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Perspectiva. 2 Um versão do presente texto foi apresentada como trabalho final da disciplina Métodos de Coleta e

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Entre a suspeição e a empatia: reflexões metodológicas sobre a pesquisa de campo com jovens infratores

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Lucas Caetano Pereira de Oliveira (PPGS/UFMG)

O primeiro contato com o campo

A primeira vez que fui ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a lei (CIA/BH) foi em outubro de 2014. Tinha sido encarregado de entrevistar os profissionais do Setor de Atendimento ao Adolescente em Situação Especial (SAASE) para uma pesquisa que tinha como objetivo entender o papel que esse setor ocupava no desenho organizacional das diversas agências que compõe o Sistema de Justiça Juvenil.

No prédio do CIA estão reunidas todas essas instituições e órgãos que se relacionam com a Vara da Infância e Juventude, desde as polícias, passando pela defensoria pública, setores que fazem o atendimento dos adolescentes e o serviço cartorial da instituição. O prédio possui uma arquitetura peculiar, com três pavimentos, sendo os dois superiores dispostos de modo a formar um vão que possibilita a visão do que e quem passa pelos corredores. A luz do dia entra na construção através do teto translúcido e inunda de luminosidade o ambiente que é decorado com uma fonte, várias plantas e pinturas – algumas verdadeiramente refinadas, como uma reprodução de Guernica – que se espalham por todos os andares.

O contraste entre o mundo da justiça e o mundo dos adolescentes infratores se apresenta em sua plenitude pelos limpos e iluminados corredores deste lugar. Na estética chique e pomposa desse prédio, os adolescentes de chinelo, bermudas estampadas, camisas de time futebol e boné – o estereótipo alvo da polícia em várias regiões do país - parecem deslocados.

No primeiro dia de campo, ao chegar ao CIA me dirigi para onde funcionava a sala do SAASE. Me deparei com três jovens negros algemados sentados nas cadeiras de espera do terceiro andar do prédio. A mãe de um dos três, aos prantos, lamentava a situação de seu filho. Sentei-me em uma fila de cadeiras próxima e enquanto eu

1  Trabalho apresentado ao GT01 – Antropologia do Crime e do Direito: Justiça e Criminalidade em

Perspectiva.

2  Um versão do presente texto foi apresentada como trabalho final da disciplina ‘Métodos de Coleta e

Análise de Dados Qualitativos’. Agradeço imensamente a Profa. Raquel Oliveira (PPGS/UFMG) pela correção atensiosa e pelos comentários realizados. Estes foram essenciais na elaboração do presente trabalho.  

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esperava a hora marcada da entrevista uma senhora se sentou ao meu lado, junto de seu neto que havia sido apreendido na noite anterior.

O jovem foi chamado pra ser atendido e senhora puxou assunto comigo. Joana me contou que o adolescente fazia malabarismo em sinais de trânsito e que tinha sido apreendido porque estava fumando maconha acompanhado de um maior de idade.

Embora o adolescente não estivesse com nada, com o maior, os policiais teriam encontrado várias drogas e muito dinheiro. Joana me disse que seu neto é um menino bom e atencioso, mas que fuma maconha desde os oito anos de idade, parou de estudar na quinta série e desde então se dedica ao malabarismo.

Joana me contou também que seus filhos são todos viciados em drogas e por isso ficou responsável pela criação de vários netos. Um de seus netos estava preso na época, sendo que na ocasião da sua prisão, o neto que ela acompanhava no CIA ganhou sua primeira passagem pelo Sistema de Justiça Juvenil. Ela esperava este jovem recebesse uma medida protetiva de tratamento de dependência química e queria arrumar um emprego para que ele, na esperança que com isso o jovem evitasse mais problemas com a justiça. Essa breve conversa imediatamente me colocou diante do quão distante eu estava deste jovem no espaço social e do quão diferentes são suas trajetórias da minha própria trajetória pessoal, mesmo sendo eu tão jovem quanto ele.

A objetivação participante

De um modo geral, mas mais drasticamente para quem estuda sua própria sociedade, coloca-se o problema de como o antropólogo vai enfrentar seus limites de homem de uma cultura ou de uma classe, segmento ou grupo social [...] Sua visão de mundo estará marcada e de alguma maneira comprometida. Que tipo de trabalho é possível nessas condições? (Velho, 1980 p .17)

Segundo Bourdieu (2017) a objetivação participante tem como propósito objetivar o mundo social que produz o antropólogo e sua prática antropológica, de modo a explicitar as condições e possibilidades, efeitos e limites da experiência de campo e do próprio ato de objetivação. Desse modo, a reflexão sobre a trajetória pessoal e a posição do analista no espaço social é condição para uma compreensão mais adequada dos sujeitos de pesquisa e do que o analista diz sobre eles.

