo, propõe-se, aqui, analisar apenas os contornos relacionados com as mídias audiovisuais, mais especificamente com a televisão. Um meio que foi implantado no Brasil há 65 anos e que se mantém por décadas em destaque frente aos seus antecessores, da mesma forma que também permanece fortalecida em relação às novas mídias. Dos mais de 200 milhões de habitantes do Brasil, quase 85% residem nas áreas urbanas, divididos em 62 milhões de domicílios, sendo que na maioria deles podem ser encontrados aparelhos televisivos (MÍDIAS DADOS BRASIL 2014, 2014).

A forma de distribuição e comportamento do todo e de grupos específicos é o objeto de interesse de mídia que tem, como diretriz primária, o potencial de consumo e, por consequência, atrai o investimento na projeção de instituições e empresas ansiosas pela compra de olhares e ouvidos para a venda de serviços e produtos. Avaliando o faturamento

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com a publicidade no país, os canais de televisão (aberta ou fechada)2 abocanham a maior

fatia de mercado, com mais de 70% dos 40 bilhões de reais apurados em um ano. Na sequência, aparecem os jornais impressos (10,1%), as revistas (5,5%), a internet (4,5%) e o rádio (4,1%) (MÍDIAS DADOS BRASIL 2014, 2014).

Mesmo com o amplo desenvolvimento das mídias digitais nas últimas décadas, as emissoras de televisão representam, no Brasil, o maior potencial de atingimento da população, com indicadores que se aproximam da totalidade dos lares, com 97,2% deles possuindo, pelo menos, um aparelho receptor. Além de ser o meio de maior atração de recursos publicitários, a produção televisiva estabeleceu-se como referência para os que a antecederam (rádio, cinema, jornal impresso e revista), bem como para as que foram criadas a posteriori (mídias digitais e redes sociais). Os modelos de organização temática, formas de tratamento do conteúdo e até a estética visual, são replicados de alguma forma e reconfigurados de acordo com a plataforma de transmissão. Essa aproximação de formatos é tida como natural diante dos parâmetros de convergência das mídias que, além dos meios naturais, abriga, no espaço virtual da internet, a replicação das mesmas. O potencial de atingimento das obras audiovisuais é uma característica que chama a atenção de especialistas desde os primeiros experimentos oficiais, ao final da década de 1930. O investimento na progressão desse espaço ampliou-se de forma exponencial depois da implantação definitiva de emissoras a partir de 1950, com o entendimento desse meio ainda como o melhor para o convencimento e a venda de produtos e serviços.

Se em sua vertente comercial, a televisão brasileira é emblema de uma trajetória bem-sucedida, o mesmo não se pode afirmar do viés educativo desse meio. De acordo com dados de outubro de 2014 do Ministério das Comunicações3, o Brasil tem 299 geradoras de televisão

replicadas em larga escala por 6.255 retransmissoras, ao passo que as concessões voltadas à produção educativa audiovisual integram 164 canais. Além disso, desde a entrada em vigor da Lei nº. 236, em 28 de fevereiro de 19674, às emissoras educativas é “vedada a transmissão de

qualquer propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas transmitidos, mesmo que nenhuma propaganda seja feita através dos mesmos”.

2 Entende-se por televisão aberta os canais disponibilizados gratuitamente para o acesso da população com a recepção do sinal feita por antenas. Já a televisão fechada é composta por canais disponibilizados por cabos, satélite ou antenas especiais, nas quais, para ter acesso à programação, o telespectador deve pagar pela assinatura do serviço.

3 Disponível em: http://www.mc.gov.br/. (Acesso em: 17/01/2014.)

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Não é o escopo desta pesquisa julgar se essa desvinculação do aporte financeiro de empresas é benéfica ou provoca algum malefício. A constatação é que, alijadas de outras formas de manutenção de suas atividades, as emissoras educativas acabam tendendo a estar, na maioria dos casos, ligadas a instituições públicas pelo seu caráter de atendimento ao interesse público. Essa convergência é confirmada oficialmente pela portaria nº. 355, de 12 de julho de 20125, que coloca, como prioridade para a obtenção das outorgas, as universidades

federais, as estaduais e as municipais e outras instituições públicas na sequência, deixando como última opção as demais pessoas jurídicas de direito público.

Mesmo assim, entre todos os canais dedicados à produção educativa, um destaca-se

como uma “política pública em si”, forma como é definida a TV Escola em seu próprio site.6

Reconhecida como o “canal da educação”, a emissora está ligada ao Ministério da Educação e é voltada “aos professores, educadores, alunos e a todos interessados em aprender”, atuando com a produção de programas, manuais, jogos, publicações e outras estratégias de disseminação de seu conteúdo. A transmissão/recepção da programação é feita por satélite, pelas operadoras de televisão por assinatura e pela internet. No processo viabilizado por satélite, a comunicação dá-se por sinal analógico e digital para todo o território brasileiro, na estimativa de disponibilização para o montante de 15 a 20 milhões de aparelhos receptores. Por volta de 50 mil escolas possuem um kit distribuído gratuitamente, que contém os aparelhos necessários para a recepção do sinal. Há, ainda, uma expectativa de ampliação da capilaridade com a associação do canal a um consórcio formado por emissoras públicas em todo o território nacional. Com a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), a transmissão terrestre será viabilizada nas 27 capitais do Brasil e, em uma segunda etapa, em outras 229 cidades de grande porte. Na distribuição realizada pelas operadoras, a estimativa é de um milhão e meio de assinantes, como potencial. Nesse caso, ocupa, de forma gratuita, canais irradiados pelas operadoras DTH (Direct-to-home), SKY, Vivo TV, Claro TV, OI TV, GVT e NET. Os conteúdos também são replicados pela internet (no portal tvescola.mec.gov.br) e através de aplicativos disponíveis para smartphones e Tablets com sistema iOS e Android.

