PUC-SP
Carla Montuori Fernandes
Os contrapontos eleitorais e os cinco “Brasis” em Campanha
pela
Caravana JN
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Carla Montuori Fernandes
Os contrapontos eleitorais e os cinco “Brasis” em Campanha pela
Caravana JN
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais e área de Concentração Política, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Michalany Chaia.
Banca Examinadora:
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Não podem existir apenas homens estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar
de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo,
covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da história.
É a bala de chumbo para o inovador e a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que circunda a velha cidade [...].
Odeio os indiferentes também porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos
eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram.
E sinto que não posso ser inoxidável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas
consciências viris que estão comigo a pulsar a atividade da cidade futura, que estamos a construir [...].
Escrever esta que esforço intelectual. Durante a trajetória de pesquisa, adotei este projeto como um dos apoios que me impulsionaram a superar as adversidades da vida e vencer a batalha contra um tumor cerebral. Assim, agradeço, em primeiro lugar, a essa força divina, que alguns conceituam de Deus, pela existência.
Agradeço à Professora Doutora Vera Chaia a oportunidade, sabedoria, dedicação, afetuosidade e, sobretudo, receptividade que demonstrou desde o nosso primeiro encontro. Tê-la como orientadora foi e sempre será uma honra para mim.
Agradeço ao Professor Doutor Antonio Adami que, muito generosamente, abriu as portas para meu ingresso no campo da pesquisa. Os ensinamentos, a oportunidade e a amizade serão guardados com muito carinho.
Sou muito grata também ao Professor Doutor Miguel Chaia pelas ricas contribuições realizadas durante a qualificação, contribuindo com uma visão mais ampla para a tese.
Agradeço ao Professor Mestre Cláudio Colluci a ajuda na construção dos gráficos e à Professora Doutora Andréia Reis as importantes contribuições durante todo o desenvolvimento da tese.
Agradeço aos meus pais o incentivo que recebi durante toda a vida, principalmente por tratar a educação como uma prioridade na minha formação.
Agradeço ao meu marido a paciência, o amor, o apoio e o respeito nos momentos de ausência para realização da tese.
Agradeço à minha irmã Christina o amor, a dedicação, o apoio, enfim, por existir e se mostrar tão presente em minha vida.
Agradeço à minha amiga-irmã Adriana e ao amigo Peter que, mesmo distantes, não deixam de fazer parte da minha vida, mostrando-se sempre presentes. Obrigada pela contribuição na construção do résumé.
Agradeço a Marilu, imprescindível desde o mestrado, contribuindo de maneira perfeita com as revisões, dicas e pontuações do meu texto
Resumo
A disputa para a presidência do Brasil nas eleições de 2006 foi palco de um cenário divergente nas cinco regiões do país. As pesquisas de opinião, veiculadas durante o primeiro turno indicavam a vitória do candidato à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste, ao lado de uma derrota nas regiões Centro-Oeste e Sul, onde o candidato Geraldo Alckmin (PSDB) obtinha maioria das intenções de voto.
Para cobrir a campanha eleitoral, o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, lançou o projeto Caravana JN, que durante 52 dias realizou reportagens diárias, em municípios espalhados pelas cinco regiões do Brasil, com o objetivo de mapear o que a população desejava do próximo presidente.
Diante da maneira como se estruturava o cenário de campanha e da força política que o Jornal Nacional desempenhou durante toda a sua existência, apresenta-se a seguinte questão: Qual foi a postura adotada pela Caravana JN durante o período eleitoral?
Para entender se o projeto refletia alguma tendência política, optou-se por utilizar o conceito de valência nas reportagens, ao lado da reconstrução do cenário eleitoral em cada município que recebeu a visita da Caravana JN.
Como forma de complementar a pesquisa, realizamos uma análise dos pontos de confluência entre os temas da Caravana JN e a agenda do horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) dos candidatos Lula (PT) e Alckmin (PSDB). Um resgate sobre a trajetória do Jornal Nacional, desde a ditadura militar até a eleição de 2006, foi realizado, com o intuito de retomar aspectos fundamentais da relação entre televisão e poder no Brasil.
Abstract
The dispute for the brazilian presidency in the elections of 2006 has been in a divergent scenario in regards to five regions of the country. The opinion polls shown on TV during the first term indicated the victory of the former candidate to his reelection, Luis Inácio Lula da Silva (PT), in Southeast, North and Northeast, without mentioning a defeat in central-west and South, where the candidate Geraldo Alckmin (PSDB), had the majority of the vote intentions. In order to cover the electoral campaign, a TV News, in Jornal Nacional, from a network called Rede Globo de Television broadcasted the Project named Caravana JN, that during 52 days performed daily reports in cities spread all over Brazil, with the objective to get to know the population wish regarding the new president.
Due to the way that the campaign scenario and the political force that in Jornal Nacional has shown during its existence that we present the following question: Which was the posture adopted by Caravana JN during the electing period? In order to understand if the project has reflected some political tendency, we have opted to use the concept of validating in the reports, during the reconstruction of the electoral scenario in each city that has received the visit of Caravana JN.
As a complimentary way of the research we have performed an analysis of the confluent points between the themes of Caravana JN and the agenda of the time that the free Electioneereing advertising of the candidates Lula (PT) and Alckmin (PSDB). A ransom about the Jornal Nacional trajectory, since the military dictatorship up to the election in 2006, performed with the intention of retaking the main aspects of the relation TV and power in Brazil.
Résumé
L'élection en 2006 du président brésilien a été un grand assemblage entre les 5 régions. Déjà au 1er tour, le gagnant était clairement celui du candidat du président.
Luís Inácio Lula (PT) a gagné dans la région sud-est, nord, nord-est et perdue dans les régions du sud et centre-est c’est le candidat Geraldo Alckmin (PSDB) qui a obtenu le plus grand nombre de voix.
Pour promouvoir son choix, le Rede Globo de Televisão a créé une caravane spéciale du JN et diffusé des discours de propagande. Ces reportages dureront 52 jours.
Avec un flash quotidien des différentes régions du Brésil. Si bien, que la population a été très bien informée des choix de nôtre président.
La manière et la pression politique exercée lors de la campagne, laisse une question ouverte: Quelle était la direction de la caravane du JN?
Nous comprendrions ce projet s’il y avait un fond politique. Ils ont travaillés à l’aide de deux méthodes d’analyses.
1. Analyse de la situation. 2. Le dépouillement statistique.
Analyse des points obtenus par lesdeux candidats (HGPE) Lula (PT) et Alckmin (PSDB), entre les reportages du JN et la publicité gratuite faite à la télévision. Le journal national avec ces reportages, voulait montrer aux téléspectateurs, comment la dictature utilisait la télévision pour les influencer et cela jusqu’en 2006.
