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CAPÍTULO 2 O BREVES E A ILHA DA MARAMBAIA 1

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CAPÍTULO 2

O BREVES E A ILHA DA MARAMBAIA

1

MÁRCIA MARIA MENENDES MOTTA

1 Este trabalho não teria sido possível sem o auxílio inestimável da bolsista de inicial científica Priscilla Amaral, que procurou em arquivos e bibliotecas do Rio de Janeiro informações sobre a família Breves e a Ilha de Marambaia.

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho reconstrói alguns indícios da trajetória do Joaquim José de Souza Breves, à luz de fontes primárias sob a guarda de vários arquivos do Rio de Janeiro e da literatura produzida pelos genealogistas sobre a família Breves. Trata-se ainda de um esforço inaugural de relacionar tais indícios à memória herdada dos pescadores sobre o passado da Ilha de Marambaia.

O texto que se segue está dividido em quatro partes. Na primeira, apóio-me basicamente na produção dos genealogistas, para destacar as propriedades da família Breves. Na segunda parte, apresento os indícios de questionamento das propriedades dos Breves e os problemas envolvendo a transmissão de patrimônio de Joaquim José de Souza Breves. Na terceira parte, analiso a memória herdada dos pescadores sobre a Ilha, relacionando-a com informações colhidas para períodos recuados. Na última parte, destaco a questão da legalidade da ocupação da Ilha de Marambaia, à luz da legislação imperial sobre Terras de Marinha.

Na conclusão, refaço o fio condutor do trabalho para demonstrar a legitimidade da ocupação dos pescadores, possuidores da Ilha de Marambaia.

1- DAS INFORMAÇÕES CORRENTES ACERCA DAS PROPRIEDADES DOS BREVES

Conhecido pelos estudiosos como o maior produtor de café e escravocrata do Império, Joaquim José de Souza Breves foi também a expressão do poder dos terratenentes do século XIX. Neto do português Antonio de Souza Breves, conhecido como o patriarca da família, Joaquim de Sousa Breves foi senhor e possuidor 2de muitas terras, que se

2 - O termo é de época e expressa um poder que vai além dos limites físicos da fazenda.

“Para os fazendeiros, ser senhor e possuidor de terras implicava a capacidade de exercer o domínio

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espalharam nos antigos municípios de São João do Príncipe, Rio Claro, Mangaratiba, Itaguaí, Angra dos Reis.

A origem de sua família tem sido objeto de pesquisa de muitos estudiosos de genealogia. Segundo consta, ele era neto do “desbravador” Antonio de Souza Breves. Este último era filho de Manoel de Breves e de Maria de São José. Antonio de Souza Breves era natural da Ilha de São Jorge, nos Açores, onde nasceu em 1720 e faleceu no Brasil, na então Vila de São João Marcos, em 31 de dezembro de 1914. Segundo relatos de genealogistas, Antonio dedicou-se ao desbravamento das matas, cultivando e abrindo novas fazendas e solicitando concessão de sesmarias. Segundo dados colhidos por Carlos Eduardo de Almeida Barata, Este patriarca da família Breves, conhecido por «Antônio Cachoeira», principiou o grande feudo dos Breves, com aquisição de terras na região entre o antigo Município de São João Marcos e o atual Município de Resende, acrescentou-lhe outras, no

"caminho velho das Boiadas", que vinha da Paraíba Nova (hoje Município de Resende), obtidas por Carta de Sesmaria datada de 16 de Abril de 1784 - importante documento, cujo texto original temos em mãos3.

Do casamento com Maria de Jesus Fernandes (nascida por volta de 1745 e falecida em 1814), nasceram – segundo informações do Padre Reynato Breves - José de Souza Breves, Domingos de Souza Breves e Thomé de Souza Breves4. O primeiro filho do casal – José de Souza Breves – é conhecido como senhor e possuidor de Piraí. Casado com Maria Pimenta (filha de Antonio Lobo Frazão e Cecilia de Almeida) teve os filhos: Jose de Souza Breves Filho, Joaquim José de Souza Breves, Cipriano de Souza Breves, João dos Santos sobre as suas terras e sobre os homens que ali cultivavam (escravos, moradores e arrendatários).

Implicava ser reconhecido pelos seus vizinhos como um confrontante. E relacionava-se também à possibilidade de expandir suas terras para além das fronteiras originais, ocupando terras devolutas ou apossando-se de áreas antes ocupadas por outrem”. Motta, Márcia. Nas Fronteira do Poder.

Conflito e Direito à Terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro/ Editora Vício de Leitura, 1998, p. 38.

3- Barata, Carlos Eduardo de Almeida. Os Breves Abastados Proprietários.

http://www.hegallery.com.br/genealogia.htm. O autor afirma ter o documento de sesmaria, mas não apresenta cópia da documentação.

4- Padre Breves, Reynato. A saga dos Breves. Sua Família, Genealogia, Histórias e Tradições. s/e, volume II.

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Breves, Ana Pimenta de Almeida Breves e Cecilia Pimenta de Almeida Breves (Baronesa de Piraí).

Dos filhos nascidos da união de José de Souza Breves e Maria Pimenta, destacaram- se: José Joaquim de Souza Breves (provavelmente é o mesmo José de Souza Breves Filho) e Joaquim José de Souza Breves) .

Pelas informações colhidas pelos genealogistas, sabe-se que José Joaquim de Souza Breves era o senhor e possuidor da Fazenda do Pinheiro. Sobre a fazenda, escreveu o Padre Breves: “A grande extensão de terrenos e fertilidade deles, as vastíssimas plantações de café que cobrem um largo espaço de elevados morros, o número prodigiosos de cativos consagrados aos trabalhos agrícolas, os grandes auxiliares de que dispõe o proprietário, já como abastado capitalista, já como homem de bom senso e praticamente conhecedor da nossa lavoura, conferem a este estabelecimento as honras de primeira grandeza”5.

Falecido em 1879 , viúvo de Rita Clara de Moraes Breves, o fazendeiro Jose Joaquim de Souza Breves não deixou herdeiros diretos. Em 1877 havia feito um testamento, sendo um de seus testamenteiros, seu irmão, Joaquim José de Souza Breves.

Pelo seu testamento, em parte transcrito pelo Padre Breves, o falecido fazendeiro libertava seus escravos e doava as suas terras em usufruo aos que ali habitavam. “O seu testamenteiro deverá conservar todos os agregados nos sítios em que residirem”6 .Doou as terras dos fundos da Fazenda Bracuy, com cerca de 300 alqueires, à Santa Casa de Angra dos Reis; os engenhos e mais pertences ficarão nos mesmos lugares; para serem utilizados pelos seus legatários da referida fazenda7 E continua: Extinta a succeção de direitos de seus agregados e libertos por três gerações, essas terras serão de pleno direito daqueles que existirem. 8

Ainda segundo o Padre Breves, o fazendeiro legou a sua fazenda Cachoeirinha, benfeitorias, na freguesia do Arrozal, para nela residirem os referidos seus escravos de

5 - Idem, 654 6 -Ibidem 7 -Ibidem 8 -Ibidem

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ambos os sexos, libertos, debaixo da condição de não venderem as terras e somente serem sucedidos enquanto lei permitir a sucessão de pais e filhos, e na falta destes, uns aos outros da mesma origem. Todos os libertos se aproveitarão da sua doação, logo que concluam o tempo de serviços que ficaram obrigados.9

As disposições testamentárias do fazendeiro instituíam ainda como herdeiros dos remanescentes de seus bens o seu irmão Joaquim José e os seus sobrinhos.