A constatação do papel da TV Escola como uma política pública governamental e sua potencialidade de adaptação de produções em diferentes formatos de disseminação do conteúdo justifica o segundo recorte no foco dessa pesquisa. Apesar de ser um projeto ligado ao Ministério da Educação, a organização de todo o processo de produção, operacionalização

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e transmissão é executado pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto. A ACERP é constituída como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, supervisionada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).7 Para a execução dos propósitos

educativos definidos, a Associação mantém uma equipe constituída de educadores e profissionais especializados na produção televisiva. Fundada em agosto de 1997, para o desenvolvimento de atividades relacionadas à radiodifusão, com foco no caráter educativo, cultural, de pesquisa e de capacitação de entidades públicas e privadas, a ACERP considera que a qualidade do trabalho realizado é conservada, já que

graças à manutenção de uma equipe básica, já acostumada ao “fazer” de uma televisão pública, o material exibido tem sido preparado de forma adequada aos critérios exigidos pelo Ministério da Educação e pela legislação educacional brasileira (Lei nº. 9.394/96 e suas alterações, Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, para o Ensino Médio e para a Educação Infantil, entre outras) sob a gestão da Coordenação Geral da TV Escola (ACERP, 2012, p. 10).

Nesse mesmo relatório foram indicadas oito frentes de produção dos conteúdos voltados à ação da TV Escola naquele ano: a) o programa Salto para o Futuro, com a proposta de formação continuada de professores do Ensino Fundamental e Médio; b) a faixa voltada para o Ensino Médio, com os programas Sala do Professor e Acervo, envolvendo comentários de especialistas; c) a faixa destinada ao Ensino Fundamental, também com programas baseados nas considerações especializadas; d) a faixa da Educação Infantil, com a análise dos vídeos infantis veiculados; e) as Semanas Temáticas que abordam assuntos de forma concentrada em um determinado período; f) a produção anual de duas séries de programas audiovisuais inéditos na seara educativa; g) a seleção de dois projetos inéditos de minisséries documentais, por meio de pitching8, com argumentos e narrativas sobre temas ligados à História do Brasil; h) a escolha de três projetos inéditos de curta-metragens em animação, também por meio de pitching, com a adaptação de um conto do escritor Machado de Assis.

O conteúdo descrito pode ser dividido em três formas, de acordo com a sua usabilidade: 1) programas voltados à formação continuada do docente; 2) produções baseadas no destaque de experiências exitosas, como exemplos a serem seguidos; 3) conteúdos com base nas diretrizes curriculares que são constituídos de materiais formatados para a aplicação

7 Empresa pública, organizada sob a forma de sociedade anônima de capital fechado, vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Criada em 2007 para fortalecer o sistema público de comunicação, é gestora dos canais TV Brasil, TV Brasil Internacional, Agência Brasil, Radioagência Nacional e do sistema público de rádio – composto por oito emissoras. Disponível em: http://www.ebc.com.br. (Acesso em: 22/01/2015.)

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nas salas de aula. A relação intrínseca entre esses meios educativos e as instâncias governamentais leva ao entendimento que os mesmos podem trazer, em sua linha de atuação, mentalidades de poder. Por serem espaços de conformação do saber, é preciso entender de que maneira essas instâncias são arroladas no processo de construção do conhecimento. Como é produzida a verdade nos formatos mais usuais de canais educativos, em específico na TV Escola? Como se estabelecem os interesses e a subjetivação do sujeito? Como é a relação do poder-saber e essas produções?

A divisão estrutural desta dissertação segue um percurso influenciado por seu próprio objeto de estudo. São sete capítulos distribuídos em quatro grandes grupos: conceitos teórico-metodológicos, digressão histórica da mídia audiovisual educativa, conceituação e análise dos princípios de constituição da verdade e as considerações finais. A busca pelo entendimento dos procedimentos de construção da verdade configura-se como proposição de estruturação de outros aspectos de veridicção. Por isso, é importante ressaltar que, por mais que este estudo seja conformador de entendimentos, o percurso escolhido é um exercício de identificação das mentalidades suscitadas nos materiais e produções educativas envolvidas, principalmente, nos procedimentos da TV Escola, e que encontra paralelo em outros veículos. Entretanto, essa semelhança não significa uma igualdade de condições e efeitos, o que se reflete diretamente na readequação de percursos para outras pesquisas similares. Inspirado nos escritos de Michel Foucault, este trabalho não representa uma modelagem, o estabelecimento de uma metodologia, de procedimento de investigação. Pauta-se nesses para entender e trazer à baila o que, ao invés de condicionar em formatos, produz, causa efeitos, estabelece caminhos possíveis, constrói subjetividades.

O primeiro capítulo retoma os conceitos de verdade, poder-saber e governo propostos por Michel Foucault ao longo de suas obras. De acordo com o pensador francês, a verdade é resultante de processos de relação social, construída nas relações, nos jogos de poder que permeiam o cotidiano. A sua estruturação é implicação de ações de poder com relação íntima com a potência do saber. Além de consequência, a verdade também é propulsora das condições de poder-saber. Entre os efeitos dessa constituição de subjetividades estão a formatação da conduta da conduta constituindo o que é conhecido como governo de Estado, governo de si e governo dos outros.

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influenciaram para a definição dos caminhos a serem seguidos pela televisão no país. Na sequência são apresentadas as primeiras iniciativas de implantação de emissoras plenamente educativas no país, em grande parte frustradas. Na fase seguinte, a mentalidade militar norteia iniciativas mais claras no viés da conduta da conduta atreladas a uma expansão diferenciada dos meios de comunicação e à necessidade de novas formas de controle de uma sociedade cada vez mais urbana. Contemporaneamente, o que se percebe é o uso atrelado à conformação de padrões profissionais demandantes de uma formação continuada e, por consequência, a adequação a padrões de comportamento de grande domínio tecnológico.

Abrindo a sequência de quatro capítulos analíticos, o terceiro mostra como a construção da verdade está relacionada a uma formatação econômica e política. Esses princípios são norteadores e produzem efeitos e formas de disseminação com base no sistema capitalista. Entre os propósitos estão as diretrizes traçadas pelos organismos internacionais, em destaque o Banco Mundial e a UNESCO, que desemboca na formatação das políticas públicas do Governo Federal brasileiro. São esses parâmetros que definem a distribuição de recursos e o entendimento da necessidade nas novas tecnologias de informação e comunicação como meio alternativo para o maior atingimento de seu público-alvo. Entre as questões apresentadas nos conteúdos da TV Escola está a replicação das demandas de sujeitos condicionados ao atendimento das demandas de um mercado da Educação, que é tratada como mercadoria de um Estado gerencial.