Sumário
Lista de tabelas ... 11
Lista de mapas ... 11
Lista de imagens... 12
Lista de gráficos ... 14
Introdução... 15
1. Televisão, mídia e poder... 21
1.1 O coronelismo eletrônico e o surgimento da televisão no Brasil... 27
1.2 Televisão e Poder: tudo a ver ... 31
1.3 O surgimento da Rede Globo e o caráter nada lícito da transação ... 35
2. A ditadura militar e o surgimento do Jornal Nacional: oficialismo e submissão na transmissão da notícia40 2.1 O processo de redemocratização e a Nova República: manipulação e interferência política na cobertura nacional ... 45
2.2 Democracia e abertura política: as eleições presidenciais na pauta jornalística do Jornal Nacional... 57
2.3 O Jornal Nacional e as eleições presidenciais de 1994 e 1998 – omissão e distorção na transmissão dos fatos ... 62
2.4 A eleição presidencial de 2002 – um novo presidente, o mesmo telejornal ... 71
3. Contexto da eleição presidencial de 2006 ... 79
3.1 As pesquisas de intenção de voto ... 82
3.2 Aspectos da conjuntura socioeconômica ... 87
3.3 A cobertura da grande mídia na eleição de 2006... 92
4. A Caravana JN e o Brasil sobre as cinco rodas ... 98
4.1 Critérios de classificação ... 102
4.2 Análise interpretativa da região Sul do Brasil ... 104
4.3 Análise interpretativa da região Sudeste... 113
4.4 Análise interpretativa da região Nordeste... 122
4.5 Análise interpretativa da região Norte do Brasil ... 140
4.6 A região Centro-Oeste e as considerações políticas às vésperas da eleição ... 149
5. Pé na estrada: a Caravana JN em campanha pela cinco regiões do Brasil... 156
5.1 A região Sul em campanha pela Caravana JN... 161
5.2 A região Sudeste do Brasil em campanha pela Caravana JN... 170
5.3 A região Nordeste do Brasil em campanha pela Caravana JN... 178
5.4 A região Norte do Brasil em campanha pela Caravana JN... 198
5.5 A região Centro-Oeste do Brasil em campanha pela Caravana JN... 207
6. Os jogos das agendas – da Caravana JN para o horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE)... 216
6.1 O horário gratuito de propaganda eleitoral de Lula (PT) na televisão... 218
6.2 O horário gratuito de propaganda eleitoral de Alckmin na televisão ... 226
6.3 A associação entre a Caravana JN e as propagandas de Lula e Alckmin na televisão ... 232
Considerações finais... 240
Referências bibliográficas ... 244
Anexos... 253
Anexo A ... 254
Anexo B... 256
Lista de tabelas
Tabela 3.1 – Beneficiados pelo Bolsa Família* ... 90
Tabela 4.1 – Composição da amostra de edições da Caravana JN... 102
Tabela 4.2 – Valência por município... 103
Tabela 4.3 – Qualificação percentual por região ... 104
Tabela 4.4 – Temas das reportagens na região Sul... 105
Tabela 4.5 – Temas das reportagens na região Sudeste... 115
Tabela 4.6 – Temas das reportagens na região Nordeste... 123
Tabela 4.7 – Temas das reportagens na região Norte do Brasil... 141
Tabela 4.8 – Temas das reportagens na região Centro-Oeste do Brasil ... 149
Tabela 5.1 – Índice de pobreza dos municípios – Caravana JN... 158
Tabela 5.2 – Cenário de pesquisa – região Sul do Brasil ... 162
Tabela 5.3 – Cenário de pesquisa da região Sudeste do Brasil... 170
Tabela 5.4 – Cenário de pesquisa da região Nordeste do Brasil... 179
Tabela 5.5 – Cenário da pesquisa na Região Norte do país... 199
Tabela 5.6 – Cenário de pesquisa na Região Centro-Oeste do país... 207
Tabela 6.1 – Temas e subtemas do horário gratuito de propaganda eleitoral do Lula... 220
Tabela 6.2 – Temas e subtemas do horário gratuito de propaganda eleitoral do Alckmin ... 227
Lista de imagens
Imagem 4.1 – Ruína de São Miguel das Missões...106
Imagem 4.2 – Willian Bonner e as moças ao fundo da reportagem...106
Imagem 4.3 – Crianças guaranis...106
Imagem 4.4 – Guaranis dançando...106
Imagem 4.5 – Pedro Bial em sala de aula...108
Imagem 4.6 – Organização de sala de aula em Nova Pádua...108
Imagem 4.7 – Caderno de aluno em Nova Pádua...108
Imagem 4.8 – Professora Daniela Baggio...108
Imagem 4.9 – Paisagem em Frei Rogério...110
Imagem 4.10 – Família em Frei Rogério...110
Imagem 4.11 – Narrativa da vida de Madre Paulina...110
Imagem 4.12 – Igreja e ao fundo a paisagem local...111
Imagem 4.13 – Fila de caminhões...111
Imagem 4.14 – Engarrafamento no Porto...111
Imagem 4.15 – Caminhão em movimento...112
Imagem 4.16 – Trem de passageiros desativado...115
Imagem 4.17 – Azulejos rachados e falhas no revestimento...116
Imagem 4.18 – Paredes pichadas...116
Imagem 4.19 – Menino de Brodowski, desenho de Portinari...117
Imagem 4.20 – Cachoeira de 40 metros...117
Imagem 4.21 – Paisagem da serra da Canastra...117
Imagem 4.22 – Arquitetura colonial...118
Imagem 4.23 – Igreja em Ouro Preto...118
Imagem 4.24 – Favela em Ouro Preto...119
Imagem 4.25 – Joselmo Corrêa Mello e seu empreendimento...119
Imagem 4.26 – Mansão em Macaé...121
Imagem 4.27 – Favela em Macaé...121
Imagem 4.28 – Teresa dos Santos peneirando farinha...122
Imagem 4.29 – Wesley na lavoura...122
Imagem 4.30 – Idosa em São Felix...124
Imagem 4.31 – Moradias em São Felix...124
Imagem 4.32 – Moradia em São Felix...125
Imagem 4.33 – Maria do Carmo em entrevista à equipe da Caravana JN...125
Imagem 4.34 – Moradia em São Cristóvão...126
Imagem 4.35 – Rio poluído em São Cristóvão...126
Imagem 4.36 – Rede de esgoto...126
Imagem 4.37 – Policial arrombando porta...127
Imagem 4.38 – Sargento apresentando o pé-de-cabra usado pelos bandidos...128
Imagem 4.39 – A artista plástica Ana das Carrancas e seu marido...129
Imagem 4.40 – Ana das Carrancas chora ao ser filmada...129
Imagem 4.41 – Moradores de Juazeiro do Norte...130
Imagem 4.42 – Moradia em Exu...132
Imagem 4.43 – Crianças em Exu...132
Imagem 4.44 – Idosa na janela em Exu...132
Imagem 4.45 – Casa em Exu...132
Imagem 4.46 – Crianças a caminho do açude...132
Imagem 4.47 – Lavanderia pública em Exu...133
Imagem 4.48 – Crisogônio...134
Imagem 4.49 – Saneamento básico em Assu...134
Imagem 4.50 – Casa em Assu...134
Imagem 4.51 – Casa de Maria Xavier...136
Imagem 4.52 – Criança trabalhando na farinhada...136
Imagem 4.53 – Bial na casa de Maria Xavier...136
Imagem 4.54 – Fachada da escola...136
Imagem 4.55 – Escola em ruínas...136
Imagem 4.57 – Livro de uma criança...137
Imagem 4.58 – Crianças na escola...137
Imagem 4.59 – Crianças na escola...137
Imagem 4.60 – Escrita da professora...138
Imagem 4.61 – Professora...138
Imagem 4.62 – Movimento na estrada BR-316...139
Imagem 4.63 – Trecho de terra da BR-316...139
Imagem 4.64 – Caminhoneiro parado na BR-316...139
Imagem 4.65 – Asfalto da BR-316...140
Imagem 4.66 – Produtos medicinais...141
Imagem 4.67 – Feira de iguarias...141
Imagem 4.68 – Moradia à margem do rio...142
Imagem 4.69 – Crianças no barco...142
Imagem 4.70 – Árvores cortadas...142
Imagem 4.71 – Casa de madeira...143
Imagem 4.72 – Crianças da região...143
Imagem 4.73 – Sede da escola...144
Imagem 4.74 – Material escolar...144
Imagem 4.75 – Professor Anderlon...145
Imagem 4.76 – Moradia do professor Anderlon...145
Imagem 4.77 – Mulher lavando roupa à beira do rio...146
Imagem 4.78 – Avo e neto saindo para pesca...146
Imagem 4.79 – Resultado da pescaria...147
Imagem 4.80 – Caboclo, face cansada...147
Imagem 4.81 – Córrego em Manaus...148
Imagem 4.82 – Poluição nos igarapés...148
Imagem 4.83 – Moradias da região...148
Imagem 4.84 – Antiga área balneária...148
Imagem 4.85 – Extensa área cultivada...150
Imagem 4.86 – Tons de areia...152
Imagem 4.87 – Ônibus da Caravana JN atravessando ponte...152
Lista de gráficos
Gráfico 3.1 – Evolução da intenção estimulada de voto na corrida presidencial – primeiro turno ... 83
Gráfico 3.2 – Intenção de voto por região ... 86
Gráfico 5.1 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – RS... 164
Gráfico 5.2 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – SC... 166
Gráfico 5.3 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – PR... 169
Gráfico 5.4 – Resultado primeiro turno eleitoral versus valência município – Sul ... 169
estados. ... 169
Gráfico 5.5 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – SP ... 173
Gráfico 5.6 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – MG ... 174
Gráfico 5.7 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – RJ ... 176
Gráfico 5.8 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – ES... 177
Gráfico 5.9 – Resultado primeiro turno eleitoral versus valência município – Sudeste ... 177
Gráfico 5.10 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – BA ... 181
Gráfico 5.11 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – SE... 182
Gráfico 5.12 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – AL ... 184
Gráfico 5.13 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – PE... 187
Gráfico 5.14 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – CE ... 190
Gráfico 5.15 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – PB... 191
Gráfico 5.16 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – RN ... 192
Gráfico 5.17 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – PI ... 194
Gráfico 5.18 – Índice de Pobreza versus Resultado Eleitoral por Município – MA ... 197
Gráfico 5.19 – Resultado primeiro turno eleitoral versus valência município – Nordeste ... 198
Gráfico 5.20 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – PA ... 203
Gráfico 5.21 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – AM ... 205
Gráfico 5.22 – Resultado primeiro turno eleitoral versus valência município – Norte ... 206
Gráfico 5.23 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – MT... 209
Gráfico 5.24 – Índice de pobreza versus resultado eleitoral por município – MS... 211
Introdução
Em 1º setembro de 2009, o Jornal Nacional completou 40 anos de existência. Durante as quatro décadas em que esteve no ar, o noticiário permaneceu líder de audiência e marcou presença nos principais acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais da sociedade brasileira.