Pelas informações colhidas pelo Padre Breves, sabe-se ainda que em 16 de novembro de 1883 foi feita uma Escritura de Quitação do legado em usufruto que fizeram os agregados da fazenda de Santa Rita do Bracuí. O procurador e advogado do irmão e testamenteiro de Jose de Souza Breves, o também falecido Joaquim Jose de Souza Breves, era então o Dr Tarquinio de Souza. Ainda segundo o Padre Breves, há a informação publicada no Jornal da Gazeta de Angra que após a morte de Joaquim de Souza Breves, a fazenda passou a ser ocupada por Honório Lima que “passou a comprar os direitos que pertenciam aos descendentes dos libertos”. Ainda pelas informações transcritas no livro do Padre Breves, o registro de imóvel foi conseguido, pois o falecido José Joaquim havia doado àquelas terras em usufruto até a 3ª geração e como propriedade a partir da 4ª geração de descendentes dos libertos10.

De qualquer forma, nada podemos garantir acerca da legalidade da ocupação dos novos proprietários da fazenda, posto que nos relatos dos genealogistas, não há documento comprobatório acerca da transmissão da propriedade dos descendentes dos libertos para o novo proprietário. Ainda pelos dados colhidos pelo Padre Breves, há a informação de Mathias Roxo de que ele havia “deixado belíssimo testamento do qual infelizmente jamais foi cumprido no todo, ao que me consta”11.

Não menos interessante é a trajetória de Joaquim José de Souza Breves, que como já informei, foi o maior produtor de café do Império. Nascido em 10 de junho de 1804 e falecido em 30 de setembro de 1889, o mencionado Breves foi a figura emblemática do

9 -Ibidem p. 656 10 -Ibidem

11 - Ibidem, p. 660.

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poder dos terratenentes no Império do Brasil. Segundo Luis Ascendino Dantas, ele exerceu várias vezes o cargo de vereador e presidente da Câmara de São João Marcos, onde nasceu e “gozou de sinceras dedicações e justa estima, como chefe de grande prestígio. A sua influência política estendendo-se a todo o 12º distrito eleitoral da Província, disputou em várias legislaturas o mandato de deputado quer à Assembléia provincial, quer à Assembléia geral, logrando ser eleito nas legislaturas de 1876-1879-1881 e 1886, tendo sido nesta última o líder do Partido liberal”12. (vide em anexo, a presença constante de Joaquim José de Souza Breves na política e justiça locais)

Segundo dados colhidos por Almeida Barata, entre as propriedades do fazendeiro e de sua família estão:

1 - Fazenda do Alto dos Negros - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

2 - Fazenda dos Alpes - Francisco de Assis Monteiro Breves [c.1847-1894], barão do Louriçal, que nela faleceu. Município de Mar de Espanha, Minas Gerais.

3 - Fazenda da Aparecida - Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873]. Abastada fazendeira em São José de Além Paraíba.Viúva de seu primo Luiz de Souza Breves.

Município de Sapucaia.

4 - Fazenda da Arapoca - Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873]. Uma das cinco fazendas constituídas com terras da grande Fazenda do Aventureiro. Foi, depois, do Coronel Joaquim Luiz de Souza Breves [1827-1892]. Freguesia de São José de Além Paraíba.

5 - Fazenda do Aventureiro - Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873], adquirida, por compra, depois de 1841, ao Alferes Teodoro de Faria Salgado. Viúva de seu primo Luiz de Souza Breves. Foi dividida em outras cinco fazendas. Freguesia de São José de Além Paraíba.

6 - Fazenda da Barrinha e Velhota - Luiz de Souza [1829-1910], Barão de Guararema.

Situada na Freguesia de Sant'Ana do Piraí, Município do mesmo nome [1867]. Esta fazenda foi de propriedade de Maria Clara Gonçalves de Morais, esposa do seu irmão, o Coronel Joaquim Luiz de Souza Breves. Maria Clara, vendeu-a, por Escritura Pública de 10.12.1860, ao se cunhado Luiz de Souza Breves que, por sua vez, por outra escritura

12 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. ARM. 4, 3, 49 Dantas, Luis Ascendino Esboço biográfico do Dr. Joaquim José de Souza Breves (1931)

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pública de 21.12.1867, junto com sua esposa, a vendeu para João Coelho de Souza, fazendeiro estabelecido em Piraí. Vende pela alta quantia de 30:000$000 [trinta contos].

7- Fazenda da Bela Aliança - Famosa propriedade do Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. A deu de presente à sua sobrinha, quando do seu casamento com o russo Haritoff.

8 - Fazenda da Bela Aurora - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

9 - Fazenda da Bela Vista - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

10 - Fazenda da Boa Vista do Ribeirão das Lajes [ou Boa Vista ou ainda Lajes] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

11 - Fazenda do Bonsucesso - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Localizada em Arrozal, Município do Piraí. Foi Citada no seu inventário, feito a 15.01.1877; aprovado a 17.01.1877; falecido a 05.07.1879, e aberto a 07.07.1879. Testamenteiro, o irmão, o Rei do Café, que aceitou a 12.08.1879.

12 - Fazenda do Brandão - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

Município de Barra Mansa. Foi adquirida, em sociedade com o Comendador Lucas Antônio Monteiro de Barros, da família Carneiro Leão. Pagaram a fabulosa quantia de 174:000$000 [cento e setenta e quatro contos], cabendo, na divisão das terras, o valor de 36:000$000, ao Rei do Café; e 138:000$000, ao Monteiro de Barros - outro poderoso grupo familiar, de Minas Gerais.

13 - Fazenda dos Breves em Bananal - Comendador José de Souza Breves Filho [1795- 1879], irmão do Rei do Café. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

14 - Fazenda dos Breves em Minas - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

15 - Fazenda da Cachoeira - Brites Clara de Souza Breves [1789-1866]. Distrito da Freguesia de São João Batista do Arrozal, Piraí.

16 - Fazenda da Cachoeirinha - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Freguesia do Arrozal. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

17 - Fazenda do Castelo - Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873]. Uma das cinco fazendas constituídas com terras da grande Fazenda do Aventureiro [ver]. Foi, depois, do Coronel Joaquim Luiz de Souza Breves [1827-1892] . Freguesia de São José de Além Paraíba.

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18 - Fazenda Chico Ilhéu - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

19 - Fazenda da Conceição I [ou Freguesia] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Famosa pelas suas dezenas de quartos. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento».

20 - Fazenda da Conceição II - Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873]. Uma das cinco fazendas constituídas com terras da grande Fazenda do Aventureiro [ver].

Freguesia de São José de Além Paraíba.

21 - Fazenda da Confiança - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Famosa por seus jardins suspensos e pelas suas seteiras à moda medieval.

22 - Fazenda dos Coutinhos - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento».

23 - Fazenda da Figueira - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento».

24 - Fazenda da Flaviana - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

25 - Fazenda da Floresta [ou Nova Floresta] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Pagou 15.000$000 à vista. Com 4,5 km2, no Município de Itaguaí. Adquirida por compra, a 20.04.1865. Nela funcionava um Engenho.

26 - Fazenda da Fortaleza - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

27 - Fazenda Graçaí - Eugênio Frazão de Souza Breves [1865-1899]. Fazenda de café, em Piraí.

28 - Fazenda Ingá [1ª Parte] e Margarida - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. No Município de Itaguaí. Pagou 6.000$000 à vista.

Dimensões: 320.000 braças2.

29 - Fazenda do Ingá [2.ª Parte] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Pagou 6.000$000 à vista. Adquirida por compra, a 18.02.1873. A Escritura a chama de «Situação do Ingá, no lugar denominado Ribeirão do Ingá, na Freguesia de S. Pedro e S. Paulo do Ribeirão das Lages, do Município de Itaguaí.

Dimensões: 353.456 1/2 braças2

30 - Fazenda do Itabapoama - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

31 - Fazenda da Jacuba - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

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32 - Fazenda Jardim Alegre - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

33 - Fazenda de João Gomes - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

34 - Fazenda do José Eloi [ou Cava Funda] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

35 - Fazenda da Juliana [ou Soledade] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804- 1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

36 - Fazenda da Manga Larga - Município de Piraí. Capitão-Mor José de Souza Breves [1748-1845].