A produção de verdades como fomento ao consumo de modelos de sucesso é o mote para o capítulo quatro, no entendimento de uma subjetividade resultante e conformadora de sujeitos. Um modelo apontado por Foucault está na definição de uma sexualidade heteronormativa como exemplo a ser seguido por toda a sociedade, sendo estabelecido como fértil, produtivo e proclamador das verdades. No material disponibilizado pela TV Escola, as condutas bem-sucedidas são replicadas em reportagens tanto em vídeo quanto nos meios impressos. A subjetivação de sujeitos que atendem à demanda de amoldamento de suas ações é decorrência de reportagem de vídeo e impressas, muitas vezes sustentadas pela superação de docentes que, mesmo em condições adversas, conseguem transpor os desafios e conquistar o destaque.

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conhecimento. Entretanto, nem todo processo está sob o controle rígido das propostas de governo. A resistência é mostrada como possível e usual diante da apropriação diferenciada de cada indivíduo no processo de ensino e aprendizagem. Assim, a formação de sujeitos alinhados com as condutas disseminadas pode gerar espíritos críticos inesperados estabelecidos em comportamentos fora dos padrões.

Fechando o ciclo analítico, as práticas científicas são avaliadas como procedimento de estabelecimentos de verdades. Nesse viés são apresentadas duas origens para os procedimentos de inquérito, jurídico e religioso, que estabelecem metodologias de resgate de atos e fatos como forma de recompor faltas legais ou morais. O desenvolvimento das táticas de investigação resulta em procedimentos científicos e na estruturação das áreas do conhecimento, bem como em uma proposta de reconstituição artificial com a experimentação. Na atualidade, essa técnica é recorrente, podendo ser detectada nas propostas da TV Escola como conformadora de fórmulas de aprendizado a serem induzidas aos professores e alunos.

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1. A CONSTITUIÇÃO DA VERDADE E SUA RELAÇÃO COM O PODER-SABER E GOVERNO

Constituir um canal comunicativo voltado apenas às questões relativas à Educação é um desafio que reúne formas diversas de interação, haja vista a heterogeneidade que delineia os dois campos. Esse é o caso da TV Escola que, sendo um meio de comunicação, absorve, em suas práticas, os procedimentos característicos das emissoras comerciais, adaptadas ao público e usos pedagógicos. O texto de apresentação da linha editorial9 do canal revela os

objetivos buscados na produção sistemática dessa que é reconhecida como uma emissora pública pertencente ao Ministério da Educação. Na afirmação de que “é missão da TV Escola tornar o interesse do brasileiro em Educação num interesse qualificado e pertinente, refletindo em uma consciência melhor do papel que queremos para a nossa Educação”10 é possível

perceber o posicionamento a respeito do que seria a contribuição do nominado Canal da Educação. O texto mostra uma posição de emissão do conhecimento no intuito de quem

deseja “falar”, “pautar” e “discutir”, “refletindo em uma consciência melhor do papel que queremos para a nossa Educação”.

O canal coloca-se como articulador e contribuinte do sistema de ensino, realizando produções audiovisuais que são disseminadas por todo o Brasil, com ênfase especial para escolas e bibliotecas públicas. No entanto, pode-se afirmar que esse tipo de produção reflete mentalidades de governo? De que forma essa ação constitui-se como espaço no estabelecimento do poder e do saber? Que procedimentos desse veículo podem ser vistos como articuladores de estratégias de governo? Como o sujeito de veridicção pode ser conduzido à ascese para, quando tiver “atingido sua [suposta] forma acabada, dispor de

discursos verdadeiros que ele devia ter e conservar à mão e que podia dizer a si mesmo a

título de socorro e em caso de necessidade”? (FOUCAULT, 2010, p. 333).

A TV Escola foi criada exclusivamente para uso das escolas e implantada com a parceria entre os governos federal, estadual e municipal, com uma infraestrutura de antenas parabólicas, equipamentos de gravação e exibição para a disponibilização dos produtos audiovisuais em sala de aula. O uso dessa estrutura apenas para ampliar o raio de atingimento

9 Direção seguida por uma empresa de comunicação na divulgação de seus produtos (livros, revistas, jornais, programação de TV e rádio, vídeos, discos, sites e etc.), na elaboração de suas matérias e no próprio tratamento de seus conteúdos. Implica diretamente decisão sobre os produtos a serem publicados e baseia-se em uma política editorial.

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das ações educativas, sem uma reestruturação de sua produção e preparação adequada de todos os envolvidos no processo, é visto com desconfiança, porque

indica que a TV e o vídeo, no Ensino Fundamental e Médio, são tratados, geralmente, como meros recursos didáticos que podem, eventualmente, atenuar o desinteresse dos alunos. Presos as suas rotinas (temáticas e metodológicas) e despreparados para o uso desses meios, os professores, em sua maioria, não conseguem articular organicamente os audiovisuais contemporâneos aos processos pedagógicos. A presença dos equipamentos em grande parte das redes públicas não significa que eles estejam sendo usados com proveito. Em inúmeras escolas, mesmo, eles permanecem sem uso algum (MAGALDI, 2013, p. 102).

Comparando com a eficiência dos canais comerciais, é possível perceber que a expectativa nos meios educativos é colocada no mesmo patamar de atingimento de seus telespectadores e usuários. Na linha de emissoras de posse da iniciativa privada, o uso das produções ficcionais ou jornalísticas é reconhecido como de grande potencial de convencimento e perpetuação de mentalidades, sendo capaz de interferir nas questões políticas e econômicas. Esse também é o meio no qual são lançados muitos dos nomes e comportamentos que despontam como ícones nas áreas da música, da moda, das artes.

Ao mesmo tempo em que consegue convencer milhões de pessoas a um só tempo, o conteúdo e a interferência das relações comerciais são colocados em cheque. No entanto, se esse teor for reconfigurado para atender aos princípios pedagógicos e se o meio for independente dos interesses financeiros das empresas, o resultado seria uma mídia educativa capaz de suprir deficiências da Educação, do educador e dos processos pedagógicos? Sendo o meio e as técnicas semelhantes, a resposta a esse questionamento parece lógica. Não é! A mídia audiovisual educativa, assim como outros artefatos, não consegue ser assimilada naturalmente pelos meios aos quais é destinada e acaba por não cumprir sua suposta função salvadora. “Isso confere a configuração de um movimento de contradições e resistências

quanto à implementação do Programa, revelando que este processo não se dá apenas por uma

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em algumas discussões foucaultiana, serão trabalhados quatro princípios: a verdade e a economia política; a verdade e o consumo; a verdade, os aparelhos de controle e a resistência no confronto social; e a verdade e a constituição das práticas científicas. Esses preceitos foram pensados para analisar a constituição da verdade, no contexto da TV Escola, com base em uma reflexão teórica de inspiração foucaultiana sobre os conceitos de poder-saber e governo apresentada a seguir.