A história do Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, é marcada por inúmeras circunstâncias que evidenciam o enquadramento oficialista do noticiário, manifestada por meio de representações favoráveis a determinados grupos políticos e econômicos, ao lado da depreciação de “personagens” que não detêm sua simpatia. Há estudos expressivos que apontam a cobertura enviesada do telejornal nas campanhas eleitorais.
Como episódios exemplares, o pesquisador Venício A. de Lima (2006, p. 66) destacou a preferência da Rede Globo ao candidato Fernando Collor de Mello, expressa pelo Jornal Nacional na reedição do último debate entre Lula e Collor no segundo turno das eleições presidenciais de 1989; o apoio à eleição e à reeleição de Fernando Henrique Cardoso, nas campanhas presidenciais de 1994 e 1998 e seu papel de “fiel da balança” na crise política de 2005-2006.
Com a justificativa de inovar na cobertura das eleições de 2006, o Jornal Nacional criou a Caravana JN, projeto de extensa amplitude geográfica, no qual o apresentador Pedro Bial e sua equipe, a bordo de um ônibus, percorreram as cinco regiões do país e produziram 52 reportagens diárias, com o intuito de desvendar quais seriam os desejos dos brasileiros para o próximo presidente.
Inusitada, a Caravana JN despertou nosso interesse de pesquisa, sobretudo pela forma como se definia o cenário das eleições majoritárias no Brasil. Avaliar qual a postura adotada pela Caravana JN em um país que divergia regionalmente na escolha do candidato à presidência, tornou-se o objetivo principal do trabalho.
Durante todo o período eleitoral, as pesquisas de intenção de voto veiculadas pelo Instituto de Pesquisa Datafolha1 e outros órgãos do setor2 indicavam a vitória esmagadora
1 O Instituto Datafolha de Pesquisa publicou, no dia 20 de setembro de 2006, pesquisa de intenção de voto
do presidente e candidato à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, ao lado de sua derrota nas regiões Sul e Centro-Oeste, onde o candidato Geraldo Alckmin (PSDB) obtinha maioria eleitoral. Na região Sudeste, o petista Lula obtinha pequena vantagem em relação a Alckmin.
No tocante às pesquisas, no dia 14 de agosto de 2006, o CNT/Sensus3 apontava que o governo do presidente e candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva (PT) possuía avaliação geral positiva, com 43,6% da população atribuindo “ótimo e bom” à sua gestão; 39,5% considerando seu governo “regular” e 15,6% desaprovando e julgando como “ruim” seu primeiro mandato. O Nordeste do país impulsionava a reeleição de Lula (PT), região onde o candidato conquistava o melhor resultado eleitoral e maior índice de aprovação, com 53% da população considerando seu governo “ótimo e bom”.
Parte da explicação para a elevada popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas regiões Nordeste e Norte do país encontrava respostas nos programas sociais implantados durante seu primeiro mandato, com destaque para o Bolsa Família, que privilegiava 5.534.610 famílias nordestinas no início da campanha eleitoral de 2006. Os estudos da Fundação Getúlio Vargas4 também registravam que a taxa de miséria havia caído 8,47% no primeiro mandato do governo Lula (PT) contra uma média de 3,14% nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). As pesquisas da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) apontavam que as regiões com maior crescimento do rendimento domiciliar eram o Nordeste (11,7%) e o Norte (8,8%) do Brasil.
Ao lado de resultados satisfatórios veiculados nas pesquisas de opinião, a candidatura à reeleição de Lula (PT) enfrentava um clima extremamente turbulento. O país assistia a uma onda de denúncias de corrupção e esquemas fraudulentos, iniciada em maio de 2005, contra membros do governo Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT). O Jornal Nacional dedicava parte do seu noticiário para exibir os escândalos e as denúncias contra o presidente petista.
intenções de votos, enquanto o candidato tucano adquiria 15%; na região Sudeste do Brasil, Lula (PT) somava 42% das intenções de voto, enquanto Alckmin (PSDB) obtinha 33%; na região Centro-Oeste e Norte, Lula (PT) conquistava 47% das intenções de voto, enquanto Alckmin (PSDB) atingia 32%. Outras pesquisas serão utilizadas no decorrer do trabalho. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/>. Acesso em: 13 jul. 2009.
2 Vide pesquisa de diversos institutos no Anexo A.
3 CRESCE a avaliação positiva do governo Lula. Disponível em
<http://sistemacnt.cnt.org.br/webCNT/default.aspx>. Acesso em: 13 jul. 2009.
O livro publicado em 2006 pelos jornalistas Eduardo Scolese e Leonencio Nossa, Viagens com o presidente – Dois repórteres no encalço de Lula do Planalto ao exterior, faz referência ao encontro entre os dirigentes do PFL, Jorge Bornhausen e José Agripino Maia, e o principal executivo das Organizações Globo, João Roberto Marinho, no auge da crise política, em julho de 2005.
Em conversa, um dos herdeiros da Rede Globo de Televisão projetava aquilo que seria os próximos passos do país. Sobre a crise política, João Roberto Marinho afirmava que pretendia fazer um registro factual e fidedigno, sem privilegiar ninguém. Relatava seu desencanto com o presidente Lula (PT) e apontava sua preferência na sucessão presidencial, conforme relato dos autores: “O dirigente da poderosa TV Globo afirma aos líderes do PFL que um segundo mandato de Lula poderá levar o país a uma situação caótica. E admite que prefere Geraldo Alckmin a José Serra na cabeça de chapa da oposição” (apud LIMA, 2006, p. 16).
