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3. A VERDADE E A ECONOMIA POLÍTICA

3.1. O regime de verdade no Estado gerencial

A sociedade ocidental, no período conhecido como Moderno, passa a ter uma ligação íntima entre o pensar e o agir político em consonância com interesses e princípios econômicos reconhecidos amplamente pelo nome de Sistema Capitalista. Entendendo esse movimento enquanto uma construção que emerge de diversas frentes e propósitos, percebe-se que sua articulação se dá na instância de proposições que assumem, naquele momento, o status de veridicidade ou, como poderíamos chamar, um regime da verdade. Essa questão, para Foucault, “está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem” (FOUCAULT, 2003a, p. 11). Nessas ações constituídas nas relações diárias produz-se um regime político que pode ser verificado, inclusive, no campo da Ciência. Na busca de entendimento dos procedimentos de edificação desse código, torna-se necessário identificar “que efeitos de poder circulam entre os enunciados científicos; qual é seu regime interior de poder; como e por que em certos momentos ele se modifica de forma global” (FOUCAULT, 2003b, p. 5) no interior da trama, sem a necessidade de sua identificação consequente com um sujeito específico. Nessa articulação política, os que se apresentam mais adequados aos princípios disseminados adquirem importância econômica e maior credibilidade.

Os efeitos da constituição de um intelectual, que tem valor de mercado por sua relação com o alinhamento das questões teóricas e políticas, podem ser verificados em procedimentos intrincados de diálogo. O contraponto que se desenha emerge no conceito de disputa pela referência do conhecimento com a noção de polêmica. A ascendência desse tema é relacionada aos jogos de poder procedentes das situações de diálogo entre questionadores e os que, naquele momento, estão na função de dar respostas. Em uma situação normal, ambos (interrogadores e interrogados) ocupam suas posições de colocar em dúvida ou defender o que fora postulado, exercendo seus direitos de expressão. Já o polemista investe-se de uma predisposição para o enfrentamento, uma guerra conceitual caracterizada como luta, na qual o mesmo vê o seu interlocutor como inimigo, opositor, um ser equivocado, perigoso e ameaçador (FOUCAULT, 2012). Ao considerar o outro enquanto oponente, o questionador vê a necessidade de retirar dele o direito a se expressar, já que o mesmo precisa ser derrotado e suas ideias não são válidas. O triunfar do que provoca o confronto significa a exclusão de qualquer um que dele discorde. O embate dado no campo das ideias termina com a busca dos

argumentos que coloquem tal posição como inquestionável, o que pode ser alcançado com dados e informações obtidas na busca científica de construção de verdades.

O estabelecimento da polêmica, enquanto “figura parasitária da discussão”, é percebido, por Foucault, em três modelos: o religioso, o jurídico e o político. As duas primeiras serão tratadas mais à frente no capítulo sobre a constituição da verdade nas práticas científicas, no qual será destacado o uso dos processos de inquirição na busca de comprovações para transgressões cometidas por falta moral, seja contra os dogmas da igreja ou contra a lei. Diferentemente dessas duas estabelecidas na ordem da investigação, no modelo político “o polemista diz a verdade na forma de julgamento e de acordo com a autoridade que ele mesmo se atribui” (FOUCAULT, 2012, p. 220). Agremiando-se em instâncias partidárias e estruturas de cunho econômico, constitui-se no locus de sua própria verdade, representando fisicamente a instância de seu pensamento e considerando como inadequado qualquer pensamento divergente do seu. Por não serem estabelecidos em uma parceria na busca da verdade e sim no confronto que visa sobrepujar o outro, os discursos detectados nesse processo são tidos como estéreis, não levam às reflexões inovadoras. As consequências disso podem causar danos, como afirma Foucault (2012, p. 221), ao ressaltar que “é bastante perigoso levar a crer que o acesso à verdade possa passar por semelhantes caminhos e validar assim, mesmo que somente de forma simbólica, as práticas políticas reais que poderiam ser por eles autorizadas”.

A forma político-econômica de construção da verdade é a representação mais característica dos jogos de poder pela forma de estabelecimento entre os pares desse meio e com o eleitorado, a quem se direcionam, estabelecendo uma instância superior e o referencial de conhecimento. As instâncias políticas de discussão são consideradas, por Foucault (2003e), uma referência pela condução de suas práticas sugerindo que

se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele é, apreendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, devemos nos aproximar, não dos filósofos mas dos políticos, devemos compreender quais são as relações de luta e poder. E é somente nessas relações de luta e poder – na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder – que compreendemos em que consiste o conhecimento (FOUCAULT, 2003e, p. 23).

A valorização das instâncias política e econômica, enquanto referência do estabelecimento do conhecimento/verdade, liga-se a esses jogos de poder responsáveis pela definição das condições de poder-saber nas demais áreas. “Só pode haver certos tipos de sujeito de conhecimento, certas ordens de verdade, certos domínios de saber a partir de

condições políticas que são o solo em que se formam o sujeito, os domínios de saber e as relações de verdade” (FOUCAULT, 2003e, p. 27). O poder está inserido, é produtivo e indutor, produz saberes e discursos. Por isso, pode ser visto como uma rede que atravessa de forma continuada e adaptada todo o corpo social que é regido por uma economia política que busca nas ações a efetividade de um Estado gerencial baseado nos princípios relacionados com a eficiência nos resultados. E é nesse mesmo prisma que é visto o intelectual e sua produção científica, com a necessidade de atingir os parâmetros de qualidade e rendimento. A medição da possível rentabilidade que pode ser angariada nas atividades brasileiras no campo da Educação será avaliada no próximo segmento.