1.1.Relação entre as noções de governo, poder-saber e verdade

Televisão digital, smartphones, tablets, notebooks, videogames de última geração. O cotidiano da sociedade contemporânea está impregnado de equipamentos que atraem os olhares e modificam comportamentos. A interligação de boa parte deles, associada ao ritmo frenético de troca de informações nas redes sociais, impõe novos cenários e desafios, de forma destacada à escola que é colocada na berlinda com a necessidade de se alinhar a tais demandas. Em menos de meio século, as pessoas assistiram e foram envoltas em progressos científicos e tecnológicos que superam os de outros períodos. O desenvolvimento da tecnologia levou, contemporaneamente, a transformações dos meios envolvidos nos processos de produção e de prestação de serviços, bem como resultou na mudança de conceitos e referenciais da produção do conhecimento. A variação ocorrida com a implantação dessas tecnologias causa interferências profundas, o que chegou a ser considerado o “segundo dilúvio” pela quantidade de informações que disponibiliza em seus diversos meios. “As

telecomunicações geram esse novo dilúvio por conta da natureza exponencial, explosiva e caótica de seu crescimento” (MELO NETO, 2007, p. 93).

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docente para o melhor uso desses meios e, por consequência, o deslocamento dos procedimentos que permeiam a Educação para formatos mais alinhados com as práticas sociais da atualidade. O foco de análise na interação, nos arrolamentos, nas conexões, converge, aqui, para a instância de análise foucaultiana que identifica elementos de subjetivação nos jogos de poder, nas práticas sociais que levam o sujeito a desenvolver instâncias do governo de si.

A forma como os meios tecnológicos são apropriados pelas estratégias de governo para o emprego em ações educativas, tanto para a formação docente quanto para seu uso direto em sala de aula, pode revelar os interesses e as ações de controle enredados nessas conexões. Para Michel Foucault, todas as relações, inclusive as estabelecidas no ambiente educativo, são permeadas pelos jogos de poder. Publicitadas ou circulando em meios restritos, essas manifestações configuram-se como práticas que revelam “um conjunto de dispositivos e

estratégias capazes de subjetivar, ou seja, constituir/fabricar os sujeitos” (GALLO; VEIGA -NETO, 2011, p. 19). Os processos educacionais são vistos como “lapidadores” de sujeitos, sendo responsáveis pelo seu “acabamento” em um indivíduo que, apesar de já existir, carecia de formatação, efetivando suas potencialidades. As relações seriam, então, constituidoras da subjetividade do sujeito, produzindo verdades, no entendimento que a

Educação pode muito bem ser, de direito, o instrumento graças ao qual todo o indivíduo, numa sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso; sabemos, no entanto, que, na sua distribuição, naquilo que permite e naquilo que impede, ela segue as linhas que são marcadas pelas distâncias, pelas oposições e pelas lutas sociais. Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo (FOUCAULT, 2002, p. 12).

Se essas “relações de poder, apoiadas em regras de saber, expressam formas técnicas para a conduta da conduta dos sujeitos” (MENDES, 2004, p. 42), é possível conceber que os produtos comunicativos, como a produção da TV Escola, podem ser considerados elementos produtores de subjetividades, com base na constituição de verdades. Ao apostar em formatos e conceitos, a emissora contribui para a formação do pensamento do sujeito sobre si mesmo, seus papéis sociais, seus limites, escolhas e posições no jogo de poder. Para além dos efeitos dessa relação de poder, é preciso pensar nos caminhos encontrados para a composição desse

sujeito, sendo que “o governo da conduta pauta-se em inventar critérios do que deva ser

sujeito”. Como ocorre o processo de ligação, marcação, identificação a um formato, modelo

ou a uma maneira de ser? A resposta pode estar nas relações de poder-saber “que tornam

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procedimentos e práticas), a eficiência de seu sucesso ou, mesmo, as resistências a eles”

(MENDES, 2004, p. 35-36).

As condutas que resultam nos governos de si, do outro e de Estado estão associadas aos processos de subjetivação que são dessa forma como mecanismos eminentemente de cunho político. Quando conexas às estratégias de gestão essas ações ganham o patamar de políticas de Estado, como pode ser definida a TV Escola. O canal educativo é mantido com recursos governamentais assim como tem suas condutas norteadas pelos parâmetros curriculares estabelecidos para a composição dos conteúdos pedagógicos utilizados nas escolas, como será explicitado mais à frente. O entendimento foulcaultiano de Política de Estado não está calcado no pensamento tradicional das relações sociais que se estabeleceram apenas como leis e outras regulamentações formais. O que é identificado neste caso é a emergência clara e configurada de um discurso estruturado que busca formar, subjetivar, constituir os indivíduos de determinadas maneiras. Assim, os modos de subjetivação constituem-se como práticas que resultam na constituição dos sujeitos, muitas vezes associadas a arquétipos morais que ditam padrões éticos de comportamento. Formadores de verdade, esses modelos são replicados tendo como base de sua estrutura e reforço os valores do poder-saber. Entendendo esse processo continuado, é possível repensar unidades fixas, desconstruir e reconstruir fluxos. Colocando no

lugar dos ilusórios objetos naturais, pensemos numa filosofia da relação, como escreve Veyne, encaremos o problema “pelo meio”, isto é, a partir das práticas, a partir dos discursos, a partir de acontecimentos, da descrição de momentos em que certas “coisas” são objetivadas de certa forma (FISCHER, 2003, p. 381).

Essa materialização das relações de poder-saber torna-se configuradora de verdades, instrumento principal das matérias jornalísticas, programas de entrevistas e outras produções corriqueiras do meio televisivo. Ao relatar visões do fato como resgates da essência do

ocorrido, são criadas verdades “permanentes” que, no processo de produção comunicativa, somente são sobrepostas com a produção de outras capazes de convencer ao telespectador de sua maior credibilidade e, portanto, de maior valor de veridicção. “Não se trata, portanto, de um real revelado pela linguagem, mas de discursos que nascem igualmente sob um fundo de

discursos” (FISCHER, 2003, p. 14). É por meio dessas mensagens, emergindo nos processos

de produção, que é possível traçar caminhos, “desenhar figuras”, recuperar sentidos que são

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alocuções enquanto “objetos eternos”, mesmo que com alguma variação ao longo da história, constitui-se um caminho de equívocos, já que

abundam duas espécies de posturas, que atrapalham o pensamento e até mesmo o impedem: a primeira espécie é a das certezas prontas dos dogmatismos de toda ordem, que creem numa verdade revelada, seja por um deus, pela natureza ou pela história, como no caso das visões religiosas, dos positivismos, de certos marxismos. A segunda espécie é a das certezas prontas das “novidades”, que são anunciadas a cada ano, e que propõem uma “nova visão”, uma nova verdade que substituirá aquela dos dogmatismos, tornando-se ela mesma um novo dogmatismo (GALLO; VEIGA-NETO, 2011, p. 21).

