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O Ceará investigado: a Comissão Científica de 1859

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC

CENTRO DE HUMANIDADES – CH

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH

O CEARÁ INVESTIGADO:

A Comissão Científica de 1859

PAULO CÉSAR DOS SANTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC

CENTRO DE HUMANIDADES – CH

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH

O CEARÁ INVESTIGADO:

A Comissão Científica de 1859

PAULO CÉSAR DOS SANTOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará – UFC, como requisito parcial a obtenção do título de Mestre em História Social sob a orientação do Prof. Dr. Francisco Régis Lopes Ramos.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC

CENTRO DE HUMANIDADES – CH

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________ Prof. Dr. Francisco Régis Lopes Ramos UFC (Orientador)

_________________________________ Prof. Dr. Hélder do Nascimento Viana (UFRN)

(Membro)

_________________________________ Profa. Dra. Kênia Sousa Rios

UFC (Membro)

_________________________________

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FICHA CATALOGRÁFICA

S237c Santos, Paulo César dos

O Ceará Investigado: a Comissão Científica de 1859 / Paulo César dos Santos. – 2011.

163 f.: il. ; 30 cm.

Dissertação ( mestrado) - Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós- Graduação em História, Fortaleza, 20 11.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Régis Lopes Ramos.

1. Ceará – Comissão Científica de Exploração – História. 2. Comissão Científica de Exploração, 859 – Ceará – História. 3. Ciência. III. Título.

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RESUMO

Esta pesquisa busca analisar as experiências e a representações vividas pelos cientistas da Comissão Científica de 1859 em suas investigações na província do Ceará. Criada em 1856 no seio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Comissão Científica de Exploração começaria seus trabalhos em 1859, sendo o Ceará a primeira província a ser explorada. Os intentos de tal comissão se articulavam ao projeto de integração e centralização política que emergia no II Reinado brasileiro (1840-1889). Buscava-se o conhecimento das riquezas nacionais e a criação de uma imagem do país através do saber nacional, sendo a História do Brasil escrita por brasileiros e não mais por viajantes europeus. Saber e poder caminhavam juntos na consolidação política desenvolvida no Brasil imperial.

Palavras-chave: Ciência, Ceará, II Reinado, Investigação.

RÉSUMÉ

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Mots-clés : Science, Ceará, Second Règne, Enquête. AGRADECIMENTOS

Durante a realização de uma pesquisa somos convidados a sentir as mais variadas sensações que vão do desespero à euforia, do pânico da folha em branco à angústia por finalizar um capítulo... e nesta trajetória nos deparamos com pessoas que nos ajudam das mais variadas formas, seja com a indicação de uma fonte, emprestando um livro, lendo os rascunhos ou simplesmente tomando um café pelo campus. Dar nomes a todas estas pessoas é perigoso, pois pode-se esquecer de alguém, mas registrar é preciso, como forma de materializar a gratidão com que muitas delas tornaram esta pesquisa possível.

Agradeço à CAPES, por ter fornecido uma bolsa de estudo, permitindo com que eu pudesse me dedicar a esta pesquisa.

A minha avó Odete, pela presença e confiança de sempre.

A Cleidiane e Glauber, amizades que superam mais de uma década. Comemoramos juntos o término de meu 2º grau, minha entrada na faculdade, meu ingresso no mestrado e a escrita deste trabalho.

A Ari, Maria e Graça, pela amizade e respeito que nutrimos há um bom tempo...

A Otacílio Alacran, por seu sorriso maroto e determinação de vida. A Núbia e Iara, pelas conversas polêmicas que travamos a cada encontro.

A Vanielle, pelas leituras e conversas que travamos a um bom tempo. A Gil, Ricardo, Denis, Bruno, Cristiê, Emanuel, amigos da graduação. Conhecemos juntos o que significa entrar no mundo da história e as vaidades que aí se encontram. Mas optamos pela solidariedade que aí também há.

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´ A Kátia Teles, pelas memórias gestadas e abortadas no Museu do Ceará e por ser a “mamãe” de todos aqueles com quem dividimos o cotidiano no Museu do Ceará.

Aos meus meninos mediadores do Museu do Ceará (Alfredo, Amanda Carolina, Dayana, Emilu, Estevão, João, Tales e Stenio). Amizade e respeito são fundamentais para se trabalhar em coletivo.

A Aline Medeiros, uma das pessoas mas inteligentes e sensíveis que já conheci, mas igualmente abusada e divertida. Uma incógnita.

A Ana Amélia, pela amizade e respeito que nutrimos um pelo outro e pelas revisões feita neste trabalho.

Aos colegas de minha turma de mestrado, Juliana, Marise, Ítalo, Rubens, Alexandre e Sandra... pelo apoio que sempre demos uns aos outros.

A Thiago, Bruna, Carol, amigos que acabaram de ingressar no mundo dos historiadores, mas seguem em passos firmes.

A Daniel Alencar, Daniel de Oliveira, Adeliana, pela cumplicidade e respeito gerado no nosso cotidiano. Agradeço os abraços e sorrisos de cada dia.

A Marsana, pelas conversas nada filosóficas nos bares do Benfica. Às meninas do Instituto da Memória do Povo Cearense – Imopec (Célia Guabiraba, Tereza Guabiraba, Fátima Guabiraba e Nádja Soares).

A Cristina Holanda, pela amizade e respeito que nutrimos um pelo outro, pelos rascunhos lidos e sugestões que vieram a calhar, pelas conversas bobas que travamos no cotidiano.

Às professoras Ana Carla e Ana Rita, pela afetuosidade com que sempre nos tratamos e pelo incentivo e brincadeiras nos corredores da UFC.

A Afonsina, pela companhia escandalosamente agradável.

A Antonio Luiz, pela capacidade que ele tem de ouvir e apoiar seus amigos e alunos.

À professora Meize Lucas e ao professor Ernani Furtado, agradeço pelas aulas de graduação, pelas aulas no Mestrado, mas principalmente pelas conversas nos corredores do nosso Departamento.

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eles minha vida acadêmica teria tomado rumos diferentes. E com eles, tudo realmente foi muito diferente. Agradeço, simplesmente.

O CEARÁ INVESTIGADO:

A COMISSÃO CIENTÍFICA DE 1859

SUMÁRIO

INTRUDUÇÃO... 01

1. O CEARÁ ENTRE O NACIONAL E O PROVINCIAL 1.1. Conhecer para dominar... 12

1.2. Na província uma ciência nacional ... 25

1.3. Instruções e intenções... 33

2. O CEARÁ ENTRE IDEIAS E TIPOS 2.1. A seca... 48

2.2. O ouro... 58

2.3. O vaqueiro ... 80

2.4. A violência ... 91

3. O CEARÁ ENTRE O EXPORTADO E O EXPOSTO 3.1. Produtos da terra ... 107

3.2. Os olhos da Corte ... 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 149

FONTES... 153

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Qual é a resposta à pergunta? O problema. Como resolver o problema? Decodificando a questão. Foucault (2000, p. 103)

A paisagem imaginária de uma Pesquisa sempre tem algum valor, mesmo que destituída de rigor.

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O CEARÁ INVESTIGADO:

A Comissão Científica de 1859

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INTRODUÇÃO

Logo após as primeiras águas de Fevereiro, grande quantidade de hervas cobrio os areaes deste lugar, crescendo e viçando com admirável vigor, de modo que em poucos dias desabrocharão muitas flores. A rapidez de tal desenvolvimento deve infundir um sentimento de admiração no naturalista, ainda mesmo nos que tiverem observados a vegetação do Rio de Janeiro, cujas plantas, apezar, de muito vigorosas, nunca tomam igual incremento.1

O poeta Gonçalves Dias, integrante da Comissão Científica de Exploração das Províncias do Norte, em sua descrição da cidade de Fortaleza em 1859, mostra-se encantado com a natureza cearense. Sua escrita busca uma natureza que criava e demarcava uma paisagem brasilica, um desejo de construir um país pelo ato de nomear, ordenar e mostrar o que dentro dele havia. O desejo de ver a natureza faz com que ela seja criada, inventada e dada a ver. Essa busca da natureza nos faz lembrar a descrição de Philippe Diolé em Le plus beau désert du munde, onde o deserto aparentemente vazio de vida e sentido passa, através do olhar do observador, a ser dotado de beleza e humanidade:

Pois percebi que mentalmente, andando, encho de água o cenário do deserto! Na imaginação, eu inundava o espaço que me cercava e no centro do qual eu andava. Eu vivia numa imersão inventada. Eu me deslocava para o centro de uma matéria fluida, luminosa, capaz de prestar socorro, densa que era a água do mar. Esse artifício bastava para humanizar para mim um mundo de uma secura repugnante, conciliado-me com as rochas, com o silêncio, com a solidão, com as toalhas de ouro solar que caíam do céu (DIOLÉ apud SÜSSEKIND,1990, p. 71).