37 - Fazenda da Marambaia - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889] , O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento».

38 - Fazenda de Matias Ramos [ou Glória] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

39 - Fazenda Meia Laranja - na Caiçara, em Piraí, RJ. Alziara de Souza Breves [1891- 1945].

40 - Fazenda Mendes - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento».

41 - Fazenda do Mocundum - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

42 - Fazenda Monsuaba - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

43 - Fazenda do Morro do Frade [ou do Frade] - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

44 - Fazenda Negros - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento».

45- Fazenda da Nova Conceição - Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873] . Uma das matriarcas da família Breves. Adquirida por escritura de compra de 31.07.1844, no Município de Nova Friburgo.

46- Fazenda da Olaria - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Em Passa Três, Município de São João Marcos. Segundo Aprígio Guimarães,

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«cópia exata do palácio do Podestá, de Bréscia, construída por um arquiteto vindo da Itália». «O Novo solar foi construído em 1865».

47- Fazenda Palmeiras - José Frazão de Souza Breves [1837-1875]. Fazenda de café, na freguesia de Santana do Município de Piraí [1867, 1876].

48 - Fazenda do Parado - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

49 - Fazenda Paysandu - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Dorândia [Piraí]. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

50 - Fazenda Pedro da Cunha - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

51 - Fazenda Pinheirinhos - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

52 - Fazenda Pinheiro - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879]. Irmão do Rei do Café. Município de Barra Mansa.

53 - Fazenda do Pinheirinho - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

54 - Fazenda do Remanso - Freguesia de São José de Além Paraíba. Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873]. Uma das cinco fazendas constituídas com terras da grande Fazenda do Aventureiro [ver]. Esta importante Fazenda do Remanso foi hipotecada por seus netos, Luiz e Cecília, em 1889, para contrairem um empréstimo de 40:000$ [quarenta contos de réis]. Por ocasião deste empréstimo, o credor Banco do Brasil, avaliou-a em 60:000$ [sessenta contos de réis], sendo trinta e seis contos [36:000$000] pelas terras e cafezais, e vinte e quatro contos [24:000$000], em pertences, utensílios e mais acessórios.

55 - Fazenda da "Restinga" ??? - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

56 - Fazenda do Retirinho - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

57 - Fazenda do Retiro - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

58 - Fazenda [do Ribandar] - No Município de Itaguaí. Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889] , O Rei do Café. Comprou por 6:000$000 [seis contos de réis], por escritura de compra, de 19.02.1870. Dois prazos de terras, com 320 braças quadradas.

59 - Fazenda do Rosário - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

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60 - Fazenda de Santa Maria - Anterior a 1885. Dr. Joaquim José de Souza Breves Filho [1846-1918]. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento. Foi hipotecada a 18.05.1895, quando procedeu-se a sua avaliação por parte do Banco Rural e Hipotecário.

61 - Fazenda de Santa Paulina - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

62 - Fazenda de Santa Rita do Bracuy - Comendador José de Souza Breves Filho [1795- 1879], irmão do Rei do Café. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 . Fazenda de café, adquirida por compra a 30.05.1829.

63 - Fazenda de São Joaquim da Grama - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. A mais importante de todas as fazendas do Rei do Café.

Sede de todo o seu poder «feudal».

64 - Fazenda São Julião - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

65 - Fazenda São Luiz - Maria Pimenta de Almeida Breves [c.1810-1873]. Uma das cinco fazendas constituídas com terras da grande Fazenda do Aventureiro [ver]. Freguesia de São José de Além Paraíba.

66 - Fazenda de São Sebastião - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

67 - Fazenda do Sipó - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café. Ainda era propriedade do Rei do Café, quando do seu falecimento.

68 - Fazenda do Sobrado - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Localizada no Arrozal. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879 [ver item 11].

69 - Fazenda do Turvo - Comendador José de Souza Breves Filho [1795-1879], irmão do Rei do Café. Citada no seu inventário, feito em 1877; e aberto em 1879,[ver item 11].

70 - Fazenda da Várzea - Comendador Joaquim José de Souza Breves [1804-1889], O Rei do Café.

Carlos Eduardo de Almeida Barata afirma ainda que havia outras tantas propriedades (38) que os documentos consultados “deixaram de registrar, além da denominação de mais 36 sítios, pequenas fazendas, perfazendo um total de 143

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propriedades13. O autor, no entanto, não apresenta nenhum documento comprobatório de nenhuma das propriedades arroladas.

Na leitura da relação de fazendas, em tese pertencentes a Joaquim José de Souza Breves, podemos ressaltar a ênfase na frase Rei do café, expressando um poder que se estendia em direção a um grande domínio territorial. Nesta relação, não são definidos limites, espaços físicos claros para que possamos saber afinal onde começa e onde termina cada uma dessas fazendas. Neste sentido, imprimir uma única denominação – a mais genérica – é sem dúvida uma estratégia do pretenso proprietário – e reiterada pelo estudioso Barata – de dificultar a delimitação territorial da área. Consagra-se assim uma determinada memória sobre a ocupação territorial, que ao ocultar os conflitos por ventura existentes, reforça a noção de uma identidade política, expressão da autoridade de seu pretenso dono14.

A relação, no entanto, tem o mérito de nos permitir conhecer as propriedades consideradas pelos genalogistas como pertencentes a Joaquim José de Souza Breves e, neste sentido, a Ilha de Marambaia, é vista como parte integrante dos enormes domínios do grande fazendeiro.

O livro do Padre Reynato Breves também destaca a trajetória de Joaquim José de Souza Breves como um grande proprietário de terras e importador de escravos. Não à toa, em seus relatos ele realça a Ilha de Marambaia e a maneira pela qual o fazendeiro tratava seus escravos, “a melhor política seria a disciplina temperada pela brandura para com os cativos”15. A ilha era vista então como um ponto estratégico: “Ela lhe abria completamente o domínio do mar, para as comunicações seguras com os navios negreiros, que lhe traziam do outro lado do Atlântico o combustível humano com que alimentavam o fogo do trabalho

13 -Barata, op. cit.

14 - Para uma análise do confronto entre memórias acerca da denominação de fazendas, vide Motta, Márcia. “Jogos da memória: conflito de terra e amnésia social”. Revista Tempo Rio de Janeiro, Sette Letras, 1998, pp. 183-198.

15 - Padre Breves, op. cti. p. 680

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no cafezal. Aquela fazenda era pulmão da sua grandeza latifundiária, em baixo e no alto da serra. O crescimento do cafezal impunha ao senhor o aumento do braço escravo”16.

É interessante observar ainda que os escritos do Padre Breves sobre seu parente são marcados por um esforço de reconstrução laudatória da trajetória de Joaquim José de Souza Breves. Ele transcreve trechos de obras de autores que teriam conhecido a importância do fazendeiro, sem, contudo refletir sobre a ocupação territorial do pretenso proprietário.

Talvez por isso, o autor tenha apresentado apenas um trecho do testamento de Joaquim José, a parte referente à construção de capela e doação dos juros das apólices gerais da divida pública para o padre que servir à igreja e para celebrar missas para sua família e seus escravos, libertos e amigos. Os trechos transcritos nada mencionam sobre o legado territorial do fazendeiro.

No entanto, quando transcreve o Boletim Informativo da Associação Comercial Industrial e Agro-Pastoril de Volta Redonda, publicado em 20 de dezembro de 1972, o Padre Breves acrescenta novas informações sobre Joaquim José. Segundo o boletim: “As terras que possuíam abrangiam todo o território sul-fluminense, iam da marinha – em Itaguaí e Angra dos Reis - , até a região serrana – em Resende - , na Província do Rio de Janeiro, Na de Minas Gerais, também possuía enorme datas de terras, tanto na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição – em Airuóca, vizinha à Resende -, como de Pinhuim, já muito distante, mais para o interior daquela província. Mais próximo, no então município neutro, constituído pela cidade do Rio de Janeiro, ainda possuía uma grande área de terra na zona rural, em Campo Grande”17.