O uso de canais de comunicação, assim como de outras tecnologias, não pode ser visto de forma ingênua e ausente de interesse. Os mesmos carregam certos antecedentes construídos em jogos de poder situados temporalmente. Rose (2001, p. 38) afirma que as verdades referem-se “a qualquer agenciamento ou a qualquer conjunto estruturado por uma racionalidade prática e governado por um objetivo mais ou menos consciente”. Cabe afastar essa afirmação da visão de ideologia na qual esse uso dos meios é estipulado e controlado por um poder soberano constituído em uma instância abstrata ou personificado em uma estrutura de governo. O entendimento aqui perpassa os jogos de poder presentes nas relações humanas

de forma cotidiana, resultantes de processos históricos e sociais. Ao afirmar que é “missão da

TV Escola tornar o interesse do brasileiro em Educação num interesse qualificado e

pertinente”11, é mostrada a posição de formador de mentes que o canal toma para si. Conceito

esse com raízes ortodoxas do pensamento de uma modernidade e derivado “da fé iluminista na capacidade da razão para iluminar, transformar e melhorar a natureza e a sociedade”

(DEACON; PARKER, 1994, p. 98). Ao longo deste trabalho serão empregados cinco princípios desde a modernidade – sendo que muitos deles foram inspirados nos diálogos gregos clássicos – para a constituição da verdade na contemporaneidade, fazendo parte também dos mecanismos educacionais da TV Escola. Obviamente, reempregados, reclassificados e reutilizados em outro contexto histórico, político e cultural.

Um canal como a TV Escola configura-se, então, como um dos componentes de construção de pensamentos responsáveis pelo estabelecimento de um governo de Estado, de si e dos outros. O ato de governar pode ser visto, em Foucault, como um conjunto de ações estruturadas, com o intuito de controle social e, em outra vertente, conforma-se como um conjunto de técnicas usadas pelos sujeitos no exercício do próprio controle. Aparentemente

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divergentes, “ambas não são excludentes entre si” (MENDES, 2004, p. 45), mas compõem estruturas disponíveis dentro dos jogos de poder, nos quais cada sujeito é conduzido, é reconhecido pelos outros, sujeitos que “conduzem e se conhecem a si próprios”. Assim, seja como governo de Estado ou governo de si, as duas técnicas entremeiam-se intermitentemente, interferindo e contribuindo mutuamente na relação consigo mesmo, com os outros e com o

Estado. “Essas relações são construídas e históricas, mas elas não devem ser compreendidas por meio de uma operação que as localiza em algum domínio amorfo da cultura” (ROSE, 2001, p. 36). O mesmo procedimento de estruturação de instrumentos de governo pode ser verificado em outros campos sociais como o sistema jurídico-penal, que é regido pela noção da disposição de estratégias de controle. Além disso, a mesma lógica do dito procedimento está presente no sistema de ensino e em outras formas de relação social, criando a compreensão e a vivência do que Rose (2001, p. 37) estabelece, entre outros, como

definidores da “masculinidade, feminilidade, honra, reserva, boa conduta, civilidade,

disciplina, distinção, eficiência, harmonia, sucesso, virtude, prazer”.

Ressaltando que o homem é o único animal com habilidade e costume de se auto interpretar, Larrosa (1994, p. 43) mostra que a experiência de si é fabricada em um processo

histórico de grande complexidade no qual “se entrecruzam os discursos que definem a verdade do sujeito, as práticas que regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua própria interioridade”. Além dessa visão que a experiência de si é situada histórica e culturalmente, também é proposto que a mesma é transmitida e deve ser aprendida por meio dos dispositivos constituintes da cultura. E um dos meios mais efetivos para essa ação é a Educação, colocada, por Larrosa (1994, p. 45), como se “além de construir e transmitir uma experiência ‘objetiva’ do mundo exterior, construísse e transmitisse também

a experiência que as pessoas têm de si mesmas e dos outros como ‘sujeitos’”. Um conjunto de práticas é responsável pela articulação entre saber e poder, propício para a produção do sujeito. E é a objetivação dos aspectos do humano ocorrida nessa relação que permite certo controle na formatação do indivíduo, sendo a Educação uma dessas práticas disciplinares de

“normalização e de controle social”.

Verdade e poder têm, então, uma relação indissociável e, ao mesmo tempo, são fundamentos distintos e estruturados. Para Michel Foucault (2003a, p. 10), isso acontece de acordo com o regime de economia política da verdade de cada sociedade na qual se estabelecem, ou seja, “os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos,

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metodologia e os códigos usados pelos responsáveis nos procedimentos de estabelecimento da veracidade. Dessa forma, não é possível decretar o que é relatado a cada momento como um

“conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”.

Esses discursos que emergem a cada momento não são considerados como algo permanente ou que estejam em uma instância superior de realismo. As afirmações postas são vistas como um conjunto de procedimentos que estruturam a enunciação realizada pelo sujeito, que é recebida como real. Mentalidades que são constituídas nas relações cotidianas, nos jogos de poder que permeiam todas as relações. Não se trata de, com isso, afirmar que não existem os fatos e a verdade, e sim de uma forma de entendimento sobre as maneiras como os conteúdos verídicos insurgem, sobre os métodos de produção que possibilitam esse surgimento e sobre as relações de poder envolvidas nesse processo. Como processos em

constante construção, essas mentalidades podem ser analisadas como “a história das reações

que o pensamento mantém com a verdade; a história do pensamento, uma vez que ela é pensamento sobre a verdade. Todos aqueles que dizem que para mim a verdade não existe são

mentes simplistas” (FOUCAULT, 2012, p. 241).

