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ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0411916

Relator: DOMINGOS MORAIS Sessão: 08 Julho 2004

Número: RP200407080411916 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE

Sumário

Deve ser considerado como de trabalho, o acidente ocorrido no tempo e no local de trabalho, provocado por um colega de trabalho que, por brincadeira, encostou ao ânus do sinistrado uma mangueira de ar comprimido, causando- lhe lesões.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – B..., nos autos identificado, intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, contra

Companhia de seguros X..., com sede na Av. ..., .. Lisboa; e, C..., com sede na R. das ..., .., ..., Moreira da Maia;

Alegando, em síntese, que sofreu um acidente no local e tempo de trabalho, enquanto ao serviço da sua entidade patronal, o qual lhe causou lesões das quais resultaram sequelas incapacitantes para o trabalho.

Termina pedindo a condenação das RR. no pagamento da indemnização por incapacidades temporárias, da pensão legal e despesas efectuadas.

Citada, a ré seguradora contestou, alegando, em resumo, que não existe nexo entre o acidente sofrido pelo autor e o trabalho por este desenvolvido.

Conclui pela improcedência da acção.

O autor respondeu, mantendo o alegado na P.I..

Realizado o julgamento e respondidos os quesitos, o Mmo Juiz da 1.ª instância proferiu sentença, julgando a acção procedente e condenando as RR em

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conformidade.

Inconformadas com o julgado, as RR apelaram, concluindo, em resumo, que as lesões sofridas pelo Autor resultaram de uma brincadeira dum colega de

trabalho e, como tal, sem qualquer relação com a actividade por aquele

desenvolvida. A Ré patronal suscita ainda a questão do pagamento do subsídio de alimentação e da sua abrangência pela apólice de seguro.

O Autor contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Emitido o Parecer do M. Público, em conformidade com a sentença impugnada, e corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - Os factos

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1.º - O autor é trabalhador da ré C..., estando a esta vinculado por

contrato de trabalho desde data anterior a 09.07.1999 e até à presente data.

2.º - No dia 09.07.1999, pelas 16H., durante o período normal de laboração, o A. encontrava-se no seu local de trabalho, na sede social da C..., tendo sofrido um acidente, que consistiu em ter sido encostada ao seu ânus uma mangueira de ar comprimido, que disparou libertando quantidade

indeterminada de ar.

3.º - Este acidente provocou ao A. as lesões descritas no auto de exame por junta médica de fls. 98 do apenso, perfuração de 3 cm de maior diâmetro do cólon sigmoide, que obrigou ressecção de segmento cólico e colostomia

temporária (operação tipo hartmann) com posterior reconstituição do trânsito intestinal, que determinou diminuição da superfície do órgão.

4.º - O autor procedia à limpeza de máquinas, função que lhe está cometida em virtude do contrato de trabalho que mantém com a ré C...

5.º - À data do acidente, o autor exercia, na ré C..., as funções de torneiro mecânico, auferindo o salário mensal ilíquido de 92.500$00 x 14 meses, mais 15.000$00 x 11 meses de prémio de assiduidade, mais 900$00 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação.

6.º - A seguradora pagou ao autor a título de indemnização por incapacidade a quantia global de 133.053$00, conforme docs. de fls. 2 a 4 juntos com a P.I..

7.º - Para tratamento médico e medicamentoso necessário ao restabelecimento possível do estado de saúde do autor, este despendeu a quantia de 33.616$00 de que não foi reembolsado porquanto as RR. se recusaram a fazê-lo.

8.º - Em transportes para diligências junto do tribunal, o autor despendeu a quantia de 2.400$00.

9.º - Sempre que o autor se ausenta em virtude da necessidade de

comparência a actos judiciais relacionados com o presente processo, a sua entidade patronal não considera justificada a falta ocorrida, retirando ao autor

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direito à retribuição do dia em falta, por tal motivo perdeu já o autor 3 dias de retribuição.

10.º - Quando o autor efectuava as tarefas referidas em “3“, designadamente e na ocasião, de limpeza, encontrando-se dobrado sobre si a apanhar uma peça do chão para a arrumar, o seu colega de trabalho, D..., igualmente

trabalhador da 2ª ré, que se encontrava a trabalhar igualmente em serviços de limpeza, utilizando para o efeito, como era costume, uma mangueira de ar comprimido, por brincadeira, encostou esta ao ânus do A., injectando quantidade indeterminada de ar.