Sou o filho mais novo de um comerciante e uma dona de casa, ambos com origens em famílias humildes do interior de Minas Gerais. Minha infância se deu jogando futebol com outros meninos nas pacatas ruas do conjunto habitacional do subúrbio de Belo Horizonte, onde moro desde que nasci. Embora meus pais não tenham terminado o ensino médio, sempre incentivaram que eu e meus irmãos nos

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dedicássemos aos estudos. Minha irmã foi a primeira pessoa da família extensa a se formar em um curso superior.

Eu estudei dos 7 aos 17 anos em um colégio franciscano que era bastante alinhado com as perspectivas da Teologia da Libertação. Dessa forma, a sensibilidade com relação às questões sociais sempre foram muito presentes em minha formação pessoal. No entanto, durante a adolescência via a escola mais como lugar de encontro com meus pares do que como um lugar de aprender lições úteis para a vida. Sempre me dediquei bastante às disciplinas de humanas, mas preferia tocar violão do que estudar matemática. No ensino médio, participei do grêmio da escola e me envolvi com vários projetos pedagógicos da instituição. Minha participação ativa acabou me rendendo minha primeira oportunidade de emprego, uma vez que, quando me formei fui contratado pelo colégio como monitor de geografia. Além disso, através do grêmio criei laços de amizade com alunos mais velhos, com os quais tive minhas primeiras experiências com o álcool e o tabaco.

A formação franciscana influenciou fortemente na minha escolha pelo curso de ciências sociais e meu envolvimento com o projeto pedagógico da escola despertou meu interesse para o ideal de transformação social através da educação. Foi assim que eu decidi tentar uma bolsa para uma pesquisa sobre violência nas escolas e acabei me tornando estagiário do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP-UFMG) ainda no segundo período de faculdade.

Assim como a maioria dos jovens universitários, a minha experiência no período da graduação foi marcada por descobertas e também por oportunidades. A maior dessas oportunidades foi o intercâmbio para Portugal, que me deu a chance de conhecer vários lugares da Europa e pessoas de todo o mundo. Foi na eminência desta viagem e ciente que ela representaria uma fase de transição para mim, que resolvi fazer a primeira das doze tatuagens que tenho no antebraço esquerdo. Me graduei no primeiro semestre de 2016 e por conta do meu vínculo com o CRISP, fui inserido no projeto de pesquisa “Trajetória de Vida de Adolescentes e Jovens Envolvidos em Crimes de Roubo e Políticas de Prevenção” (CRISP/UFMG, 2016) que me levou novamente ao CIA-BH.

O Plano Individual de Atendimento: a crítica das fontes

Essa pesquisa tinha como objetivo investigar eventos, transições e rupturas no curso de vida de jovens infratores, com o intuito de explicitar os fatores que levam esses jovens a desenvolver trajetórias infracionais e oferecer alguns apontamentos

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para a compreensão do processo de desistência destas trajetórias. Além disso, essa pesquisa buscava entender se o Sistema de Justiça Juvenil incapacita ou empodera os jovens nessa direção.

A pesquisa foi possibilitada em grande medida porque lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), instituiu a obrigatoriedade da elaboração de um Plano Individual de Atendimento (PIA) para todos os adolescentes que passam pelo Sistema de Justiça Juvenil. O PIA é elaborado a partir do atendimento técnico realizado nas instituições responsáveis pela execução das medidas socioeducativas e tem o objetivo de orientar a realização de um diagnóstico interdisciplinar e multidimensional, a partir das trajetórias infracional, familiar, escolar, laboral e médica dos adolescentes, servindo primordialmente como guia para as decisões judiciais. Isso significa que o objetivo do PIA é elaborar descrições convincentes do que aconteceu para justificar as ações da equipe e eventualmente sugerir o fim da medida socioeducativa. Além disso, esses relatórios também funcionam como uma espécie de accoutability institucional, uma vez que, servem como instrumento mobilizado pelos juízes para avaliar e fiscalizar o trabalho realizado. (ALMEIDA, 2017)

O modelo do PIA muda conforme o grau de restrição de liberdade imposto pela medida socioeducativa. Assim, as medidas de meio aberto (advertência, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida) contam com um modelo de PIA mais enxuto, enquanto o modelo do PIA para aqueles que recebem medida em meio fechado (semiliberdade e internação) é expandido, contando com algumas questões a mais e com uma parte qualitativa muito mais rica em detalhes.

