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ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESCRIÇÃO PRESSUPOSTOS

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 96B980

Relator: MIRANDA GUSMÃO Sessão: 19 Fevereiro 1998 Número: SJ199802190009802 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: NEGADA A REVISTA.

CASO JULGADO MATERIAL ÓNUS DA PROVA

ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESCRIÇÃO PRESSUPOSTOS

Sumário

I - O Instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva:

como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.

II - O caso julgado de decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para a apreciação do objecto processual posterior.

III - O caso julgado de decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior quando a apreciação do objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é repetido no objecto processual subsequente.

IV - Segundo os critérios gerais para a repartição do ónus da prova, enquanto ao autor cabe a prova dos factos que servem de pressuposto ao efeito jurídico pretendido, ao réu cabe a prova dos factos extintivos da pretensão do autor.

V - Não viola a autoridade do caso julgado material de despacho proferido em execução fiscal que atribui ao arrematante de prédio penhorado a totalidade das rendas após a penhora recebidas, o acórdão da Relação que em acção posterior de enriquecimento sem causa, movida pelo executado contra o arrematante, condena este a restituir àquele parte das rendas recebidas, a liquidar em execução de sentença, relativas a prédios do executado não

objecto de penhora nem arrematados na execução, embora fossem pagas pelo inquilino conjuntamente com as dos prédios penhorados.

VI - São pressupostos do enriquecimento sem causa: que alguém obtenha um enriquecimento; à custa de quem requere a restituição; que o enriquecimento não tenha causa justificativa.

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VII - Não há prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa sem verificação dos pressupostos do artigo 482 do CCIV66.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I

1. No 13º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, A intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo que este seja condenado a restituir-lhe as quantias mensais de 115000 escudos desde Julho de 1980 até Dezembro de 1988,

acrescidas de uma actualização anual de 11% e dos juros legais desde as datas dos respectivos recebimentos das quantias e até integral pagamento.

Fundamenta o pedido no recebimento por parte do Réu, de rendas daquele montante mensal, referentes a um prédio, que não é propriedade deste, mas sim, dele, tutor, já que assumindo aquele a qualidade de senhorio, quanto ao prédio descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 3334, do Livro B 11, fls. 193, sito na Azinhaga dos Loureiros, arrendado juntamente com os nsº 4029 e 7371, a J.J. Gonçalves Sucessoras Comércio e Indústria, SARL, pela renda global de 135000 escudos, passou a receber desta firma tal renda, entre 31 de Julho de 1980 e 29 de Dezembro de 1988, por haver comprado, em hasta pública, por arrematação, tal prédio a requerido, nessa altura, o pagamento dessa renda, ao 4. juízo do tribunal de 1ª instância de Contribuições e Impostos de Lisboa, a favor do qual se encontrava

penhorado o prédio vendido ao Réu e o direito ao arrendamento dos armazéns 4, 5 e 6 do Autor e de D, então executados em execução naquele Juízo, pelo que o valor das rendas relativas aos prédios 4029 e 7371 sempre lhe deveriam ser pagas e nunca ao Réu.

2. O Réu contestou.

Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o Réu do pedido.

3. O Réu agravou do despacho saneador na parte em que julgou improcedente as excepções de caso julgado e de prescrição, recurso que subiu com a

apelação interposta pelo autor da decisão final.

4. A Relação de Lisboa, por acórdão de 24 de Outubro de 1996, decidiu:

a) em negar provimento ao recurso de agravo interposto pelo Réu;

b) em conceder provimento parcial ao recurso de apelação interposto pelo autor e, em consequência, condenar o Réu a restituir àquele a quantia correspondente à parte da renda que lhe cabia, mensalmente, e com que o Réu se locupletou, no período de 31 de Julho de 1980 a 29 de Dezembro de 1988, a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora, a partir

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da sentença de liquidação, à taxa legal, melhor dizendo, a partir da data da sentença de liquidação, à taxa de juros legal.