E continua: “O número de propriedades agrícolas que nelas existiam elevava-se a 69, compreendendo 32 fazendas, e 37 sítios – alguns de importância maior do que muitas fazendas de outros proprietários das redondezas; afora as muitas terras ainda virgens, reservadas para novas lavouras de café- compreendendo alguns milhares de alqueires, até na Província de Minas Gerais; e mais de uma centena de prédios – inclusive alguns

16 - Idem, p.682.

17- Ibidem, p. 762

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palacetes – localizados na Corte, mas próprias fazendas, em diversos povoados, vilas e cidades da Província do Rio de Janeiro”18

No entanto, tal como havia feito quando apresentou a trajetória de José Joaquim de Souza Breves, o Padre Breves não refletiu acerca da legalidade da ocupação do irmão de José Joaquim, Joaquim José de Souza Breves. De qualquer forma, ele apresenta indícios de conflitos envolvendo a transmissão do patrimônio de Breves.

2- DOS INDÍCIOS DE CONFLITOS NAS TERRAS DO FAZENDEIRO BREVES

A transcrição feita pelo Padre Breves do Boletim Comercial revela problemas referentes à partilha do patrimônio do falecido Joaquim José de Souza Breves e as brigas familiares pelo legado do então senhor e possuidor de terras. O Boletim traz informações sobre o inventário, transcrevendo a avaliação de algumas fazendas, inclusive a ilha de Marambaia, avaliada em 302: 477$000. Por ali, fica-se sabendo que o Dr Streva, casado com Anna Clara Breves Costa, neta de Joaquim José tornou-se “credor exeqüente do acervo da viúva do Comendador Breves, a também finada Maria Isabel de Moraes e arrematou para seu pagamento, todo o direito e ação dos seus herdeiros, que a representam na execução”19.

Pelo Boletim transcrito, toma-se ciência que ainda em 1910 o inventário não havia sido concluído. O Dr Streva afirmara então que “apesar de decorridos mais de vinte anos, não se acha concluído o inventário dos bens do Comendador Joaquim José de Souza Breves, de quem é inventariante o Dr Joaquim José de Souza Breves Filho, que o tem deixado completamente paralisado”20.

18 - Ibidem

19- O livro traz informação incompleta sobre o inventário. Afirma apenas em parênteses (Autos do Inventário do Comendador Joaquim José de Souza Breves, volume I, fl, 544)

20- Padre Breves, op. cit, p. 768.

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Nos processos levantados no Arquivo Nacional, relativos a processos cíveis que chegaram ao Tribunal de Apelação há vários indícios de que não era tranqüila a ocupação dos Breves e de que as disputas se davam no interior da família. Em outras palavras: a despeito de seu prestígio e fortuna, havia proprietários de terras que abriam processos cíveis para questionar os limites territoriais de Joaquim José de Souza Breves. É importante lembrar que os processos sob a guarda do Arquivo Nacional são referentes aos que foram direcionados para a última instäncia do poder judiciário, o que nos coloca a questão da existência de processos cíveis de Embargo, Despejo e Medição que podem estar ainda hoje guardados nos Arquivos locais. De qualquer forma, a existência de processos no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro já confirma a hipótese aqui delineada. Os processos encontrados referem-se às fazendas dos antigos municípios de São João do Príncipe e Piraí.

Em 1868, Joaquim José Gonçalves Moraes acusa Joaquim José de Souza Breves de invadir sua fazenda em Piraí, localizada no município e São João do Príncipe. O réu alega, por sua vez, que ele havia comprado àquelas terras 21. Em 1872, um processo de embargo é aberto pelo mesmo Joaquim Moraes contra Joaquim José de Souza Breves pela posse da fazenda Pirái22. O conflito se estende ao menos até o ano de 1876, quando é a vez de Joaquim José de Souza Breves acusar o mesmo Joaquim José de Moraes de estar ocupando ilegalmente terras da fazenda Piraí23. Em 1878, em outro processo encontramos mais uma vez as disputas envolvendo os dois proprietários. Ali ficamos cientes de que tais disputas referiam-se a questão de transmissão de patrimônio, pois Joaquim José Gonçalves de

21- Arquivo Nacional. Juízo Municipal. São João do Príncipe. Ano: 1868. Autor: Joaquim José Gonçalves de Moraes; Réu: Joaquim José de Souza Breves. Natureza do processo: vistoria. No 2702. Caixa 1621. Galeria A.

22- Arquivo Nacional. Corte de Apelação. Ano: 1872. Juízo do processo municipal Pirái.

Autor: Joaquim José Gonçalves de Moraes; Réu: Joaquim José de Souza Breves. Natureza do processo: Embargo. No 2615. Caixa 1613. Galeria A.

23- Arquivo Nacional. Corte de Apelação – cartório do 1º Ofício. Juízo do Processo – Direito São João do Príncipe. Ano: 1876. Autor: Joaquim José de Souza Breves; Réu: Joaquim José Gonçalves de Moraes. Natureza do Processo. Aggto Instrumento. No 4268. caixa 1692. Galeria A.

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Moraes era cunhado de Joaquim José de Souza Breves, posto que o primeiro era casado com a Baronesa do Piraí, irmã de Breves24.

Uma análise mais acurada desses processos e de outros sob a guarda de Arquivos locais pode nos ajudar a reconstruir as disputas de limites territoriais das fazendas dos Breves, bem como o questionamento acerca da legalidade da ocupação. De qualquer forma, os indícios aqui presentes são pontos de partida importantes para refletir sobre a legalidade da ocupação de Joaquim José de Souza Breves. A inexistência de documentos comprobatórios de propriedade ou de ao menos alguma informação sobre como se deram as ocupações dos lugares são emblemáticas para entendermos, as “falas” de hoje acerca das terras da ilha de Marambaia.

3- A ILHA DE MARAMBAIA: HISTÓRIA E MEMÓRIA DE UM LUGAR

Segundo informações colhidas por Fabio Motta, a viúva de Joaquim José de Souza Breves, Maria Isabel Gonçalves Maraes Breves vendeu a ilha à Companhia Promotora de Industrias e Melhoramento. Cinco anos depois, por liquidação forçada a Companhia transferiu a propriedade ao Banco da República do Brasil25. Ainda segundo Fabio Motta

“os escravos permaneceram nas terras abandonadas pelos senhores, como bem lembra um morador antigo da Ilha, um senhor de 84 anos”. O depoimento afirma que o fazendeiro

“disse que era para cada um ficar com a sua praia para não dar briga, mas isso só foi feito

24- Arquivo Nacional. Corte de Apelação- Juízo do processo Piraí. Autor: Joaquim José de Souza Breves; Réu: Joaquim José Gonçalves de Moraes. Natureza do Processo: Aggto Instrumento.

No 5752. Caixa 1754. Galeria A.

25- Mota, Fabio Reis. Marambaia da terra, marambaia do mar: conflitos, identidade e meio ambiente no estado do Rio de Janeiro. Monografia apresentada para o curso de Ciências Sociais.

Universidade Federal Fluminense,2001, p.13.

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de boca, não teve nada escrito. A filha de Breves disse que quando voltasse lá das bandas da Europa ia passar a terra aqui para nós, só que ela nunca fez isso”26

No Relatório Parcial para a caracterização da Comunidade Negra da Ilha de Marambaia, encontramos outros depoimentos da memória dos pescadores em relação ao tempo do “Breves”. Dona Inês, por exemplo, uma senhora de 86 anos, moradora da Praia Suja da Ilha de Marambaia, afirma que naquele período, “os escravos que vinham de outra fazenda ficavam impressionado porque aqui tinha roupa para a festa e dança nas senzalas, muita dança”27

Os depoimentos colhidos por Fabio Motta e pela equipe do Koinonia revelam a consagração de uma memória que sustenta a legitimidade da ocupação dos pescadores.