As informações quantitativas reunidas no PIA contemplam variáveis como sexo, raça, idade, endereço, escolaridade, passagens por instituições da rede de assistência social, uso de drogas; informações relativas a trajetória infracional - como tipo de ato infracional, data de cometimento e medida socioeducativa aplicada; além de informações relativas à composição familiar como número de membros, idade, renda, escolaridade e ocupação de cada membro da família. A parte qualitativa conta com relatórios em que os técnicos do socioeducativo – normalmente assistentes sociais ou psicólogos - tecem uma narrativa que descreve e reconstrói a trajetória dos adolescentes atendidos do nascimento até o momento daquela passagem pelo Sistema de Justiça Juvenil. Essa narrativa é estruturada com base nos seguintes eixos

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determinados pela lei do SINASE: ato e trajetória infracional, família, relações sociais, escolarização, profissionalização e trabalho, cultura esporte e lazer e saúde.

É possível argumentar que esse material se aproxima de um exame tal qual descrito por Foucault (2008) no qual é demonstrado a incorporação de saberes médicos, pedagógicos, psicológicos e sociológicos, aos saberes jurídicos. A mobilização desses saberes pelo Sistema de Justiça Juvenil produz um regime discursivo que torna visível certos aspectos sobre os indivíduos sob o seu juízo. O exame ao possibilitar marcar desvios, características, aptidões dos indivíduos, permite a hierarquização e classificação entre os “normais” e os “anormais”, os “bons” e os

“maus” sujeitos. Segundo Garland (1996), essa forma de pensamento dá origem ao que ele chama de criminologia do outro que cria uma imagem exótica do ofensor, descrevendo-o como vulnerável ou mal socializado. Desse modo, esses tipos de subjetividades são produtos desses saberes constituídos e organizados em um circuito de ‘tratamento’ e punição.

A situação em que um adolescente autor de ato infracional encontra um técnico do socioeducativo é marcada por uma série de suspeições por parte desse último. Este suspeita que o envolvimento com as drogas ou a ausência de supervisão familiar são possíveis causas da infração pela qual o jovem deve se responsabilizar.

Essa lógica de suspeição modula o relato feito pelo adolescente e pelos seus familiares. Dessa forma, é preciso considerar que simultaneamente a essas relações de saber-poder, são desenvolvidas estratégias de resistência, como a troca de informações entre os adolescentes sobre o que precisa ser dito, a dissimulação de comportamentos e a manipulação da identidade por parte dos adolescentes e familiares. (ALMEIDA, 2016).

Entre os meses de novembro e dezembro de 2016, com a ajuda de duas pesquisadoras coletei 373 PIAS no Setor de Atendimento das Medidas Restritivas de Liberdade (SAMRE) que funciona dentro do CIA-BH e é responsável por direcionar ao arquivamento os processos finalizados na Vara Infracional da Infância e Juventude. Recolhemos informações de todos os PIAS que estavam disponíveis para a consulta nesse setor, de modo que julgamos que as informações coletadas poderiam ser representativas do universo de adolescentes que passaram pelo CIA BH em 2016.

Tabulamos a parte quantitativa usando o software SPSS e digitamos o conteúdo dos relatórios técnicos em documentos de word, que posteriormente foram analisados com o auxilio do software Atlas.TI

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O que o panóptico vê?

Os jovens que compõe a amostra desta pesquisa nasceram entre 1994 e 2003, sendo que ao fim do ano de 2018, 92,5% deles serão maiores de 18 anos de idade. Os adolescentes do sexo masculino correspondem a 88,5% e os pretos e pardos representam 80% do total. Cerca de 52,5% dos jovens residia apenas com a mãe, sendo que 55,2% delas tinham escolaridade inferior a nove anos de estudo. Desse modo, grande parte das mães trabalhavam em ocupações de baixo status socioeconômico como domésticas, faxineiras ou auxiliares de serviços gerais. Não há informações sobre 71,6% dos pais, sendo que os poucos sobre os quais há dados estatísticos verifica-se mesma tendência que a observada entre as mães: baixa escolaridade e ocupações manuais precárias. Talvez o baixo capital cultural dessas famílias tenha impacto sobre a realidade de evasão escolar que caracteriza o público da Justiça Juvenil: 77,1% dos jovens estavam em situação de defasagem idade-série.

Além disso, 42,9% admitiram usar drogas lícitas e 59% admitiram o uso de drogas ilícitas. Cerca de 38,7% dos adolescentes estavam cumprindo medida socioeducativa por roubo, 25,1% por tráfico de drogas e 10,9% por furto. Assim, somente esses três atos infracionais são responsáveis por 74,7% das infrações respondidas por esses jovens naquele momento, sendo que 40% dos adolescentes já haviam passado anteriormente pelo Sistema de Justiça Juvenil.

Essas estatísticas nos dão alguma noção sobre a posição da clientela do Sistema de Justiça Juvenil no espaço social. No entanto, elas não nos permitem enxergar as nuances por traz de cada história individual. Este é o objetivo dos relatórios elaborados pelos técnicos do sistema socioeducativo. Porém, o PIA revela muito não só sobre os jovens infratores, mas também sobre o funcionamento do Sistema de Justiça Juvenil.