5. O Réu pediu revista e após a sua admissão veio a falecer tendo a sua herdeira C, após habilitada, apresentado alegações onde formulou as seguintes conclusões:

1) O despacho que ordenou a penhora do direito ao arrendamento dos prédios do ora recorrido (v. fls. 33 dos autos), já transitado em julgado, além de

constituir o ora recorrido fiel depositário do prédio penhorado, decidiu que este não podia dispor das respectivas rendas, as quais deviam ser entregues á ordem do Exmo. Senhor Juiz do 4º Juízo de 1ª Instância das Contribuições e Impostos de Lisboa.

2) Por despacho de 30 de Julho de 1980, já transitado em julgado, proferido na execução nº 19 CGD/78 que correu termos no 4º Juízo do Tribunal de 1ª

Instância das Contribuições e Impostos de Lisboa, foi atribuída ao ora recorrente a renda de 135000 escudos, referente aos imóveis que este arrematou em hasta pública.

3) A pretensão dos ora recorridos nos presentes autos, a exigir do recorrente a entrega daquela renda ou parte, além de totalmente infundada, não pode

proceder, pois violará frontalmente a autoridade de caso julgado de anteriores decisões judiciais que estabeleceram que as referidas rendas deviam ser

entregues ao Tribunal e, posteriormente ao recorrente, não podendo, o ora recorrido dispor delas (cfr. artigo 671 e seguintes do Código de Processo Civil).

4) O ora recorrido não provou os factos correspondentes aos quesitos 2 a 4 do douto questionário de fls. 99 e seguintes, conforme se decidiu no douto

acórdão do Tribunal Colectivo de fls. 120 dos autos, não tendo assim

demonstrado o recebimento de quaisquer rendas por parte do ora recorrente, o que consubstanciaria o seu alegado enriquecimento (v. artigo 473 do Código Civil).

5) O ora recorrido também não provou o facto correspondente ao quesito 5 do douto questionário de fls. 99 e segs., conforme se decidiu no douto acórdão do Tribunal Colectivo de fls. 120 dos autos, não tendo assim demonstrado que a parte da renda recebida pelo ora recorrente no montante de 115000 escudos ou qualquer outro - pertença aos prédios descritos sob o n. 4029 e 7371 conforme se reconheceu no douto aresto sub judice.

6) O ora recorrido não provou assim os factos constitutivos do direito que alega, como lhe competia (v. artigos 342, n. 1 e 473 do Código Civil), pelo que o ora recorrente nunca poderia ser condenado a pagar-lhe quaisquer quantias.

7) O ora recorrido era fiel depositário dos imóveis e por isso tinha de receber as rendas e de as entregar na Tesouraria da Fazenda Pública junto do 4º Juízo

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do Tribunal de 1ª Instância das Contribuições e Impostos de Lisboa.

8) O ora recorrido, a partir de 9 de Agosto de 1980, deixou de receber as rendas e de as entregar na referida Tesouraria da Fazenda Pública tendo conhecimento a partir dessa data que as rendas deveriam passar a ser pagas ao ora recorrente.

9) O recorrido tem assim conhecimento, pelo menos, desde 9 de Agosto de 1980, de que o recorrente teria passado a receber as rendas dos imóveis, e a acção só foi proposta em 21 de Abril de 1992, cerca de 12 anos depois, pelo que o pretenso direito prescreveu, ex vi do disposto no artigo 482 do Código Civil.

10) O douto acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de

julgamento, tendo violado fundamentalmente, além do mais, o disposto nos artigos 671 e seguintes do C.P.C., bem como nos artigos 342, 473 e 482 do Código Civil.

6. O recorrido apresentou contra-alegações, onde salientou que:

1) O despacho que ordenou a penhora das rendas, independentemente de ter ou não transitado em julgado (facto que não foi averiguado), se tivesse

decidido(?) que o ora recorrido não podia dispor das rendas, só o podia decidir com eficácia dentro do processo de execução e, naturalmente, até ao limite que fosse suficiente para pagar a quantia exequenda, não eternamente, como o ora requerente pretende.