11.º - As lesões motivaram o transporte de imediato e internamento no Hospital Pedro Hispano, durante oito dias.

12.º - Mercê das apontadas lesões foi o autor submetido a duas intervenções cirúrgicas e múltiplos tratamentos médicos.

13.º - Em consequência do acidente, o autor sofreu as lesões descritas no exame de junta médica de fls. 98 do apenso, que lhe acarretam uma I.P.P. de 35%, desde 11.01.2000, data da alta.

14.º - O autor esteve consequentemente com incapacidade absoluta para o trabalho desde a data do acidente até 11.01.2000.

Por terem interesse para a decisão da causa, nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea b) do CPC, aditamos os seguintes factos:

a) - A Ré patronal transferiu a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a Ré seguradora mediante o contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 001..., na modalidade de folha de férias, consoante confissão da Ré seguradora no artigo 1.º da contestação e documentos juntos a fls. 12 e 13 dos autos.

b) – Na tentativa de conciliação, a fls. 39 v.º dos autos, a Ré seguradora

aceitou responsabilizar-se pelo salário de esc. 92 500$00 x 14 meses + 15 000

$00 x 11 meses (prémio de assiduidade).

III - O Direito

Atento o disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, as conclusões das recorrentes delimitam o objecto dos recursos sob apreciação e os poderes de cognição do tribunal ad quem, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.

Assim, enquanto a Ré seguradora suscita apenas a questão da não qualificação do acidente como de trabalho, a Ré patronal pretende ainda a eliminação do facto referente ao subsídio de alimentação ou que o valor desse subsídio seja incluído na protecção da apólice de seguro.

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A questão do pagamento do subsídio de alimentação já foi definitivamente resolvida no Acórdão proferido a fls. 252-253 dos presentes autos, no sentido da improcedência da pretensão da Ré patronal, por ter considerado que esta confessou o pagamento daquele subsídio ao Autor, no auto de tentativa de conciliação, e, como tal, é um facto assente, atento o disposto no artigo 131.º, n.º 1, c) do CPT.

Por outro lado, a questão suscitada pela Ré patronal relativamente à transferência do subsídio de alimentação improcede, uma vez que lhe

competia provar que o contrato de seguro, celebrado com a Ré seguradora, englobava aquele subsídio, nomeadamente, através da junção aos autos da respectiva folha de férias, prova essa que não fez.

Quanto 2.ª questão - a qualificação ou não do acidente como de trabalho - desde já adiantamos, que é nossa convicção segura que bem ajuizou o Mmo Juiz da 1.ª instância ao qualificar o acidente sofrido pelo Autor como um acidente de trabalho.

E face à proficiente fundamentação jurídica, para ela remetemos, nos termos do artigo 713.º, n.º 5 do CPC.

Em complemento, consignamos apenas uma ou duas notas suscitadas pelo motivo mais impressivo em que se apoiam as recorrentes.

Nos termos da Base V, n.º 1, da Lei n.º 2 127, de 03.08.1969, aplicável ao caso dos autos, “É acidente de trabalho o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho”.

O artigo 6.º, n.º 1 da actual Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT) – Lei n.º 100/97, de 13.09 – reproduz igual noção de acidente de trabalho.

Temos por segura a interpretação de que o conceito de acidente de trabalho é delimitado por três elementos cumulativos: o espacial (local de trabalho), o temporal (tempo de trabalho) e o causal (o nexo de causa-efeito entre o evento e a lesão).

Com todo o respeito por diverso entendimento, a letra da citada Base V, n.º 1 e do citado artigo 6.º, n.º 1, não contêm mais nenhum elemento integrador do conceito de acidente de trabalho, como seja o alegado nexo entre o acidente e o trabalho desenvolvido.

Como determina o artigo 9.º, n.º 2 do Cód. Civil, não pode o intérprete,

perante o texto legal, considerar um pensamento legislativo, que não contenha

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na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que

imperfeitamente expresso e o n.º 3 acrescenta que o intérprete deve presumir que o legislador se exprimiu em termos adequados.

Em apoio da tese interpretativa que sufragamos é de realçar ainda o elemento histórico, ou seja, as circunstâncias históricas em que a norma foi elaborada e o elemento actualista, isto é, as circunstâncias do tempo em que é aplicada (cfr. o n.º 1 do citado artigo 9.º do CC).