É com o desejo de dar sentido à natureza brasileira no projeto de integração da nação e de suas riquezas naturais que será criada a Comissão Científica de Exploração de 1859. Nela estava a esperança de um projeto nacionalista e científico para o Brasil na segunda metade do século XIX. Saber

1 Carta enviada por Gonçalves Dias ao Jornal do Comercio, em inicio de 1859, dando noticias

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e poder caminhavam juntos na tentativa de construção da nação. Conhecer e administrar pareciam verbos conjugados em um único intuito: produzir uma história para o Brasil independente.

A Comissão Científica tinha como principal tarefa descortinar (descobrir/criar) a nação em seus aspectos naturais, políticos e culturais. A integração da natureza brasileira se daria pela união de suas regiões, através do olhar científico nacional. Os regionalismos seriam desfeitos e a Corte seria o centro do país, através da integração de suas mais distantes paragens. Um olhar científico é criado na medida em que analisa e integra a natureza brasileira, mostrando sua totalidade e sua potencialidade. A Comissão Científica era composta por cinco seções de estudos, cada uma sob a ordem de um membro sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB): Botânica, sob as ordens de Francisco Freire Alemão, também chefe da Comissão Científica de Exploração; Geologia e Mineralogia, dirigida por Guilherme Schüch de Capanema; Zoológica, liderada por Manoel Ferreira Lagos; Astronomia e Geográfica sob o comando de Raja Gabaglia; Etnográfica e Narrativa de Viagem sob a responsabilidade de Gonçalves Dias. Além dos ajudantes de cada seção, fazia parte desta experiência o pintor Reis Carvalho.

A Comissão foi idealizada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e patrocinada com grande entusiasmo pelo imperador do Brasil Dom Pedro II. Teve seus trabalhos iniciados no Ceará, pois acreditava-se nas possíveis riquezas minerais desta província, ideia que já vinha circulando na então metrópole portuguesa e desde o Brasil colônia. Em 4 de fevereiro de 1859, os cientistas do império aportaram em Fortaleza, realizando seus trabalhos até 13 de julho de 1861, quando regressam à Corte. A presente dissertação busca compreender as tensões e experiências vividas pela Comissão Científica de 1859, conhecida também como Comissão das Borboletas, na então província cearense.

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por seu caráter errante, que vai descrevendo e inventariando os espaços por onde passa, daí a necessidade de se registrar (escrever e desenhar) o máximo possível. Procuramos perceber como estes relatos de viagem podem se converter em conhecimento/documento para a produção do conhecimento histórico.

Interpretamos aqui a escrita sobre a nação e a natureza brasileira e a província cearense a partir dos vestígios deixados pela Comissão Científica de 1859. O poder da escrita que busca uma lei sobre a natureza pode ser pensada a partir da experiência destes cinco cientistas que compunham a referida Comissão. Eles analisaram e escreveram sobre a paisagem da nação a fim de criar uma imagem brasílica de uma natureza e de costumes próprios. Pensar a viagem da Comissão Científica é entender o espaço e o tempo de uma produção ou concepção histórica que tenta se articular e emergir, ganhar contornos. Diários de campo, cartas, ofícios, aquarelas e notas em jornais são nossos principais indícios na busca pela compreensão da atuação destes cientistas na província cearense. Interpretando e cruzando as fontes coligidas nos é possível articular campos de tensões vividas pelos membros da Comissão Cientifica.

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desenhos, pinturas são parte da acumulação de dados buscados pelos cientistas (KURY, 2008, p. 331).

Os diários de campo dos cientistas constituem-se fontes de ricas informações, tanto no transitar cotidiano dos viajantes, quanto na forma em que se estrutura a narrativa. O botânico Freire Alemão deixou registros de muitos lugares por onde andou durante sua permanência no Ceará. Seu diário de campo compreende praticamente toda a sua permanência nesta província. Nele encontramos dados do cotidiano das populações visitadas por ele, cor da gente, costumes, economia, temperatura, edificações e preços dos produtos são dados que ficaram registrados pelo olhar investigativo do botânico.

O historiador Antônio Luiz Macedo e Silva Filho, em nota introdutória ao Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão, chama-nos a atenção para a riqueza de informações contidas nos relatos de viagem dos cientistas, anotações que se desenrolam ao correr dos dias e dos lugares mais variados. Segundo Silva Filho “o diário é, por conseguinte, não só resultado dessa viagem, mas ele mesmo um registro da mobilidade em apreço e só por ela tornado possível” (SILVA FILHO, 2006, p. 16).

As narrativas de viajantes trazem em si a marca do “eu estive lá”, querendo arrogar-se para si o direito a falar de forma verdadeira sobre a realidade vista. Temos que cuidar, porém, para não cairmos na armadilha de aceitar as suas descrições e informações como sendo a própria realidade (REICHEL, 2009, p. 59). Para Tzvetan Todorov é preciso desconfiar das narrativas de viajantes como sendo portadores de verdades e perceber as intencionalidades e perspectivas que orientam sua narrativa: “o único remédio é não ler esses textos como enunciados transparentes e tentar, ao mesmo tempo, levar em conta o ato e as circunstâncias de sua enunciação” (TODOROV, 1999, p. 64).

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pela ciência nacional e várias foram as cidades visitadas por estes cientistas-viajantes.

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Freire Alemão, em carta a Von Martius, botânico alemão, em 25 de janeiro de 1859, um dia antes de sua partida para o Ceará, assim descreve as expectativas sobre a viagem:

A viagem de que trato é de uma expedição científica que o governo manda a explorar algumas das províncias do Brasil. Sobre o resultado desta expedição quero adiantar, é antes uma expedição de aprendizado, e de experiência para habilitar alguns trabalhos ulteriores e talvez mais importantes. São estes os desejos do Imperador e de todo o brasileiro.2

Escolhemos o título O Ceará investigado por acreditarmos que ele dá uma dimensão do trabalho levado a cabo por cada membro da Comissão Científica, de dar conta de uma totalidade maior do que os trabalhos dados a cada seção. Cada cientista foi além do que determinava suas instruções de trabalho, num esforço de compreensão que somente a experiência in loco permitiria, daí a fuga aos estudos pré-determinados que eram dados pelas instruções. Todos eles estavam engajados em inventariar a nação e na busca de uma imagem para a mesma. O tema ora tratado nos permite uma multiplicidade de problemáticas a serem trabalhadas, tais como política, trabalho, violência, gênero, ciência etc. Escolhemos para esta pesquisa uma abordagem transversal das questões elencadas pela Comissão Científica. Tentamos aqui dar uma leitura mais abrangente e interligada de uma gama de questões analisadas pelos cientistas afim de perceber as tramas que articulavam seus olhares e suas práticas discursivas na tentativa de sistematizar o visto e o vivenciado na província cearense e as intencionalidades que norteavam e circunscreviam os temas narrados.