O mesmo pensamento é aplicado ao sujeito que não deve ser visto como o centro do

saber ou da representação, sendo o “ponto de origem a partir do qual o conhecimento é possível e a verdade aparece” (FOUCAULT, 2003a, p. 10). Por isso, a verdade é colocada como uma construção realizada historicamente nos jogos de poder que envolvem o sujeito

“que se constitui no interior mesmo da história, e que é a cada instante fundado e refundado pela história” (FOUCAULT, 2003a, p. 10). Tendo a premissa que ela é resultado de

“múltiplas coerções” e “produz efeitos” regulamentados de poder, busca-se, aqui, sob a inspiração de Foucault, entender as formas que a constituem, seus efeitos, a relação com os jogos de poder e como esses conceitos podem ter relação ou distanciamento com a experimentação.

Como explicitado, o estabelecimento de um governo de Estado por intermédio da estruturação de um saber pedagógico e a criação de um governo de si com dispositivos de autocontrole conformadores de verdades são processos complexos. Ambas as formas de governo têm a sua referência de construção em um processo histórico, mas, “em determinados

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pontos de referência para o estabelecimento do que hora chamamos de “poder-saber”, o que possibilita que os mesmos sejam vistos como componentes curriculares presentes na formação dos sujeitos. Um poder onipresente que seria o arregimentador das práticas e que, sem uma centralidade absoluta, permeia espaços diversos, assim como são seus procedimentos. Essa presença plena proposta por Foucault (1988) não é uma busca pelo ser supremo que tudo pode e tudo vê. É a confirmação que as ações estão e podem vir de toda parte, sendo produzidas ou auto-produzidas a cada instante. Não uma instituição ou estrutura, não algo adquirível ou arrebatável, não o que se pode guardar ou deixar escapar, mas sim algo

que “se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis”

(FOUCAULT, 1988, p. 90).

Sendo as ações conformadoras da verdade oriundas de várias fontes e formas, a mesma característica é entendida para a procedência do poder-saber e das noções de governo. Nas sociedades contemporâneas existem múltiplas relações de poder que perpassam, descrevem e formam o corpo social, por isso, os campos da Educação e da Comunicação expressam tais arrolamentos. Como atividades meio, eles carregam, em suas práticas, conformadas nas relações, os elementos e noções resultantes e articuladoras de poder e verdade. Não é possível dissociá-las, elas são estabelecidas e funcionam atreladas às produções, às formas de agregar, de circular e de fazer funcionar entendimentos. O poder e a verdade estão arregimentados em uma dupla existência: tanto os sujeitos são submetidos pelo poder a produzir verdades quanto só podem exercer o poder por intermédio da produção de verdades. Nessa visão, os meios de comunicação educativos são grandes potencializadores desse processo, constituindo-se, no mesmo processo, como formas de expansão dos efeitos que produz em velocidade e capilaridade. Os procedimentos de poder são inquiridores da verdade e, ao induzir a busca por ela, a institucionalizam e estabelecem relações compensatórias, sendo que o resultado é a produção de riquezas.

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É o estabelecimento de um estatuto articulado em torno da verdade e do papel econômico-político do poder, atrelados em estratégias, diferenciadas e resultantes, da constituição do governo de Estado, de si e dos outros.

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2. A MÍDIA AUDIOVISUAL EDUCATIVA NO BRASIL

Seja na visão de meios materiais de Educação e ensino ou como canal para a

“instrução programada e outros meios de individualização da aprendizagem” (PFROMM

NETO, 1976, p. 5), as tecnologias da Educação adquiriram um espaço privilegiado e, por suas possibilidades de adaptação às diversas situações, foram alvo de interesse de pesquisadores e autoridades governamentais. O desenvolvimento dos meios de comunicação de forma exponencial, desde o final do século XIX, abriu novas possibilidades de transmissão da informação e, como consequência, chamou a atenção de profissionais envolvidos com a pesquisa e as práticas da Educação. Destacam-se, nesse período, a criação e disseminação do cinema e do rádio, precursores diretos da implantação da televisão, outro meio de ampla permeabilidade social. A apresentação do cinematógrafo, em dezembro de 1895, pelos irmãos Lumière na França, é considerada um marco da criação do cinema, que teve executada sua primeira exibição no Brasil logo no ano seguinte. Poucos anos depois, em 1900, Padre Landell de Moura realizou a transmissão à distância do som de uma voz humana em São Paulo. No entanto, as primeiras emissoras de rádio foram implantadas no país apenas a partir de 1923. Lançada na década de 1950, a televisão adquiriu rapidamente papel central de atuação entre esses meios, absorvendo, em sua estrutura, grande parte dos profissionais e de ações que envolviam o cinema e o rádio, desenvolvidas na primeira metade do século XX.

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quatro fases: a experimental; a dos primeiros passos e tentativas; a da alfabetização da massa e conduta da conduta e a da formação continuada e ferramenta pedagógica.

2.1. Qual a importância metodológica de se apresentar a constituição histórica da mídia audiovisual educativa?

A interferência das novas tecnologias tem levado à reconfiguração das relações sociais

devido à demanda de maior agilidade na reação aos estímulos impelindo as pessoas a “pensar

e a executar, em um minuto, o que os seus avós pensavam e executavam em uma hora” (BILAC, 1904, p. 7). Essa antevisão, que se assemelha com a realidade da sociedade contemporânea, foi publicada há 110 anos na edição de lançamento da revista Kosmos, no Rio de Janeiro. O contato do escritor com as novas tecnologias de projeção audiovisual, que deram origem ao cinema, o levou ao presságio de que os meios impressos passariam gradativamente a perder espaço para os novos ambientes que seriam capazes de transmitir, com maior fidelidade, as questões cotidianas. Essa expectativa do relato fiel da coletividade e da configuração de uma nova relação social também pode ser percebida nos processos de implantação do rádio e da televisão no Brasil. Cada um desses três meios foi integrado a seu tempo em ações educativas com vistas a contribuir de formas distintas com as ações pedagógicas. Devido à relação consequente entre esses meios, faz-se necessário o entendimento de como, historicamente, o cinema foi recebido e integrado às atividades escolares no Brasil. Da mesma forma, o rádio e sua relação educacional precisam ser averiguados já que antecedem e contribuem de forma decisiva para a implantação da televisão no Brasil. A busca do entendimento dessas relações e construções históricas segue a referência de investigação dos momentos de emergências das mentalidades, entendendo que os meios de comunicação são responsáveis pelo registro e narração de um determinado momento.