É comum o apontamento de problemas na vida e trajetória dos adolescentes, sendo estes muitas vezes apontados como fatores que contribuíram para o adolescente cometer a infração. Além disso, atividades e encaminhamentos são formulados como meio de intervir no comportamento dos adolescentes. Isso fica claro nos excertos abaixo:

Quanto ao ato infracional, Fernando informa que tinha envolvimento com o tráfico de drogas e que fora apreendido em meados de 2013 portando droga. Afirmou que teve outras passagens infracionais cuja medida destinada foi a advertência. Fernando conta que abandonou o tráfico de drogas quando um amigo próximo que também tinha envolvimento com a criminalidade fora assassinado. A partir desta experiência, ele pode repensar seu comportamento e observar o risco de se envolver com tal prática ilícita. A mãe afirma que percebeu mudanças positivas no filho depois de tal fato, visto que ele passou

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a procurar trabalho e está mais caseiro. Vale lembrar que o adolescente recebeu uma medida PSC da justiça comum, por desacato a autoridade. Ele retornou ao serviço após descumprimento e passar por audiência de justificação. Fernando mora com a mãe e sua irmã de 12 anos. A mãe trabalha como auxiliar de serviços gerais e sua irmã é estudante. O adolescente não teve a paternidade reconhecida pelo seu progenitor, que teve uma relação casual com a mãe e posteriormente não se interessou por reconhecer o filho quando Eliete o procurava. Fernando não tem contato com o pai, apesar do pai do adolescente as vezes frequentar o bairro onde moram. A mãe relata que a família é unida e que, apesar de Fernando ter se envolvido com a criminalidade, ele sempre foi muito verdadeiro e sempre informou a mãe de suas ações. Diante disso, ela sempre pode conversar com o adolescente abertamente e aconselha-lo quando ele adota uma postura que ela julga como errada. H está fora da escola desde 2011 e cursava o 7º ano na E. E. [Nome da Escola]. Ele tem planos de voltar a estudar este ano no EJA da escola [Nome da Escola], mas a família está com dificuldades de pegar o histórico do adolescente na antiga escola. O adolescente não apresentou intercorrências relacionadas a saúde. Ele e sua família são referenciados no centro de Saúde [Nome do Bairro]. H recebeu a medida protetiva VI, mas discorda que seja necessário passar por tratamento, visto que ele informa que não tem usado mais drogas. H estava trabalhando como servente de pedreiro, só que a empresa que ele trabalhava encerrou a obra e dispensou os funcionários no final de 2014. O adolescente tem distribuído currículos e está em busca de emprego para trabalhar com carteira assinada. O adolescente e ao família tem bom relacionamento com seus vizinhos e dentro da comunidade, não apresentando intercorrências relacionadas às relações sociais e comunitárias que a família desenvolve.

Wagner, 18 anos, compareceu acompanhado de sua mãe Sra. Eliana, para dar início ao cumprimento da Medida Socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade. O jovem foi em decorrência do art.

155 (furto). Quanto ao contexto familiar, Wagner reside com a mãe, de 37 anos e com a irmã Jéssica, de 16 anos. De acordo com o jovem, ele possui outro irmão. Victor, de 19 anos, que reside em [cidade da RMBH]. Seu pai. Sr. Wilton faleceu há aproximadamente 4 anos. A residência não pertence a área CRAS e a Sra. Eliana informou que a família não recebe nenhum benefício socioassistencial. Cabe salientar que, de acordo com a técnica do PAEFI a família foi acompanhada pelo referido serviço até novembro de 2014, data em que o caso foi desligado. Cabe salientar que a Sra. Eliana apresentou disponibilidade para acompanhar o filho sempre que necessário e nesse contexto, ressaltamos a importância da participação da família para a efetivação das propostas presentes no Plano individual de Atendimento No que se refere ao contexto escolar, Wagner abandonou os estudos em 2014 e não chegou a concluir o 8ºano do Ensino Fundamental na Escola Municipal [Nome da Escola]. De acordo com Wagner, ele pretende retomar os estudos neste ano. Ao longo do acompanhamento do caso, continuaremos trabalhando para o retorno do jovem a escola e pretendemos articular junto à Gerência Regional de Educação o retorno do jovem a escola. No que tange a profissionalização e trabalho, Wagner afirmou que nunca realizou curso profissionalizante e possui interesse em realizar um curso na área de mecânica. Atualmente, o jovem não está trabalhando. Ao longo dos atendimentos, será trabalhado sobre a importância do eixo profissionalização e trabalho, com vistas a fomentar o interesse de Wagner quanto a este eixo. Finalmente, quanto à construção do posto de atividade para o cumprimento da Medida Socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade, Wagner sugeriu, inicialmente, a Escola Estadual [Nome da Escola].