Minhas perguntas centrais são: quais as práticas discursivas efetuadas pelos cientistas do IHGB no estudo e sistematização da província cearense? Que temas e questões eram sistematizadas? Quais suas intencionalidades e

2 DAMASCENO, Darcy; CUNHA, Waldir. Os manuscritos do botânico Freire Alemão. Catálogo

e transcrição por Darcy Damasceno e Waldir da Cunha. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Vol. 81, 1961. p.151. Para facilitar a compreensão do leitor e melhor destacar as fontes trabalhadas preferimos, de agora em diante, colocar as citações das fontes em rodapé e manteremos as referências bibliográficas de forma simplificada no corpo do texto. Apenas a primeira citação de cada fonte seguirá com todos os dados (editora e cidade).

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mecanismos de possibilidades? Quais as propostas escolhidas no início dos trabalhos e como se deu esta experiência em campo?

No primeiro capitulo, cujo título é O Ceará entre o nacional e o provincial, discutimos as pesquisas (práticas) científicas que vinham sendo efetuadas sobre o Ceará desde a época colonial. Aqui tentamos perceber os mecanismos de investigação científica na capitania cearense e quais suas relações com a política da metrópole portuguesa. Na segunda metade do século XVIII, após a reforma da Universidade de Coimbra em 1772, Portugal passa a fazer da investigação científica um meio de tirar o país da estagnação econômica em que se encontrava. Através de agremiações científicas e viagens ultra-marinas, intituladas viagens filosóficas, a coroa lusitana vai dirigir uma série de missivas a seus subalternos nas colônias a fim de que estes enviassem memórias (relatórios científicos) sobre a situação e riquezas de suas posses. Tais memórias que portavam um inventário das colônias nos fornecem indícios para problematizarmos o que era produzido e dito como “científico” naquele período, quais as riquezas naturais eram elencadas nestes relatórios e como eram descritas. Várias memórias sobre o Ceará foram escritas neste período pelas autoridades da capitania e enviadas a Portugal. Estes documentos exerceriam papel importante nas décadas seguintes.

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Havia escritos e boatos sobre as possíveis riquezas do Ceará. As lendas precisavam passar pelo crivo da ciência, e esta requeria que como prática o ato de olhar, circunscrever pelo ato de ver. Daí a necessidade das viagens científicas, do deslocamento, da comprovação. Esta prática de ver com os próprios olhos e sentir com o próprio corpo os fenômenos da natureza passou a fazer parte da prática científica na busca de desvendar os segredos da natureza.

O ver e o ouvir acarretavam um “estar-lá”, um olhar que carrega consigo marcas culturais e intenções que moldam o que se vê, ou melhor, o que se deseja ver. Simon Schama em seu estudo Paisagem e Memória investiga a reelaboração dos lugares pelo ato de vivenciar o espaço. Para o estudioso “é evidente que o próprio ato de identificar (para não dizer fotografar) o local pressupõe nossa presença e, conosco, toda a pesada bagagem cultural” (SCHAMA, 1996, p. 17).

A escolha da província cearense não se deu por acaso. Um “olhar” científico vinha sendo construído sobre estas terras desde fins do século XVIII. A ciência nacional atinge as mais distantes paragens a partir de uma ótica que busca conhecer e integrar. Segundo a historiadora Rita de Cássia Morais, há uma estratégia de apreensão dos espaços, onde o centro da produção do conhecimento vai absorvendo a periferia:

O que houve, além da acumulação de elementos diversos explorados em províncias e em terras distantes, foi a oportuna percepção de que determinadas atitudes e os rastros deixados por outrem seriam úteis ao que seria feito depois (...). A mente do cientista então tratava de fazer incontáveis rodeios para resolver o enigma bem diante de seus olhos. Porém, isso mudou quando o cientista assumiu a posição de destaque e passou a ter a sua disposição coisas, elementos que poderiam ser dominados e analisados (MORAIS, 2005, p. 55-56).

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tipos e ideias. Nele, busco uma reflexão para entender porque alguns temas, que também são os tópicos analisados, são constantemente referendados nos escritos dos cientistas. Questões e problemas colocados naquele momento histórico estão impregnados nas páginas escritas por cada cientista. Nas Instruções de Trabalhos não havia menção sobre estudos da violência ou tipos locais, mas foram questões que acabaram permeando as descrições feitas pelos cientistas. A emergência deste e outros temas nos sugere que parte do que foi escrito fugiu, em certa medida, às intenções primeiras dos cientistas.

O terceiro capítulo, intitulado O Ceará entre o exportado e o exposto, pretende fazer uma discussão sobre a agricultura, vista e registrada pelos membros da Comissão Científica e a exposição de produtos industriais cearenses realizada por Lagos em seu regresso à Corte. Há nesta exposição um sentido de divulgar as riquezas do Ceará, não propriamente industriais, mas que podem ser utilizadas pela nascente indústria nacional. Buscava-se chamar a atenção do governo para estimular a produção de algumas culturas que poderiam gerar riquezas para a nação. Analiso a agricultura cearense na segunda metade do século XIX a partir das anotações dos cientistas.

Após o regresso à capital do império, os membros que compunham a Comissão Científica tentam organizar e publicar os materiais de estudo de cada seção, o que ocorrerá de forma lenta e fragmentada. O que de mais imediato se concretizou desta “exploração ao norte” foi a exposição de produtos industriais cearenses na corte, realizada por Ferreira Lagos, chefe da seção de zoologia. A pergunta que norteia este capítulo é: Que Ceará foi exposto? Que imagem do Ceará foi construída pelos cientistas em seu regresso à Corte e quais os meios usados nesta “construção imagética” da província cearense? Como se deu a exposição de produtos cearenses?

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1. O CEARÁ ENTRE O NACIONAL E O PROVINCIAL

1.1. CONHECER PARA DOMINAR

Em 4 de fevereiro de 1859 aportava em Fortaleza a Comissão Científica de Exploração. Seu desejo imediato era realizar estudos sobre a fauna e a flora, catalogar e registrar o que fosse possível sobre a nação brasileira e fomentar uma ciência nacional. Buscava-se a natureza exuberante, os costumes do povo, a riqueza da nação. A primeira Comissão de cunho científico formada no II Reinado fazia parte de um projeto político de integração da nação. Conhecer, catalogar, quantificar e integrar podem ser consideradas as palavras chaves desta expedição. Ela tinha o apoio do monarca D. Pedro II e estava atrelada às instituições científicas do Brasil, tais como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o Museu Nacional e a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional.

Discutida e aprovada a criação da Comissão Científica, em 1856, no seio do IHGB, ela somente começaria seus trabalhos em 1859. Quando de sua criação, não se tinha roteiro estabelecido. O norte, por ser uma região pouco conhecida e distante da Corte, mereceu especial atenção por questões políticas, uma vez que esta região vinha sendo palco de movimentos de cunho contestatório ao poder central desde o Brasil Colônia (Revolta de 1817), passando pelo Brasil Independente (Confederação do Equador, 1824), Período Regencial (Revolta da Sabinada, Bahia, 1848) e já no II Reinado (Revolta da Praieira, 1848). Além do fator político, pesou o econômico. Almejava-se encontrar minerais para alimentar a incipiente indústria nacional e livrá-la da dependência externa, aumentando o comércio interno. Desejava-se descortinar a natureza brasilis e apropriar-se de sua riqueza. Acreditava-se num potencial de minerais existente, mas até então não explorado, e o norte poderia ser o “el dorado” da nação.

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como a primeira a ser visitada, na realidade, eles já haviam tomado conhecimento das possíveis potencialidades da mesma. Afinal, o norte já vinha sendo esquadrinhado por naturalistas que passaram pela região.

O que nos interessa neste tópico é mapear como o Ceará foi sendo abordado ao longo do tempo por cientistas e viajantes e qual a imagem que se foi construindo da província a partir de tais viagens. No século XIX, vários foram os viajantes que aqui estiveram, entre eles se destacam Koster3 e Gardner.4

Os escritos produzidos sobre o Ceará durante o período colonial foram posteriormente analisados pelos cientistas do IHGB. A ciência do II Reinado seguiu os rastros de João da Silva Feijó (1760-1824). Não eram as secas que ocupavam as principais páginas de seus relatórios, mas as potencialidades naturais da província cearense.