2) O referido despacho e o demais anexo alegado pela recorrente é, aliás, irrelevante para estes autos, por só agora, pela primeira vez, ter sido alegado pelo recorrente.

3) O despacho de 30 de Julho de 1980 não transitou em julgado, além do mais por nunca ter sido notificado ao ora recorrido e nunca podia constituir o ora recorrente no direito a receber, indevidamente, rendas que lhe não

pertencem, pois pertencem, isso sim, ao aqui recorrido.

4) Não se verifica qualquer excepção de caso julgado, não só porque o

despacho de 30 de Julho de 1980 não transitou, como também porque não se verificam os respectivos requisitos legais dos artigos 497 e 498 do C.P.C.

5) Está simplesmente demonstrado que o recorrente recebeu todas as rendas e que nestas se inclui uma parte a que o aqui recorrente tem direito.

6) O ora recorrido propôs a acção de enriquecimento sem causa dentro do prazo e, por isso, pode, ainda, ver o seu direito judicialmente reconhecido, como sucedeu pelo douto acórdão ora recorrido.

7) E como é manifesto que a recorrente, e quem a aconselha, litiga de má fé, pois está claramente como pretende, a atrasar a realização do direito do recorrido, o Tribunal não deixará de apreciar a sua conduta processual.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

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II

Elementos a tomar em conta:

1) Em 18 de Julho de 1968, o Autor deu de arrendamento a J.J. Gonçalves, Sucessores Comércio e Indústria, SARL, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 125 do Lumiar e descrito na 7ª Conservatória do registo Predial sob os números 3334 e 4029 com a área total de 400 m2 e sito na Azinhaga dos Lameiros, letras J. M., Lumiar, Lisboa, tendo para o efeito celebrado no 12.

Cartório Notarial o respectivo público.

2) Pela mesma escritura o Autor deu também de arrendamento à referida Sociedade parte do prédio urbano que faz parte da descrição predial nº 7371, a fls. 175v. do Livro B-26 da 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, então omisso, mas pedia a sua inscrição como ampliação do artigo urbano nº 227, da freguesia do Lumiar e artigo 555 rústico, com área total de 1170 m2, situado em Lisboa, na Azinhaga do Serrado, freguesia do Lumiar.

3) A renda mensal era de 65000 escudos, sendo 40000 escudos relativamente aos prédios urbanos descritos na 7ª Conservatória do Registo Predial sob os nsº 3304 e 4027 e 25000 escudos relativa à parte do prédio inscrito na mesma Conservatória sob o artigo 7371.

4) Em 21 de Setembro de 1977, por escritura celebrada na 19º Cartório Notarial de Lisboa, o Autor celebrou um contrato de arrendamento com a INALFER - Comércio e Indústria Lda. relativamente a um prédio descrito na 7ª Conservatória do registo Predial sob o nº 7371, a fls. 175v. do Livro 3-20, tendo sido acordado o pagamento de uma renda mensal de 10000 escudos.

5) Em 13 de Julho de 1978, por escritura celebrada no 16º Cartório Notarial de Lisboa, a INALFER - Comércio e Indústria Lda. cedeu a J.J. Gonçalves

Sucessores, Comércio e Indústria, SARL, o direito de arrendamento pelo preço de 1845000 escudos.

6) Pela mesma escritura, o Autor e J.J. Gonçalves, Sucessores Comércio e Indústria SARL unificaram e reduziram a um só contrato os contratos de arrendamento anteriormente celebrados e ainda o que respeita à cessão do direito de arrendamento, tendo sido acordada a renda global de 135000 escudos.

7) Em Fevereiro de 1980, foi efectuada uma penhora pelo 4º Juízo do tribunal de 1ª Instância das Contribuições e Impostos de Lisboa sobre o prédio urbano sito na Azinhaga dos Lameiros, Letras J.M. da freguesia do Lumiar... descrito na 7ª Conservatória do registo Predial de Lisboa sob o nº 3334, a fls. 183 do Livro B - 11 e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o nº 725.