Nestes trechos percebe-se a mobilização da rede administrativa do Estado e mais especificamente da assistência social com o intuito de induzir uma transformação dos sujeitos e evitar a reincidência. Assim, os técnicos do socioeducativo buscam esmiuçar e avaliar principalmente os laços entre os adolescentes em conflito com a lei e seus familiares, a relação destes jovens com a escola, com as drogas e com a comunidade. Esses elementos constituem ‘grade analítica’ que permite identificar os riscos e o grau de vulnerabilidade em que esses sujeitos se encontram para fomentar as intervenções julgadas necessárias.

Para além do panóptico

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Urry (1999) sugere que a modernidade deve ser conhecida através da mobilidade do olhar e não apenas pelos olhares fixos das instituições descritas por Foucault. Em busca dessa diversidade de perspectiva, o projeto a partir do qual foram reunidos os PIAs ganhou uma nova etapa através da associação entre pesquisadores do CRISP e do Núcleo Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo (PSILACS/UFMG). Esse grupo de pesquisadores, do qual faço parte, se reuniu com o objetivo de localizar e ouvir a história de vida do próprio jovem.

A estratégia metodológica foi pensada para dois encontros. No primeiro encontro, pedíamos para que o jovem nos contasse sua história de maneira livre. Não tínhamos perguntas programadas e a orientação é que as possíveis perguntas feitas teriam como fim incentivar a fala ou elucidar pontos levantados que permaneceram obscuros. Já no segundo encontro, a conversa foi guiada por uma entrevista fechada no formato survey, na qual buscamos atualizar informações presentes no PIA e conseguir novas informações sobre a vida e as trajetórias de nossos entrevistados.

As visitas foram realizadas em dupla e com raras exceções em trio, sendo os pesquisadores identificados por meio de coletes que na frente trazem a logomarca da UFMG e na parte de trás a marca do CRISP. Quando encontramos um jovem, sem fazer maiores menções que remetam à trajetória infracional, explicamos que estávamos fazendo uma pesquisa sobre a história de vida jovens que vivem na cidade de Belo Horizonte e que chegamos até ele por meio de um banco de dados conseguido através do CIA-BH. Essa forma de apresentação da pesquisa foi pensada com o intuito de minimizar o estigma de infrator desses jovens e também de evitar que eles só nos contassem histórias relacionadas à criminalidade.

Entre setembro de 2018 e fevereiro de 2019, visitamos 109 endereços na cidade de Belo Horizonte. Depois de mais ou menos três anos da elaboração do PIA, muitos jovens mudaram de endereço. Em alguns casos, os vizinhos não souberam informar se ali residiu em algum momento a pessoa com aquele nome. Houveram situações de desencontro entre os pesquisadores e os jovens, uma vez que as visitas aconteciam em dia úteis em horário comercial. Depois de 6 meses de trabalho, encerramos o campo após realizar somente 13 entrevistas, sendo que desses, somente 6 jovens responderam também o questionário. Os levantamentos externos realizados pela equipe da pesquisa indicou que dos 373 jovens da amostra inicial, 16 haviam sido assassinados e 69 estavam aprisionados no sistema adulto.

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A forma como a metodologia da pesquisa foi pensada acompanhar uma cadeia de elementos que ultrapassam o campo de observação empírico propriamente dito, isto é, a trama heterogênea de instituições de compõe os dispositivos de normalização e sua incidência sobre os indivíduos. O foco na natureza processual do envolvimento e da desistência da trajetória infracional, engendrou uma estratégia metodológica que ultrapassa a noção de lugar e busca através acompanhamento de histórias de vida estabelecer conexões entre diferentes escalas de análise. Nesse sentido, verificamos localmente a existência de redes entre os jovens e atores como o Estado, os mercados formais e informais e fenômenos como a ‘epidemia’ de mortes violentas e o hiper- encarceramento no Brasil e os efeitos nefastos da política de Guerra às Drogas. Desse modo, acredito que também podemos reclamar alguma inspiração da ideia de etnografia multi-situada conforme concebida por Marcus (1995).

Na próxima sessão, relato algumas da experiências nas idas à campo baseando-me em minhas notas de campo. Para Sanjek (1990) voltamos do campo com dois tipos de nota: notas de campo e notas de cabeça. As notas de cabeça são aspectos que trazemos na memória sobre as experiências que vivemos. No entanto, sabemos que a medida que o tempo passa nossa percepção pode mudar e vários detalhes podem ser esquecidos. Por outro lado, as notas de campo são documentos que demonstram de maneira concreta que o exercício de escrita também é um exercício de observação das situações, dos sujeitos e do próprio pesquisador. Uma vez colocadas no papel, essas impressões tornam-se estáticas e podem ser confrontadas com impressões posteriores e mais distanciadas, fornecendo material para a construção da etnografia propriamente dita. As notas de campo usadas para elaboração do presente trabalho foram rascunhadas momentos depois das situações em memorandos gravados em áudio. Ainda no mesmo dia, esses rascunhos foram organizados em forma de um relato mais coerente daquilo que foi observado.