Também significativas são as Memórias5 (relatórios) escritas por governantes, em busca de enaltecer ou constatar as riqueza locais. Em seus trabalhos sobre a história cearense, Guilherme Studart nos fornece a transcrição de alguns documentos do Ouvidor Geral da Capitania (encarregado da justiça) Magalhães Pinto Avelar Barbelo (1786) e do Governador João Baptista de Azevedo Coutinho Montaury (1783) e uma Memória escrita pelo Governador do Ceará, Manoel Bernardo de Vasconcelos, em 1799.6 Interessa-nos analisar as descrições realizadas por estes homens e como estes documentos, ao serem enviados à metrópole, contribuíram para despertar interesses por estas terras longínquas. Além do mais, percebe-se uma distinção no conteúdo discursivo das memórias aqui citadas: no primeiro caso o Ouvidor pretende descrever e analisar a província em seu potencial de trabalho/exploração e no segundo caso temos uma listagem de produtos que

3 Henry Koster era inglês e deixou suas impressões quando passou pelo Ceará em 1810. 4 Gardner era escocês e esteve no Ceará em 1839.

5 As memórias escritas pelos ouvidores para a Metrópole correspondem a relatórios científicos.

Eram escritos que informavam sobre a administração e riquezas da capitania.

6STUDART, 2004. Trabalharemos aqui com os seguintes documentos: “Conjunto de

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assegura a prosperidade e rentabilidade de exploração destas terras. Entre o potencial a ser desenvolvido e uma rica natureza, desenvolve-se a escrita da dominação.

Na carta de Manuel de Magalhães Pinto Avelar Barbelo, de 3 de março de 1783, sua Memória pretendia construir um relato da situação da Capitania em seus aspectos mais gerais. Sua atuação estava atrelada à política da metrópole portuguesa de investigar a natureza e as riquezas das colônias, o que se deu de fato no governo do D. José I (1755-1777), tendo como secretario de Estado o Marquês de Pombal, responsável por uma reforma na universidade de Coimbra. Esta reforma ditaria os rumos dos estudos realizados, incluindo História Natural no currículo, formando assim outro momento da cultura científica portuguesa.

A reforma científica de cunho ilustrado pretendia um melhor domínio sobre o império Ultramarino português, o que exigia relatórios das capitanias para a Metrópole. E vai ser a partir desta nova orientação que serão escritas as Memórias. As narrações e descrições de Barbelo incidem sobre a agricultura e especialmente sobre o cultivo do algodão e outros produtos que fossem de uso rentável e desejável por Portugal, posto que a economia portuguesa estava vivenciando um momento de crise econômica e a exploração das riquezas das colônias ultramarinas aparecia como a salvação do próprio império português.

Nos escritos de Montaury, onde há uma carta datada de 30 de abril de 1783, estão relacionados produtos do Ceará a serem enviados a Portugal. Outra carta de 25 de outubro de 1784 comunica a remessa de produtos ao Real Museum. Percebe-se, pela diversidade dos materiais enviados, que o governador desejava mostrar não só a riqueza da terra, mas suas possibilidades de serem exploradas, como já dito anteriormente. Entre os produtos temos:

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que dizem serem de Prata, e aqui senão pode experimentar para se conhecer o que são.7

Além da bengala de carnaúba, que mostrava a potencialidade do trabalho braçal destas terras, havia as notícias sobre metais preciosos. Mostras de minerais conhecidos e desconhecidos pelo governador foram enviadas para Portugal, onde abasteceriam tanto os museus de história natural como também seriam úteis para a curiosidade de cientistas que passaram a se interessar mais pelo rico material mineralógico disponível na capitania do Ceará. O que interessava à metrópole era o domínio através do conhecimento de suas terras, e a melhor forma de realizar este imenso inventário seria através dos museus de História Natural, pois nele a natureza seria desmistificada e enquadrada nos moldes utilitaristas. Os museus de História Natural se transformaram em instituições que aglutinavam, ao mesmo tempo em que divulgavam, os avanços da ciência.

É de supor que estas amostras e os relatos feitos sobre a província cearense para a metrópole tenham contribuído para despertar viagens filosóficas realizadas à colônia, pois não se enviaria uma comissão de naturalistas para terras tão longínquas sem um conhecimento prévio. Na carta de Montaury, segue ainda:

6 pedaços de ossos monstruosos, e quase petrificados, cujos foram achados na Ribeira do Acaracú, na distancia demais de quarenta léguas do mar em uma fazenda pertencente a hum Jerônimo Machado Freire, mandando este, abrir um tanque, ou poço, em cuja ocasião foram achados os ditos ossos na mesma parte, em que se abria o dito poço, ou tanque; na profundidade de mais de trinta palmos.8

Montaury aponta e mostra o Ceará numa perspectiva promissora, tanto por suas riquezas minerais como por seu aproveitamento científico, pois os referidos ossos (fósseis) despertavam a atenção da metrópole para os estudos geológicos por estas terras. O Ceará apresentava um terreno fecundo, tanto em sua superfície como em seu subsolo.

Montaury ainda enviaria, junto à carta datada de 30 de abril de 1783, uma porção de terras nitrosas, mostrando assim possibilidade de extração da

7STUDART, Guilherme. Notas para a História do Ceará. Vol. 9. Brasília: Senado

Federal/Conselho Editorial, 2004, p.403-406.

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mesma no espaço cearense. O pesquisador Geraldo Nobre associa esse interesse pelo minério ao momento vivenciado na Europa. Principalmente após a revolução francesa, o velho continente viveria um período de guerra sendo o salitre a principal matéria-prima para a produção da pólvora (NOBRE, 1978, p. 72). A carta de Montaury (juntamente com as amostras de produtos da terra) deve ter exercido interesse na metrópole portuguesa, pois uma das atividades de que se ocuparia o naturalista Feijó em 1799 seria o estudo e o aproveitamento de possíveis minas de salitre, sendo ordem Régia a investigação deste minério na província cearense.

A produção discursiva sobre o Ceará mostrava-o como potencialmente rico em seu solo e podendo gerar dividendos à coroa, desde que sobre ele houvesse o projeto de incentivar a arte da agricultura. Em 1796, Vandelli, um dos responsáveis pela reforma na Universidade de Coimbra, assinalava que:

É logo a agricultura, as artes, e comércio o primeiro móvel da fortuna de qualquer país, e único manancial de todo o bem do Estado, e de todo interesse ou seja público, ou particular de uma nação. Ora como esta Real Academia se tem proposto fomentar a indústria de nossos povos, e contribuir, quando está de sua parte o aumento da agricultura, a perfeição das artes, eu vou nesta pequena memória fazer ver quanto interessa ao mesmo progresso da agricultura, e artes o conhecimento das substâncias, de que abunda o nosso reino; mostrando ao mesmo tempo quanto se faz digno da sua providentíssimo atenção o mandar fazer para o mesmo fim uma viagem filosófica, primeiramente nele, e depois em seus domínios (VANDELLI apud PRESTES, 2000, p. 78).

A praticidade dos estudos agrícolas guiava os estudos dos naturalistas formados em Coimbra, falava-se da utilidade política e econômica que os resultados destas investigações poderiam trazer para Portugal. E, nessa tentativa de sistematizar a ciência em prol do Estado, era necessário ir além das fronteiras e demarcar os limites do império utramarino. O trabalho agrícola passava a ser pauta dos estudos dos homens letrados pelo fato de se atribuir a ele papel central na produção da riqueza das nações.

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integrada no roteiro das Viagens Filosóficas9 realizadas pela coroa lusitana. O desejo de “devassar” as terras cearenses partiu de uma pré-noção construída, a de suas potencialidades e não de sua miséria (que fará parte do discurso que se constituirá sobre o Ceará após a seca de 1877). O Ceará era investigado e dado a ver numa perspectiva positivada. Entre a caatinga, o areal e a seca, havia minérios, fauna e flora ricas. A investigação cientifica não tinha caráter apologético, ela buscava apreender os territórios pertencentes ao império português através de um olhar mais minucioso, apreciando e reconhecendo o que nele havia e buscando encontrar o que poderia ser pontencializado.