Diante da desordem que repercutia no cenário presidencial de 2006, apresenta-se a seguinte discussão: A Caravana JN, idealizada pela Rede Globo e veiculada pelo Jornal Nacional, refletia alguma tendência política? O questionamento é inerente ao objetivo do projeto: veicular os problemas e desejos da população nas cinco regiões do Brasil, em um momento em que a divergência regional tinha peso importante para a reeleição do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As hipóteses que nortearam a análise das 52 reportagens veiculadas pela Caravana JN, durante os dois meses que antecederam o primeiro turno eleitoral, foram:
1) Apesar de não mencionar os candidatos que concorriam ao pleito, a Caravana JN, ao apontar os desacertos do país, fazia referência indireta ao Governo Federal nas reportagens.
2) A Caravana JN privilegiou a valência negativa em municípios onde o candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva (PT) possuía maioria eleitoral.
3) Existia forte relação entre o alto índice de pobreza dos municípios que receberam a visita da Caravana JN e os resultados eleitorais favoráveis ao candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva e ao Partido dos Trabalhadores (PT).
campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao expor os inúmeros problemas sociais do país.
A metodologia aplicada para análise das reportagens da Caravana JN durante a eleição presidencial de 2006 foi baseada no conceito de valência. O Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (DOXA) – do IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro) utiliza o conceito de valência para acompanhar a cobertura eleitoral nos principais veículos de comunicação do país.
A visibilidade de cada candidato aparece em uma metodologia de classificação criada pelos pesquisadores do instituto que atribuem: valência positiva para matérias que reproduzem as promessas dos candidatos, o programa de governo, as declarações ou ataques a concorrentes e textos que destacam os resultados favoráveis de pesquisas de intenção de voto; valência negativa para matérias que produzem críticas, ataques de concorrentes ou de terceiros ao candidato; valência neutra a matérias que apenas apresentam a agenda do candidato ou citações sem avaliação moral, política ou pessoal do candidato.
Apesar de as reportagens da Caravana JN não mencionarem diretamente a figura dos candidatos que concorriam ao pleito, emprestamos o conceito de valência e aplicamos aos municípios, com o objetivo de quantificar a visibilidade atribuída a cada região e identificar se as imagens refletiam um cenário positivo, negativo ou neutro para cada localidade. Adotamos como valência positiva todas as reportagens que apresentavam dados e imagens favoráveis do município, em que a discussão política era tratada de forma superficial. A valência negativa apareceu em matérias que valorizavam os problemas sociais, econômicos e culturais das regiões, associando-os ao Governo Federal ou estadual. Por fim, a valência neutra surgia em reportagens que apenas apresentavam a região, sem mencionar aspectos positivos e negativos do cenário local e permaneciam desvinculadas de uma discussão política. Como suporte para a análise interpretativa das 52 reportagens, partimos para a análise de conteúdo, visando observar as possíveis omissões, saliências e distorções das reportagens veiculadas durante o período.
uma tentativa de identificar se existia uma possível relação entre os altos índices de pobreza de determinados municípios e o bom desempenho do candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas.
A realização da pesquisa considerou as 52 reportagens da Caravana JN, veiculadas pelo Jornal Nacional, no período de 31 de julho até 30 de setembro de 2006; o horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) dos candidatos Lula (PT) e Alckmin (PSDB); matérias, pesquisas e artigos publicados durante o período eleitoral. Optamos apenas pela análise das campanhas de Lula (PT) e Alckmin (PSDB) em função de as duas serem as de maior projeção e embate político nas eleições presidenciais daquele ano.
O trabalho está estruturado conforme exposto a seguir. O primeiro capítulo retoma a discussão teórica sobre o papel da mídia na contemporaneidade e sua relação com o poder, com base nos conceitos de Príncipe Eletrônico (Ianni); Poder Simbólico (Bourdieu) e Espetacularização (Martín-Barbero). O conceito de Coronelismo Eletrônico (Santos e Caparelli) fornece subsídios para compreender o processo histórico que deu origem à Rede Globo de Televisão no Brasil.
O segundo capítulo aborda a trajetória histórica do Jornal Nacional, com destaque para os principais acontecimentos políticos que marcaram seus 40 anos de existência. Inúmeras pesquisas sobre o JN servem de referência para reconstruir sua atuação em momentos decisivos da história.
O terceiro capítulo abarca um estudo sobre o contexto político em que se desenvolveram as eleições presidenciais de 2006. Os candidatos que concorriam ao pleito, as coligações partidárias, as pesquisas de intenção de voto por região, a conduta socioeconômica do país e a cobertura dos principais escândalos que marcaram o primeiro mandato do presidente e candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm destaque nessa etapa do trabalho.
No quarto capítulo, é realizada uma análise de conteúdo das 52 reportagens veiculadas na Caravana JN, com base nos conceitos de valência. A decupagem narrativa permite destacar as principais imagens, textos e depoimentos que compõem o cenário dos municípios exibidos pelo telejornal.
obtidos no primeiro turno pelos candidatos Lula (PT) e Alckmin (PSDB) nas diferentes localidades.
O sexto e último capítulo traz uma discussão sobre os pontos de confluência entre as agendas do horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) dos candidatos Alckmin (PSDB) e Lula (PT) e os assuntos exibidos na Caravana JN. O conteúdo veiculado no HGPE dos candidatos Lula (PT) e Alckmin (PSDB) é confrontado com os temas da Caravana JN.
1. Televisão, mídia e poder
Para estudar o comportamento do Jornal Nacional nas eleições presidenciais de 2006, é imprescindível discutir a importância que a Rede Globo, mais, precisamente, a televisão assumiu na contemporaneidade. Buscar apenas a resposta sobre qual tendência política a Caravana JN refletiu durante a cobertura eleitoral, sem um debate sobre a íntima relação entre televisão e poder, configuraria uma lacuna para a pesquisa.
Tal como nomeou Noberto Bobbio, o poder é a finalidade última da política. O conceito de poder pode ser entendido como “a capacidade de um sujeito influir, condicionar e determinar o comportamento de outro individuo”. Para o autor, a tipologia moderna das formas de poder se estrutura no poder econômico, político e ideológico. O poder econômico é exercido pela posse de bens materiais dos quais se necessita para viver e sobreviver. O poder político, pela força (coação), por meio das diferentes formas de violência, para garantir a permanência dos privilégios de determinado grupo. Já o poder ideológico influi sobre as mentes “pela produção e transmissão de ideias, de símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra” (BOBBIO, 1997, p. 11).
A teoria do poder ideológico pode ser comparada ao poder dos meios de comunicação de massa, sobretudo da mídia, que conforme, conceitua Bobbio, “se vale da posse de certas formas de saber inacessíveis aos demais, de doutrinas, de conhecimentos, até mesmo apenas de informações, ou então de códigos de conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento de outrem e induzir os componentes do grupo a agir de um determinado modo e não de outro” (BOBBIO, 1999, p. 221).
O poder da mídia de influenciar o comportamento político, desde o final do século XIX, quando se cunhou a expressão quarto poder, que fazia alusão à força do jornalismo em relação ao poderes típicos do Estado democrático (legislativo, executivo e judiciário), é sentido de forma mais intensa e abrangente na sociedade globalizada. Atualmente, a mídia desafia não somente os clássicos três poderes, mas também os partidos políticos, os movimentos sociais, a opinião pública, como bem elucidou Octavio Ianni ao conceituá-la de “Príncipe Eletrônico”.
construção do Estado e por onde todos são representados, refletidos, defletidos ou figurados. No lugar do Príncipe de Maquiavel, estadista, que combina qualidade e sorte para manter-se no poder e do Príncipe Moderno, de Gramsci, que, na figura do partido, expressou durante muito tempo a vida política de um país, surge o atual Príncipe Eletrônico, capaz de absorver, recriar e simplesmente ultrapassar os demais. Para Ianni, o Príncipe Eletrônico (2000, p. 63):
não é nem condottiere, nem partido político, mas realiza e ultrapassa os descortínios e as atividades dessas duas figuras clássicas da política. O Príncipe Eletrônico é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os níveis da sociedade.