8) Em 29 de Fevereiro de 1980, pelo mesmo 4º Juízo do Tribunal de 1ª

Instância das Contribuições e impostos de Lisboa, foi penhorado: "... o direito

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ao arrendamento dos armazéns 4, 5 e 6: com entrada pela Azinhaga do Serrado, Quinta das Canareiras, à estrada do Paço do Lumiar, designados pelos corpos A, B e C, cuja renda mensal é de 135000 escudos sendo inquilino J.J. Gonçalves, Sucessores Comércio e Indústria, SARL, e senhorio os

executados A e D devendo a renda ser paga ao senhorio e fiel depositário do prédio penhorado Sr. Joaquim Marques.

9) Em 22 de Julho de 1980 foi o prédio referido em 7) arrematado em praça pelo Sr. B.

10) O arrematante, aqui Réu requereu ao 4º Juízo do tribunal da 1ª Instância das Contribuições e Impostos de Lisboa que fosse notificado o arrendatário J.J.

Gonçalves para que a renda lhe passasse a ser paga.

11) Em 31 de Julho de 1980 aquele Tribunal notifica a Sociedade J.J. Gonçalves Sucessores Comércio e Indústria SARL de "que deve pagar a renda de 135000 escudos, a partir dessa data, ao Sr. B... em virtude de ter arrematado o

referido prédio em 22 do corrente...

12) O Réu apenas era proprietário em virtude de arrematação em praça do prédio inscrito sob o artigo 725 do Lumiar, descrito na 7ª Conservatória do registo predial sob o n. 3334.

13) Pelo documento de fls. 33, foi feita a penhora do direito aos armazéns designados pelos ns. 4, 5 e 6 com entrada pela azinhaga do Serrado, Quinta das Lameiras á estrada do Paço do Lumiar e dos que têm entrada pela

Azinhaga dos Lameiros, Letras J.M., à estrada do Paço do Lumiar, Quinta das Lameiras, designado pela letras A, B, C., cuja renda mensal é de 135000 escudos, sendo inquilino a firma J.J.Gonçalves, Sucessores, Comércio e

Indústria, SARL, e senhorios, os executados - A e D - devendo esta ser paga ao senhorio e fiel depositário do prédio penhorado, senhor Joaquim Marques, do dia um ao dia oito, de cada mês, com início no próximo mês de Março de 1980 e o respectivo fiel depositário deve durante os dias oito e dez seguintes

entregar a respectiva renda na Tesouraria da fazenda, com guias a solicitar na secretaria deste 4º Juízo, ficando nomeado depositário das rendas penhoradas Joaquim Marques, o qual foi notificado, bem como a inquilina, sendo-lhes

entregue no acto da penhora cópia do auto da penhora, para não disporem das referidas rendas sem ordem do Exmo. Juiz, sob pena de ficar sujeito à

penalidade sumariada aos infiéis depositários, prescrito no artigo 854 do Código de Processo Civil.

III

Questões a apreciar no presente recurso.

A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa, fundamentalmente, pela análise de tais questões: a primeira, se a decisão que condenou o recorrente põe em causa a autoridade de caso

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julgado do despacho proferido na execução nº 19.C.G.D./78, que atribuiu ao ora recorrente a renda de 135000 escudos, referente ao imóvel que este arrematou em hasta pública; a segunda, se o pretenso direito do Autor prescreveu; a terceira, se o Autor não provou os factos constitutivos do seu direito.

Abordemos tais questões.

IV

Se a decisão que condenou o recorrente põe em causa a autoridade de caso julgado do despacho proferido na execução nº 19.C.G.D./78, que atribuiu ao ora recorrente a renda de 135000 escudos, referente ao imóvel que este arrematou em hasta pública.