Segundo essa memória herdada, eles são legítimos possuidores da ilha, por vontade de seu antigo senhor e possuidor. Quais são os fios condutores dessa memória?

Muito se tem escrito sobre os conceitos de História e Memória e suas gritantes diferenças, mas o senso comum tem até hoje operado esses termos como se eles fossem meros sinônimos. Quando se pergunta a uma pessoa sobre o seu passado, ela fala de suas memórias de infância, de acontecimentos felizes e de suas frustrações. Ao narrar tais memórias a alguém, ela pensa estar apresentando de forma ordenada sua história. O mesmo acontece quando referimos ao passado de uma nação. É comum os apelos em defesa da preservação da memória nacional, como se tal defesa representasse mecanicamente a recuperação da história de determinado país.

Mas o fato é que a memória e a história não são sinônimos. Ao contrário da primeira, a história aposta na descontinuidade, pois ela é, ao mesmo tempo, registro, distanciamento, problematização, crítica, reflexão28. Ela é operada com outros sentidos e

26 - Idem

27 - Relatório Parcial de caracterização da Comunidade Negra da Ilha de Marambaia.

Projeto Egbé – Territórios Negros – Presença Ecumênica e serviços. Rio de Janeiro, janeiro de 2002, p. 31.

28- Nora, Pierre. “La loi de la memóire”. Le Débat. Paris, Gallimard, numéro 78, janvier- février, 1994, p.9.

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em outras direções. Por oposição à memória, a história denuncia e investiga alguns aspectos antes ignorados pela memória.

Quando falamos de memória devemos levar em conta que ela constrói uma linha reta com o passado, se alimentando de lembranças vagas, contraditórias, sem nenhuma crítica às fontes que - em tese- embasariam esta mesma memória. Ela é ainda “um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente”29. Neste sentido, a memória é também positiva e positivista, reafirmando, muitas vezes um passado de riquezas, que ao ser relembrado antecipa um futuro pleno de potencialidades.

Se entendemos que a memória só se explica pelo presente, isto significa também afirmar que é deste presente que ela recebe incentivos para se consagrar enquanto um conjunto de lembranças de determinado grupo. São assim, os apelos do presente que nos explicam porque a memória retira do passado, apenas alguns dos elementos que possam lhe dar uma forma ordenada e sem contradições.

A história, por sua vez, “é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais”30. Significa afirmar que, ao contrário da memória, a história busca uma representação crítica do passado. Mas para tanto, ela deve também se apoiar nas memórias construídas por outrem, pois a partir daí é possível encontrar evidëncias, fios condutores que legitimam os argumentos centrais da memória, até porque, como nos lembra outro importante pesquisador, é essencial para os historiadores a defesa da supremacia da evidência31.

Quais seriam então as evidëncias enunciadas pela memória dos pescadores e interpretadas pela história? Em primeiro lugar, o argumento de que as terras foram doadas por Breves, ainda que “por boca” adquire sentido, se lembrarmos que seu irmão havia feito o mesmo em relação a sua fazenda do Pinheiral. Não nos parece, portanto, estranho o argumento da doação pelo fazendeiro da Ilha de Marambaia.aos seus ex-escravos.

29 -Idem.

30 -Ibidem.

31- Hobsbawm, Eric “.Não basta a história da identidade”:Sobre a História São Paulo, Companhia das Letras, 1998.p. 286.

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A doação de terra para ex-escravos era comum, principalmente em fins do XIX, quando a condenação pública à escravidão tornou-se recorrente32. Os fazendeiros, em seus testamentos, buscavam consagrar sua prerrogativa de senhor, doando terras a seus ex- escravos e estabelecendo assim, um vínculo entre escravos e senhor que ia além de sua existência física. O ato de “bondade” presente na doação se, por um lado, expressava a intenção de desistir do poder dominial - poder este que estaria sendo negado aos seus herdeiros -; por outro, ajudaria a construir uma determinada memória sobre o fazendeiro.

No entanto, eram os descendentes diretos daqueles senhores que resistiam em “fazer valer”

as últimas palavras do fazendeiro, posto que isso significa diminuir o patrimônio a ser por eles partilhados. Seus descendentes, portanto, operaram com duas situações aparentemente opostas. Em primeiro lugar, a descendência implicava fortalecer a imagem de empreendedor e homem bom do fazendeiro falecido. Em segundo, reconhecer a bondade significava abrir mão dos seus pretensos direitos de sucessor, não só das terras, mas do prestígio da família. Tanto quanto puderam, os descendentes esforçaram-se em consagrar a imagem positiva de seus antepassados, ao mesmo tempo em que, nos meandros da justiça, evitaram o reconhecimento legal do último desejo do fazendeiro.

Assim sendo, a afirmação de que as terras não foram legalmente transmitidas para os pescadores pela filha de Joaquim José também adquire sentido, se lembrarmos que as disputas pelo patrimônio da família obstaculizaram qualquer regularização fundiária. Em outras palavras, não é possível saber se a filha do fazendeiro mentia ou não quando prometera regularizar a situação dos pescadores, mas o fato é que o inventário do fazendeiro foi palco de conflitos por mais de vinte anos, como afirma um de seus descendentes.

Há ainda um fio condutor da memória dos pescadores que é importante considerar, refiro-me a permanência dos pescadores que se mantiveram na ilha após o falecimento do fazendeiro. Em visita à ilha de Marambaia em 1927, Assis Chateaubriand afirmou: “quis a fortuna que eu me encontrasse na Restinga de marambaia com os antigos escravos do

32 - Para um interessante estudo sobre o tema, vide Machado, Maria Helena. O Plano e o Pânico. São Paulo, EDUSP, 1994.

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Comendador Joaquim Breves. Falei a vários deles, e de dois pretos recolhi até os nomes:

Adriano Júnior e Gustavo Vitor, este filho por sua vez de um antigo escravo de Breves, chamado Vitor, comprado pelo senhor quando adquiria a Fazenda do pontal da restinga da Marambaia. Adriano Junior residiu na célebre Fazenda de São Joaquim da Grama, donde o senhor o trouxe para vir trabalhar nesta outra fazenda da restinga. Tem mais de 8º anos. É pai de 12 filhos, todos morando na Marambaia33.

Chateaubriand destaca ainda que a Ilha era utilizada pelo fazendeiro como uma estação, ponto de desembarque de pretos contrabandeados34. Logo, afirma o autor: “ O que Breves possuía na Marambaia era uma estação de engorda de seu pessoal de eito, e isto, explica as ótimas recordações que aqueles velhos escravos guardam do senhor já desaparecido há tantos anos. Deveria comer-se bem na Marambaia, porque o objetivo mais

33- Chateaubrian, Assis. “Impressões vividas de uma visita à Fazenda do Comendador Joaquim José de Souza Breves no Pontal da Marambaia, 1927. O Jornal Edição Comemorativa do Bicentenário do café.