Se o Príncipe de Maquiavel representa o grande líder político, capaz de sustentar inteligentemente as qualidades de virtú e fortuna5 e o Príncipe Moderno é o próprio partido político, como articulador das massas visando a construção de uma nova hegemonia, o Príncipe Eletrônico representa as novas configurações das tecnologias de mídia, “que se apresentam como intelectual coletivo e orgânico das estruturas e blocos de poder presentes, predominantes e atuantes em escala nacional, regional e mundial” (IANNI, 2000, p. 65).
À medida que a mídia ganhou espaços e se transformou em uma poderosa indústria transnacional, detentora das mais inovadoras tecnologias eletrônicas, passou a ocupar a posição que estava disponível para o Príncipe de Maquiavel e para o moderno Príncipe de Gramsci. O que se tem hoje, no papel da mídia eletrônica, é o intelectual coletivo, reunião de profissionais das mais diversas especialidades, que atuam na interpretação, produção e divulgação de conteúdos, com potencial para influenciar a maneira pela qual as pessoas se situam no mundo.
No âmbito da mídia em geral, para Ianni (2000, p. 66), a televisão sobressai como poderosa técnica social, já que é o meio de comunicação e informação mais presente e ativo no cotidiano dos indivíduos em todo o mundo. A mídia televisiva é, sem dúvida, o meio de comunicação que tem maior repercussão e alcance entre a população. De acordo
5 Os conceitos foram empregados por Nicolau Maquiavel, na obra O príncipe, c. 1513. Para o autor, o
com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a TV alcança 99% do território nacional e o aparelho de televisão é o segundo bem durável encontrado com mais frequência nas casas dos brasileiros e só fica atrás do fogão.6
Essa concentração de poderio que a mídia televisiva no Brasil desfruta, tem registro na própria dinâmica de instauração do meio, funcionando desde sua fase inicial como moeda de troca para cooptação de poder simbólico. O poder simbólico aparece na obra de Bourdieu (apud LIMA, 2006, p. 12) como uma espécie de poder ligado à capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar ações e crenças de outros e também de criar acontecimentos mediante a produção e a transmissão de formas simbólicas.
Bourdieu esclarece que os sistemas simbólicos da sociedade, como instituições, Estado, família e os meios de comunicação, são responsáveis pela reprodução cultural de valores que funcionam como forma de legitimar um discurso dominante sobre um dominado.
Chamo de capital simbólico qualquer tipo de capital (econômico, cultural, escolar ou social) percebido de acordo com as categorias de percepção, os princípios de visão, os sistemas de classificação, os esquemas classificatórios, os esquemas cognitivos, que são, em parte, produto da incorporação das estruturas objetivas do campo considerado, isto é, da estrutura de distribuição do capital no campo considerado.
Para Bourdieu, os sistemas simbólicos são estruturas sociais que conduzem instrumentos de dominação, para legitimar o poder, seja numa relação entre classes sociais (divisão de trabalho) seja numa relação manual/intelectual (divisão de trabalho idelógico). “O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1998, p. 8).
Detentora desse capital, a mídia atua como uma espécie de construtora ou destruidora de reputações em diversos campos sociais. No campo político, os atores, conscientes da imensa visibilidade que ela proporciona, adotam estratégias utilizando a força do meio para conquistar notoriedade e manter o poder. Ianni (2000, p. 73) aponta que parte da virtú e da fortuna, imprescindível para o êxito do príncipe no exercício do poder, são atributos do Príncipe Eletrônico, construído pela mídia.
6 Desde 2001, o percentual de casas que dispõem desse bem tem sido de 89,1% (2001), 90% (2002), 90,1%
A fortuna e a virtú, das quais falava Maquiavel, tornaram-se atributos do príncipe eletrônico. Uma parte fundamental da virtú de líderes, governantes, partidos, sindicatos, movimentos sociais e correntes de opinião pública tem sido construída cada vez mais pela mídia, como uma poderosa e abrangente coleção de técnicas sociais. A comunicação, informação e propaganda podem transformar, da noite para o dia, um ilustre desconhecido em uma figura pública notável [...].
O histórico das eleições presidenciais no Brasil é repleto de exemplos que confirmam a presença das criaturas produzidas pela mídia, que aparecem para muitos como figuras indispensáveis para fazer face à fortuna, respondendo aos anseios político-econômicos e socioculturais da nação. A candidatura de Fernando Collor de Mello, que encontrou na grande mídia notoriedade para se eleger presidente do Brasil em 1989, expressa o caso real exposto por Ianni, quando aponta que os políticos produzidos pela mídia aparecem como a única solução, “para o indivíduo, povo, sociedade e país, Estado-nação, região ou até mesmo o mundo como um todo”.
Ianni, em entrevista ao programa Roda Viva, da tevê Cultura, no dia 26 de novembro de 2001,7 indica que o mundo contemporâneo está ausente de estadistas, como símbolos da política, da soberania e da hegemonia. O autor aborda que até mesmo os presidentes são, em geral, figuras decorativas, burocratas da política, que apenas expressam o jogo das forças que representam, mas trabalhando de maneira decisiva com a mídia. Esse cenário é reflexo da crise que vive o partido político, ocasionada não somente pela incompetência ou controvérsia interna, mas, sobretudo, pela privação de formador da opinião pública, atividade que foi incorporada pela mídia, com destaque para a televisão.
A mídia televisiva adquiriu, conforme elucidou José Arbex Jr. (2003, p. 32), o poder de definir o que será ou não um acontecimento político, assim como o âmbito geográfico e o grau de visibilidade que ele adotará. Apesar de reconhecer que esse poder não é absoluto e determinadas circunstâncias podem se impor à vontade da mídia, o acontecimento político sempre adquire as características de um grande show. É amplamente conhecido, cita Arbex (2003, p. 32) em todos os países, a ação calculada, na qual “os líderes políticos e chefes militares planejam suas ações calculando o tempo certo para serem apresentadas em horário nobre”.
7 MEMÓRIA Roda Viva. Disponível em:
A televisão é o veículo que melhor arquiteta o espaço de representação política, tal como conceituou Ianni, como a ágora eletrônica, em que todos os indivíduos isolados e anônimos, mas presumivelmente bem informados, podem se reunir sem o risco de violência ou infecção e engajar-se em debates, troca de informações ou apenas não fazer nada. Diferente da ágora ateniense,8 representação física e social relacionada à ideia do aberto, do cenário pelo qual circulava a palavra (MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 24), a ágora eletrônica é alheia à ideia, à experiência do convívio de indivíduos e coletividades em espaços públicos, circulando e flutuando em um clima de simulacro da realidade que só a mídia é capaz de reproduzir pelo domínio da linguagem.
A democracia está entrando em uma nova fase, mas com uma diferença. Em lugar do antigo grupo local, no qual predominavam os contatos face a face, forma-se uma nova coletividade nacional ou mesmo mundial, comunicando-se por meio de imagens e sons desincorporados. Imagens flutuantes produzidas por máquinas estão deslocando a riqueza dos contatos imediatos (IANNI, 2000, p. 71).
Com os indivíduos isolados, sem exercer qualquer interlocução e espalhados pelas mais distintas cidades, regiões, estados e países, a ágora eletrônica, na visão de Arbex Jr. (2003, p. 56), acaba por simular a própria democracia. No lugar da antiga pólis, onde tudo se debatia, as corporações midiáticas reproduzem um espaço por vezes utilizado para reafirmar suas estratégias de legitimação.