1. Posição da Relação e das Partes

1.a) A Relação de Lisboa decidiu que o despacho que ordenou o pagamento ao Réu (ora recorrente) das rendas de 135000 escudos não tem a força e o

alcance de caso julgado, ao abrigo do artigo 671 do C.P.C. relativamente à presente acção declarativa, porquanto:

- o caso julgado vale apenas com relação às respectivas partes e no caso em apreço, as partes nos dois processos não são as mesmas: na acção executiva, as partes eram o actual agora dado, como executado, e a Caixa Geral de

Depósitos, como exequente, sendo o ora agravante um terceiro que arrematou o prédio penhorado na execução, enquanto que na presente acção, são partes o agravante o agravado;

- também a causa de pedir não é a mesma: na acção executiva é o título, na acção declarativa é o enriquecimento sem causa;

- também não há identidade de pedido: na acção executiva é o pagamento da quantia exequenda e na declarativa, a restituição do indevidamente recebido pelo agravado.

1.b) A Recorrente C sustenta que o acórdão recorrido ao condená-la ofendeu a autoridade de caso julgado do despacho proferido na execução nº

19.C.G.D./78, que lhe atribuiu a renda de 135000 escudos referente ao imóvel que arrematou em hasta pública, porquanto a análise da questão passe pela necessidade de se analisar o instituto do caso julgado numa dupla perspectiva:

como excepção de caso julgado e como força de caso julgado:

- a excepção de caso julgado tem como finalidade evitar a repetição de causas, encontrando-se os seus requisitos taxativamente enumerados no artigo 498 do Código de Processo Civil: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

- a autoridade de caso julgado pressupõe a decisão de certa questão que não pode voltar a ser discutida, não sendo necessário que actue, a coexistência das três identidades referidas no artigo 498.

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1.c) o recorrido A sustenta que, por um lado, não está demonstrado que o despacho de 30 de Julho de 1980 (que ordenou o pagamento ao Réu das rendas de 135000 escudos) tenha transitado em julgado - o ora recorrido nunca foi notificado de tal despacho - e, por outro lado não se verifica

qualquer excepção de caso julgado, pela simples mas definitiva razão de que não se verificam os respectivos requisitos nos termos dos artigos 497 e 498 do Código Processo Civil.

Que Dizer?

2. Antes de mais, haverá que sublinhar que não se sabe se o despacho de 30 de Julho de 1980 (proferido em execução fiscal em que era exequente a Caixa Geral de Depósitos e executado A, e que ordenou o pagamento ao Réu - desta acção - das rendas de 135000 escudos) transitou em julgado: não se sabe se é irrecorrível e não se sabe se foi notificado ao executado A. Necessário seria, uma vez que entre o trânsito e o caso julgado existe uma total concordância de incidência.

Por outro lado, o despacho proferido na execução fiscal a ordenar a penhora de direito de arrendamento a armazéns pertença do executado (ora recorrido) e o consequente cumprimento do mesmo apenas tem o efeito consignado no artigo 819 (são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados), de tal sorte que passa ao "lado" da questão em análise.

E apesar de não se saber se o despacho em causa transitou em julgado, vamos partir do pressuposto que assim aconteceu, de sorte a ter-se como certo a formação do caso julgado material.

3. Fechado este parêntesis, temos de precisar, antes de mais, se ao caso sub judice, se aplica o conceito de excepção de caso julgado ou o de autoridade de caso julgado material.

3.a) A estes dois conceitos se refere MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, do seguinte modo:

"Das relações de inclusão entre objectos processuais nascem situações de consumpção objectiva; a consumpção objectiva pode ser recíproca, se os objectos processuais possuem idêntica extensão, e não recíproca, se os

objectos processuais têm distinta extensão; a consumpção não recíproca pode ser inclusiva, se o objecto antecedente engloba o objecto subsequente, e

prejudicial, se o objecto subsequente abrange o objecto antecedente. Assim, a consumpção recíproca e a consumpção não recíproca inclusiva firmam-se na repetição de um objecto antecedente num objecto subsequente e a

consumpção não recíproca prejudicial apoia-se na condição de um objecto anterior para um objecto posterior."

"Esta repartição nas formas de consumpção objectiva, acrescida de identidade

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de partes adjectivas, é determinante para a qualidade da relevância no

processo subsequente da autoridade de caso julgado material ou da excepção de caso julgado: quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão

anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior, ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalente um efeito

vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a excepção de caso julgado material."