Os processos pedagógicos e os canais de comunicação têm uma relação íntima com os relatos históricos, ao mesmo tempo que em sua atuação contribuem para a construção dos mesmos. Sendo um ambiente de descrição, a “história, como os rituais, como as sagrações, como os funerais, como as cerimônias, como os relatos legendários, é um operador, um

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geográfica e temporalmente. Em sua habilidade de articulação do poder-saber culminam por estabelecer verdades vistas como inquestionáveis por boa parcela do seu público.

O uso das ferramentas disponíveis é relacionado diretamente aos interesses que são suscitados nos jogos de poder presentes nas relações sociais. Para além do discurso, os procedimentos configuram-se como a melhor referência para a análise de como as mentalidades são propagadas, sejam elas tradicionais ou novas propostas. É no instrumento, na técnica, no método que os direcionamentos podem ser percebidos e perseguidos. A busca de identificação dos modos de agir possibilita a replicação e reinvenção de novos comportamentos formadores. Pretto (2008) analisa as ações dos meios de comunicação como atos ligados intimamente à Educação, possibilitando a ampliação da interação com as tecnologias e culminando com a transformação do processo educativo em um fomentador de questionamentos que perpassam, além da escola, todos os espaços de troca de conteúdos e conhecimentos.

A interação para a troca de conhecimento pode dar-se de diversas formas, o que tem sido ampliado com o surgimento de novas tecnologias e a implantação de políticas específicas para esse uso. Um dos principais ambientes de conformação de ideias relacionadas com as práticas educativas no Brasil é a TV Escola, que se configura como um canal voltado especificamente à aplicação disseminada de políticas públicas do Ministério da Educação brasileiro. O canal é destinado aos professores, educadores, alunos e a outros interessados em ter contato com as mídias educativas. O objetivo é subsidiar a escola e os professores com uma ferramenta pedagógica disponível para complementar sua própria formação ou para uso nas práticas de ensino.

Além de marcar as práticas pedagógicas contemporâneas esse também é um espaço de resgate de fatos e conceitos de tempos antecedentes. O conteúdo operacionalizado em forma de interprogramas – chamadas vinhetas –, reportagens e matérias especiais, com gravações externas e em estúdio, é destinado para exibição no canal da TV Escola e disponibilizado em plataformas digitais. A esse conteúdo somam-se manuais, uma revista, cartilhas e outros materiais complementares definidores de metodologias e modelos de atuação. Esse material é integrado tanto na formação continuada como na aplicação direta dos mesmos nas atividades pedagógicas, o que pode conformar a disseminação de racionalidades voltadas aos princípios de governo. Escolhas que, atreladas aos princípios do poder-saber, efetivam-se como produtoras de um panorama de visão tratado como verdade absoluta.

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Governo Federal tem sua execução efetivada pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), que é responsável pela “transmissão, distribuição, exibição,

operação, monitoramento, controle, programação e produção de programas de televisão

transmídia”.12 O contrato mais recente foi assinado com a Secretaria de Educação Básica no

dia 23 de agosto de 2013 e, em uma dispensa de licitação, previu o repasse de recursos da ordem de R$ 23.450.000,00 (Vinte e três milhões, quatrocentos e cinquenta mil reais) para a realização do trabalho que teve vigência da data da publicação até o dia 31 de dezembro do mesmo ano. Em quatro meses, o projeto apresentou um custo de 2,8% de todo o gasto orçado para o Ministério da Educação (Figura 1)13 para aquele ano, no montante de 838 milhões de

reais. A execução financeira terminou o exercício excedendo em quase a metade o que fora orçado finalizando o ano com o total de gastos em 1,2 bilhão de reais. Nesse caso, o valor disponibilizado para o contrato com a ACERP caiu para 1,9% do total destinado ao Ministério. A cifra, que pode parecer pequena, ganha vulto quando comparada com outras áreas de investimento no mesmo setor. Para o mesmo ano, o valor aportado no programa de

“Educação Profissional e Tecnológica” foi também da casa dos 21 milhões de reais, assim

como o que fora destinado para a “Educação Básica”, na ordem dos 35 milhões de reais. Avaliando que o contrato para a gestão e produção dos conteúdos da TV Escola teve vigência de um terço do ano, o seu valor supera a soma dos dois programas voltados à formação.

Figura 1 – Planilha da execução orçamentária do Ministério da Educação no ano de 2013

Disponível em: http://www3.transparencia.gov.br. (Acesso em: 23/11/2014.)

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Além das questões econômicas envolvidas na execução da TV Escola, o projeto chama a atenção também por sua capilaridade. De acordo com informações da própria emissora14, ela configura-se como uma plataforma distribuída tanto pela internet quanto pelos

canais de televisão. Por meio de satélite, nas vertentes analógica e digital, está disponível para recepção com sinal aberto para mais de 15 milhões de antenas parabólicas. Nos canais a cabo, é disponibilizada pelas operadoras para cerca de 1,5 milhão de assinantes. O foco de interesse desta pesquisa é o acesso direto desse meio com o meio educacional, no qual se estima que cerca de 50 mil do total de 150 mil escolas públicas brasileiras, têm contato com o conteúdo recebido por antenas e aparelhos de televisão.

Com foco orientado ao trabalho e à formação continuada dos professores, a emissora tem como público-alvo prioritário um milhão e setecentos mil docentes ocupantes das vagas disponíveis nas instituições educativas municipais, estaduais e federais. Se hoje o Canal da Educação configura-se como a principal estratégia tecnológica de disseminação de informações e de ações pedagógicas, é preciso entender como essa estratégia foi instituída. Quais elementos podemos definir como estruturantes historicamente de uma mentalidade de mídia educativa? Que momentos e ações marcam a construção de políticas para esse meio que, de uma maneira ou de outra, serviram de inspiração ou base para os projetos que deram origem à TV Escola e seus princípios? Na busca do entendimento de alguns artifícios que marcam a trajetória da implantação da mídia audiovisual educativa no Brasil, os próximos tópicos pontuam momentos de destaque da implantação desses meios de comunicação e suas relações com o campo da Educação. Tendo como diretriz os momentos e as ações marcantes dessas áreas, o assunto será tratado em quatro fases distintas, abordando: a) os experimentos da mídia educativa no rádio e no cinema; b) as tentativas e erros nos primeiros passos da televisão educativa; c) a conduta da conduta na alfabetização da massa pela televisão; d) a TV Escola e o ensino a distância na formação continuada e como ferramenta pedagógica.