O Ceará passou, desde o fim do século XVIII, a ser perscrutado pelo olhar científico da Coroa, que já vinha fazendo um levantamento de suas possessões, conhecendo e integrando suas riquezas ao Real Erário. As Memórias escritas por Barbelo e Montaury são partes constituintes deste movimento: uma escrita com teor totalizador sobre as colônias ultramarinas. O historiador Ronald Raminelli, ao analisar as viagens portuguesas e seu caráter explorador, infere que:

Os portugueses somente ultrapassariam a dependência econômica quando se tornassem senhores de suas próprias riquezas, quando deixassem de ser uma nação rica em recursos naturais, mas pobre no contexto internacional. O governo pombalino pretendeu reformular a economia colonial, promovendo desenvolvimento das manufaturas, agricultura, comércio e a interligação metrópole e colônias... As viagens eram indispensáveis a intervenção estatal (RAMINELLI, 2008, p. 63).

O avanço científico se faria por novas descobertas e formas de domínio. O domínio da natureza aparece como sendo o grande desafio para o progresso da humanidade. A História Natural é vista, neste momento, como sendo a ciência capaz de desmistificar a natureza. Para os cientistas do século XIX, a natureza deveria apresentar-se “como um todo organizado, que se justifica a si mesmo, que se sustenta e se explica inteiramente por si mesma” (CASSIRRER apud PRESTES, 2000, p. 45-46). Os fenômenos naturais pareciam agora fugir das explicações mitológicas e passavam para a esfera da racionalidade. Através da observação e entendimento, a natureza deveria ser domesticada.

9 “Estas foram denominadas Viagens Filosóficas, designação concorrente ao seu principal

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A constituição da história natural em uma ciência comparativa e classificatória requeria a quebra de barreiras geográficas, o que levou os naturalistas da época ao planejamento de viagens científicas, de modo a coletar material e proporcionar que os museus se tornassem os principais abrigos de espécies naturais de todo mundo (PATACA & PINHEIRO, 2005, p.58). Entre os séculos XVIII e XIX, as expedições científicas vão a campo em busca de novas espécies de plantas e animais. Buscava-se a comparação e a quantificação. O desejo de catalogar e escrever caracterizava o desejo “enciclopédico” dos racionalistas.

Segundo Michel Foucault, “transposta na linguagem, a planta vem nela gravar-se e, sob os olhos do leitor, recompõe sua pura forma. O livro torna-se o herbário das estruturas” (FOUCAULT, 1992, p.150). Com diários e pranchas de desenhos, o mundo poderia ser ordenado e classificado em sistemas e preencher mais verbetes nos dicionários botânicos e zoológicos. A busca por riquezas e recursos naturais, principalmente para sustentar a agricultura e a indústria nascente com matérias-primas, impulsionou a coleta de objetos naturais para estudos posteriores. A natureza é invadida por grupos de observadores-coletores “que procuram conhecer espécies novas, investigar seus hábitos e localidades que habitam, coletá-las para suas lições de anatomia, microscopia ou classificação” (PRESTES, 2000, p.48). Foram estas as noções científicas que nortearam as viagens filosóficas, cujo objetivo era a observação e interpretação dos fenômenos da natureza.

O que parece fundamental nesta experiência de deslocamento de espaço é o olhar científico e o método. Ambos mapeando sistematicamente o que o lugar oferece. Um modo de ver e uma forma de escrever aparecem como chave mestra na apreensão do mundo. Aqui a escrita passa a ter um caráter fundador. Ronald Raminelli assim caracteriza as viagens:

Para ser filosófica, uma viagem deveria promover o avanço da ciência, descobrir leis, a lógica do criador, que estavam escondidas no mundo vivo. Mas a história natural não reunia apenas estudos das espécies, mas incluía conhecimento para manipular minerais, domesticar plantas e animais. Os naturalistas atuavam, portanto, como economistas e etnógrafos, coletando as técnicas nativas de transformação da natureza (RAMINELLI, 2008, p. 97).

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A Universidade de Coimbra, em consonância com os rumos da ciência natural e após passar por uma reforma (1772),10 projeta um novo momento para a metrópole.11 A Academia de Ciências (1779) e o Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa, tornaram-se fundamentais na implementação dos projetos de catalogação geral das condições naturais e econômicas de Portugal e suas colônias. As viagens científica-naturais estavam na pauta da nova sociedade que se constituía nos moldes da economia capitalista em expansão e o domínio da natureza era primordial.

A reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra introduziu em seus estudos a história natural. Disciplinas como filosofia racional, moral e natural tinham como finalidade obrigar a “natureza a declarar as verdades escondidas, que por si mesma não quer manifestar, senão com muita destreza e artifício”. Assim, a Universidade estava possibilitando a formação de profissionais para atuar nas possessões lusitanas.

Neste novo campo de atuação no ramo da história natural destaca-se, na Universidade de Coimbra, o italiano Domingos Vandelli (1732-1816). Vandelli nasceu em Pádua e cursou medicina em sua cidade. Foi convidado pelo marquês de Pombal, em 1764, para ir a Portugal como lente de História Natural e Mineralogia em Coimbra. Foi mestre de vários naturalistas luso-brasileiros. Foi criador do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e do Real Jardim da Ajuda (PATACA & PINHEIRO, 2005, p. 77). Ele e seus alunos realizaram expedições na parte Ultramarina do Império Português. Para maior eficácia das viagens era necessário certo tipo de treinamento: a pesquisa de campo em locais mais conhecidos para depois ir às mais longínquas paragens, conhecendo assim o império ultramarino português. Dentre seus alunos se destacaram Alexandre Rodrigues Ferreira e João da Silva Feijó. Ambos tiveram

10 Tal reforma era embasada no conhecimento iluminista e enciclopédico. Reforma cujo

objetivo era laicizar o ensino. Deve-se ressaltar também o papel exercido por Marquês de Pombal na realização destas reformas, refletindo o caráter de Déspota Esclarecido de Pombal. Tal ensino também objetivava homogeneizar a política portuguesa evitando cisões e disputas entre o Estado e a religião, dando um caráter unificador ao projeto de consolidação portuguesa na América. Dessa forma explica-se a expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas colônias.

11 A adesão de Portugal às ciências modernas, que incluiria a Filosofia Natural (mais tarde

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grande destaque nas ciências naturais por seus estudos e escritos sobre o Brasil. Analisaremos apenas os escritos de Feijó, por serem pertinentes à problemática aqui trabalhada, por entendermos que há uma relação entre os textos que este naturalista escreveu e as questões que serão abordadas pela Comissão Científica de 1859.

O pesquisador Geraldo Nobre, em estudo sobre o naturalista Feijó, nos fornece os seguintes dados sobre a trajetória do naturalista: nasceu em Guaratiba (Rio de Janeiro) em 1760 e faleceu no Rio de Janeiro em 10 de março de 1824. O nome de Feijó não consta como membro dos quadros de alunos em Coimbra, sendo o mais acertado que tenha cursado a Academia Militar. Seguiu a carreira militar tendo atingido o posto de tenente no final de sua vida. Entre 1778 e 1783, trabalhou como naturalista no Real Museu da Ajuda. Em 1783 foi nomeado secretário de Governo de Cabo Verde, onde também realizou expedições científicas até 1797, quando retorna à Lisboa. Em 1799 parte para o Ceará, onde permanece até 1817, fazendo exames de História Natural. Nesse ano vai para o Rio de Janeiro, onde assume o cargo de Lente de História Natural, Zoológica e Botânica da Academia Militar. Em março de 1817, quando rebenta a Revolução pernambucana, movimento de cunho liberal e republicano, o naturalista já havia deixado o Ceará e se encontrava em sua viagem de licença de um ano para a Corte, sendo em seguida transferido em definitivo para a mesma (NOBRE, 1978, p.143).