E a acentuar o âmbito de aplicação de cada um dos conceitos, diz:

"A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da

decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a

impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...)."

"Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo

subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" - O OBJECTO da SENTENÇA e o CASO JULGADO MATERIAL, no Boletim do Ministério da Justiça nº 325, págs. 171, 176 e 179.

3.b) No mesmo sentido ensinava MANUEL de ANDRADE, quando, a propósito do artigo 498º do Código de Processo Civil, escreveu:

" O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento de excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença....

"Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a excepção de caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade de caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando

dispensáveis, quanto a esta 2ª figura, as três identidades do artigo 498º - NOÇÕES ELEMENTARES de PROCESSO CIVIL, 1979, págs. 320 e 321.

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3.c) A delimitação doutrinal de incidência do caso julgado material -

autoridade de caso julgado e excepção de caso julgado - tem sido perfilhada por este Supremo Tribunal de Justiça - acórdão de 2 6 de Janeiro de 1994 - Boletim do Ministério da Justiça nº 433, págs. 515.

4. Perante as considerações expostas em 3), e na conjugação com a matéria fáctica fixada, temos, por um lado, não valer a excepção de caso julgado do despacho proferido na execução fiscal a deferir o pagamento das rendas ao arrematante de um dos prédios penhorados, consentindo que entre essa execução e a presente acção declarativa não se verifica as três identidades referidas no artigo 498º do Código de Processo Civil.

Por outro lado, parece-nos não poder valer a autoridade de caso julgado do despacho em causa na decisão a proferir na presente acção, dado haver

vinculação subjectiva (identidade de sujeitos - partes ou sucessores em ambas as acções), requisitos denominados no caso julgado material, conforme flui da doutrina e jurisprudência referida em 3).

Acresce que o despacho proferido na acção executiva apenas deferiu o requerimento do arrematante de prédio penhorado, no sentido de o

arrendatário ser notificado para que a renda no montante de 135000 escudos lhe passasse a ser paga.

Tal despacho não decidiu que o executado (ora Autor/recorrido) não tivesse direito a parte do montante dessa renda por a mesma conter-se no contrato de arrendamento que tinha por objecto o prédio penhorado pelo arrematante (ora Réu/recorrente), ou, por outras palavras, não decidiu qualquer contenda

surgida entre o executado (ora Autor/recorrido) e o arrematante (ora Réu/

recorrente) quanto à titularidade da renda paga pelo mesmo arrendatário de diversos locais locados.

Não se está, pois, perante uma situação em que o objecto processual anterior (o decidido no despacho em causa) se configure como um segmento do objecto processual posterior (a decidir), de sorte a poder concluir-se que não existe qualquer caso julgado vinculativo nos Tribunais que sobre a presente lide se vêm pronunciando.

Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido ao condenar o recorrente/Réu a restituir ao recorrido/Autor a quantia correspondente a parte da renda que lhe cabia, mensalmente, e com que o Réu se locupletou, no período de 31 de Julho de 1980 a 29 de Dezembro de 1988, não pôs em causa a autoridade do caso julgado do despacho proferido na execução nº 19.C.G.D./78, que atribuiu ao ora recorrente a renda de 135000 escudos, referente ao imóvel que este arrematou em hasta pública.

V

Se o pretenso direito do Autor prescreveu.

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1. Posição da Relação e do Réu/recorrente.

1.a) A Relação de Lisboa decidiu que a excepção de prescrição tem de improceder dado a Ré não ter logrado facto integrador do mesmo: início do conhecimento do Autor do seu direito à restituição.