A atuação da mídia televisiva brasileira é recheada de exemplos que apontam como se perpetua esse espaço de hegemonia. A própria Rede Globo, por diversas vezes, utilizou a audiência dos seus telejornais para alterar os rumos das discussões políticas no Brasil. Em nome da democracia, seu fundador Roberto Marinho, declarou ao jornal The New York Times que usava o poder da emissora para corrigir os rumos políticos do país.9
Vale ressaltar que o papel mais importante que a televisão cumpre como mídia dominante da contemporaneidade decorre da possibilidade de construir a realidade, por meio da representação que faz, nos seus telejornais, da própria política e dos políticos. Venício A. de Lima (2004, p. 125) valoriza sua atuação ao lembrar que é sobretudo através da televisão que a política é construída simbolicamente e adquire significado.
8 Ágora era a praça principal na constituição da polis, a cidade grega da Antiguidade Clássica. O termo
refere-se à praça pública, espaço onde se debatiam os problemas de interesse comum dos cidadãos atenienses.
Nesse cenário, a mídia, em especial, a televisão, terminou por se constituir ator decisivo das mudanças políticas, protagonista das novas maneiras de fazer política. Para atender às intempéries da televisão, a política se desfigura a tal ponto que assiste ao processo de sua própria dissolução, elucida Martín-Barbero (2000, p. 31). O primeiro mecanismo de desfiguração é a espetacularização, responsável, na visão desse autor, por esvaziar o discurso, ao privilegiar mais a forma que o conteúdo, o meio sobre a mensagem. Aqui, o discurso político se transforma em puro gesto e imagem, com o objetivo de provocar reações, o candidato se transforma em produto e o eleitor em mero consumidor:
Confundida com discurso publicitário, a palavra do candidato é submetida à fragmentação que o meio impõe, à leveza de seus conteúdos e, sua figura, à estética das maquiagens de qualquer produto ou de qualquer estrela. A própria ação política acaba sendo identificada como o espetáculo mass midiático: se governa ou se faz oposição de cara para a câmera ou para as pesquisas, que são outra forma da indispensável e permanente produção de imagem (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 39). O segundo dispositivo de desfiguração que atravessa a política decorre da hegemonia da imagem, substituição da representação pela realidade. Conceituada por Martín-Barbero de substituição, a relação política se inverte, o apresentador, ou até jornalista-estrela, assume o lugar do político e passa, na maioria das vezes, a ter mais credibilidade e poder que o parlamentar. O mecanismo de substituição, que aponta Martín-Barbero, pode ser sentido no papel que assumiu a Caravana JN, projeto da Rede Globo de Televisão, na eleição presidencial de 2006. A figura do apresentador Pedro Bial diante de um ônibus que viajou pelas cinco regiões do Brasil, pautando com extensa legitimidade os problemas do país, projetou ao comunicador extensa visibilidade política, de forma a dialogar em equidade com os candidatos que concorriam ao pleito. Essa intervenção consentida é consequência, para Martín-Barbero, da forma como se desenvolveu a cultura política no país.
No Brasil, a mídia televisiva se desenvolveu, já nos seus primeiros anos de existência, cercada das mais diversas ilegalidades e dos conchavos com o campo político. Para compreender sua atuação é preciso retomar o processo histórico que culminou na formação dessa complexa rede de informação e poder.
1.1 O coronelismo eletrônico e o surgimento da televisão no Brasil
O surgimento da televisão no Brasil, no início dos anos 1950, aparece como um empreendimento pioneiro de Assis Chateaubriand, que adotou desde sua fase inicial o sistema comercial, respaldado por um esquema de concessões do Estado à empresa privada. Ao retornar dos estúdios da NBC, nos Estados Unidos, em 1947, o visionário Chateaubriand identificou a relação de poder que a televisão traria aos seus negócios e resolveu implantá-la no país. É dele o celebre comentário: “Os nossos inimigos que se preparem: se só com rádios e jornais os Associados já tiram o sono deles, imaginem quando tivermos na mão um instrumento mágico como a televisão”10 (MORAES, 2000, p. 39).
A frase de Chateaubriand encontra significado ao resgatar o modelo de radiodifusão que teve início em 1930, quando o rádio serviu de instrumento de manutenção do Estado na Era Vargas. Esse período foi decisivo para a definição do modelo institucional adotado pelo rádio. Nos Estados Unidos, o padrão comercial prevaleceu; no Leste Europeu, o Estado assumiu o controle do rádio, e na Europa Ocidental, a ideia do serviço público se consolidou. O Brasil seguiu o padrão norte-americano, e o rádio tornou-se um empreendimento comercial (LEAL Filho, 2000, p. 156).
Um aspecto dessa estrutura, que não pode ser ignorado, está nos Decretos nº. 20.047 e nº. 21.111, criados em 1931 e 1932, respectivamente, que consideravam o sinal uma atribuição do Estado, assim, o poder executivo poderia fazer concessões de canais, por tempo determinado, para companhias privadas que quisessem estabelecer emissoras comerciais, ficando, no entanto, sob controle estatal. Nesse quadro, conforme assinala José Marques de Melo, o modelo brasileiro de radiodifusão se caracterizou por um estreito
10 Ao retornar ao Brasil, em 1947, após visita aos estúdios da NBC, nos Estados Unidos, Chateaubriand faz a
relacionamento entre o Estado paternalista e os grupos econômicos que apoiavam a política vigente:
Sua posse é transferida a empresas comerciais ou organizações civis, que os exploram segundo as leis do mercado, evidentemente observando princípios genéricos de preservação do interesse público. As concessões de rádio são feitas a partir de critérios políticos, beneficiando as empresas já atuantes no setor das comunicações, principalmente aquelas mais sintonizadas com o governo de turno (MARQUES DE MELO, 1985, p. 82).
A rede de clientelismo que se institucionalizou nos meios de comunicação de massa, sobretudo entre os proprietários das emissoras de rádio e televisão e o poder público no Brasil, tem sua origem na década de 1930, atingindo seu apogeu em 1964, com a instauração de governo militar, conforme aponta Laurindo Leal Filho (2004, p. 42): “Está aí a gênese das promíscuas relações Estado-televisão presentes até hoje na cena política brasileira e consolidadas durante os governos da ditadura militar”.
Os anos 1960 foram marcados pelo aparecimento mais forte do Estado nas políticas de comunicações. Em 1961, o governo Jânio Quadros instituiu o Decreto nº. 50.566/61, que estabelecia a criação do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), para propor uma nova legislação para o setor, assim como seus órgãos de planejamento, controle e execução; e o Decreto nº. 5.840/61, de 24 de junho, que voltava a limitar o prazo de concessão de rádio e TV em três anos, não mais em dez. Instituía também o Decreto nº. 51.134, de 3 de agosto, que ditava uma série de normas para exibição de cenas comerciais e restabelecia a censura prévia.
No governo João Goulart, em 27 de agosto de 1962, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº. 4.117, que estabelecia o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). O Código regulamentava o sistema de concessões e também transferia ao Executivo o poder de distribuir as emissoras, conforme registra César Bolaño (2004, p. 39): “compete privativamente à União [...] explorar diretamente ou mediante concessão [...] o serviço de radiodifusão sonora (regional ou nacional) e o de televisão”. Durante os debates para sua criação, os congressistas derrubaram os 41 vetos do governo Goulart ao projeto. A rejeição era resultado da reação imediata do empresariado nacional, que, liderado pelo empresário João Calmon, fez lobby junto aos deputados e senadores para criar a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão).
prerrogativa de compor uma sociedade civil organizada, para demarcar a vitória contra o governo. Até 1960, não existia uma representação organizada para a radiodifusão e os empresários do setor se reuniam em sindicatos que realizavam uma atuação regional. Na época, radiodifusão era sinônimo de Diários e Emissoras Associados, de propriedade do empresário Assis Chateaubriand. A criação da Abert representou um caminho, na visão de Florentina das Neves de Souza (2006, p. 25), para que o empresariado da radiodifusão no Brasil ganhasse força e adquirisse poder sobre o ambiente normativo do setor.