Em 1889 a Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará12 publicou sua Memória sobre a Capitania do Ceará. Em 1912 seria publicada a Memória sobre as antigas lavras do oiro da mangabeira da Cappitania do Ceará e em 1914 a Memória economica sobre o gado lanígero do Ceará. As três publicações foram reunidas e publicadas conjuntamente em 1997, pela fundação Waldemar Alcântara. Vale ressaltar que as publicações dos textos de Feijó, logo após a Fundação do Instituto Histórico do Ceará em 1887, faziam parte de um projeto político do próprio Instituto em fazer emergir uma representação sobre a província.

A principal intenção do naturalista Feijó era o estudo das minas de salitre e o exame das produções dos três reinos da natureza. A partir de 1800,

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em companhia do governador Vasconcelos (primeiro governador do Ceará emancipado de Pernambuco, que buscou mapear o território sob sua jurisdição e projetar um sistema de defesa para a província), Feijó inspecionou as antigas lavras de ouro de Mangabeira, tendo os trabalhos sido prejudicados pela falta de água. No mesmo ano, este trabalho é enviado a Rodrigo de Sousa Coutinho, Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar (PAIVA, 2002, p. 28). Geraldo Nobre, em seus estudos, fornece uma carta do naturalista, escrita sem o nome do destinatário, mas certamente destinada ao ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, no qual Feijó relata os resultados de seus trabalhos e informa sobre a remessa de 20 arrobas de salitre processado em Tatajuba, lugar onde havia montado um laboratório para sua extração (NOBRE, 1978, p. 73). Feijó ainda enviaria dois caixotes contendo sementes de plantas indígenas para estudos no Real Museu da Ajuda em Lisboa e para o Rei da Prússia, firmando assim não apenas a sua função de botânico nos quadros da ciência portuguesa, mas o acordo entre os dois países no que diz respeito aos estudos na natureza (NOBRE, 1978, p. 110).

Já a Memória sobre as antigas lavra do oiro da mangabeira da Cappitania do Siará é um pequeno ensaio sobre a extração do mineral. Analisemos dois trechos:

Junto ao lugar, onde em outro tempo esteve o Quartel do Prezidio, a dois palmos abaixo da superficie da terra, obtive duas e meia oitava de oiro, fazendo batear 40 alq.es daquella terra, que a ser em tempo conveniente de agoas tiraria sem duvida dali milhor ventagem.13

Alguns destes Mineraes, ainda depois de prohibidas estas Minas continuarão pertinazes clandestinamente neste trabalho expondo-se a soffrer confiscos em seus bens... os Ourives, que por estas partes são frequentes, delles recebem a matéria primeira para fazerem a multiplicidade de obras de oiro, que adornão a cada passo os habitantes desta Cappitania: donde parece serem estas mais outras provas convincentes da existencia fizica deste Metal nestes Montes.14

Nestas breves passagens, o naturalista, além de narrar a extração de ouro, recomenda uma maior fiscalização por parte da Coroa sobre o dito

13

FEIJÓ, João da Silva. Memória sobre a Capitania do Ceará. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 1997, p.366.

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mineral. Estes escritos e recomendações podem ter gerado expectativas na Metrópole. Estas e outras Memórias de Feijó vão no mesmo sentido: mostrar através de estudos científicos que a Capitania do Ceará tinha um potencial econômico que deveria ser melhor conhecido e administrado. Os escritos ganhavam foros de verdade e validade científica pelo fato de serem elaborados a partir de investigações, de experiências, de explorações e esquadrinhamento das riquezas. O naturalista escrevia o que era, a principio, visto, observado e sistematizado. Sua escrita era a memória de uma experiência, de suas observações na Capitania.

Sua Memoria economica sobre a raça do gado lanígero da Capitania do Ceara foi editada na Imprensa Régia no ano de 1811, na cidade do Rio de Janeiro, por ordem de sua alteza real, a quem o autor a ofereceu. Já sua Memoria sobre a Capitania do Seara, foi publicada na subscrição 3/número 1 e 2 do jornal O Patriota, editado na cidade do Rio de Janeiro (PAIVA, 2002, p.32). Nesse último trabalho, Feijó escreveu sobre minas de ouro, apontando possíveis riquezas deste mineral, minas de ferro e de cobre. Anuncia algo que se repetirá a outros naturalistas, como os membros da Comissão Científica do IHGB: apesar das secas, a natureza cearense é exuberante.

Sem embargo do que as grandes seccas do verão não deixão de deminuir, de algum sorte, esta força da vegetação, com particularidade nas plantas herbaceas, que quase todas perecem, não havendo precaução de as regar; o que comtudo não succede ás arvores, ainda que nesta estação muitas dellas cheguem a perder de todo as suas folhas; mas ás primeiras chuvas do inverno toda a natureza se reanima, e toma um novo vigor, cobrindo-se de verde até os lugares mais áridos.15

O naturalista abre esta Memória expondo que “É necessário ter muito pouco conhecimento do fizico da Capitania do Ceará para duvidar das immensas vantagens que ella pode produzir em utilidade dos seus habitantes, augmento do seu commercio e prosperidade geral do Estado”.16 O Ceará é mostrado como uma terra rica e próspera. A representação social gerada neste momento para a metrópole destoa da imagem de uma terra seca e atrasada, que se gestará em fins do Império e começo da República.

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Existem traços de continuidade entre as viagens filosóficas realizadas no Brasil Colônia e os anseios da Comissão Científica de Exploração formada no II Reinado. Uma das questões diz respeito às Instruções Científicas, que toda viagem de exploração leva consigo. O papel das Instruções no campo científico é neutralizar o olhar do observador diante do objeto observado. Elas validavam e limitavam o campo de atuação do naturalista. As instruções moldavam o olhar do viajante e determinavam a coleta de material e sua catalogação (o que deveria ser catalogado e como deveriam ser descritas).

Em seus estudos, Ermelinda Pataca e Rachel Pinheiro (2005, p.73) localizaram fortes elos entre as Instruções de trabalhos que orientavam as Viagens Filosóficas da qual Feijó fez parte e as Instruções da Comissão Científica de 1859. Na realidade, as Instruções da Universidade de Coimbra foram adaptadas a algumas instituições cientificas brasileiras, como foi o caso do Museu Nacional, e que segundo estas autoras serviram de base para a elaboração das Instruções de Trabalhos da Comissão Científica. A ciência que se principiava a praticar no Brasil na segunda metade do século XIX ainda mantinha suas bases no velho mundo. A experiência que se queria nacional seguia a sombra de regras metodológicas formuladas por aqueles a quem se desejava combater. Por outro lado, a tensão pode não ser tão contraditória: não se negava os métodos científicos das instituições estrangeiras e sim “os olhares preconceituosos” dos viajantes de outros países. Os “cientistas brasileiros” começavam a usar dos mesmos mecanismos de apreensão da realidade que os estrangeiros. O que mudaria era a perspectiva do olhar, uma outra forma de ver a natureza, a cultura e os costumes dos brasileiros.

A segunda continuidade entre as viagens filosóficas e a Comissão Científica diz respeito aos trabalhos realizados por Feijó. Os escritos do naturalista, que já haviam sido publicados na Corte, posteriormente serão descobertos por Freire Alemão, futuro chefe da Comissão Científica e diretor da Seção de Botânica e que terá por eles grande consideração. Sobre o contato de Freire Alemão com os textos de Feijó, Melquíades Paiva nos conta de uma forma que beira ao anedotário:

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cidade do Rio de Janeiro, que os estava utilizando para embrulhar suas mercadorias. As folhas ainda disponíveis foram encontradas e adquiridas pelo médico Emílio Joaquim da Silva Maia, em data posterior ao seu regresso da Europa (1834), salvando assim parte da obra. Em 1846 os cadernos comprados pelo referido médico foram entregues ao botânico Francisco Freire Alemão, para extração de uma cópia, sendo devolvido ao proprietário apenas no final de 1853, já sem folha de intitulação escrita pelo naturalista, que ficou em seu poder. Os cadernos copiados por Freire Alemão contêm somente o texto correspondente às oito primeiras das vinte e quatro classes do antigo sistema de classificação das plantas, comprovando a perda de cadernos originais e pranchas com desenhos. Nem mesmo os textos que tratam das oito primeiras classes de plantas foram integralmente copiados, faltando treze gêneros da quinta parte. Os cadernos originais e uma cópia feita posteriormente, estão definitivamente perdidos e a cópia feita por Francisco Freire Alemão, depois de sua morte, passou para o acervo da Biblioteca Nacional (PAIVA, 2002, p. 39-40).