Relatos De Campo e Situações De Entrevista

O trânsito pelo território levou-me a lugares da cidade que eu não conhecia anteriormente. A ausência de familiaridade contribuiu para a elaboração mais detalhada das características das vias, das casas e de eventos como as intervenções urbanas realizadas pela prefeitura em vários bairros periféricos e vilas da capital mineira.

Tivemos dificuldades em localizar o primeiro endereço por conta da numeração confusa e da intervenção urbanística que estava ocorrendo no local. Paramos para perguntar em um bar e a dona, que mora na região há 18 anos, nos informou que vários moradores foram desalojados e várias casas

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foram destruídas em função da intervenção. No meio dessa estava uma das casas que procurávamos.

No entanto, segundo a dona do bar, o jovem estava preso e sua família havia sido expulsa do lugar antes mesmo da intervenção urbana. A rua recém aberta na frente do bar começava a ser asfaltada naquele momento. A dona do bar nos informou ainda sobre o outro jovem que procurávamos. Segundo ela, o jovem havia ‘fugido do crime’ e se mudado para o Rio de Janeiro. (Nota de campo – 01/11/2018)

Essa observação contribuiu para solidificar a hipótese de que uma das razões de termos conseguido realizar poucas entrevistas frente ao número de visitas, se deve a um fenômeno de migração que atinge esse público, que é fomentado pela atuação das agências do Estado ou pela própria dinâmica da criminalidade no local. Além disso, as notas de campo contribuíram muito para o desenvolvimento de alguma reflexividade a respeito das situações em que as entrevistas ocorreram. Passo agora a explorar essas situações.

A Recusa

Tocamos campainha na casa e ninguém nos atendeu. Resolvemos tocar então na casa vizinha. A vizinha disse que o Beto e a mãe residem no local e relatou que ele tinha ido ao hospital com sua companheira grávida, que estava passando muito mal. A vizinha relatou que essa gravidez era muito esperada e que todos estavam com medo de que a companheira do jovem perdesse o bebê.

Depois de três ou quatro semanas, estávamos novamente na região da casa de Beto. Passamos pela rua e decidimos tocar novamente na casa. Beto nos atendeu de maneira receptiva e pediu para que entrássemos. Ele estava sem camisa, sendo que seu braço e tronco exibiam várias tatuagens, duas delas recém feitas. Sua companheira estava em casa, mas não parecia muito contente. Tentei quebrar o gelo perguntando sobre as tatuagens, mas minha tentativa não surtiu efeito. Beto não rendeu muito assunto comigo. Passamos então a explicar sobre a pesquisa. Quando dissemos que estávamos querendo saber sobre sua história de vida, Beto imediatamente fechou-se e disse que não gostaria de participar. Assentimos de sua decisão e fomos embora de sua casa.

Deduzimos através da situação que Beto não quis se abrir porque sua companheira havia perdido o bebê. Neste caso, faze-lo falar de sua vida, necessariamente o levaria a falar de sua perda, o que intensificaria seu sofrimento ao invés de empoderá-lo (SILVA, 2010). Obviamente essa era uma situação que poderíamos ter antecipado. Talvez não recebêssemos a negativa se tivéssemos sido mais empáticos e deixado para voltar na casa de Beto em outro momento.

O jovem, a casa, a família

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Chegamos nas proximidades do endereço indicado e pedimos informação na entrada de um beco. Um senhor, que morava nesse beco, nos ajudou a encontrar a casa do adolescente. A casa tinha muitos moradores, era muito apertada e ainda comportava o funcionamento de um pequeno bar. Houve dificuldade em achar um lugar onde Tales se sentisse a vontade para falar. A namorada dele estava presente e parecia bastante apreensiva com nossa presença. Tivemos de insistir sutilmente para que a conversa fosse um pouco mais privada. Ainda assim, várias vezes durante a entrevista, a avó, a sobrinha e a namorada do jovem com a filha deles entraram no quarto.

Iniciando a narrativa, Tales começou com um discurso muito montado, dizendo que sua infância havia sido boa e que sua família tinha sido boa com ele, sendo a questão da religião muito presente em seu discurso. O caráter montado da narrativa ficou mais evidente com a fala “essa é a história da minha vida”, com a qual tentou terminar a entrevista. A partir disso, eu e Gabriela tentamos puxar alguns pontos da sua narrativa. O jovem narrou então a morte de dois primos que estavam envolvidos com o tráfico. Disse que era muito ligado aos primos e a morte deles o abalou profundamente. No quarto onde realizamos a entrevista havia um imenso pôster com uma imagem quase em tamanho real de um dos falecidos primos, que acabou servindo como motivador durante alguns momentos de sua fala.