No ano de 1963, o Código Brasileiro de Telecomunicações passou por reformulações e foi regulamentado com o Decreto-Lei nº. 52.026/63. Entretanto, o ano de 1967 demarcou uma nova fase para a política de comunicação no Brasil. A ditadura militar promoveu inúmeras mudanças no setor, a começar pela criação do Decreto-Lei nº. 236/1967 que anulava e substituía os artigos da lei de regulamentação, assim, o governo militar assumia não só o controle, mas também o domínio das atividades das emissoras. O Ministério das Comunicações e o Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações), órgãos fiscalizadores das atividades de comunicação para o governo militar, também surgiram durante o período.
Souza (2006, p. 25) aponta que no período foram distribuídas 67 licenças para novas emissoras de TV em todo o país. Respaldado pelas leis que regiam as telecomunicações, que atribuíam exclusivamente ao poder Executivo as concessões de emissoras de rádio e televisão, a troca de favores, lembra a autora, tornava-se uma marca presente nas negociações entre os militares no comando do país e os grupos interessados.
Como forma de nomear esse vínculo das elites políticas com a mídia brasileira, Santos e Capparelli (2005, p. 75) retomam o conceito de coronelismo eletrônico ou novo coronelismo. Emprestado da ciência política e conceituado por Victor Nunes Leal (apud SANTOS e CAPPARELLI, 2005, p. 76), o termo coronelismo teve seu uso incrementado durante a República Velha (1889-1930), período em que o sistema eleitoral era pautado pelo voto aberto. Representou a dependência dos trabalhadores rurais em relação aos coronéis, que controlavam o voto popular por meio de ajustes, troca de favores e, principalmente, abuso de autoridade (voto de cabresto). Essa extensa rede de favorecimento se estendia até o Governo Federal, já que os coronéis municipais se aliavam às oligarquias estaduais, que, por sua vez, ligavam-se ao poder central.
proveitos com o poder público. Santos e Caparelli (2005, p. 78) apontam que a herança deixada por essa configuração política tem vital importância no cenário de comunicação do país, dada a posição estratégica que a televisão aberta ocupa, funcionando como principal meio de informação para extensa parcela da população, por meio dela: “os antigos coronéis políticos transformaram-se em coronéis eletrônicos, que, em lugar da propriedade rural, usam agora a propriedade de estações geradoras e retransmissoras como forma de extensão de seus poderes” (SANTOS e CAPARELLI, 2005, p. 78).
Como exemplo da relação coronelista, Santos e Capparelli (2005, p. 87) citam que o governo Sarney, no mês que antecedeu a promulgação da Constituição de 1988, negociou 257 concessões em troca de apoio parlamentar, sobretudo, para a aprovação da medida que alterava de quatro para cinco anos seu mandato presidencial. Além do apoio, citam os autores: “o Ministro e o Presidente também agiram em beneficio próprio autoconcedendo, respectivamente, sete a três concessões de geradoras de TV”.11
No curto período do governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), as concessões de rádio e televisão ficaram suspensas. Entretanto, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998), em 1995, foi aprovada a Emenda Constitucional 8, que separou a radiodifusão do restante das telecomunicações, mantendo o rádio e a televisão atrelados ao Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), passando a TV a cabo a ser regulada pela chamada Lei do Cabo.
Apesar dos avanços que a Lei do Cabo trouxe para o setor, as antigas práticas de barganha prosseguiram na TV aberta. Sobre o novo cenário Santos e Capparelli (2005, p. 89) afirmam: “Exaurido o filão dos canais de televisão, iniciou-se, no país, ora a grilagem, ora a prática clientelista na concessão de retransmissoras de televisão”. Durante o período em que tramitava no Congresso a emenda constitucional que permitiria a reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, o critério de distribuição das 1.848 outorgas de estações retransmissoras de TV privilegiou os amigos de FHC da seguinte forma: “268 foram entregues a políticos; 342, ao grupo SBT; 319, à Rede Globo, 310 à Rede Vida, ligada à Igreja Católica; 252, à Bandeirantes; 226, à Manchete; 151, à Rede Record, da Igreja Universal do Reino de Deus; e, por último, 125, às TVs educativas”.
Na televisão aberta, a prática do coronelismo eletrônico revela uma extensa fatia de participação de outorgas controladas por políticos ou por seus familiares, já que pelo
menos 33,6% das geradoras e 18,03% das retransmissoras pertencem a pessoas que exercem ou já exerceram mandato eleitoral nos últimos 15 anos (SANTOS apud SANTOS e CAPARELLI, 2005, p. 95).
Vale ressaltar que a legislação aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso trouxe mais alterações que beneficiaram os oligopólios de televisão, por permitir a admissão de pessoas jurídicas no controle de empresas jornalísticas de rádio e televisão e a entrada de capital estrangeiro nas empresas de comunicação (SOUZA, 2006, p. 28).
Durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2006), pouco foi feito para modificar o cenário de concessões como moeda de troca e barganha política. Em julho de 2006, denúncias apontam que concessões de emissoras educativas foram autorizadas pelo Governo Federal como forma de obter apoio político. A matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, em 18 de julho de 2006, com o título “Governo Lula distribui TVs e rádios educativas a políticos”, relata que Lula (PT) reproduziu a mesma prática dos que o antecederam e distribuiu pelo menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a políticos.
Diante da atual conjuntura, acabar como coronelismo eletrônico no Brasil é algo ainda remoto. Os interesses das grandes corporações do setor, aliado às leis que impedem a democratização dos meios de comunicação é o maior responsável por manter o status quo que ainda vigora. Entretanto, é preciso destacar que o processo viciado que marcou o ingresso da radiodifusão no país, sobretudo a televisão, acabou por definir a força que a informação veiculada por esses atores possuiria nos debates e diretrizes políticas do país.
1.2 Televisão e Poder: tudo a ver
Quando a televisão ocupou os espaços domésticos e passou a fazer parte da agenda social, no início da década de 1950, o caráter experimental da nova mídia permitiu algo que as mídias anteriores não haviam conseguido: a incorporação sem par de outras formas de comunicação, como o rádio, o teatro, e até mesmo o jornal. Seu poder fascinante de atrelar códigos linguísticos, imagéticos e sonoros fez com que, mesmo desfrutando inicialmente de recursos precários e contando com um número reduzido de investidores, a televisão já ingressasse no país absorvendo aspectos dos outros meios e arrebatando os
Com isso, apesar dos escassos investimentos e da falta de mão de obra qualificada na sua fase inicial, principais responsáveis por aproximar a linguagem televisiva das transmissões radiofônicas,12 a nova mídia passou a ser vista pelos políticos como mais um instrumento de potencial força persuasiva. Foi exatamente nesse momento que a imbricação entre mídia televisiva e poder político começou a emergir, alimentando-se de uma aliança: o meio atuaria tanto no campo ideológico, a partir da propagação de pensamentos e visões de mundo, em consonância a ideais dos grupos dominantes, assim como no campo da barganha política.
Walter Clark (1991, p. 102), considerado no âmbito mercadológico um dos “gênios” da televisão no Brasil, relembra que, antes mesmo de a mídia completar uma década, a política já era uma de suas atrações, tanto no vídeo, como nos bastidores. Em relação ao processo de concessões de canais, as ações se efetivavam por meio de trocas entre amigos, que garantiam, em contrapartida, fidelidade e cumprimento das recomendações, sugestões ou mesmo pressões do poder.