34 - A assertiva de que Breves tinha um porto negreiro particular é compartilhada por Orlando Valverde que afirma: “Como um complemento a Mangaratiba, Breves tinha um porto negreiro particular em Marambaia, onde os ‘tumbeiros’ que conseguiam ludibriar a vigilância dos ingleses desembarcavam a mão-de-obra que ia trabalhar em suas fazendas de serra acima.Breves cuidava dos escravos como quem trata cavalos. Aplicava-lhes princípios de zootecnia. Havia uns negrões forçudos, de bons dentes, cuja função era a de reprodutores. Eram levados de fazenda em fazenda do Comendador para multiplicar o plantel de escravos”. Valverde, Orlando de “A fazenda do café escravocrata no Brasil” Revista Brasileira de Geografia – Volume 29 , 1967, p.57. Lamego reforça o argumento: “ Marambaia era a praia de banhos do clã patriarcal ao mesmo tempo em que a porteira de entrada da sua escravaria, cujo isolamento frustrava a fiscalização do tráfego negreiro pelos navios britânicos a serviço de seus interesses coloniais. Marambaia era também uma fazenda cultivada, visto que todos os domínios dos BREVES tinham de produzir. Pelas encostas de seu morro subiam cafezais, mandiocais e milharais. O seu fim principal, todavia, era o de receber e aprimorar a mão-de-obra para os latifúndios de serra acima.Os escravos que saíam dos porões dos navios negreiros, permaneciam algum tempo naquele viveiro. Reconstituíam as forças perdidas na travessia transatlântica. Cevavam-nos, e, uma vez assim retemperados, eram distribuídos pelas fazendas do alto da serra. Logo, o que os BREVES possuíam na Marambaia era uma estação de engorda do seu pessoal de eito, e isto explica as ótimas recordações que aqueles velhos escravos guardam do senhor já desaparecido há tantos anos. Devia comer-se bem na Marambaia, porque o objetivo mais importante daquela fazenda não era produzir café, mas fornecer mão-de-obra, para o trabalho no cafezal.” Lamego, Alberto Ribeiro – O homem e a Guanabara; 2ª edição, Edição comemorativa do IV centenário da cidade do Rio de Janeiro, IBGE, 1964,p.249.

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importante daquela fazenda não era produzir café, mas fornecer mão-de-obra forte, robusta, para o trabalho do cafezal35.

A memória herdada pelos pescadores revela uma visão de passado tranqüilizadora.

O Breves “era um veio báo”, como afirmou um ex-escravo, quando indagado por Chateaubriand.36.

Esse “olhar” sobre o passado, consagrador da bondade de Joaquim José, é compartilhado por àqueles que escreveram sobre ele. Em trabalho datilografado encontrado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de autoria de José De Almeida Prado Castro (segundo informações do IHGB, o autor é descendente dos Breves), há referëncias sobre as inúmeras fazendas do José Joaquim e a existência de uma enorme escravaria. “O que se via na Grama e Olaria suas fazendas favoritas, eram negros por toda parte, como se fossem moradores de um arraial qualquer e não somente trabalhadores de eito37. Ainda segundo Castro, era comum a fuga de escravos de outras fazendas para instalarem-se nas fazendas do mencionado fazendeiro, “onde recebiam melhor tratamento do que nas fazendas dos antigos donos. Para Castro, Breves protegia os escravos fugidos, os escondia de seus antigos senhores, pois era capaz de impor uma disciplina “temperada com certa brandura com seus cativos” 38. Ainda segundo Castro, a mulher do fazendeiro também não gostava de ver seus escravos castigados pelos feitores. As disciplinas eram mantidas e castigo apenas se impunha para aqueles que “desobedeciam, furtavam e principalmente se agrediam”39

Neste sentido, o processo de construção de memórias implica escolhas entre os fatos do passado, que - por uma razão ou outra – determinado grupo considera que devam ser

35 - idem.

36 - ibidem

37 - Castro, José de Almeida Prado. Os Souza Breves. Senhores Rurais.p.23 38 - ibidem

39 ibidem, p. 24.

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lembrados/rememorados. Ao fazer escolhas, o grupo também esquece e faz esquecer outros acontecimentos, pois “sem o esquecimento, a memória humana é impossível40.

Há assim, um processo de amnésia social que oculta a tragédia da escravidão e ressalta a doação de terras como consagradora da bondade do antigo senhor e possuidor de terra. Assim, pode-se compreender, por um lado, os esforços dos descendentes de Joaquim José de Souza Breves em ressaltar a benevolência de seu antecessor, interpretando as ações de seu parente em relação aos escravos como parte de sua personalidade de homem inteligente, sagaz e bondoso.

Por outro lado, a memória herdada pelos pescadores também se pauta na bondade do antigo senhor e esta adquire uma evidëncia concreta, posto que os ex- escravos da Ilha de Marambaia lá permanecerem, concretizando a “doação em boca” enquanto uma realidade do cotidiano da vida daquelas pessoas. Neste sentido, pouco importa para o historiador afirmar ou negar a pretensa bondade do fazendeiro, mas sim compreender que – independente das razões pelas quais a doação se fez – os ex-escravos ali permaneceram e construíram uma memória legitimadora de sua permanecia na região.

Sem ocultar o preconceito, Chateaubriand confirma, em 1927, a permanência dos pescadores na Ilha de Mangaratiba:

“As condições de existência hoje na Mangaratiba são as mais miseráveis possíveis.

Os pretos dos Breves permaneceram na fazenda, aumentando a população local, com o seu reconhecido poder de proliferação. Malgrado as condições de evidente subnutrição de uma gente que se pode dizer vegeta, pescando para comer, porque destituída de qualquer estímulo para trabalhar e poupar, o pontal da ilha tem ainda uma população não inferior a 500 habitantes”41

Antes mesmo da visita de Chateaubriand a Ilha, o documento oficial intitulado:

Questionário sobre as condições da Agricultura do Estado Rio de Janeiro, entre 1910 e 1913 assim informava em nota o que então existia nas ilhas do município de Mangaratiba:

40- Menezes, Ulpiano Bezerra de “A História, cativa da Memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais”. Revista Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, 1992, p.16.

41 - Chateaubriand, op. cit

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“As suas baías e portos são os seguintes: Itacurussá, excelente ancoradouro entre a ilha e a freguesia do mesmo nome; a grande Bahia de Mangaratiba em que está situada a villa do mesmo nome, se de município; Jacarey, pequeno porto fronteiro `a Ilha Grande.

A população do município é calculada em 8.000 habitantes, sendo notável que o número de desocupados é muito pequeno.

As industrias estão muito atrasadas e consistem em duas pequenas olarias, uma fábrica de cal e pequenas criações de porcos. A indústria da pesca dando ocupação à tanta gente, está bem desenvolvida nos diversos portos e bahias de Mangaratiba (...)42:

Em suma, as falas dos pescadores não são destituídas de sentido, longe disso. Elas são parte de uma memória herdada que se legitima cotidianamente, posto que eles são de fato possuidores daquelas terras. Ao construir o que denomino de “ponto zero” de sua ocupação, os pescadores não negam a titularidade do antigo fazendeiro Breves, ao contrário. Eles partem da crença de que o Joaquim José de Souza Breves era o senhor e possuidor daquela Ilha, mas ao mesmo tempo põem um termo no seu direito àquelas terras, ao consagrar que ele as havia doado a seus ex-escravos.

Para o historiador, no entanto, resta ainda responder a pergunta: Joaquim José de Souza Breves era legalmente o proprietário da Ilha de Marambaia? Que legislação sustentava o seu pretenso direito àquelas terras? É o que tentaremos responder a seguir.

4- AS TERRAS DE MARINHA: HISTÓRIA E DIREITO DE UM LUGAR

As confusões jurídicas sobre terras de Marinha não são recentes. A princípio, há um entendimento de senso comum que atrela o termo Marinha à forças armadas, como se as terras situadas próximas ao mar fossem propriedades da Marinha Brasileira.

Para além deste entendimento equivocado, há ainda uma série de textos jurídicos que ainda hoje constroem debates de interpretações sobre terras devolutas, públicas e

42- Questionário sobre as condições da agricultura dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Inspeccionaos de 25 de junho de 1910 a 29 de abril de 1913.

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nacionais. No entanto, para o que aqui no interessa é importante discutir a legislação que procurava regularizar os terrenos de marinha, no período em que o fazendeiro Joaquim José de Souza Breves se auto-denominava proprietário da Ilha de Marambaia.