Tales contou também que mantinha um relacionamento com uma garota cujo irmão era envolvido com o tráfico. Após brigar com o irmão dessa garota, terminou esse relacionamento, voltou a frequentar a igreja evangélica e começou a se relacionar com sua atual companheira, que é mãe de sua filha. É nesse contexto em que ele localiza o fim de uma fase ruim, em que ele fazia “muita coisa errada”, mas sem expor de maneira direta sua trajetória infracional. Ele mencionou apenas que bebia muito, era ‘brigador’ e frequentava bailes funk, chegando a passar 3 ou 4 dias fora de casa. Ele associa sua conversão com a figura da mãe. Relatou uma certa culpa, uma vez que, sua mãe o chamava para ir ao culto, mas ele preferia ir aos bailes funk. A partir disso, pontou sua mudança de conduta dizendo que hoje ele quem chama a mãe para ir ao culto, localizando com um plano futuro tornar-se pastor. Podemos especular se Tales evitou dar mais detalhes em função da proximidade de seus familiares no momento da entrevista.

Nesse caso, havia um clima de suspeição e animosidade muito grande em relação a presença dos pesquisadores na casa de Tales. Seus familiares não dirigiram

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nenhuma palavra para mim e para Gabriela. É possível que os familiares tenham nos interpretado como ‘fiscais’ do socioeducativo. Após a realização da entrevista, não foi possível entrar em contato novamente com o jovem. Em outras duas ocasiões estivemos em sua casa, mas seus familiares recusaram nos receber e disseram que o jovem estava trabalhando.

A Mãe

Era manhã quando eu e Gabriela chegamos em um bairro periférico da região Oeste da cidade. Procuramos pelo endereço, mas a numeração da rua variava de maneira esquizofrênica de modo que não conseguimos achar o endereço que procurávamos. Batemos em uma casa e fomos atendidos por uma senhora que disse conhecer Eliane. Quando perguntamos sobre Wagner, a vizinha logo desconversou e disse que seria melhor que perguntássemos diretamente para Eliane. A vizinha nos apontou o endereço, mas este estava vazio. Voltamos um pouco mais tarde e quando chegamos Eliane já estava a nossa espera.

A casa ficava para baixo do nível da rua. Havia uma escada de metal que caia direto no espaço dedicado ao mesmo tempo a sala e a cozinha. A casa parecia ter mais dois cômodos, sendo um deles o quarto de Eliane, com uma cama de casal. As paredes da sala, ainda no reboco, estavam repletas de fotos. Dissemos para Eliane que estávamos procurando seu filho por conta de uma pesquisa e ela respondeu pesarosamente que ele e o irmão estavam presos, mas que ela poderia contar sua história. A ex-companheira de Wagner, Fernanda, estava presente no momento em que chegamos na casa de Eliane, mas saiu no meio da entrevista. Isso deu maior liberdade para que Eliane nos contasse que Fernanda se separou de Wagner, por causa de sua prisão e já estava em outro relacionamento.

Ela se dispôs a contar sua própria história de vida. Nos contou que tinha sete irmãos e morou 12 anos na rua com sua família, que se mantinha com reciclagem.

Disse que teve muita dificuldade para estudar porque ajudava sua mãe com o trabalho, mas que apesar de ter vivido na rua, orgulhava-se de nunca ter se prostituido ou se envolvido com o tráfico de drogas. Alguns anos mais tarde, a experiência com reciclagem lhe valeu um emprego com carteira assinada.

A maternidade apareceu rápido na sua vida. Aos 20 anos teve o primeiro de seus quatro filhos. Sua terceira filha, Juliana, tem 20 anos já é casada e está esperando o segundo filho, mas encontra-se em uma situação complicada pois ela e o esposo estão desempregados. Sua quarta e ultima filha (com o atual companheiro) veio há 3

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anos, ao mesmo tempo em que sua filha do meio e a ex-companheira de Wagner engravidaram. Por ocasião de sua gravidez em idade avançada (48 anos de idade), Eliane teve alguns problemas de saúde que a levaram a deixar o emprego.

O pai dos seus dois primeiros filhos nunca foi presente e os garotos desde muito novos causaram muitos problemas para a mãe. Eliane relatou que desde que eles tinham 9 anos, ela era sempre convocada a ir à delegacia. Disse que não foi por falta de opção que eles entraram para o crime, porque ela trabalhava muito para suprir as necessidades da família e que comparado com sua própria história, os filhos não podiam reclamar da vida humilde que viviam. Eliane ressaltou várias vezes que a escolha pela criminalidade não foi culpa dela e sim escolha de cada um de seus filhos.

Wagner está preso há 3 anos e seu irmão chegou a sair da cadeia em agosto de 2018, mas depois de uma semana de liberdade ele foi preso novamente.