Para se ter uma ideia dessa abrangência, em 1956, quando Juscelino Kubitschek assumiu a presidência do país, e a televisão iniciou seu processo de expansão, face a política de modernidade adotada pelo novo governo, as concessões dos canais televisivos já funcionavam como moeda de troca política. Kubitschek foi, inclusive, um dos primeiros políticos a utilizar a televisão para fins ideológicos. Já em 1956, após sua posse, foi transmitido um programa especial, diretamente do Palácio do Catete, durante o qual o presidente, com todo o otimismo e sorriso radiante, apresentou seu plano de metas para o país: promover cinquenta anos de desenvolvimento em cinco. O entusiasmo do discurso foi relembrado por Clark:
O otimismo que JK irradiava com seu sorriso imenso contagiava o país e impelia igualmente a televisão. Vivia-se a sensação de que o Brasil estava dando a arrancada para um grande destino, e de dentro da cabine de comando de uma estação de TV – um fetiche tecnológico avançado, como os foguetes, os satélites e as naves espaciais [...] (1991, p. 102). Ao lado dos encantos do veículo, Kubitschek foi também o primeiro presidente a sentir os desconfortos que a nova mídia proporcionava, principalmente em se tratando dos confrontos políticos. A televisão, mesmo na fase inicial, serviu de arena política, entre o
12 Segundo informa Laurindo Lalo Leal Filho, a televisão foi herdeira do rádio em todos os sentidos, no qual
então presidente e seu maior adversário, Carlos Lacerda, que também dominava a arte do discurso e fazia do vídeo um espaço para combatê-lo.
A exemplo disso, Lacerda, em 1955, fez da TV Rio um palanque com o intuito de impedir a posse de Juscelino, criando um clima de desarticulação e golpe contra o novo presidente (CLARK, 1991, p. 103). O movimento, conhecido como “novembrada”, liderado pela União Democrática Nacional (UDN) questionava a vitória apertada de Juscelino nas urnas e exigia que os resultados fossem revistos.13 O clima tornou-se tão tenso que foi preciso a intervenção do marechal Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra, para derrubar o presidente interino Carlos Luz, aliado dos golpistas, no dia 11 de novembro de 1955.
A conspiração contra Juscelino Kubitschek voltou-se para a televisão, um ano depois, por movimentos subversivos ao próprio governo. Conforme atesta Inamá Simões (2000, p. 66), uma nova crise política foi instaurada quando o general Juarez Távora, contrariando orientação prévia do general Lott, fez um pronunciamento em uma emissora no Rio de Janeiro, saudando o primeiro aniversário da novembrada de 1955.
Vale ressaltar, entretanto, que a televisão, nessa primeira fase, que vai de 1950 até 1960, possuía um alcance bastante limitado, em função do número reduzido de telespectadores, composto apenas pela população de maior poder aquisitivo, e da infraestrutura precária. Um aspecto relevante dessa estrutura, conforme lembra Gabriel Priolli (2000, p. 16), é que a primeira emissão televisiva da América Latina nasceu localmente14 e assim permaneceu por uma década, antes que a evolução técnica a projetasse para além das fronteiras municipais. Na primeira fase, a televisão teve configuração claramente isolada. Nasceu em São Paulo, expandiu-se para o Rio de Janeiro em 1951, atingiu Belo Horizonte em 1955, e só nos anos seguintes alcançou Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiânia.
13A vitória de JK nas urnas foi apertada. Juscelino Kubitschek, apoiado pelo PSD, PTB, PR, PTN, PST e pelo
Partido Republicano Trabalhista (PRT), recebeu 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora apoiado pela UDN, por dissidentes do PSD, pelo PDC, pelo PSB e pelo PL, e 26% de Adhemar de Barros, apoiado pelo PSP e por dissidentes do PTB.
14 “De setembro de 1950, quando se inaugurou a TV Tupi de São Paulo – primeira emissora do país e do
A chegada do videoteipe ao país, no início de 1960, demarcou um novo período para a mídia televisiva e permitiu que as emissoras se organizassem, mesmo que precariamente, em rede. Assim, as estações de TV, que se encontravam fora de São Paulo e do Rio de Janeiro, foram, aos poucos, produzindo suas programações locais por meio de tapes comprados dos grandes centros. A possibilidade de duplicação da programação, realizada via videoteipe, permitiu uma melhoria na qualidade do que era transmitido, já que os programas de sucesso eram produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo e comercializados para outras regiões.
A nova tecnologia, lançada em 1956, nos Estados Unidos, chegou ao Brasil somente quatro anos depois, impulsionada por um intuito político claro: transmitir a festa de inauguração da nova capital, Brasília, que se localizava muito longe do eixo Rio de Janeiro-São Paulo e não possibilitava um televisionamento direto (PRIOLLI, 2000, p. 17). Um ano depois da implantação do videoteipe, em agosto de 1961, novamente Carlos Lacerda, opositor ferrenho do governo Jânio Quadros, valeu-se da televisão para fins políticos, e fez um pronunciamento nos estúdios da TV Excelsior, alertando a população sobre um possível golpe articulado pelo então presidente. O episódio, conforme esclarece Simões (2000, p. 67), teve uma repercussão mínima, porque foi transmitido apenas nos limites do Rio de Janeiro.
Mas é no ano seguinte, nas eleições de 1962, que a televisão estrutura uma relação estreita com a política. Segundo Clark, na época funcionário da TV-Rio, a mídia foi utilizada nas campanhas de 1962, para fazer lobby político, já que não existia qualquer controle sobre as propagandas eleitorais e os espaços eram utilizados como moeda de troca entre amigos (1991, p. 127). Além disso, naquele período, a propaganda eleitoral era paga, e as emissoras faturavam volumes estrondosos nas campanhas eleitorais. Segundo o autor, “um casamento perfeito de interesses, que fazia as estações de TV desejarem demais as eleições e não exatamente por arraigadas convicções democráticas” (1991, p. 127).
1.3 O surgimento da Rede Globo e o caráter nada lícito da transação
A Rede Globo de Televisão surgiu coincidentemente no ano da criação do primeiro Código Brasileiro de Telecomunicações, em 1962, conhecido por confiar ao Estado a obrigação de instalar e explorar as redes de telecomunicações no país. Michèle & Armand Mattelart (1997, p. 37), ao reconstruírem o processo histórico de formação da televisão no Brasil, não veem nessa junção de fatos, que se encontram aparentemente isolados, uma coincidência qualquer.
Para os autores, o golpe de Estado foi articulado dois anos antes, quando o Estado-Maior das Forças Armadas, mais precisamente a Marinha e o Exército, fizeram pressão para que esse código surgisse o mais depressa possível. Ele forneceria, na visão deMichèle & Armand Mattelart (1997, p. 38), o elo de que o regime militar precisava para garantir a integridade e a segurança nacional, por meio de uma rede nacional de comunicação.
Como já foi mencionado, paralelamente à criação do Código Brasileiro de Telecomunicações, Roberto Marinho, filho do jornalista Roberto Irineu Marinho e detentor do jornal O Globo e da Rádio Globo, comandou a criação da emissora que se tornaria, não somente aliada do regime militar, como uma das maiores, mais lucrativas e poderosas redes de televisão do planeta. Assim, no ano de 1965, Roberto Marinho pôs em uso uma concessão de televisão, outorgada pelo presidente Kubitschek, em 30 de dezembro de 1957, através do Decreto de n.° 42.946.
Para implantação de uma estrutura audiovisual mais moderna e arrojada em relação aos concorrentes, a Rede Globo iniciou suas negociações com o grupo americano de multimídia Time-Life, mesmo conhecendo as normas regulativas do setor e sabendo que tal acordo infringiria um artigo da Constituição brasileira, que proibia sociedades estrangeiras de participar da propriedade, administração e orientação intelectual de qualquer concessionária de um canal de televisão (MATTELART, 1997, p. 39).