Em 1819, há um primeiro esforço de definir o que seriam terras de marinha. “(...) seriam 15 braças da linha d’água do mar, e pela sua borda são reservadas para servidão43 pública; e que toca à água e acresce sobre ela é da nação” . Em outras palavras, a primeira referencia encontrada sobre o tema remete-nos a idéia de que uma ilha faz parte do patrimônio da nação.

No entanto, segundo alguns advogados, já no início da colonização a Coroa Portuguesa reservava para si as lizeiras (terrenos de marinha), excluindo-as “da partilha de capitanias hereditárias em sesmarias, como expressamente impunha a ordem régia transcrita em 21 de outubro de 1710, de modo que toda a área colonial entregue a terceiros não incluía o que hoje é conhecido por terrenos de marinha, que permaneciam sob a tutela direta do Estado, isto é, da família real.44

Os debates sobre terras de marinha continuaram ao longo do século XIX. Segundo Marcello Giffoni, em 1830, numa decisão relativa a uma praia em Angra dos Reis, o Estado brasileiro ainda em formação determina a necessidade de regularizar os terrenos de marinha, “afirmando sua propriedade sob a responsabilidade da pasta de Marinha”45. Dois anos depois, na lei que orça a receita e despesa para os anos de 1832-1833, é impedida à câmaras municipais de aforar terrenos de marinha e determinado que era reservado aos presidentes de província e ao ministério da fazenda “aforar a particulares (...) segundo o maior interesse da Fazenda”46. Desta feita, as terras de marinha não estariam mais sobre a responsabilidade da pasta da marinha, e sim da fazenda.

43 - Aviso de 18/11/1819,apud. Giffoni, José Marcello. Sal: um outro tempero ao Império.

Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2000, p.34.

44 - Pugliese, Roberto. Patrimônio imobiliário da União federsl e o ordenamento jurídico.

(cópia-xerox)

45 - Coleção de Leis do Brasil. Decisão no 173. 15 de outubro de 1831 apud op.cit.

46 Giffoni, op. cit. P. 35.

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Logo depois, há uma instrução do presidente interino do Tribunal do Tesouro Nacional, o fazendeiro Nicolau Pereira Campos Vergueiro de definir e esclarecer daquela lei orçamentária. Neste documento, e mais uma vez, destaca-se o esforço em regularizar e regulamentar a posse dos terrenos de marinha existentes. Pela instrução, as terras de marinha deveriam ser medidas e demarcadas, avaliadas e calculado o foro a ser cobrado. A instrução é bastante cuidadosa na definição das três “classes” de terrenos de marinha: “1º os que devem ser reservados para logradouros públicos; 2º os que tëm sido concedidos a particulares, pó por estes tëm sido ocupado sem concessão; 3º os que ainda se acham devolutos47.

Ainda pela instrução, são definidos os tipos de possuidores de terrenos de marinha:

concessionário, “aquele que requer oficialmente um terreno à fazenda Nacional” e o posseiro “aquele que já ocupa o terreno e é obrigado a regulamentar sua situação com o Estado, isto é, demarcar seu terreno e pagar foro”48. Pela instrução, por tanto, há apenas um proprietário dos terrenos, o próprio Estado.

Nesta instrução, há ainda a definição mais precisa de terreno de marinha: “que considera todos os terrenos banahados pelas águas do mar ou de rios navegáveis e que possuem a extensão máxima de 15 braças contadas a partir do ponto médio da maré49.

Segundo Giffoni e Juliana de Castro, a mencionada instrução tornou-se referencia na definição e nas atribuições a serem dadas aos terrenos de marinha50. De qualquer forma, ela se instituiu como marco inaugural de definição de terras de marinha, ao mesmo tempo em que foi debatida e questionada pelos contemporâneos.

Entre os debates suscitados pela Instrução estava a crença dos foreiros de que eles seriam senhores diretos dos terrenos de marinha. Para diluir dúvidas e explicitar os fundamentos da Instrução de 1832, o presidente do tribunal do Tesouro, Manoel do

47 - idem p.35, 48 -ibidem.

49 -ibidem.

50 - idbidem. Castro, Juliana Maria Cerutti de & pastore, Rodrigo Reis. “Terreno de marinha: abordagem catarinense de um problema nacional”http:

//inforum.insite.com.br/arquivo/2490.

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Nascimento Castro e Silva reitera, em 1835, o reconhecimento de que os terrenos de marinha são “domínio direto da Fazenda Nacional51.

As tentativas de pretensos donos de ilhas e terrenos de marinha de ferir a instrução de 1832 eram parte de um conjunto de mecanismo de ocupação territorial que descumpria as determinações legais de medição e demarcação de terras52. Uma das estratégias mais freqüentes era o de apenas declarar a testada da terra ocupada, eximindo de declarar os limites de fundos da pretensa propriedade. Tal estratégia era também empregada por aqueles que ocupavam os terreno de marinha. Não à toa, em 1837, na Ordem do Ministério da fazenda há a afirmação: “(...) se tem dado com declaração somente da extensão da frente, sem designar se é para o mar ou para a terra, não especificando quanto tem de fundos compreendidos nas 15 braças de marinha, como é necessário para se evitar qualquer alteração futura em prejuízo da Fazenda Nacional ou de terceiro”53.

As ocupações de terra continuaram e, em terras de marinha, elas feriam princípios legislativos já consagrados em 1830. Em 1850, após sete anos de debates na Câmara dos Deputados e no Senado é aprovado a Lei de Terras, marco dos esforços estatais de discriminar as terras públicas das privadas. Em relação às terras devolutas, a lei estabeleceu que:

1 - a compra era a única forma legal de aquisição de terras devolutas;

2 - as terras devolutas seriam definidas por exclusão das terras particulares;

3 - haveria uma reserva de terras devolutas para fins de colonização, fundação de povoações, abertura de estradas, construção naval;

Com relação à legitimação e revalidação das terras possuídas, a lei estabeleceu que:

1 - as sesmarias e as posses mansas e pacíficas dos primeiros ocupantes seriam revalidadas, se estas estivessem cultivadas ou com princípio de cultura;

2 - as terras adquiridas por posses, sesmarias ou outras concessões deveriam ser demarcadas num prazo a ser estipulado;

51 Ibidem, p. 37.

52 - Motta, Márcia. op.cit

53 - Aviso do Minstério da Fazenda, 24/09/1835. apud Giffoni.

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3 - os possuidores que deixassem de proceder à medição teriam suas terras caídas em comisso, conservando apenas a posse da área cultivada;

4 - a obrigatoriedade dos possuidores de tirar títulos de suas terras;

5 - e a organização, por freguesia, do registro paroquial de terras possuídas54.

A lei caracteriza o que seja terra devoluta a partir da noção de exclusão das particulares. Às avessas, o conceito se afirma pela negação: o que não é particular pertence ao Estado. Ademais, ao traçar os elementos legais que permitiriam a transformação de uma terra “possuída” em propriedade/domínio, ela busca determinar que todos aqueles que possuíssem terras deveriam regularizá-las55. Assim, segundo a Lei, todas as posses deveriam ser regularizadas, pois pelo artigo quinto: “Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas ou com princípio de cultura e morada habitual do respectivo posseiro”56.

No entanto, a lei não faz referencia direta a terras de marinha. Porque? A meu ver, elas estão ali ausentes, pois já havia sido consagrada uma legislação que determinara que terras de marinha eram terras da nação. Elas não podiam ser passíveis de legitimação por um pretenso proprietário, pois elas tinham já um dono: o Estado.