Ela disse que ganha dinheiro quem estudou, sendo que ela que não havia estudado deveria se contentar com dinheiro humilde, mas honesto. Disse que expõem sempre isso aos seus filhos: “O que vocês tem agora que estão atrás das grades?”.

Atualmente ela está desempregada e não tem condições de visitar periodicamente os filhos, nem de levar chinelos e outros itens de higiene básicos que não são fornecidos nas prisões. Além do custo material, Eliane relatou estar emocionalmente esgotada, sendo essa uma das razões que a levaram deixar de visitar os filhos na prisão. Para ela, Wagner está perdendo a melhor parte da vida de seu filho. “Vale a pena tudo isso, Wagner?”- perguntava Eliane chorando durante a entrevista. As fotos coladas na parede da sala ajudaram a reforçar o tom emocionado da entrevista. Eliane disse que gostava muito de retratos, porque eles recuperam lembranças de momentos passados e nos mostrou várias fotografias de seus filhos.

No entanto, acredito que dois fatores foram determinante para que a entrevistada se sentisse mais a vontade diante dos pesquisadores.: sentimento de carência expresso na necessidade de compartilhar a própria história e a ausência do gravador.

A Rua

Júlia e Carol já haviam feito a primeira parte da entrevista e pediram que eu aplicasse o questionário. As duas pesquisadoras se sentiram inseguras uma vez que o jovem estava envolvido no tráfico de drogas e pediu para que a entrevista fosse realizada na rua, aos olhos dos outros colegas que eventualmente interpelaram as pesquisadoras de forma que elas consideraram inadequada.

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Quando cheguei ao local acompanhado das pesquisadoras, notei que logo na entrada da rua que dá acesso à comunidade havia uma geladeira que fechava o trânsito. No fim dessa mesmo rua operários trabalhavam na abertura de uma rua em meio as casas.

Nesse lugar haviam vários jovens parados na porta de uma casa em frente a um bar que tocava funk. Fernando veio ao nosso encontro trazendo na palma de sua mão esquerda um punhado de maconha. Ao nos ver o jovem não demonstrou abertura e perguntou se tinha mesmo de ser ele o entrevistado. Mas ele arrumou um lugar na calçada para que pudéssemos sentar e conversar. Enquanto respondia as perguntas, Fernando enrolou seu baseado e coloco-o atrás da orelha. Relatou com notável articulação a forma de organização do tráfico, as normativas que este impõe sobre a comunidade, a forma violenta de atuação da polícia, as prisões e mortes de colegas.

Durante a entrevista, muitas pessoas nos interpelaram. Um sujeito veio pagar Fernando. Um outro puxou papo com as pesquisadoras dizendo que tratava seus dentes na universidade. Os jovens que estavam na rua nos perguntaram se nós éramos do ENEM.

Nessa situação, o fato de procurarmos uma pessoa específica foi usado pelo entrevistado como um mecanismo de distinção em relação aos seus colegas. Isso pode ser inferido pela sua opção em conceder a entrevista na rua e em sua resposta ao colegas ao dizer que “o ENEM veio até ele”. É importante frisar que não havia uma atitude de suspeição de Fernando em relação aos pesquisadores. O próprio contexto deixava explicito a continuidade de seu envolvimento de modo que é possível pensar que este se sentiu confortável para falar sobre o que estava diante dos olhos.

Finalmente, é preciso considerar que entrevistas realizadas em locais públicos podem representar um desafio, uma vez que estão sujeitas à uma série de intervenções externas sobre as quais o pesquisador não possui controle nem capacidade de antecipar-se.

Considerações Finais

Quais são as condições necessárias para o deslocamento de uma atitude de suspeição para o estabelecimento de uma relação de confiança e empatia entre pesquisador e sujeito de pesquisa? Somente dois encontros são insuficientes para estabelecer uma relação de confiança que permita um acesso mais profundo às histórias dessas pessoas. A relação de suspeição que impera no momento da construção do PIA, acaba transbordando para o encontro entre os pesquisadores e os

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sujeitos de pesquisa. Além disso, fatores como a presença ou ausência de plateia ou gravador podem moldar o caráter dos dados construídos e até mesmo funcionar como empecilhos para a realização das entrevistas.

Por fim, é importante dizer que o pesquisador não passa impune diante dos sentimentos que o campo desperta. É difícil não ser afetado diante de histórias de vida, muitas delas marcadas pela violência e pela aguda carência afetiva e material. É difícil ‘manter o distanciamento’, ao percorrer becos e vielas a procura de endereços, torcendo para que o jovem que procuro não esteja morto ou preso. Assim, acredito que é válida a posição de Behar (1996), que defende que a objetivação dos sentimentos em palavras deveria ser bem vista no meio acadêmico, uma vez a exposição da subjetividade na ciência humana dá confiabilidade e verossimilhança aos trabalhos.

Bibliografia

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Referências

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