Quando da criação da Comissão Científica de Exploração em 1859 e a discussão sobre seu roteiro, um Ceará rico e atraente em fósseis, ouro e outros minerais já havia feito admiradores no meio científico. Além de Freire Alemão, havia Capanema, que chefe da seção de mineralogia, já havia tomado contato com os textos de Feijó.17 E é no roteiro deste naturalista que a Ciência da Corte traça metas, compra materiais e vai a campo, sendo os escritos de Feijó e de outros naturalistas fundamentais para a inserção do Ceará nas investigações científicas.

17 Capanema em seu relatório lido no IHGB, em regresso à corte, irá remontar a sua ida a

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1.2. NA PROVÍNCIA UMA CIÊNCIA NACIONAL

Na sessão realizada no Instituto Histórico e Geográfico (IHGB) em 30 de maio de 1856, presidida pelo Monarca D. Pedro II, Manuel Ferreira Lagos, sócio efetivo da instituição, terminou seus comentários, acerca da viagem do Conde Castelnau às regiões Centrais da América do Sul (viagem realizada entre os anos de 1843-1847), cujo fim era estudar a floresta amazônica. Castelnau escreveu a obra Expedition das les parties centrale de l’Amérique de Sud, de Rio de Janeiro à Lima et de Lima au Para (BRAGA, 1962, p.16). O relato monumental, publicado em Paris, de 1850 a 1857, compreenderia a história da viagem em seis volumes de textos e um atlas, e mais oito volumes em 11 tomos sobre geologia, geografia, botânica e zoologia, assim como história (MINDLIN, 1991, p. 52). Segundo Lagos, tal obra distorce a realidade e traz mentiras sobre o Brasil. O mesmo pensamento era compartilhado por outros membros do IHGB, como Manuel de Araújo Porto-Alegre, que escreve a Lagos sobre a obra de Castelnau:

A leviandade da maior parte dos viajantes franceses e a superficialidade com que encaram as coisas que encontram na nossa pátria, unidas a um desejo insaciável de levar ao seu país novidades, têm sido a causa desses grandes depósitos de mentiras que se acham espalhados por muitos livros daquele povo, que as mais das vezes sacrifica a verdade às facécias do espírito e o retrato fiel dos usos e costumes de uma nação ao quadro fantástico de sua imaginação ardente, auxiliada livremente pela falta de conhecimento da língua e pela crença de que tudo o que não é França está na ultima escala da humanidade (PORTO ALEGRE apud SÜSSEKIND, 1990, p.51).

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Grão-Pará, D. Francisco de Sousa Coutinho, e ao Chefe de Esquadra Bernardo Manuel de Vasconcelos, primeiro Governador da capitania do Ceará. Sobre a ação do governo da capitania cearense para se prevenir contra “um tal de barão de Humboldt”, Renato Braga relata:

Este, mais realista que o rei, ordenou a prisão do viajante prussiano logo que aparecesse. Prometeu de seu bolso uma gratificação a quem o capturasse, sendo de duzentos mil réis se dentro da Capitania e cem mil réis se fora dela, responsabilizando-se ainda por todas as despesas decorrentes da captura (BRAGA, 1962, p. 351).

A coroa portuguesa controlava a produção e circulação de informações sobre o Brasil. Mesmo assim, o conhecimento produzido sobre a colônia lusa vinha de viajantes europeus, cujas representações estavam sendo contestadas pelos “cientistas nacionais” que se propunham a revisar estes erros e escrever uma nova história para a nação em formação. Gonçalves Dias, ao escrever a parte histórica (Proêmio), nas Instruções da Comissão Científica, lamentava que:

Desde os primeiros tempos da colonização do Brasil, quando só a violência era capaz de abrir as portas desta colônia, tão ambicionada pelas potências daquelles séculos, já acontecia que a terra de Santa Cruz era melhor estudada e apreciada nas viagens e relações dos escriptores estrangeiros do que nas memória de nossos antepassados. 18

Capanema, chefe da Seção de geologia da Comissão Científica, lamentava em 1859 que:

O falecido Helmreichen foi colhido como muita hospitalidade no nosso interior, em troca publicou na Alemanha um artigo em que dizia que um fazendeiro de Minas só podia ser tido por homem de mérito depois de ter cometido um assassinato! Outros escreveram sobre o Brasil informações que os matutos e sertanejos que encontravam lhes forneciam, respondendo muitas vezes a perguntas cientificas que eles entendiam lá a seu modo. Outros exploradores, vindo com grande aparato e estrondo, davam-nos como novas descobertas, coisas triviais que há muito conhecíamos. Até dignos varões se encontra que pintaram tico-ticos e pica-paus e os classificam como espécies novas, afim de obterem um emprego em nosso museu, e há ainda quem nesta nossa terra tenha tais charlatões como profundos naturalistas. Numerosos exemplos poderíamos citar para provar que cientificamente o país deve ser estudado por gente própria,

18 Trabalhos da Commissão Scientifica de Exploração. Rio de Janeiro: Typographia Universal

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como o fizeram todas as nações cultas (CAPANEMA apud PORTO ALEGRE, 2006, p. 30).

Ao final da sessão há pouco referida foi sugerida a criação de uma comissão científica nacional, propondo que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro se dirigisse ao governo imperial, pedindo-lhe a nomeação de uma comissão de engenheiros e naturalistas nacionais para explorar províncias menos conhecidas do Brasil, com a obrigação de formarem também para o Museu Nacional uma coleção de produtos dos reinos orgânicos e inorgânicos, e de tudo quanto possa servir de prova do estado de civilização, indústria, usos e costumes dos indígenas.19

A fala de Ferreira Lagos nos remete a várias questões em pauta naquele momento: as representações da nação e a consolidação do II Reinado. Existia uma preocupação em relação às imagens feitas sobre o Brasil no exterior e com a consolidação das instituições científicas (incluindo o IGHB e o Museu Nacional, que fomentavam e agregavam intelectuais engajados na escrita de uma história nacional). Exigia-se também um campo de atuação cientifica no país, o que se faria sob a égide do monarca. No II Reinado, a descoberta e a positivação da riqueza existente na fauna e flora nacional, e a delimitação do espaço geográfico eram as grandes questões trabalhadas entre os quadros da ciência que se tentava criar no Brasil. Desejava-se ver e registrar as riquezas que espalhadas pelo país. Ver e registrar como fato de verdade e como objeto científico seriam as matrizes que guiariam as expedições científicas no século XIX.

A proposta foi aceita e em 11 de julho de 1856 o Ministro do Império, Conselheiro Luís Pedreira do Couto Ferraz, incumbe ao Instituto indicar as pessoas capazes de desempenhar os encargos da Comissão (BRAGA, 1962, p. 19). Pela lei Nº 884 de 1º de outubro de 1856 fica oficialmente estabelecida a criação da Comissão Científica. Sua função era “nomear uma criação de Engenheiros e Naturalistas para explorarem algumas províncias do interior do Brasil e fazer coleções de produtos naturais para o Museu Nacional e provinciais”. A lei trazia também os orçamentos para os referidos trabalhos no período de 1857-1858 (o que não ocorrerá, posto que os trabalhos se efetivaram somente no início de 1859).