2.2.Experimentos da mídia educativa no rádio e no cinema

A criação de novos aparelhos técnicos de exibição de imagens, a partir da segunda metade do século XIX, provocou uma “explosão dessa visualidade” (BARBOSA, 2013, p.

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180), conformando novas formas de registro e disseminação de conteúdos documentais e ficcionais. Uma das criações de grande evidência foi o cinematógrafo em 1895, que se referia a um aparelho capaz de mostrar imagens em movimento, utilizando-se do sequenciamento de registros estáticos dispostos em grande velocidade, como se fosse a sobreposição de fotografias que mostrassem cada detalhe do movimento. Essa arte tem referências anteriores, entre elas, a técnica milenar chinesa de fazer jogos com as sombras que eram projetadas em paredes, formando movimentos que simulavam pessoas e animais. A descoberta do fenômeno da persistência da visão15 permitiu o entendimento de como seria possível a recriação de

situações reais, o que se tornou objeto de estudo de diversos cientistas nas décadas seguintes. O recurso que, inicialmente, era usado para registros simples de cenas cotidianas da sociedade passou, na sequência, a mostrar narrativas construídas com um sequenciamento proposital na

construção de narrativas lineares. “Filho da Revolução Industrial, primeira arte criada pela

burguesia” (BARBOSA, 2013, p. 133), o cinematógrafo caiu no gosto geral da população em

pouco tempo, passando a ser apresentado em diversas partes do mundo ganhou o título de

“sétima arte”16 e, na mesma época, teve seu nome popularizado simplesmente como cinema.

Assim como em outros países, o novo meio de reconstituição ou construção de realidades tem grande receptividade no Brasil. No ano de 1897, foram inaugurados os primeiros espaços dedicados a esse tipo de exibição no centro do Rio de Janeiro: o Cinematógrafo Edson e o do Salão Paris. O crescimento só não foi mais ágil devido à falta de

estrutura elétrica na cidade para suportar tal iniciativa, já que “o consumo de eletricidade era

dependente de pequenos geradores, razão para muitas panes e incêndios nas casas de

projeção” (FERREIRA, 2004, p. 52). O furor provocado pela novidade surpreendia pela

realidade de sua projeções. Um artigo publicado na Gazeta de Petrópolis, em 14 de dezembro de 1897, descreve a sensação de conhecer Paris mesmo sem ter que gastar um volume muito

alto daquilo “com que se compram melões... Ah! Paris, meu sonho dourado! Já que não posso

ver em teu seio, – ao menos ver te ei pelo – Cinemathógrapho Lumière no Salão Brangança,

às terças, quintas, sábados e domingos”17 (Gazeta de Petrópolis, 1897). A atração, que custava

apenas 1$000 (mil réis), era apresentada de forma cotidiana em espaços nobres das cidades.

15“Fenômeno de retenção de uma imagem, pelo olho humano, ainda por uma fração de segundo após o estímulo direto dessa imagem na retina. Sem esta característica, nossos olhos veriam uma sucessão muito rápida de imagens estáticas ou fotogramas” (BARBOSA, 2001, p. 561).

16 Título proposto pelo italiano Ricciotto Canudo, em 1912, no Manifesto das Sete Artes, no qual elencava na sequência a arquitetura, a escultura, a pintura, a música, a dança, a poesia e o cinema.

(37)

Menos de uma década depois do lançamento do Cinemathógrapho em Paris, Olavo Bilac descreveu, em uma crônica na revista Kosmos, lançada no Rio de Janeiro, o espanto diante do avanço do equipamento. Quando somado ao phonógrafo18 pelos físicos franceses

Gaumont e Decaux, foi criado o chronófono, que era capaz de gravar e reproduzir a imagem e

o som das cenas e pessoas registradas, detalhando “a figura do orador, sua fisionomia, seus

gestos, a expressão de sua face, a mobilidade de seus olhos e dos seus lábios” (BILAC, 1904,

p. 7). Surpreso diante da capacidade de reconstituição da realidade, o escritor descreve o que, quase 60 anos mais tarde, passaria a ser chamado de telejornalismo e o contexto ao qual busca satisfazer:

Talvez o jornal do futuro seja uma aplicação dessa descoberta... A actividade humana augmenta, numa progressão pasmosa. Já os homens de hoje são forçados a pensar e a executar, em um minuto, o que os seus avós pensavam e executavam em uma hora. A vida moderna é feita de relâmpagos no cérebro, e de rufos de lebre no sangue. O livro está morrendo, justamente porque já pouca gente pode consagrar um dia todo, ou ainda uma hora toda, à leitura de cem páginas impressas sobre o mesmo assumpto. Talvez o jornal do futuro, para attender á pressa, á anciedade, á exigencia furiosa de informações completas, instantaneas e multiplicadas, seja um jornal fallado, e ilustrado com projecções animatographicas, dando, a um só tempo, a impressão auditiva e visual dos acontecimentos, dos desastres, das catastrophes, das festas, de todas as scenas alegres ou tristes, serias ou futeis, desta interminavel e complicada comedia, que vivemos a representar no immenso tablado do planeta... (BILAC, 1904, p. 7).

Com esse artigo, Bilac chama a atenção tanto para as características das produções jornalísticas da atualidade quanto para a busca de digestão instantânea da informação presente nesses meios. Esse mesmo pensamento de absorção automática e ágil das notícias acaba sendo buscado, de alguma forma, nas tecnologias voltadas para a atuação no campo educativo. Principalmente quando se busca, no caso da televisão, o repasse dos conteúdos gravados em uma explanação linear, esperando o entedimento igualitário pelos que as assistem. Também é possível perceber, nas palavras do autor, o quanto a mudança nas reações diárias constrói novas formas de relacionamento social. O pensamento mais ágil acaba sendo uma demanda e, ao mesmo tempo, resultado de uma rotina que também é composta de processos mais dinâmicos. Outra previsão que é possível destacar está no avanço tecnológico que, inevitavelmente, passaria a integrar gradativamente os processos de conhecimento e transmissão de informações. A ferramenta é vista como renovada e de grande potencial. No entanto, seus objetivos são vistos com os mesmos propósitos das que a antecederam: de

Imagem

Figura 1 –  Planilha da execução orçamentária do Ministério da Educação no ano de 2013
Tabela 1  –  Matriz curricular de AMI para a formação de professores

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