1.b) O Réu/recorrente sustenta que, na data da propositura da acção de

enriquecimento sem causa - 21 de Abril de 1992 - o Autor (ora recorrido) tinha conhecimento, há muito mais de três anos, que as rendas peticionadas

deveriam ser pagas ao Réu (ora recorrido), na sequência do despacho de 30 de Julho de 1980, porquanto:

-- o ora recorrente requereu, em 29 de Julho de 1980, que a renda lhe

passasse a ser paga, tendo tal requerimento sido deferido pelo despacho de 30 de Julho de 1980;

-- como fiel depositário, o ora recorrido deixou de receber as rendas da

arrendatária J.J.Gonçalves, Sucessores, SARL, a partir de 03 de Julho de 1980, de as entregar na Secretaria do 4º Juízo do Tribunal de 1ª Instância das

Contribuições e Impostos de Lisboa;

-- um fiel depositário normal, colocado, na situação do ora recorrido, teria desde logo indagado junto da inquilina porque motivo não lhe estavam a ser entregues as rendas até ao dia 8 de cada mês, bem como informado a

Secretaria do Tribunal e a Tesouraria da Fazenda Pública de que não estava a receber as rendas;

-- é assim inquestionável que o direito peticionado está prescrito, pois o ora recorrido teve conhecimento como fiel depositário de que por despacho de 30 de Julho de 1980 o Tribunal de 1ª Instância das Contribuições e Impostos ordenou o pagamento das rendas ao recorrente.

Que dizer.

2. Da matéria de facto e as inferências tiradas no desenvolvimento lógico da mesma, que também constituem matéria de facto, escapa à censura deste Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de Revista, salvo nos casos

contemplados no segmento final do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil.

No caso "sub judice" a matéria de facto não pode sofrer qualquer censura por parte deste Supremo Tribunal.

3. Em consonância com a matéria de facto fixada pela Relação temos que avançar ter sido correcta a decisão da Relação no sentido de não se ter verificado a prescrição ao direito à restituição por enriquecimento, estabelecido no proémio do artigo 482º do Código Civil.

Na verdade, para que provada se desse a verificação da prescrição do prazo de três anos necessário seria que o Réu tivesse provado - em consonância com os critérios gerais da repartição do ónus da prova consignados no artigo 342º

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nº 1 do Código Civil - que o Autor, titular do direito, teve conhecimento não só desse direito mas também do seu responsável há mais de três anos à data da propositura da acção. Tal não aconteceu, isto é, tal não se provou.

Conclui-se, assim, que não prescreveu o pretenso direito do Autor.

VI

Se o Autor não provou os factos constitutivos do direito que alega.

1. Posição da Relação e das partes.

1.a) A Relação de Lisboa decidiu que ao Autor assiste o direito a parte da totalidade das rendas recebidas pelo Réu (falecido, entretanto), porquanto a conclusão lógica a extrair da factualidade provada é a de que o Réu, no

período compreendido entre 31 de Julho de 1980 e 29 de Dezembro de 1988, se locupletou com a parte das rendas que deveriam caber ao prédio descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 7371, em relação ao qual, antes da redução do contrato a um único, se haviam constituído dois arrendamentos, em superfícies diferentes desse prédio, como é óbvio, a que corresponderiam, como se alcança da factualidade provada sobre as letras D e C as rendas mensais de 25000 escudos e 10000 escudos.

1.b) A Ré/recorrente sustenta que o Autor não provou a existência de um enriquecimento a favor do ora recorrente e correlativo empobrecimento do recorrido, porquanto:

-- Por um lado, os quesitos 2º, 3º e 4º do questionário (nos quais se perguntava se o ora recorrente recebeu as rendas de 135000 escudos por mês desde Julho de 1980 até Dezembro de 1988) foram considerados não provados. Assim sendo, é manifesto que não tendo o ora recorrido provado o alegado

enriquecimento do recorrente, como lhe competia, o douto aresto violou o disposto nos artigos 342º e 473º do Código Civil.

-- Por outro lado, não tendo sido provado pelo ora recorrido que o ora

recorrente recebeu qualquer renda ou excedente relativamente ao valor da renda referente ao prédio arrematado em hasta pública, é manifesto que o ora recorrente nunca poderia ser condenado a restituir hipotética renda ou

excedente, culpa existindo nunca foi comprovada pelo ora recorrido.