Na sentença recorrida é feita uma descrição das propostas do Governo e do parecer da Câmara Corporativa, sobre a noção de acidente de trabalho,

apresentados ao longo dos trabalhos preparatórios da que viria a ser a Lei n.º 2 127 – a Lei dos Acidentes de Trabalho.

Por desnecessária repetição dessa resenha histórica, frisamos apenas o

essencial da questão, socorrendo-nos, com respeito, das anotações do Dr. José Augusto Cruz de Carvalho, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 26.

A proposta governamental definitiva, sobre o conceito de acidente de trabalho, continha a seguinte expressão: “Todo o evento que se verifique no local e no tempo de trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho ...”.

Acontece, porém, que no texto final, aprovado na Assembleia Nacional, foi eliminada a expressão “salvo quando a este inteiramente estranho” por, no dizer de um deputado proponente, “se entender que esse elemento

descaracterizador tinha assento noutro local e já aí estava compreendido tudo quanto pode descaracterizar o acidente” (cfr. Diário das Sessões, de

22.04.1965, pp 4805 e 4809) – sublinhado nosso e fim da referência anotória.

Ora, os casos descaracterizadores do acidente são os expressamente previstos na Base VI da Lei n.º 2 127, três deles – alíneas a), b) e c) do n.º 1 –

respeitantes ao comportamento do trabalhador sinistrado e o quarto referente a situações de força maior.

Por outro lado, a tendência legislativa é no sentido de alargar o conceito de acidente de trabalho propriamente dito por forma a abranger outros

infortúnios. O exemplo acabado desse alargamento são os artigos 6.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, e do DL n.º 143/99, de 30.04, que substituíram a anterior LAT.

Em síntese, podemos afirmar que o risco assumido, no âmbito dos acidentes de trabalho, não tem a natureza do denominado risco específico, mas a de um risco genérico, ligado ao conceito amplo de autoridade patronal, de que os acidentes de percurso são o exemplo acabado.

Deste modo, atenta a letra da Base V, n.º 1 da Lei n.º 2 127 e a mens legis

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actualista, é acidente de trabalho todo o infortúnio sofrido pelo trabalhador que se encontre no local de trabalho e durante o tempo de trabalho, ou seja, sob a autoridade da entidade patronal, e que produza directa ou

indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho.

E só não dá direito a reparação se se verificar um dos casos previstos na Base VI, n.º 1 da Lei n.º 2 127, dado que a intervenção de companheiros da vítima ou de terceiros na ocorrência do acidente, não afasta a responsabilidade da entidade patronal ou da seguradora da reparação dos danos causados ao sinistrado por esse acidente, embora lhes assista o direito de regresso, como resulta, claramente, da Base XXXVII da mesma Lei.

Esta é, a nosso ver, a melhor interpretação que, face à letra da lei (leia-se Base V, n.º 1), à justificação apresentada pelo legislador para a sua redacção final e ao alargamento do conceito de acidente de trabalho pela actual LAT, melhor respeita a unidade do regime jurídico dos acidentes de trabalho: acidente de trabalho, sua descaracterização nos casos expressamente previstos e

responsabilidade de companheiros da vítima ou de terceiros.

No caso em apreço, está provado que o Autor, durante a execução das suas funções, no local e no tempo de trabalho, ou seja, enquanto ao serviço e sob a autoridade da sua entidade patronal e sem qualquer participação na referida

“brincadeira”, foi subitamente molestado, pelas costas, por um colega de trabalho, que se encontrava no mesmo local, a efectuar serviços de limpeza, comportamento esse que lhe causou lesões corporais determinativas de sequelas incapacitantes para o trabalho.

Atenta esta factualidade, consideramos que estão preenchidos os três

elementos integradores do conceito de acidente de trabalho, previsto na Base V, n.º 1 da Lei n.º 2 127, e, como tal, são reparáveis os danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente de trabalho descrito nos autos.

A reparação dos danos sofridos pelo Autor é da responsabilidade das

recorrentes, nos termos do artigo 4.º do DL n.º 360/71 e das Bases XLIII e L da Lei n.º 2 127, aplicáveis ao caso dos autos.

IV - A Decisão

Face ao exposto, decide-se negar provimento aos recursos e, consequentemente, manter a decisão recorrida.

Custas a cargo das rés, na proporção das suas responsabilidades.

Porto, 8 de Julho de 2004

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Domingos José de Morais Manuel Joaquim Sousa Peixoto João Cipriano Silva

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