No entanto, ao arrepio da lei referente às terras de marinha, Joaquim José de Souza Breves, registrou sua terra no Registro Paroquial, imprimindo uma determinada interpretação da Lei de 1850 que atendia aos seus interesses. Em outras palavras: Joaquim José desconsiderava na prática os limites de seu direito de posseiro ou concessionário das

54- Lei número 601, de 18 de setembro de 1850. Brasil. Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários Coletânea: legislação agrária. legislação de registros públicos, jurisprudência.

Maria Jovita Wolney Valente (elaboração) Brasília, 1983, p. 357- 361. (Doravante, Coletânea...) apud. Motta, Márcia op.cit. pp 141/142.

55 - Motta, idem.

56- O parágrafo primeiro do artigo quinto estabelecia ainda: “Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, compreenderá, além do terreno aproveitado ou do necessário para pastagem dos animais que tiver o posseiro, outro tanto mais de terreno contíguo, contanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual às últimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha.” Lei de 1850 - Coletânea... p. 358.

idem.

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terras de marinha e buscava – a partir do registro – a consagração de ser ele o proprietário da Ilha de Mangaratiba. Assim, Joaquim José de Souza Breves registra suas terras na Paróquia de Itacurussá, em 27 de fevereiro de 1856:”Declaro que sou proprietário da Ilha da Marambaia, cujos terrenos são cultivados, compreendendo seus limites a restinga, e o mangue da Guaratiba está divisa do canal, dividindo por outro lado com terras do convento do Carmo, e com Joaquim Luis Rangel. Também são assessorias à mesma Ilha as três pequenas ilhas fronteiras denominadas Saracura, Bernarda e Papagaio..”57.

Em outras palavras, Joaquim José de Souza Breves operava com a legislação de 1850 para reafirmar sua condição de proprietário, ferindo a legislação anterior que determinava que terras de marinha pertenciam à União. Ademais, pelas regras consagradas no regulamento da lei, de 1854, não era necessária a apresentação de documentos comprobatórios, pois para o registro das terras era preciso apenas declarar: “o nome do possuidor, designação da Freguesia em que estão situadas; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida; e seus limites”58.

Como já afirmei em trabalho anterior59, os Relatórios dos Presidentes de Província afirmavam reiteradamente que os registros de terras não conseguiam discriminar terras públicas das privadas e as denúncias de invasão de terras devolutas permaneceram.

Já em 1856, um extenso Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas - cujo teor era o de divulgar as realizações da Repartição - procurava informar o local dos terrenos

57 - Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Registro Paroquial de Terras.

Declarante: Joaquim José de Souza Breves, 27 de fevereiro de 1856. Livro nº:50.Freguesia de Sant’

Anna de Itacurussá – Município de Mangaratiba.Folha: 8v

58- Capítulo IX “ Do Registro das Terras Possuídas”. Pelo artigo 103 deste capítulo, “Os Vigários terão livros abertos, numerados, rubricados e encerrados. Nesses livros lançarão por si e por seus escreventes, textualmente, as declarações, que lhe forem apresentadas, e por esse registro cobrarão do declarante o emolumento correspondente ao número de letras, que contiver um exemplar, a razão de dois reais por letra, e dos que receberem farão notar em ambos os exemplares”. Pelo artigo 107, após o prazo estabelecido para os registros, um dos exemplares do conjunto das declarações deveria ser remetido ao Delegado do Diretor Geral das terras públicas da Província, “para em vista deles formar o registro geral das terras possuídas na Província, do qual se enviará cópia ao supra dito Diretor para a organização do registro geral das terras possuídas no Império” Decreto, 1854 ,ibidem pp. 373 -374.

59 - Motta, Márcia . Nas Fronteiras do Poder. op. cit.

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devolutos encontrados em várias partes do país. Segundo este relatório, constavam possuir terrenos devolutos apenas dois municípios do Rio de Janeiro: no município de Mangaratiba, precisamente em Ingaíba e Jacaraí, onde havia “terras que se dizem devolutas, mas não sem contestação de posseiros”, e na freguesia de Mambucaba, onde se supunha haver terreno devoluto; no município de Parati, “desde a praia das Trindades até os limites da Província de São Paulo, há à beira-mar um terreno devoluto de cerca de légua e meia” 60.

Em suma, os registros paroquiais não se transformaram em prova de domínio, não somente porque alguns terratenentes se recusaram em registrar suas terras, mas também por que aqueles que o fizeram, declararam ser proprietário de uma área, sem nada provar acerca da legalidade de sua ocupação. Não à toa, até o fim do século XIX, os relatórios dos presidentes de província mantiveram o mesmo teor de denúncia, informando sobre as invasões de terras devolutas e discutindo sobre a necessidade de se modificar a lei de terras de 1850, no sentido de construir um dispositivo legal capaz de discriminar as terras públicas das privadas.

Assim sendo, não se pode referendar a pretensa propriedade de Joaquim José de Souza Breves em relação à Ilha de Marambaia com base no Registro Paroquial de Terras, pois ele não é prova de domínio. Como desdobramento desta análise, não se pode também afirmar a legalidade da transmissão de patrimônio da Ilha, partindo-se do pressuposto de que a filha de Joaquim José agiu legalmente ao vender a Ilha à Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramento, em 28 de outubro de 1891. Toda a cadeia sucessória posterior tem, portanto, um vício em sua origem ilegal.

O fato incontestável é que Joaquim José de Souza Breves e seus herdeiros não puderam jamais provar a legalidade de sua ocupação. Joaquim José era de fato um intruso, poderoso o suficiente para impedir qualquer ação do Estado na recuperação de sua terra de marinha que, como mostrei, havia sido recorrentemente invadida, desconsiderando-se a legislação sobre o tema.

60- Relatório do Presidente de Província do Rio de Janeiro, 1856. Anexo: Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas. pp. 8- 9.

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5. À GUISA DE CONCLUSÃO

As evidëncias apontam para o fato de que Joaquim José de Souza Breves não era proprietário das terras da Ilha de Marambaia. Nenhum indício, portanto, confirma a legalidade de sua ocupação. Tal com tantos outros fazendeiros do século XIX, ele era

“senhor e possuidor” que, ao arrepio da lei, ocupava terras devolutas ou terras da nação (como as da marinha) ferindo reiteradamente a legislação então existente. Não há nenhum indício de que o Estado havia lhe concedido a prerrogativa de ser concessionário da Ilha de Marambaia. Logo, a transferência da propriedade da terra em 17 de novembro de 1896 para o Banco da República do Brasil não pode ser utilizada como alegação de que ele era o anterior proprietário daquela Ilha. Nada confirma esse pressuposto inicial para reconstruir a cadeia sucessória dos pretensos “proprietários” da região.

Mas as evidëncias confirmam que os ex-escravos ali permaneceram e elas foram colhidas através do cruzamento de inúmeras fontes, algumas inclusive produzidas pelos descendentes de Joaquim José de Souza Breves. Significa afirmar: as informações aqui apresentadas não são apenas parte da memória herdada dos pescadores; elas são isso e muito mais. São demonstrações claras de que o senhor e possuidor da Ilha de Marambaia havia se utilizado de seu poder e prestígio para ocupar àquela região. Lá construiu um depósito de cativos, utilizados como mão-de-obra nas suas dezenas de fazendas. Como

“senhor e possuidor” Joaquim José de Souza Breves permitiu que seus ex-escravos permanecessem na ilha consagrando a legitimidade da sua ocupação.

Nos nossos dias, os argumentos de que àquelas terras pertences ao Estado ferem – em todos os sentidos – as determinações claramente expressas na Constituição de 1988. É certo que a Carta Magna estabelece no seu artigo 20 que são bens da União: “IV- As ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países, as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas destas, as áreas referidas no artigo 26,II.

No entanto, é bom frisar, a mesma Carta Magna que hoje nos rege determina em seu artigo 216 parágrafo 5º o “tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”. Ademais, a Constituição determinou também o direito à propriedade das terras à comunidades étnicas que ali estão

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