Que dizer?

2. A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento à custa alheia, pressupõe a verificação simultânea de três requisitos: que alguém obtenha um enriquecimento; que obtenha à custa de quem requer a sua restituição; e que o enriquecimento não tenha causa justificativa (artigo 473º nº 1 do Código Civil).

O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter

patrimonial susceptível de ser encarado sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e

(13)

o enriquecimento patrimonial que reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a

deslocação se não houvesse verificado - PEREIRA COELHO, O Enriquecimento e o Dano, págs. 27 e 42.

A obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento careça de causa justificativa, requisito este que a doutrina tem apontado, na falta de definição legal, como variável consoante a natureza do acto que lhe serve de fonte:

causa da prestação, causa da obrigação negocial, causa das restantes

deslocações patrimoniais (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol.

I, 9ª ed., págs. 97 e segs.).

A obrigação de restituir pressupõe, ainda, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem quer a restituição: a correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem

patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico

suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde, em regra, o empobrecimento de outra (A.VARELA, obra citada, págs. 504;

P.LIMA e A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., págs. 456).

3. Perante o que se deixa exposto sobre os três requisitos da obrigação de restituição com base no injusto locupletamento à custa alheia, em conjugação com a matéria fáctica fixada, temos de precisar que o Autor (a quem competia provar os três requisitos, em consonância com os critérios de repartição do ónus da prova - artigo 342º nº 1 do Código Civil) logrou provar os enunciados requisitos da obrigação de restituir.

-- O primeiro - o enriquecimento do Réu - provado está quando se aprecie a matéria referida em 1) a 12) do parágrafo II do presente acórdão: foram dados de arrendamento pelo Autor a J.J. Gonçalves, Sucessores Comércio e Indústria, SARL, diversos armazéns de dois prédios urbanos, com rendas específicas;

que os diversos contratos de arrendamento foram reduzidos a um só e com uma só renda; que o Réu arrematou um dos dois prédios urbanos onde se situava alguns dos armazéns arrendados; que o Réu passou, a partir de Julho de 1980 até Dezembro de 1988, a receber a renda única estabelecida, ou seja, a renda que dizia respeito aos armazéns arrendados sito no seu prédio e aos armazéns arrendados sito no prédio pertença do Autor.

-- O segundo - o enriquecimento careça de causa justificativa - provado está com a referida matéria fáctica fixada: o Réu recebeu a parte da renda sem ter por base qualquer obrigação negocial.

-- O terceiro - o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem quer a restituição - provado está com a referida matéria fáctica fixada: o Réu recebeu parte da renda que dizia respeito à restituição do arrendamento dos armazéns

(14)

situados no prédio urbano pertença do Autor.

Conclui-se, assim, que o Autor provou os factos constitutivos do direito que alega.

VII

Conclusão.

Do exposto, poderá extrair-se que:

1) O instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva;

como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.

2) O caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para a apreciação do objecto processual posterior.

3) O caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior quando a apreciação do objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) e repetido no objecto processual subsequente.

4) Segundo os critérios gerais para a repartição do ónus da prova, enquanto ao Autor cabe a prova dos factos que servem de pressuposto ao efeito jurídico pretendido, ao Réu cabe a prova dos factos extintivos da pretensão do Autor.

Face a tais conclusões, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar-se que:

1) O acórdão recorrido ao condenar o Réu/recorrente a restituir ao Autor/

recorrido a parte da renda que lhe cabia, mensalmente... não pôs em causa a autoridade do caso julgado do despacho proferido na execução fiscal nº 19.C.G.D./78, que atribui ao ora recorrente a renda de 135000 escudos, referente ao imóvel que este arrematou em hasta pública.

2) Não prescreveu o pretenso direito do Autor.

3) O Autor provou os factos constitutivos do direito que alega.

4) O acórdão recorrido não merece censura por ter observado o afirmado em 1) a 3).

Termos em que nega a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 1998.

Miranda Gusmão, Sousa Inês,

Nascimento Costa.

Referências

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