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Uma reflexão sobre o elo entre nação e ciência foi feita pelo Visconde de Sapucaí em discurso de abertura da sessão magna do IHGB em 15 de dezembro de 1856:

E não vos parece, senhores, que já era tempo de entrarmos, sem auxílio estranho, no exame e investigação deste solo virgem, onde tudo é maravilhoso? De mostrar-mos, finalmente, ao mundo, que não nos faltam talentos e as habilitações necessárias para as pesquisas científicas?.20

A visibilidade da nação se daria pela ciência, por sua prática efetivada em uma experiência, em uma viagem e numa sistematização do visto e narrado pela escrita científica. Pois vale o visto se narrado e compartilhado.

É interessante perceber a construção de legitimidade para o “saber nacional”. A criação da Comissão fora proposta no seio do IHGB e tinha como meta abastecer outras instituições de mostras animais e minerais, principalmente o Museu Nacional. Ao mesmo tempo em que o Brasil buscava integrar o rol dos países civilizados e compartilhar os “raios da ciência que nasce para todos”, buscava-se num romantismo nacionalista, uma identidade, um passado único e homogêneo frente ao avanço das potências imperialistas.

Após a proclamação da independência do Brasil, em 1822, surge um país de proporção continental, esfacelado em termos de auto-conhecimento, que precisava criar elos de ligação a fim de fundar uma nação brasileira. Voltar-se para o passado e encontrar nele razões de uma nação Voltar-seria de grande importância para construir um país que almejava estar em consonância com o progresso. A definição e a delimitação do território apareciam como condições essenciais para a construção da nação. “Assim como a tradição é a pátria no tempo, o território é a pátria no espaço” (MAGNOLI, 1997, p.110). Para os pesquisadores Istvàn Jancsó e João Pimenta, o Brasil pós-independência era um imenso mosaico de diferenças. Ainda segundo estes historiadores, “a identidade nacional brasileira emergiu para expressar a adesão a uma nação que deliberadamente rejeitava identificar-se com todo o corpo do país, e dotou-se de um Estado para manter sob controle o inimigo interno” (JANCSÓ & PIMENTA, 1999, p. 174).

Buscava-se, portanto, definir uma identidade para o Brasil e integrar o passado e o presente de forma a evitar rupturas em um país de laços sociais e

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provinciais tão frágeis. Seria função do Estado e de suas instituições escrever uma história nacional e nela delimitar os referenciais espaço-temporais da jovem nação brasileira. Sobre o papel das viagens científicas de exploração e a formação da nação, Manoel Luis Salgado Guimarães observa que “do esquadrinhamento minucioso das regiões surgiria uma diversidade construída pela história, como que negar teimosamente uma diversidade que insistia em se mostrar” (GUIMARÃES, 2000, p. 13). As viagens cientificas teriam como tarefa dar a conhecer o país em suas mais diversas particularidades, conhecendo e integrando num imenso “mosaico” as províncias, o conhecimento servia como cimento para manter firme a unidade nacional.

Fundado em 1838 como instituição de produção de conhecimento e lugar social de legitimidade de nossa intelectualidade, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) criaria a Comissão Científica de Exploração (1856-1867), cuja finalidade era fazer um mapeamento não só da fauna e da flora brasileiras, mas fomentar uma cultura científica nacional. O país precisava se integrar internamente para entrar na ordem do progresso das grandes civilizações. Para tanto, era necessário um saber que distinguisse o país de tantos outros, que criasse suas instituições e representações. O IHGB não apenas estava preocupado em escrever sobre a História e Geografia do Brasil, como geralmente a instituição é descrita. O Instituto preocupava-se com a produção do conhecimento como um todo. Silvia Figueirôa percebe que no IHGB a preocupação com a ciência também era pauta. Consta na abertura do “Programa Histórico” publicado no primeiro tomo da revista da instituição em 1839 que a instituição era “representante das idéias da ilustração que em diferentes épocas se manifestaram em nosso continente” (FIGUEIRÔA. 1997, p. 65). Foi seguindo as orientações de seu “Programa Histórico” que o IHGB propôs a criação da Comissão Científica de Exploração.

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instituições, embora tenham obtido grande destaque durante o II Reinado, suas datas de fundação remetem a períodos anteriores, tais como a regência e até mesmo a vinda da Família Real (1808), o que mostra como a política do Monarca D. Pedro II soube articular e canalizar a atuação destas instituições em prol da construção de um campo de saber nacional. A criação destas instituições tinha como objetivo elaborar um discurso histórico da pátria recriando o passado por meio dos mitos fundacionais. Sobre o papel que o conhecimento histórico e geográfico, atrelados ao IHGB, exerceria sobra nação brasileira, Manoel Luis Salgado Guimarães infere que:

Estava em pauta o conhecimento da nação, sua representação, ou melhor, a escrita de sua História, projeto levado a cabo pelo IHGB. Além dele, outras instituições se empenharam no processo de busca de uma identidade nacional. Alguns dos maiores exemplos são percebidos na Sociedade Auxiliadora da Indústria e no Museu Nacional, instituições que mantinham claras relações entre si, todas associadas ao Império e à consolidação do regime. Escrever a história brasileira enquanto palco de atuação de um Estado iluminado, esclarecido e civilizador, eis o empenho para qual se direcionam os esforços do Instituto Histórico (GUIMARÃES, 1988, p.10).

A criação da Comissão Científica de Exploração esteve vinculada à consolidação do regime monárquico, que passaria a se preocupar com a unidade territorial, mediante um conhecimento nacional. Maria Odila Dias nos informa que o “estranhamento” entre províncias se deve ao fato de que a independência do Brasil em 1822 não foi marcada por um processo nacionalista nem revolucionário, não sendo, portanto, portador de um sentimento de pertença. O “afrouxamento” de nossa unidade nacional era visível para os contemporâneos à independência. Segue a autora:

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Esse “distanciamento” entre as províncias e a corte era visível já no inicio do II Reinado. Em novembro de 1843, um jornal da capital do Império, Minerva Brasiliense, publicou a seguinte nota:

Estranhas umas as outras, falta às nossas províncias a força do laço moral, o nexo de nacionalidade espontânea que poderia prender estreitamente os habitadores esta imensa peça, que a natureza abarcou com os dois maiores rios do universo (...). Uma história geral e completa do Brasil resta a compor, e se até aqui nem nos era permitido a esperança e que ao cedo fosse satisfeito esse “desideratum”, hoje assim não acontece, depois da fundação do Instituto Histórico, cujas importantíssimas pesquisas no nosso passado deixam esperar, que esta ilustre corporação se dê à tarefa de escrever história nacional, resultado final, para que devem convergir todos os trabalhos (GUIMARÃES, 1988, p.14).

A nação parecia, portanto, um conceito abstrato, não tendo significados frente aos regionalismos espalhados e vivenciados no cotidiano da população, que se identificava a sua região e não à nação. Freire Alemão nos fornece algumas notas de seu diário sobre o sentimento de pertença à pátria:

É notável como o povo do Ceará entende a sua nacionalidade: para eles o Brasil é o Ceará, os mais provincianos são estrangeiros (...) Em geral não estimam aos das províncias limítrofes. De Piauí falam com desprezo e denominam a província de Terra dos Serões, o que eles têm horror (...). De Pernambuco não cessam de fazer comparação (...) com os do Maranhão há mais rivalidade: os maranhenses chamam aos cearenses cabeças-chatas e os não tem bom conceito. A gente do Ceará que tem uma certa cultura mostram-se invejosos e prevenidos contra o Rio de Janeiro; todas as desgraças de sua província são causadas ou pelo menos não remediadas pelo governo, que só trata do Rio de Janeiro.21

A integração da natureza brasileira se daria pela integração de suas regiões através do olhar cientifico nacional. Os regionalismos seriam desfeitos e a Corte seria o centro da nação através da integração das mais distantes paragens. Um olhar científico que analisa e integra o país passa a fazer parte dos membros que irão compor a referida comissão. O que marcaria a experiência em campo seria a heterogeneidade, que era parte da própria natureza brasileira. Uma diversidade de paisagens, lugares e hábitos mostrava um império fragmentado em seu próprio corpo. A ciência buscava a criação

21 ALEMÃO, Francisco Freire. Diário de viagem de Francisco Freire Alemão: Fortaleza-Crato

Referências

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